Lendas
Escoteiras.
A última
página do adeus.
Olhe eu nunca há esqueci.
Seu sorriso, seu jeito matreiro de conquistar e fazer amigos, sua lealdade e
sua honradez eram de tirar o chapéu. Não sei por que partiu. Se houve um motivo
no grupo nunca fiquei sabendo. Todos ficamos consternados com sua partida.
Partiu sem nenhuma explicação e assim como chegou se foi. Não despediu de ninguém.
Vimos algum de estranho em seus olhos no sábado anterior. Parecia que chorava
por dentro. Ela tinha estilo, pose de rainha, mas não era antipática démodé ou
arrogante. Era simples, conquistava pelas palavras, pelo carinho pelo abraço e
seu Sempre Alerta era demais! Chegou sozinha sem filhos a tiracolo, maneira
corriqueira que sempre acontece com pais que chegam para ver e sentir onde seus
filhotes estão e verem se vale a pena.
Raquel foi diferente. Adentrou
na sede e disse que veio ajudar. Foi aceita sem maiores exigências. Disse que
não teve a oportunidade de tornar seu sonho de ajudar os jovens e ali no escotismo
poderia colaborar. Quando a conheci vi que era uma senhora de classe. Porque
estava ali e sozinha? De onde tinha vindo? Quem seria? Acreditar no seu
altruísmo no seu amor ao próximo, na benevolência e no seu bom coração sem nada
saber de suas origens era um desafio para todos nós. Dizem que a ajuda ao
próximo sem buscar qualquer recompensa é notável indicador de elevação moral,
que eleva o ser humano, fazendo dele um ser superior digno de ser seguido. No
Grupo todos nós ficamos encantados com ela.
Na sede ou no campo todos os
jovens do grupo ficavam como abelha no mel em volta dela. Contava lindas
histórias. Cantava lindamente. Era exímia em jogos e a criançada escoteira
aplaudia. Os chefes pensavam se poderia existir alguém como ela. Nunca ouve
ciúmes, maledicências, despeito ou mesmo uma rivalidade. Em meus pensamentos
pensei que seria uma Santa que desceu do céu para ajudar nosso escotismo tão
necessitado de pessoas assim. Não entrou em nenhuma sessão Escoteira. Chegava
meia hora antes e saia meia hora depois. Neste tempo distribuía sorrisos,
conversava motivando a todos, recebia pais e visitantes, encaminhava os novos
para o Diretor Técnico e nunca interferiu nas sessões quando de suas
atividades. Os chefes sempre a procuravam para um jogo, uma historia ou um
conselho.
Todos a chamavam de Raquel.
De que? Ninguém nunca soubemos e nunca ela falou. Ninguém sabia onde morava,
onde trabalhava se tinha família ou não. Isto se tornou tabu para todos, pois
não queriam ofendê-la e nem privar de sua amizade. Se ela não contou é porque
não queria contar. Um dia procurou o Chefe e disse para ele que queria fazer a
promessa. Todos se alegraram. Ela chegou naquele sábado esplendidamente
uniformizada. Sua performance era incrível e seu garbo melhor ainda. Foi uma
promessa inesquecível. Após o cerimonial vieram antigos Escoteiros,
ex-Escoteiros, chefes do distrito e da região, pois ela conquistou uma legião
de fãs. Ela mesmo ofereceu um coquetel. Garçons de smoking serviam os mais
gostosos salgados e quitutes de dar água na boca. Eu a via pensando que ali estava seu mundo
escoteiro, mas e seu mundo particular?
Nunca ficou um dia, um
minuto um segundo sem o uniforme na sede e nas atividades Escoteiras. Ficamos
boquiaberto quando disse que conseguiu um avião para levar todos do grupo para
um Jamboree Nacional. Um avião? Quem ofereceu? Ninguém perguntou. A confiança
nela era tremenda. Lá foram todos na aventura que marcou os jovens e adultos do
Grupo Escoteiro por toda a vida. Olhe eu posso garantir que nunca faltou, nunca
chegou atrasada e em menos de um ano nosso Grupo Escoteiro se tornou o mais
conhecido da cidade. O prefeito e outras autoridades nos davam o maior apoio.
Meu Deus! Quem era essa mulher? Porque ninguém sabia de nada de sua vida? Como
ela conseguiu esconder de todos seu curriculum pessoal? Nada vi na mídia nada que
pudesse desaboná-la.
Foi um desastre aquela
reunião do sábado. Chovia ninguém se preocupou com a chuva. Todos esperavam a
chegada de Raquel com seu sorriso fantástico, um anjo dourado que Deus presenteou
ao Grupo Escoteiro. Os lobinhos, Escoteiros, seniores guias e chefes entravam
aos borbotões pelo portão de aço, pintado de branco, para receber um sorriso e
um aperto de mão de Raquel. Onde estava ela? Ninguém sabia. Não veio? – Até
agora não, disse alguém. Ficaram o tempo todo em reunião, mas sempre olhando
para o portão vazio. Uma calmaria que assustava. Raquel não veio e nem nas três
seguintes. O Grupo Escoteiro sentiu na pele aquela ausência. Ninguém queria
acreditar no pior. Sempre sonhavam com ela adentrando com aquele sorriso dizendo:
Sempre Alerta!
Raquel desapareceu. Ninguém
sabia onde morava, ninguém tinha seu telefone, ninguém sabia onde trabalhava e
nem as autoridades que ela fez amizade sabiam de sua vida particular. O coração
partido, os olhos lacrimejados mostraram um Grupo Escoteiro à deriva. – Muitos
diziam alto com rancor o porquê daquele abandono. Outros reclamavam por ela oferecer
amor e carinho e desaparecer como uma nuvem levada pelo vento. Lembro que eu
mesmo chorei com sua partida. Anos depois sem querer vi na internet uma noticia
que me estarreceu. Era de 40 anos atrás. Eu não podia entender e compreender. –
Dizia: -
- Dentre os mais de
cento e oitenta passageiros que morreram na queda do Avião da Swissair
ocorrido hoje, próximo a Kaduna, uma figura simples que labutava no Hospital
St. Nicholas na capital da Nigéria, a Irmã Raquel, considerada uma Santa vai
deixar saudades. O Vaticano estuda até hoje sua canonização. Seu trabalho na
cruz vermelha na Monróvia, Libéria vai deixar uma lacuna difícil de ser
preenchida. O Padre Romulo sempre dizia que ela partiu para estrelas para nunca
mais voltar! Olhei a foto com atenção. Mesmo preta e branca e opaca era dela,
da nossa querida Chefe Raquel!
Existem chefes que
deixam saudades. Existem pessoas que marcam e ficam no coração da gente para
sempre. Cada um de nós conhecemos pessoas assim. Sei que Raquel nunca mais iria
voltar. Sua missão havia sido cumprida. Partiu para outra missão, pois uma alma
evoluída não pode ficar no mesmo lugar. Sempre guardei lembranças enormes de
Raquel em meu coração. Nunca vou esquecer seu sorriso, sua voz seu jeito
gostoso de ajudar e que transformou o Grupo mostrando que a fraternidade não
tem hora e nem lugar!
- Tem gente que passa
em nossa vida, leva um pouco de nós mesmos, e deixa um pouco de si mesmo. Há os
que levam muito, e há os que deixam muito, mas não há os que não deixam nada! –
Raquel levou nossas saudades, mas deixou exemplos para nunca mais serem
esquecidos.
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