Lendas
escoteiras.
O último
acampamento do Velho Lobo.
Ele queria fazer seu último
acampamento escoteiro. Diziam que estava velho e isto estava de cogitação. Dia
e noite ele só falava nisto. Era muito conhecido. Entrou como lobo e nunca mais
saiu. Agora aos 85 anos aposentado claudicava, tremia, respira mal e sua voz
quase não se entendia. Acordou com um sonho que tinha ido acampar. Ficou com o
sonho na mente. Sorria ao pensar no seu último acampamento. Se morrer acampando
morrerei feliz dizia. No inicio manteve segredo, mas sabe como são segredos
logo todo mundo sabia. Poucos concordavam com este absurdo. Teimoso e obstinado
não desistiu. A família tentou demovê-lo e nada adiantou. Amigos Escoteiros não
sabiam o que dizer. Sabiam que ele morreria acampando. Um dos filhos médico
resolveu autorizar, mas sob a sua supervisão.
Chefe Zezé preparou tudo
com calma. Do baú tirou sua mochila, seu uniforme que bem passado. Sua manta de
Fogo de Conselho, seu chapéu de três bicos e limpou o tope que comprou ainda em
1947. Colocou seu penacho azul. Engraxou sua botina de campanha, olhou seu
meião com carinho e separou sua jarreteira. Pediu a esposa para costurar os
barretes das medalhas que ganhou. Eram poucas. Sorriu ao pegar sua faca
Escoteira, seu facão sua machadinha e sua bússola Silva. Viu que o couro do
cinto estava firme e a fivela brilhando. Não se esqueceu da velha Bandeira do
Brasil. Ele sonhava dia e noite com seu último acampamento. Seria mesmo o
último? Sentia falta, muita falta. Lembrava com saudades seu passado escoteiro
e as mais de oitocentas noites de acampamento. Nunca esqueceu as serras e
montanhas que escalou.
Comprou passagens para a
Lagoa Dourada com saída a meia noite. Seu filho sorriu. Tinha tudo planejado, Seria
monitorado todos os dias. Preparou sua matutagem para quatro dias. Levou uma
pequena lona para servir de abrigo. Não esqueceu a capa de chuva. Alguns amigos vieram ver sua partida e viram
sua alegria. Seu sorriso valia a saga que iria realizar. Seu filho o levou à
rodoviária. Seis horas de viagem. Deixou-o no ônibus e foi para casa. Às nove
da manhã seu amigo ligou dizendo que ele não chegou no ônibus. Em nenhum dos outros
também. Sinal vermelho. Os irmãos se reuniram. Vamos até lá disse um deles. O
desespero tomou conta da família. A Polícia foi acionada. Busca em todos os
lugares e nada. Chefe Zezé sumiu! Não sabiam mais o que fazer. Um mês depois a
polícia desistiu. Seus filhos precisavam
voltar à luta. Empregos. Esposas, filhos.
A vida continua.
Um mês depois sua esposa parou de
chorar. Ainda com os olhos vermelhos inchados. No décimo quinto dia receberam
um telegrama. Um vaqueiro dizia ter visto um homem parecido com ele conforme
retrato na Televisão. Estava na serra do Canta Galo. Os filhos foram para lá.
Mais de nove horas de viagem. Serra desconhecida próximo a uma pequena cidade.
Alguns tinham visto quando ele chegou. Conseguiram um guia, encontraram o
vaqueiro. Arrumaram cavalos e subiram a serra. Local ermo e de difícil acesso.
Tinham medo do que iriam encontrar. Avistaram ao longe uma fumaça cinzenta
subindo aos céus. Pequenas esperanças. Quem sabe está vivo? Chegaram ao local.
Viram-no encostado em uma árvore como se estivesse dormindo. Correram até ele.
Respirava e parecia dormitar. Abriu os olhos, sorriu. – Bem vindo meus filhos!
O filho médico o examinou. Sua
respiração parece ter melhorado. Ele se levantou, olhou para o céu, para as
árvores, um pássaro preto em um galho voou. Alguns outros se juntaram a ele
voando em volta do chefe Zezé. Borboletas surgiram. Azuis, vermelhas, verdes e
amarelas. Vão me levar? Disse. Sua cabeleira branca caia sobre a testa. Começou
a cantar uma canção escoteira. Falou alto para a floresta: - Adeus meus amigos,
até breve, eu voltarei, disse ele olhando os pássaros, a mata, o riacho e o
local onde acampou. Desmanchou o campo com carinho. Arrumou sua mochila, e com
ela nas costas partiu a pé. Dizia: - À frente tropa! Bandeiras ao vento!
Agradeceu a oferta de ir a cavalo. Andava como uma lebre. Incrível pensavam. Seus
filhos viram dois quatis acompanhavam e mais ao longe dois lobos guarás do rabo
curto também. Uma passarada foi com eles até a cidade. Os pássaros quando ele
entrou no automóvel do filho, chilrearam alto.
Soube da história e resolvi
fazer uma visita. Recebeu-me com um abraço e um sorriso. O que me contou foi de
tirar água na boca. Daria tudo para participar de um acampamento assim. Chefe
Vado eu sabia que meus filhos iriam me monitorar. Dei um baile neles. Peguei o
ônibus e desci logo em frente. Já tinha comprado passagens para outro destino.
A Serra do Canta Galo. Local maravilhoso, linda aguada e um céu incrível para
contar estrelas. - Montei um campo de patrulha dos meus velhos tempos. Você
sabe como nós velhos escoteiros somos. Minha cabana aguentou chuvas e
vendavais. Minha ração foi completada com a fartura que existia ali. Aipim,
jabuticabas, bananas, mandioca, taioba, Maracujá, mamões à vontade. Resolvi não
voltar mais. Se tivesse de ir para outro plano que fosse ali junto à natureza que
amo e que me dava tudo que precisava para viver. Senti-me revigorado, meu ar
voltou. Fortaleci nem sei como.
Quer saber? Estou pensando
em voltar. Fiz amizade com o “Caminheiro e a Midiata” dois lobos Guarás amigos.
Sinto saudade dos quatis e os pássaros que não saiam do acampamento. ficamos
amigos. Lá Chefe tinha o mais lindo céu de estrelas do mundo. Nunca arrependi
do que fiz. Sabia da tristeza da minha esposa e meus filhos, mas o que fazer? -
Os pássaros chefes me visitam e ficam horas na Castanheira que tem na praça ao
lado. Converso com eles todos os dias. Acredite nunca mais vou esquecer aquela
serra que amei. Sei que muitos me acham louco. Risos. Eu não sou meu amigo, não
sou. Que pensem assim e não me importo. Quando durmo sonho com minha serra
querida. Lá eu não sou um Velho senil, cheio de manias. Vou voltar nem que seja
minha ultima viagem.
Fui para casa pensando
no Chefe Zezé. Sentei na minha varanda e calado meditei por muito tempo. O que
ele contou parecia uma fábula daquelas que conto e tento acreditar ser verdade.
Ele fez o que é sonho de muitos. Mas lutou pelos seus sonhos e chegou lá. Um
dia quem sabe eu faço assim também e parto para meu destino no campo dos meus
sonhos? Que Deus me dê forças!
nota: - Oitenta e quatro anos. Sonhava com seu último
acampamento. A família contra. Sabia que se não o deixassem ir iria morrer em
breve. Uma história impossível, uma vontade de voltar a ser o que era e superar
seus limites. Saudades que machucavam ao lembrar-se dos tempos que se foram e
hoje não voltam mais!
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