Lendas Escoteiras.
E Galiostro finalmente dormiu na
barraca dos seus sonhos.
- Não sei Eva, ele está assim há
vários dias. – Você perguntou? Perguntei mas ele me olhou sorriu e não disse
nada. Nívia a mãe de Galiostro ficou calada. Ela sabia que ele estava a sonhar
com o acampamento. Desde que pedira para ser um Escoteiro que ele mudou e muito.
Parecia viver em outro mundo e a família não sabia se era bom ou ruim. Eva sua
Avó estava preocupada. Nunca o viu assim. Espevitado, lépido, gostava de
gritar, de cantar e diferente de todos os meninos quando levantava, chegava à
janela e chamava em alto e bom som os pardais que acordados já tinha partido. –
Ele tinha as melhores notas, e sempre fora de uma educação que orgulhava sua família.
Um dia disse que queria ser escoteiro. Não explicou por que. Passou a sorrir
mais, andava com uma cordinha pequena nos bolsos fazendo nós. Ela o escutou na
varanda falando baixinho: - Escota, balso pelo seio, Arnês, Pescador, aselha,
direito, Laís de guia, fiel e fiel duplo. Que seria tudo isto?
Chegou o dia do acampamento. Ela
viu que ele não tinha mais olhos para ela. Dormia e levantava pensando no
acampamento. Quando arrumou seu quarto naquele dia viu um pequeno livreto.
Folheou e sorriu. Estava escrito com desenhos - Como fazer uma pioneiria, o que
são fossas de líquido e detrito. A barraca suspensa. A mesa de campo, o toldo e
finalmente uma barraca armada. Ele sublinhou cada ponto e escreveu em baixo: -
Custou, mas vou dormir na barraca dos meus sonhos! Que escotismo era este? –
pensou. Já tinha ouvido falar deles, mas tudo era diferente, havia uma lei.
Lei? Sim, uma lei que eles obedeciam. – Prometo pela minha honra! – Bonito isto
disse Eva. Quando jovem soube que havia Escoteiras, mas nunca tinha sido.
Galiostro tinha os olhos
negros, grandes como seu pai, deixou o cabelo crescer até os ombros e mesmo seus
amigos o chamando de “maricas” não ligou. Os cabelos loiros davam a ele uma
conotação diferente. Tinha um porte de atleta e gostava quando olhavam para ele
admirados. Quando foi apresentado à patrulha ninguém perguntou, ninguém se
preocupou e só Nonato o sub foi quem lhe deu a mão e as boas vindas. Ele sabia
como os meninos eram. Mesmo sendo Escoteiros havia um longo caminho para se
enturmar. Foi Lobato quem comentou do acampamento. Ele prestou. Viu que dormiam
em três em cada barraca. Foi para casa pensando. Três em uma barraca? Como
seria? Ele ainda não conhecia a barraca da patrulha. Eram duas uma azul e uma
amarela. Não eram grandes e não dava para ficar em pé.
Foi uma semana longa.
Galiostro só pensava como seria dormir em uma barraca. Nunca se preocupou e
agora dormir em uma barraca não saia de seu pensamento. Soube que a maioria não
tinha saco de dormir e improvisavam com folhas e capim seco colocados em dois
sacos costurados fazendo um colchão. Ele teria que arrumar dois sacos para
isto. Afinal ele iria dormir em uma barraca. Será que não iria ter medo? –
Galiostro! Ele ouviu a voz de Dona Neném a professora dele. Piscou os olhos e
pediu desculpa. – Você não prestou atenção em nada na aula de hoje! – Era
verdade. Ele não tirava a barraca de sua mente. E se chovesse? Não iria entrar
água? E se fizesse frio? E se ventasse? E se viesse um vendaval? Sabia que ia
levar a manta do seu Avô.
Preparou devagar a mochila que seu Tio Malta
lhe dera. Francesa! Ele disse. Achou pequena. Tio malta ensinou: – Galiostro,
leve o necessário, nem mais nem menos! O que seria o mais e o que seria o
menos? Viu a lista que o Monitor lhe dera. Cabia tudo. Só isto? Ficou pensando.
– À noite seu pai chegou com um embrulho. – É para você! Galiostro sorriu. Era
um cantil com capa verde. Um cantil! Nunca pensou que teria um. Cinco da manhã.
Galiostro estava sentado na cama. Sua mochila preparada. Seu cantil cheio com
água. Vestiu seu uniforme devagar. Peça por peça. Olhava no espelho, mas seu
pensamento era só a barraca. Deus meu! Eu vou dormir em uma barraca? Não tirava
isto do seu pensamento. Sete horas, sua mãe bateu na porta – Está na hora
filho. Tomou café e calmamente beijou sua mãe e sua avó. Seu pai já havia ido
trabalhar. Partiu a pé sorrindo. A sede era perto. O sol já cobria o horizonte.
Sentiu uma lufada de vento no rosto. Era hora de partir para o acampamento.
Iriam de ônibus até a estação. No trem para
Jambreiro e mais quatro quilômetros chegariam a Fazenda Trindade. Tudo foi
dividido. Galiostro responsável por um facão e um lampião a querosene. Amarrou
na mochila. Onze e meia chegaram. Galiostro não cantou na jornada. Olhava o céu
azul de brigadeiro. Bom isto pensou. Assim vou dormir mais tranquilo na
barraca. O campo ficou pronto em duas horas. Ele havia aprendido na jornada do
domingo que fizeram. Uma mesa com toldo, bancos toscos, um fogão de barro
esquisito e as barracas. Ajudou Zé Antônio a armar. Olhou por dentro. Pequena.
Eram três a dormir ali. Ele aguardava a noite. Era a noite esperada. Comeu um
lanche e na janta adorou a sopa do Vandeco o cozinheiro. Seus olhos não saiam
da barraca mesmo no lusco fusco da noite. Olhou para cima. Estrelas brilhavam
formando uma estrada de luzes no céu.
Nem prestou atenção ao
Jogo do Fantasma. Nem medo teve do fantasma que apareceu no alto da montanha.
Seu pensamento era um só. A Barraca! Fizeram um pequeno fogo em frente à
barraca, ele se sentiu bem com o calor. Sua mochila estava na porta. Combinaram
de preparar tudo na hora de dormir. Cantaram o Cuco e a Canção da Lua. Gostava
de cantar. Esperava a ordem do Monitor para prepararem as barracas. Jamiel
Lourenço e ele prepararam o interior da Barraca. Chegou a hora finalmente. Deitaram.
Ele no meio. A mochila serviu de travesseiro. Olhava a lona da barraca. Ouvia
os grilos cantantes na noite do seu primeiro acampamento. Finalmente ele estava
na barraca, mas não dormiu. Um trovão, um relâmpago. Galiostro sorriu.
Precisava da chuva. Nos seus sonhos ela estaria lá na sua primeira noite de
acampamento.
Os primeiros pingos, o
som pedante da cascata na barraca. Um vento cortante querendo entrar pela
porta. A barraca balançava, mas estava firme. Galiostro com as mãos entre a
nuca sorria. Agora sim, ele era um acampador. A barraca para ele não teria mais
segredos. Seus olhos se fecharam e ele se viu transportado em sonhos nunca
antes imaginados. Finalmente Galiostro dormiu em uma barraca.
nota: Lembro-me de
uma barraca perdida em meus sonhos,
Na terra que me viu nascer
Lembro-me de um menino que andava pensando
sonhava vir um dia a ser,
Lembro-me de um menino que andava pensando
sonhava vir um dia a ser,
Dormir
sonhar, quem sabe amando...
Na barraca
sorrindo esperando o amanhecer!
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