Lendas
escoteiras.
Vítima de uma
paixão.
Pois é Chefe, eu a
conheci. A verdade é que nem sei se a conheci internamente. Posso até
contradizer muito do que vou lhe contar e olhe Chefe me mantive calado por
muitos anos. É uma história triste que tentei esquecer e não consegui. Lembro quando
ela ainda com seus sete anos adentrou no pátio, me pareceu que uma luz chegou
do céu para deixar o dia mais bonito e formoso. Eu era dois anos mais velho,
mas senti que nos conhecíamos de algum lugar. Ela me aceitou como amigo e nas
horas vagas eu ia conversar com ela na porta de sua casa e na Matriz do Cedro.
Na tropa escoteira esperei dois anos sua passagem. Foi então que notei que ela
se esqueceu de mim. Meus olhos sempre fixavam sua figura imponente que aos onze
anos resplandecia em meu coração.
O tempo implacável enviou
para o passado a juventude dela e a minha. Pioneiro logo fui para Chefe. Sempre
pensando em pedir sua mão em casamento. Mas como? Lisbela me considerava um
amigo e mais nada. Olhe Chefe, ela podia ter sido tudo na vida, seus pais
tinham condições financeiras para pagar uma boa faculdade, mas ela mesma
obediente e disciplinada não fez jus aos sonhos deles. O tempo foi passando e
ela se mostrava ter um grande Espírito Escoteiro. Eu Chefe não nunca tive uma
namorada. Eu a amava. Era mais que um amor era uma paixão e isto impedia que eu
olhasse para outra jovem. No fundo Chefe eu sabia que nunca há teria. Sabe
Chefe precisava ver quando ela adentrava a sede, dava aquele belo sorriso,
jogava os cabelos compridos loiros para trás e gritava Sempre Alerta. Meu
coração batia chefe.
Para dizer a verdade eu
nem sei como aquilo aconteceu. Eu já tinha visto Lisbela e Nair juntas. Mas
acreditei em amizade e nada mais. Nair não era e do movimento escoteiro. Mas a
surpresa veio em seguida. Ambas resolveram assumir o romance e foi então que
tudo aconteceu. Monte Verde com seus 45.000 habitantes ainda era uma cidade
provinciana. Isto Chefe aconteceu há mais de 30 anos. Lisbela foi levada ao
Conselho de chefes e mesmo eu intercedendo não adiantou. Ela foi excluída do
grupo e o pior, exigiram que ela devolvesse o Lis de Ouro, o Escoteiro da
Pátria e a Insígnia de B.P. Absurdo Chefe, tanto que pedi para sair. Se não
fosse o Chefe Leôncio eu não teria mais voltado para o grupo.
Elas assumiram seu romance
e foram morar juntas. Lisbela ainda não tinha emprego, mas Nair era enfermeira
no Hospital Santo Ângelo. Os pais de Lisbela a abandonaram e mudaram de cidade,
eles nunca aceitaram o “casamento” ou a união de ambas. Lisbela ficou sem nada,
tentou arrumar um emprego e não conseguiu. O destino é engraçado, quando tudo
vai bem, beijos, abraços, cumprimentos e depois todos viram as costas sem
sequer entender a razão de cada um. Eu pensava que pelo menos a maioria dos
chefes fossem perdoar se fosse possível o perdão já que a escolha de dois
adultos deve ser respeitada sem interferência de ninguém. A vida é assim e poucos
têm piedade quando duas pessoas do mesmo sexo se amam e resolvem assumir seu
amor.
Acho Chefe que ambas
estavam aqui na terra para pagar algum que fizeram em outras vidas. Só pode
ser. Cinco meses depois Nair foi demitida do Hospital. Não conseguiu emprego e
ela e Lisbela resolveram mudar para outra cidade mais distante. Quando ela se
foi meu mundo que já não tinha chão me jogou como um boneco espatifado no
asfalto. Nem sei como não morri. Passei a beber e olhe Chefe eu era um
escoteiro de mão cheia. Nunca pensei que chegaria neste estado por uma mulher.
Quatro anos depois por muita insistência voltei ao grupo. Muitos ainda se
mantinham ressentidos. Resolvi mudar e sempre dava em cada meu aperto de mão e um
abraço. Recebiam desconfiados pensando que eu também tinha mudado meu estilo de
homem macho.
Qual não foi minha
surpresa quando fui fazer um curso na capital me dei de cara com Lisbela. Era
outra. Cabelos brancos, despenteados, sorria mostrando a falta de dentes e
outros cariados. Não era a figura da Lisbela que guardava na memória. Ela me
cumprimentou. Convidei-a para almoçar comigo e aceitou com reservas. Perguntei
por Nair e ela me respondeu chorando. - Morreu Augusto. Quando chegamos aqui
uma pneumonia e um câncer a matou em quatro meses. Foi meu fim também. Pensei
em me matar, mas meu passado escoteiro não deixou. Ainda tenho na mente as leis
e a decima primeira de B.P nunca esqueci. – Me lembrei: - O escoteiro é puro
nos seus pensamentos nas suas palavras e nas suas ações.
Ficamos depois em um
banco da praça próximo a rodoviaria e ela me disse que trabalhava como
faxineira, morava em uma favela e nunca mais viveu com ninguém. – Moro sozinha
Augusto. Nair foi para mim o sol da minha vida. Sem ela vivo sem pensar no
futuro a não ser quando me for encontrar com ela no paraíso. Se for merecedora,
claro. – Ela mesmo ainda tinha dúvidas do seu gesto. Chefe, o senhor me
conheceu quando menino escoteiro. Conheceu-me nos cursos que fiz com o senhor,
sabe como penso e foi sempre um amigo em que podia contar. Mas eu quero perdoar
Lisbela por não me ter escolhido e não consigo. A mágoa ainda persiste e achei
que ela não podia ter fechado seu coração para mim.
Não sabia o
que dizer ao Augusto. Ainda era um belo homem e continuava no escotismo
ajudando quem precisava ser ajudado. Os jovens. Olhei para ele e falei
baixinho: - Augusto perdoar é mais importante do que receber o perdão. Remoer
mágoas e ressentimentos envenena a alma. Viver esse envenenamento destrói o
ser. – Ele me olhou com os olhos rasos d’água. Não me disse nada. Saiu devagar
sem olhar para trás.
Fui para casa
pensando nas palavras de um poeta: - “Quero voltar a viver ao seu lado, nos
magoamos eu sei. Mas perdoar não é esquecer. É apenas lutar por mim e por
você”! Verdade? Se for assim o amor venceu!
nota: - O mundo está mudando e diversas
situações que eram tabus no passado agora são mais factíveis e aceitas. Mesmo
assim costumamos virar as costas quando tudo acontece entre nós. Certo ou
errado todos tem direito a escolher seu destino e com quem viver. A história de
Lisbela e Nair é uma ficção, mas tem muito de real por muitos que tentam viver
feliz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário