Lendas
escoteiras.
Plutão o
labrador de Thereza.
Quando Thereza nasceu ninguém supunha
que ela tinha deficiência visual. A visão é um dos sentidos que nos ajuda a
compreender o mundo a nossa volta. A comunicação por meio de imagens e elementos
visuais nos faz compreender melhor o mundo que vivemos. Até os dois anos seus
pais desconheciam o que se passava com ela. Davam a ela todo amor que podiam
dar. Foi um choque o dia que descobriram que não enxergava. Muitas lágrimas e todos
querendo saber o que houve. Quatro meses depois ela foi levada a um
especialista. A falta de conhecimento em vez de ajudar Thereza prejudicava. Todos
só sabiam reclamar de Deus reclamar da vida e pensavam sempre em sí próprios
perguntando por que tiveram tal infortúnio.
Thereza cresceu sem amigos. Os pais
fizeram o que podiam. Aulas para deficientes visuais com bons programas e até
recebendo o apoio de um Professor especializado. Thereza tentava a todo custo
superar as barreiras. A superproteção dos seus familiares e sua vontade de independência
era sempre condenada pelos pais. Nunca teve oportunidade de provar que era
capaz de andar sozinha e usar seus sentidos. Não podia superar seus medos e as
desconfianças. Tentava e fazia um esforço descomunal para vencer estas
questões. A escola que frequentava era fraca e as alternativas para superar
deviam partir da família o que não acontecia.
Thereza cresceu taciturna, falava
baixinho e não saia da porta de sua casa. Dentro ela conseguia superar todas
suas limitações. Seus pais dificilmente conseguiam um sorriso e sua mãe foi por
todos os anos de sua vida uma professora incansável. Thereza era uma aluna de
uma vivacidade incrível. Não a incentivaram ter seu próprio mundo andando com
suas próprias pernas. Um dia sentada no portão de sua casa ouviu alguém a
cumprimentar. – Ola moça, meu nome é Patrice seu vizinho. Quase não a vejo sair
e pensei se não gostaria de conhecer meu mundo Escoteiro onde participo e onde
tenho as alegrias que antes não tinha. Ela sorriu e ele percebeu que ela tinha
deficiência visual. Mesmo assim insistiu no convite. Quando ela comentou com
sua mãe foi um Deus nos acuda. – Nem pensar minha filha. O que vai fazer lá no
meio daquela meninada que vão para a floresta, para as montanhas e fazem suas
aventuras?
Thereza não chorou. Estava acostumada com
estas negativas. Uma semana depois Patrice voltou. Na porta sua mãe atendeu. –
Boa tarde senhora. Thereza reconheceu a voz de Patrice falando com sua mãe. - Minha
patrulha fez uma vaquinha e compramos um labrador para Thereza. A mãe assustou.
Seu pai levantou e foi ver o Cão. Lindo, negro, pele macia, um olhar doce e um
respirar faceiro. Thereza já tinha ouvido falar em cães para deficientes
visuais. Se sentiu feliz com esta nova possibilidade. Patrice riu quando ela
tremeu e disse – Venha comigo vamos fazer a primeira experiência. Seus pais
tentaram impedir, mas Patrice explicou que seu pai era veterinário e um
adestrador de cães. Eles não precisavam ter medo. – Thereza resolveu enfrentar esta
nova etapa da sua vida. Com suas mãos macias sentia o pelo do labrador e sem
perceber o chamou de Plutão. Foi amor à primeira vista.
Durante vários dias Patrice saia com
Thereza e passeava com ela puxada por Plutão. Pareciam que tinham nascido um
para o outro. O treinamento foi intensivo e Thereza passou a ter um grande amor
pelo cão. Patrice sabia que ela agora seria uma questão de tempo para ela
desbravar novos caminhos. A locomoção de uma pessoa cega é muito mais fácil do
que parece, mas isto depende exclusivamente dela. Em um mês Thereza perdeu o
medo, mas seus pais nunca acreditaram que ela poderia sair por aí sozinha. Eles
tinham visto sua transformação, já brotava um sorriso em seus lábios. No sábado seguinte Patrice apareceu em sua casa
e a convidou a visitar o Grupo Escoteiro. – Patrice, o que eu vou fazer lá? –
Vai conhecer gente Thereza, vai conhecer seus amigos que ajudaram a comprar o
Plutão. E claro vai participar conosco. - Eu? Como? – Esqueça seus medos
Thereza, acredite em você!
Mesmo contrariando seus pais Thereza
foi. Plutão aprendia os caminhos e a protegia sempre. Thereza nunca se sentiu
tão feliz. Agora se sentia bem, pois tinha amigos a quem podia confiar. Ela
adorou os seniores e as guias. Sentiu-se em uma grande irmandade. Cantou com
eles e até fez jogos simples. A Patrulha Olavo Bilac fez dela um dos seus. Eles
não a tocavam. Deixavam-na acompanhar a patrulha. Plutão sempre a seu lado. No
shopping todos riam da alegria daquela turma alegre e disciplinada. Ficavam
embasbacados por verem uma mocinha com um cão correndo aqui e ali e dando belas
gargalhadas. Quando se preparavam para o acampamento anual seus pais foram
contra. Não adiantou o Chefe Manfredo e a Chefe Nair irem até lá e explicarem
que não haveria perigo. Eles foram irredutíveis.
Thereza parou de falar, de rir e
sempre com expressão sombria. Plutão não saia do lado dela. Punha suas patas em
seu colo e lambia seu rosto. Ela afagava Plutão com tristeza. Uma tarde sentiu
que não havia ninguém em casa. Pegou a correia de Plutão e saiu com ele. Queria
ir para a praça. Queria pensar e tentar decidir sua vida. Não se revoltou com
seus pais. Plutão saiu animado e ela sabia que estava em boas mãos.
Atravessaram a rua no sinal e no parque ela sentou na grama em uma sombra.
Sentiu uma mão em seu ombro. Uma voz cavernosa lhe disse que ela era linda. As
mãos dele começaram a descer pelo seu corpo. Tentou correr, mas foi subjugada.
Gritou por socorro, mas naquela hora não havia ninguém perto no parque. Ela
ouviu um gemido, um grito de dor e o marginal pedindo socorro. Era Plutão
atacando o marginal.
A polícia a levou em casa. Seus pais assustados
e Thereza sorrindo. Os policiais contaram o que houve. A mãe de Thereza chorando
disse que nunca mais ela sairia sozinha. – Mãe eu nunca estou sozinha. Tenho
Plutão. Thereza foi ao acampamento. Como foi lindo. Ouvir o cantar dos
pássaros, sentindo o vento no rosto, sentir á água fria da nascente, o aroma
das flores silvestres. Thereza não precisa ver. Ela sentia mais que alguém que
tinha olhos e nunca enxergaram as belezas vivas da natureza. Thereza ajudou na
cozinha, buscava água com Plutão que se divertia até fez muitas amarras e
costuras de arremate nas pioneiras da patrulha. Thereza voltou outra. Sua mente
não esquecia a maravilhosa noite do Fogo de Conselho.
Nunca mais vi Thereza. Soube que ela
mudou com a família. Um dia no jornal da cidade vi sua foto. Ela se tornou
escritora e estava ficando famosa. Vi que Plutão estava com ela. Bem velhinho e
sorridente. Atrás dela vi o Patrice. Não sei se casaram ninguém nunca me disse.
Mas quem conheceu Thereza e a visse agora, sabe que o mundo dos Escoteiros é
único. Bendito seja Deus por nos dar
esta oportunidade. Cada um escolhe seu caminho. Não importa se enxerga ou não,
mas importa que aceita o que é sem reclamar. Palmas para Thereza!
O milagre
não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!
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