segunda-feira, 5 de junho de 2017

Tarde demais para esquecer.


Lendas Escoteiras.
Tarde demais para esquecer.

                         Tudo começou há oito anos. Não fosse o Chefe Mascarenhas meu destino teria sido outro. Mas Deus me fez passar por isto porque seria meu destino. Chefe Mascarenhas apareceu em Águas Calientes para consertar um moinho que comprei com a poupança do meu pai falecido. A herança me permitiu viver trabalhando e nada me faltava. Não me dei mal. Chefe Mascarenhas ficou na minha casa. Gente boa, com seus cinquenta e poucos anos bom de papo e muito simpático. Era escoteiro. Falava maravilhas da organização. Quem o ouvisse ficava deslumbrado e querendo ser um deles. Acampavam, faziam sua comida, tinham técnicas mateiras, exploravam grutas, faziam boas ações ajudando as pessoas e tinham um código de honra sagrado para eles.

                Interessei-me. – Chefe Mascarenhas! Será que poderíamos fazer um escotismo aqui em Águas Calientes? – Claro que sim. Se você quiser ser um chefe eu lhe ajudo. Não faltou ajuda. Alberto o Prefeito, o Doutor Lanes Juiz de direito todos encantados com a ideia. A Rádio local dizia que tudo ia mudar com a juventude de Águas Calientes. Nas inscrições mais de 500 crianças. Um pandemônio. Fiquei aterrorizado. Chefe Mascarenhas me aconselhou: - Comece com poucos. Máximo de oito. Treine-os. Serão seus Monitores. Depois de três meses vá aceitando e formado as patrulhas. Os lobinhos podem começar com até 24 meninos e meninas. Veja alguém para dirigir a Alcateia. Arrume umas quatro pessoas para diretoria. Vou trazer para você uma autorização provisória. Consiga um local para as reuniões onde será sua sede. Eufórico eu sorria de felicidade. A cidade reclamava por não aceitar todos. Pais e mães chorosos faziam pedidos pelos seus filhos.

                        Adorava meus Monitores. Viviam nas horas vagas em minha loja. Aos sábados na sede do Grupo Municipal Santo Expedito. Aprendíamos juntos, acampávamos quase todos os fins de semana. Chefe Mascarenhas me mandou uma boa biblioteca. Em dois meses fui a capital fazer um curso. Estava em ponto de bala. A Patrulha de Monitores vivia para o escotismo. Escolheram como símbolo o Tuiuiú! Virou tradição a patrulha Tuiuiú dos Monitores. A Promessa foi feita dois meses depois. Lurdinha a professora aceitou meu convite para os lobinhos. O grupo foi crescendo e apareceram pais para ajudar. Nada faltava. No desfile de Sete de Setembro eu há vi pela primeira vez. Milena. A mais linda moça que tinha visto. Linda, cabelos loiros, curtos uma época que Grace Kelly enfeitava as telas de cinema. Paixão a primeira vista. 

                      Cinco meses depois fiquei noivo. A mãe de Milena me preveniu: – Muito possesiva Chefe. Sempre querendo ser a dona de tudo. Mas o amor impede que a gente veja isto. No meu casamento a escoteirada toda na igreja. Queria casar de uniforme, mas ela foi contra – Nem pensar Mario Montes nem pensar! Já mandei vir da capital um legitimo terno inglês da melhor casimira! Assim começou tudo. Ela aos poucos me foi dominando. Sempre decidindo a minha vida, e eu aceitava tudo. Ela criticava meu modo de viver e os escoteiros. Aos poucos minha vida se transformou em um inferno. Eu a amava e quase deixei o escotismo por ela. No grupo todos penalizados com minha vida pessoal. Ela ria e dizia que o escotismo afasta as pessoas e a família. Dizia que com ela isto não iria acontecer.

                   Eu ia para as reuniões Escoteiras angustiado. Sentia que tudo ia aos poucos acabando. Já não era belo como antes. Milena se interpunha a tudo. Um dia ela se queixou de dores no seio. Alguns exames e acharam dois tumores enormes. Ela teria que operar. Chorou muito. Perder os seios para ela seria o fim do mundo. Não teve jeito. Operou. Em casa só chorava. Meu coração partia de dó. Ver a pessoa que a gente ama sofrer não é fácil. Minha vida meu trabalho e o Grupo Escoteiro Já não eram como antes. Coloquei um ajudante no meu lugar na minha pequena fábrica. Os meninos sentiam minha falta, mas precisava olhar Milena. Cada dia um sofrimento. Ela começou a sentir fortes dores. Fomos para a capital. Os médicos não deram esperança. Mais dia menos dia Milena iria partir. Eu nunca fui espiritualista e culpava Deus por tudo. Milena um dia me disse: – Mario Montes quero que me prometa que quando eu morrer você não vai mais para o grupo escoteiro. – Porque meu amor, por quê? Ela nada dizia. Seu semblante mudava. Parecia estar possuída. – Meus olhos ficaram vermelhos. Não sabia o que pensar. E o escotismo? Oito anos e tinha de deixar tudo para trás? Eu a amava, mas iria trair minha consciência? Enganar a vida e a morte?

                 Um dia ela não andou mais. Morreu dois meses depois. Cumpri seus desejos. As exéquias foram simples. Duas semanas resolvi abandonar a cidade. Peguei minha mochila, coloquei na porta da minha loja um aviso que ficaria fechado por algum tempo. Precisava pensar. Raciocinar. Fui acampar sozinho nos Montes Pirineus próximo à fazenda Além Mar. Armei a barraca e nem fogo fiz. Não tinha fome. Olhava para o céu, para as árvores, ouvir o cantar dos pássaros. Meus olhos vermelhos. De madrugada acordava e me punha a chorar. Nunca Milena falou comigo. Nunca me deu um sinal. Resolvi voltar à cidade.

                  Na rua caí desfalecido. Alguém me ajudou e fui caminhando devagar. Passei em frente à igreja aonde casei. Estava aberta. Entrei. Sentei próximo a uma imagem de Santa Terezinha. Entre os bancos vi uma bíblia, aberta em uma página. Com curiosidade comecei a ler: - “O amor é paciente, o amor é bondoso”. Não inveja, não se vangloria não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca perece... Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor. – Meus olhos encheram-se de lágrimas.


                    Um padre sentou ao meu lado. – O que houve filho? - Contei tudo como se fosse em confissão. Ele sorriu me abençoou e falou baixinho: - Disse-lhe Tomé: “Senhor, não sabemos para onde vais; como então podemos saber o caminho?” – Respondeu Jesus: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim”. Passaram dez anos. Nunca esqueci de Milena. Tenho lembranças felizes dos nossos doces momentos que passamos juntos. Ainda continuo viúvo. Houve pretendentes, mas nada que me fizesse voltar a casar. Quer saber? – tinha medo. Medo de que a nova mulher dos meus sonhos fosse exigir de mim o que não posso prometer. O meu escotismo sempre morou em meu coração! Para mim é uma chama que marca e ficará para sempre dentro da minha alma.


“O amor é paciente, o amor é bondoso”. Não inveja, não se vangloria não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca perece... Uma história que podia ter sido real.

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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