sexta-feira, 10 de junho de 2016

Tarde demais para esquecer.


Lendas Escoteiras.
Tarde demais para esquecer.

                         Nunca esqueci quando tudo começou. Oito anos atrás. Não fosse o Chefe Mascarenhas meu destino teria sido outro. Mas Deus é quem decide, se ele decidiu assim é porque eu teria de passar por isto. Chefe Mascarenhas apareceu em Águas Calientes para consertar um moinho que comprei com a poupança do meu pai falecido. A herança me permitiu viver trabalhando e nada me faltava. Tinha cabeça para isto. Não me dei mal. Chefe Mascarenhas ficou na minha casa. Eu mesmo insisti para que ficasse. Gente boa, com seus cinquenta e poucos anos era bom de papo e muito simpático. Era escoteiro. Falava maravilhas da organização. Quem o ouvisse ficava deslumbrado e querendo ser um deles. Acampavam, faziam sua comida, tinham técnicas mateiras de construção, exploravam grutas, picos impossíveis e imagináveis para um menino conhecer. Faziam boas ações ajudando as pessoas e tinham um código de honra sagrado para eles.

                Interessei-me. – Chefe Mascarenhas! Será que poderíamos fazer um escotismo aqui em Águas Calientes? - Perguntei. – Claro que sim. Alguém tem de dar os primeiros passos e no que for possível eu lhe ajudo. Não faltou ajuda. Alberto o Prefeito, o Doutor Lanes Juiz de direito todos encantados com a ideia. A Rádio local dizia que tudo ia mudar com a juventude de Águas Calientes. Nas inscrições mais de cinco mil crianças. Um pandemônio. Fiquei aterrorizado. Chefe Mascarenhas me aconselhou: - Comece com poucos. Máximo de oito. Treine-os. Serão seus Monitores. Depois de três meses vá aceitando e formado as patrulhas. Os lobinhos não tem problema com a quantidade. Veja alguém para dirigir a Alcatéia. Arrume umas quatro pessoas para diretoria. Vou arrumar para você uma autorização provisória. Consiga um local para as reuniões e um salão para a sede. Depois falamos mais. Eufórico eu sorria de felicidade. A cidade reclamava porque não colocava todos de uniforme a marchar pelas ruas centrais. Pais e mães chorosos faziam pedidos pelos seus filhos.

                        Adorava meus Monitores. Viviam nas horas vagas em minha loja. Aos sábados na sede do Grupo Municipal Santo Expedito. Aprendíamos juntos tudo sobre escotismo. Acampávamos quase todos os fins de semana. Chefe Mascarenhas me mandou uma boa biblioteca. Em dois meses fui a capital fazer um curso. Estava em ponto de bala. A Patrulha de Monitores vivia para o escotismo. Escolheram como símbolo o Tuiuiú! Virou tradição a patrulha Tuiuiú dos Monitores. A Promessa foi feita dois três meses depois. Uma professora do Grupo Escolar aceitou meu convite para os lobinhos. O grupo foi crescendo e apareceram pais para ajudar. Nada faltava. No desfile de Sete de Setembro eu há vi pela primeira vez. Milena. A mais linda moça que tinha visto. Linda, simpática, cabelos loiros, curtos uma época que Doris Day e Grace Kelly enfeitavam as tela de cinema. Paixão a primeira vista. Minha alma gêmea.

                      Cinco meses depois fiquei noivo. A mãe de Milena me preveniu sobre ela – Muito possesiva Chefe. Sempre querendo ser a dona de tudo. Mas o amor esquece tudo. Nada poderia impedir uma grande paixão. No meu casamento a escoteirada toda na igreja. Queria casar de uniforme, mas ela foi contra – Nem pensar Mario Montes nem pensar! Já mandei vir da capital um legitimo terno inglês da melhor casimira! Assim começou tudo. Ela aos poucos me foi dominando. Sempre decidindo a minha vida. Meu amor por ela era grande demais e aceitava tudo. Ela criticava meu modo de vida e os escoteiros. Aos poucos minha vida se transformou em um inferno. Eu a amava e quase deixei o escotismo por ela. No grupo todos ficavam penalizados com minha vida pessoal. Ela ria de todos e dizia que o escotismo afasta as pessoas e a família. Ela não queria isto para a família que nós iriamos fazer.

                   Eu ia para as reuniões Escoteiras angustiado. A rotina que fazia de muitos acampamentos e atividades ao ar livre foram aos poucos acabando. Já não era belo como antes. Milena se interpunha a tudo. Tudo aconteceu muito rápido. Milena começou a sentir dores no seio. Alguns exames e acharam dois tumores enormes. Ela teria que operar. Chorou muito. Perder os seios para ela seria o fim do mundo. Não teve jeito. Operou. Em casa só chorava. Meu coração partia de dó. Ver a pessoa que a gente ama sofrer não é fácil. Minha vida meu trabalho e o Grupo Escoteiro Já não era como antes. Tirei uma licença de alguns meses. Os meninos sentiam minha falta, mas precisava olhar Milena. Cada dia um sofrimento. Ela começou a sentir fortes dores. Fomos para a capital. Os médicos não deram esperança. Mais dia menos dia Milena iria partir. Eu nunca fui espiritualista. Uma época que em nossa cidade pouco se falava sobre isto. Milena um dia me procurou – Mario Montes quero que você me prometa. Quando eu morrer você não vai mais para o grupo escoteiro. – Porque meu amor, por quê? Ela nada dizia. Seu semblante mudava. Parecia estar possuída. – Meus olhos ficaram vermelhos. Minha cabeça não sabia o que pensar. E o escotismo? Oito anos e tinha de deixar tudo para trás? Eu a amava, mas iria trair minha consciência? Enganar a vida e a morte? Ou enganar a mim mesmo?

                 Um dia ela não andou mais. Morreu dois meses depois. Eu entendia o desejo dela. Amava-me demais e mesmo morta não queria dividir. As exéquias foram simples. Duas semanas resolvi abandonar a cidade. Peguei minha mochila, coloquei na porta da minha loja um aviso que ficaria fechado por algum tempo. Precisava pensar. Raciocinar. Fui acampar sozinho nos Montes Pirineus próximo à fazenda Além Mar. Armei a barraca e nem fogo fiz. Não tinha fome. Olhava para o céu, para as árvores, ouvir o cantar dos pássaros. Meus olhos vermelhos. De madrugada acordava e me punha a chorar. Nunca Milena falou comigo. Nunca me deu um sinal. Resolvi voltar à cidade. Na rua caí desfalecido. Levantaram-me. Agradeci. Ao seguir pra casa passei em frente à igreja aonde casei. Estava aberta. Resolvi entrar. Ninguém ali. Sentei próximo a uma imagem de Santa Terezinha. Entre os bancos vi uma bíblia, aberta em uma página. Olhei com curiosidade e comecei a ler devagar, calmamente, já respirava melhor. “O amor é paciente, o amor é bondoso”. Não inveja, não se vangloria não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca perece... Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor. – Meus olhos encheram-se de lágrimas.


                    Um padre sentou ao meu lado. Perguntou-me o que houve. Contei tudo como se fosse em confissão. Ele sorriu me abençoou e falou baixinho: - Disse-lhe Tomé: “Senhor, não sabemos para onde vais; como então podemos saber o caminho?” – Respondeu Jesus: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim”. Passaram dez anos. Nunca esqueci de Milena. Tenho lembranças felizes dos nossos doces momentos que passamos juntos. Ainda continuo viúvo. Houve pretendentes, mas nada que me fizesse voltar a casar. Quer saber? – tinha medo. Medo de que a nova mulher dos meus sonhos fosse exigir de mim o que não posso prometer. O meu escotismo sempre morou em meu coração! Para mim é uma chama que marca e ficará para sempre dentro da minha alma.

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