Um
acampamento inesquecível.
(baseado
em fatos reais).
Final da década de cinquenta.
Tinha feito um CAB (Curso de adestramento básico) e liderava uma tropa
escoteira no meu grupo de origem. Neste curso fiz muitos amigos, mas o Chefe
Gafanhoto foi especial. Gente boa, educado, bom ouvinte quase não falava.
Cantava bem, bom violeiro e um grande mateiro. Tinha um sonho de se alistar na
Legião Estrangeira. Eu ria quando ele dizia isto e olhe até mesmo o invejava.
Quem sabe eu também gostaria de viver estas aventuras? Foram cinco dias de
curso maravilhosos e no final ele me deu seu endereço e levou o meu. Passado um
ano e meio recebi uma carta dele: - Chefe! Que tal acamparmos juntos? Minha
tropa e a sua. – Grande ideia Chefe Gafanhoto. Quando? - Vamos aproveitar
janeiro do próximo ano.
As correspondências foram
frequentes naqueles seis meses que faltavam para nosso acampamento. A tropa
esperava com ansiedade. Em fins de outubro recebi uma carta dele. – Chefe, o
Senhor Molixto, pai de um Escoteiro tem uma fazenda próxima a Três Estrelas.
Metade do caminho para mim e você. Acho que uns noventa quilômetros de sua
cidade. Você passa Três Estrelas e marca mais cinco quilômetros. Vais ver uma
bifurcação. Alí será o ponto de encontro. Até a fazenda são mais oito km. Teremos
dois carros de bois para transporte do material do entroncamento até o local. O
local é excelente, boa aguada, cachoeira, mata e muito bambu. Garantiu também
que será por conta dele a carne de porco, arroz, feijão, batata verduras e
frutas. Ele tem isto na fazenda!
Perfeito. Em outra carta
confirmei o horário de encontro. A tropa vibrou quando contei sobre o
acampamento. Consegui na prefeitura um caminhão lonado, Chefe João Soldado
conseguiu o que precisávamos de alimentos no Armazém do seu Amadeus. Iriamos
com quatro patrulhas. As patrulhas se reuniam preparando para a grande
atividade. A Corte de Honra sempre discutindo o programa. Conforme combinado
seria metade nossa e metade do Chefe Gafanhoto. Seriam seis dias acampados.
Partimos em uma manhã chuvosa. O caminhão estava lonado. Rio Bahia, estrada de
terra ainda sem asfalto. Noventa quilômetros. Chegamos às nove e meia da manhã.
Corre daqui, corre dali, tralha nas costas, chuvinha intermitente e pegamos a
bifurcação. Vimos à tropa do chefe Gafanhoto do outro lado de um pontilhão de
madeira. O córrego cheio. Imenso. Passava por cima da ponte. Não dava para
atravessar. Um barulhão tremendo das corredeiras.
A Patrulha Raposa montou um
posto de transmissão de semáforas. Entendemo-nos. Armamos barraca debaixo de
chuva e combinamos esperar a enchente diminuir. As patrulhas improvisaram um
toldo e um fogão tropeiro. Saiu uma sopa com pão fresco. A Pica Pau insistiu
que eu comesse com eles. À noite as patrulhas resolveram conversar por Morse. A
turma do Chefe Gafanhoto era boa na sinalização. Dormimos cedo. De manhã sem
chuva tempo cinzento e frio. A enchente diminuiu. Rogério Monitor me procurou.
Chefe, as barracas estão cheias de escorpiões. Expliquei como fazer batendo os
lençóis à banda da barraca e o vestuário individual para empacotamento em um tronco
de arvore. Graças a Deus ninguém foi mordido. Resolvemos fazer a travessia em jangadas.
Não dava ainda para atravessar na ponte. Cada Patrulha fez uma pequena jangada.
Uma festa. A outra tropa gritando e ajudando. Às onze da manhã estávamos do
outro lado.
Abraços, saudações, apertos
de mão, gritos de patrulha. Partimos. Os carros de boi lotados. Sempre gostei
deles. Emitem um som estridente que muitos chamam de carro Cantador. Dizem que
são feitos assim para anunciar sua passagem. Chefe Gafanhoto brincando com
todos, animando e cantando lindas canções escoteiras. Oito quilômetros tirados
de letra. Chegamos à tarde ainda com sol. Seu Molixto gente boa. Comemos
goiabas e bananas. Ele tinha uma carne de porco frita. Beliscamos mas iriamos
fazer o jantar já com as patrulhas montadas em seu campo. Dei uma volta no
local. Maravilhoso. A cascata era linda. Batizei-a como a Cascata da
Fraternidade. Seis dias maravilhosos. Parecia que os sessenta jovens ali
presentes se conheciam a longo tempo. Mais que irmãos. Seu Molixto um
gentleman. Dois meninos filhos de um meeiro (morador da fazenda, planta e dá
uma parte da colheita ao dono) se encantaram. Chefe Gafanhoto os colocou cada
um em uma Patrulha.
Tiana filho do Seu
Molixto uma bela morena dos seus quinze anos não tirava os olhos de mim. Fiquei
triste quando partimos e ela chorou. Lagrimas e lagrimas em seus olhos. No
acampamento teve de tudo. Bois que invadiram o campo à noite acordando todo
mundo. Ricardinho pegou uma traíra de quatro quilos. Só vendo para acreditar. A
luta da lança medieval no remanso da Cascata da Fraternidade valeu o acampamento.
A jornada na Caverna do Vento outro. Começava em um lado da montanha e saia do
outro lado sempre soprando um som estridente. Mais de dois quilômetros na
escuridão. E os pistoleiros? Ficavam escorados no tronco da macaxeira a nos
espiar. Seu Molixto dizia que eram de paz. Norbertinho em um jogo noturno caiu
de uma arvore. Quebrou a perna. Levado a cidade voltou para o acampamento
enfaixado. Ele mesmo fez uma muleta e não chorou.
A falsa baiana em cima do
remanso a mais de quinze metros de altura deu o que falar. A ponte pênsil que a
Patrulha do Morcego fez durou dois dias com um belo tombo do Japirim. O ninho
de águia da Patrulha Coruja dizem está lá até hoje. Risos. A “desandeira” que deu em todos por
comerem muita goiaba deu para rir a beça. Sempre um correndo para o WC que logo
encheu! Final de acampamento. Meninos da fazenda chorando. Seu Molixto
emocionado fez o juramento e recebeu os dois lenços um de cada grupo. Os dois
pistoleiros vieram nos cumprimentar. Tiana me procurou dizendo que me amava e
nunca mais ia me esquecer. Nunca mais a vi. Retorno triste, Chefe Gafanhoto tentando
animar. Partida chorosa, nosso caminhão lotado dando adeus. Edinho com sua
bandeirola de semáfora transmitia até breve e adeus até o caminhão virar a curva
da estrada. Meninos se acenando e chorando. Promessas de um novo reencontro.
Amizades que se formaram e duraram por uma eternidade. Janeiro de mil
novecentos e cinquenta e nove que entrou para a história.
Cinco anos depois recebi
uma carta do Chefe Gafanhoto – Chefe Vado estou partindo para a França. Vou me
alistar na Legião Estrangeira. Nunca mais o vi. Acho que seu sonho de ser um
legionário foi realizado. Ainda deve estar escoteirando nas dunas montanhosas
ao norte da Argélia. Sonhos são sonhos. Cada um faz o seu. Belo acampamento.
Grande amigo o Chefe Gafanhoto. Nunca mais o vi e nunca mais o esqueci. Ficou
marcado para sempre em meu coração.
nota: - Eu fiz centenas de acampamentos em
minha vida. Cada um tem uma historia, mas este com a tropa do Chefe Gafanhoto
ficou para sempre na memória de todos que estiveram lá. Coisas boas misturadas
com fraternidade não dá para esquecer. Viagem comigo nesta bela aventura do
passado, misto de sonhos, mas reais!
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