quarta-feira, 21 de junho de 2017

Vítima de uma paixão.


Lendas escoteiras.
Vítima de uma paixão.

                     Pois é Chefe, eu a conheci. A verdade é que nem sei se a conheci internamente. Posso até contradizer muito do que vou lhe contar e olhe Chefe me mantive calado por muitos anos. É uma história triste que tentei esquecer e não consegui. Lembro quando ela ainda com seus sete anos adentrou no pátio, me pareceu que uma luz chegou do céu para deixar o dia mais bonito e formoso. Eu era dois anos mais velho, mas senti que nos conhecíamos de algum lugar. Ela me aceitou como amigo e nas horas vagas eu ia conversar com ela na porta de sua casa e na Matriz do Cedro. Na tropa escoteira esperei dois anos sua passagem. Foi então que notei que ela se esqueceu de mim. Meus olhos sempre fixavam sua figura imponente que aos onze anos resplandecia em meu coração.

                     O tempo implacável enviou para o passado a juventude dela e a minha. Pioneiro logo fui para Chefe. Sempre pensando em pedir sua mão em casamento. Mas como? Lisbela me considerava um amigo e mais nada. Olhe Chefe, ela podia ter sido tudo na vida, seus pais tinham condições financeiras para pagar uma boa faculdade, mas ela mesma obediente e disciplinada não fez jus aos sonhos deles. O tempo foi passando e ela se mostrava ter um grande Espírito Escoteiro. Eu Chefe não nunca tive uma namorada. Eu a amava. Era mais que um amor era uma paixão e isto impedia que eu olhasse para outra jovem. No fundo Chefe eu sabia que nunca há teria. Sabe Chefe precisava ver quando ela adentrava a sede, dava aquele belo sorriso, jogava os cabelos compridos loiros para trás e gritava Sempre Alerta. Meu coração batia chefe.

                     Para dizer a verdade eu nem sei como aquilo aconteceu. Eu já tinha visto Lisbela e Nair juntas. Mas acreditei em amizade e nada mais. Nair não era e do movimento escoteiro. Mas a surpresa veio em seguida. Ambas resolveram assumir o romance e foi então que tudo aconteceu. Monte Verde com seus 45.000 habitantes ainda era uma cidade provinciana. Isto Chefe aconteceu há mais de 30 anos. Lisbela foi levada ao Conselho de chefes e mesmo eu intercedendo não adiantou. Ela foi excluída do grupo e o pior, exigiram que ela devolvesse o Lis de Ouro, o Escoteiro da Pátria e a Insígnia de B.P. Absurdo Chefe, tanto que pedi para sair. Se não fosse o Chefe Leôncio eu não teria mais voltado para o grupo.

                     Elas assumiram seu romance e foram morar juntas. Lisbela ainda não tinha emprego, mas Nair era enfermeira no Hospital Santo Ângelo. Os pais de Lisbela a abandonaram e mudaram de cidade, eles nunca aceitaram o “casamento” ou a união de ambas. Lisbela ficou sem nada, tentou arrumar um emprego e não conseguiu. O destino é engraçado, quando tudo vai bem, beijos, abraços, cumprimentos e depois todos viram as costas sem sequer entender a razão de cada um. Eu pensava que pelo menos a maioria dos chefes fossem perdoar se fosse possível o perdão já que a escolha de dois adultos deve ser respeitada sem interferência de ninguém. A vida é assim e poucos têm piedade quando duas pessoas do mesmo sexo se amam e resolvem assumir seu amor.

                      Acho Chefe que ambas estavam aqui na terra para pagar algum que fizeram em outras vidas. Só pode ser. Cinco meses depois Nair foi demitida do Hospital. Não conseguiu emprego e ela e Lisbela resolveram mudar para outra cidade mais distante. Quando ela se foi meu mundo que já não tinha chão me jogou como um boneco espatifado no asfalto. Nem sei como não morri. Passei a beber e olhe Chefe eu era um escoteiro de mão cheia. Nunca pensei que chegaria neste estado por uma mulher. Quatro anos depois por muita insistência voltei ao grupo. Muitos ainda se mantinham ressentidos. Resolvi mudar e sempre dava em cada meu aperto de mão e um abraço. Recebiam desconfiados pensando que eu também tinha mudado meu estilo de homem macho.

                        Qual não foi minha surpresa quando fui fazer um curso na capital me dei de cara com Lisbela. Era outra. Cabelos brancos, despenteados, sorria mostrando a falta de dentes e outros cariados. Não era a figura da Lisbela que guardava na memória. Ela me cumprimentou. Convidei-a para almoçar comigo e aceitou com reservas. Perguntei por Nair e ela me respondeu chorando. - Morreu Augusto. Quando chegamos aqui uma pneumonia e um câncer a matou em quatro meses. Foi meu fim também. Pensei em me matar, mas meu passado escoteiro não deixou. Ainda tenho na mente as leis e a decima primeira de B.P nunca esqueci. – Me lembrei: - O escoteiro é puro nos seus pensamentos nas suas palavras e nas suas ações.

                       Ficamos depois em um banco da praça próximo a rodoviaria e ela me disse que trabalhava como faxineira, morava em uma favela e nunca mais viveu com ninguém. – Moro sozinha Augusto. Nair foi para mim o sol da minha vida. Sem ela vivo sem pensar no futuro a não ser quando me for encontrar com ela no paraíso. Se for merecedora, claro. – Ela mesmo ainda tinha dúvidas do seu gesto. Chefe, o senhor me conheceu quando menino escoteiro. Conheceu-me nos cursos que fiz com o senhor, sabe como penso e foi sempre um amigo em que podia contar. Mas eu quero perdoar Lisbela por não me ter escolhido e não consigo. A mágoa ainda persiste e achei que ela não podia ter fechado seu coração para mim.

                        Não sabia o que dizer ao Augusto. Ainda era um belo homem e continuava no escotismo ajudando quem precisava ser ajudado. Os jovens. Olhei para ele e falei baixinho: - Augusto perdoar é mais importante do que receber o perdão. Remoer mágoas e ressentimentos envenena a alma. Viver esse envenenamento destrói o ser. – Ele me olhou com os olhos rasos d’água. Não me disse nada. Saiu devagar sem olhar para trás. 


                          Fui para casa pensando nas palavras de um poeta: - “Quero voltar a viver ao seu lado, nos magoamos eu sei. Mas perdoar não é esquecer. É apenas lutar por mim e por você”! Verdade? Se for assim o amor venceu!

nota: - O mundo está mudando e diversas situações que eram tabus no passado agora são mais factíveis e aceitas. Mesmo assim costumamos virar as costas quando tudo acontece entre nós. Certo ou errado todos tem direito a escolher seu destino e com quem viver. A história de Lisbela e Nair é uma ficção, mas tem muito de real por muitos que tentam viver feliz.

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