sexta-feira, 16 de junho de 2017

O último acampamento do Velho Lobo.


Lendas escoteiras.
O último acampamento do Velho Lobo.

                Ele queria fazer seu último acampamento escoteiro. Diziam que estava velho e isto estava de cogitação. Dia e noite ele só falava nisto. Era muito conhecido. Entrou como lobo e nunca mais saiu. Agora aos 85 anos aposentado claudicava, tremia, respira mal e sua voz quase não se entendia. Acordou com um sonho que tinha ido acampar. Ficou com o sonho na mente. Sorria ao pensar no seu último acampamento. Se morrer acampando morrerei feliz dizia. No inicio manteve segredo, mas sabe como são segredos logo todo mundo sabia. Poucos concordavam com este absurdo. Teimoso e obstinado não desistiu. A família tentou demovê-lo e nada adiantou. Amigos Escoteiros não sabiam o que dizer. Sabiam que ele morreria acampando. Um dos filhos médico resolveu autorizar, mas sob a sua supervisão.

                    Chefe Zezé preparou tudo com calma. Do baú tirou sua mochila, seu uniforme que bem passado. Sua manta de Fogo de Conselho, seu chapéu de três bicos e limpou o tope que comprou ainda em 1947. Colocou seu penacho azul. Engraxou sua botina de campanha, olhou seu meião com carinho e separou sua jarreteira. Pediu a esposa para costurar os barretes das medalhas que ganhou. Eram poucas. Sorriu ao pegar sua faca Escoteira, seu facão sua machadinha e sua bússola Silva. Viu que o couro do cinto estava firme e a fivela brilhando. Não se esqueceu da velha Bandeira do Brasil. Ele sonhava dia e noite com seu último acampamento. Seria mesmo o último? Sentia falta, muita falta. Lembrava com saudades seu passado escoteiro e as mais de oitocentas noites de acampamento. Nunca esqueceu as serras e montanhas que escalou.

                    Comprou passagens para a Lagoa Dourada com saída a meia noite. Seu filho sorriu. Tinha tudo planejado, Seria monitorado todos os dias. Preparou sua matutagem para quatro dias. Levou uma pequena lona para servir de abrigo. Não esqueceu a capa de chuva.  Alguns amigos vieram ver sua partida e viram sua alegria. Seu sorriso valia a saga que iria realizar. Seu filho o levou à rodoviária. Seis horas de viagem. Deixou-o no ônibus e foi para casa. Às nove da manhã seu amigo ligou dizendo que ele não chegou no ônibus. Em nenhum dos outros também. Sinal vermelho. Os irmãos se reuniram. Vamos até lá disse um deles. O desespero tomou conta da família. A Polícia foi acionada. Busca em todos os lugares e nada. Chefe Zezé sumiu! Não sabiam mais o que fazer. Um mês depois a polícia desistiu.  Seus filhos precisavam voltar à luta.  Empregos. Esposas, filhos. A vida continua.

           Um mês depois sua esposa parou de chorar. Ainda com os olhos vermelhos inchados. No décimo quinto dia receberam um telegrama. Um vaqueiro dizia ter visto um homem parecido com ele conforme retrato na Televisão. Estava na serra do Canta Galo. Os filhos foram para lá. Mais de nove horas de viagem. Serra desconhecida próximo a uma pequena cidade. Alguns tinham visto quando ele chegou. Conseguiram um guia, encontraram o vaqueiro. Arrumaram cavalos e subiram a serra. Local ermo e de difícil acesso. Tinham medo do que iriam encontrar. Avistaram ao longe uma fumaça cinzenta subindo aos céus. Pequenas esperanças. Quem sabe está vivo? Chegaram ao local. Viram-no encostado em uma árvore como se estivesse dormindo. Correram até ele. Respirava e parecia dormitar. Abriu os olhos, sorriu. – Bem vindo meus filhos!
           O filho médico o examinou. Sua respiração parece ter melhorado. Ele se levantou, olhou para o céu, para as árvores, um pássaro preto em um galho voou. Alguns outros se juntaram a ele voando em volta do chefe Zezé. Borboletas surgiram. Azuis, vermelhas, verdes e amarelas. Vão me levar? Disse. Sua cabeleira branca caia sobre a testa. Começou a cantar uma canção escoteira. Falou alto para a floresta: - Adeus meus amigos, até breve, eu voltarei, disse ele olhando os pássaros, a mata, o riacho e o local onde acampou. Desmanchou o campo com carinho. Arrumou sua mochila, e com ela nas costas partiu a pé. Dizia: - À frente tropa! Bandeiras ao vento! Agradeceu a oferta de ir a cavalo. Andava como uma lebre. Incrível pensavam. Seus filhos viram dois quatis acompanhavam e mais ao longe dois lobos guarás do rabo curto também. Uma passarada foi com eles até a cidade. Os pássaros quando ele entrou no automóvel do filho, chilrearam alto.

                  Soube da história e resolvi fazer uma visita. Recebeu-me com um abraço e um sorriso. O que me contou foi de tirar água na boca. Daria tudo para participar de um acampamento assim. Chefe Vado eu sabia que meus filhos iriam me monitorar. Dei um baile neles. Peguei o ônibus e desci logo em frente. Já tinha comprado passagens para outro destino. A Serra do Canta Galo. Local maravilhoso, linda aguada e um céu incrível para contar estrelas. - Montei um campo de patrulha dos meus velhos tempos. Você sabe como nós velhos escoteiros somos. Minha cabana aguentou chuvas e vendavais. Minha ração foi completada com a fartura que existia ali. Aipim, jabuticabas, bananas, mandioca, taioba, Maracujá, mamões à vontade. Resolvi não voltar mais. Se tivesse de ir para outro plano que fosse ali junto à natureza que amo e que me dava tudo que precisava para viver. Senti-me revigorado, meu ar voltou. Fortaleci nem sei como.

                   Quer saber? Estou pensando em voltar. Fiz amizade com o “Caminheiro e a Midiata” dois lobos Guarás amigos. Sinto saudade dos quatis e os pássaros que não saiam do acampamento. ficamos amigos. Lá Chefe tinha o mais lindo céu de estrelas do mundo. Nunca arrependi do que fiz. Sabia da tristeza da minha esposa e meus filhos, mas o que fazer? - Os pássaros chefes me visitam e ficam horas na Castanheira que tem na praça ao lado. Converso com eles todos os dias. Acredite nunca mais vou esquecer aquela serra que amei. Sei que muitos me acham louco. Risos. Eu não sou meu amigo, não sou. Que pensem assim e não me importo. Quando durmo sonho com minha serra querida. Lá eu não sou um Velho senil, cheio de manias. Vou voltar nem que seja minha ultima viagem.


                       Fui para casa pensando no Chefe Zezé. Sentei na minha varanda e calado meditei por muito tempo. O que ele contou parecia uma fábula daquelas que conto e tento acreditar ser verdade. Ele fez o que é sonho de muitos. Mas lutou pelos seus sonhos e chegou lá. Um dia quem sabe eu faço assim também e parto para meu destino no campo dos meus sonhos? Que Deus me dê forças!

nota: -   Oitenta e quatro anos. Sonhava com seu último acampamento. A família contra. Sabia que se não o deixassem ir iria morrer em breve. Uma história impossível, uma vontade de voltar a ser o que era e superar seus limites. Saudades que machucavam ao lembrar-se dos tempos que se foram e hoje não voltam mais!

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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