Lendas
Escoteiras.
A dor de uma
saudade.
Está fazendo hoje 45 anos que
Nico morreu. Todo início de ano, no primeiro de janeiro meu coração teima em
lembrar-se de um passado que gostaria de esquecer. Porque ele? Porque não
alguém que não merecia continuar neste mundo? Tem tantos por aí, mas o Chefe
Tomázio sempre dizia para todos nós: - Os desígnios de Deus só ele sabe o porquê.
Escoteiro menino de quatorze anos eu não entendia bem o que ele queria dizer.
Mas hoje sei que cada trilha percorrida tem sua razão de ser. Josiel o Monitor
da Picapau era como eu. Achava que se Deus o levou não pensou bem o que fazia.
Havia um certo orgulho entre nós de só abrir vaga na patrulha quando um fosse
para os seniores ou acontece um imprevisto familiar.
Nico era magrinho, um “pipote” de gente e quando chegou achamos que ele
deveria ir para a alcatéia. – Tenho doze anos! Tentou falar grosso, mas não
conseguiu. Eu era o terceiro Escoteiro investido como escriba e sinaleiro da
Patrulha. Só havia uma vaga de bombeiro lenhador ou aguadeiro. Ele timidamente
me perguntou o que deveria ser. – Bombeiro Nico. Quanto a aguadeiro não se
preocupe, no “pega prá capá” todos nós somos. A amizade foi surgindo aos
poucos. Dormíamos na mesma barraca, fora do escotismo íamos juntos para o
colégio, à noite sempre nos encontrávamos para um papo. Eu era o terceiro na
fila e com a entrada dele passei para o quarto. Conta errada? Não, o monitor
era o primeiro e o sub o segundo. Claro que Totonho o Sub era o último da fila.
– Ele retoca os demais escoteiros na fila disse para Nico.
Poeta o quinto Escoteiro custou
para fazer amizade com Nico. Sempre se achava superior com seus versos e seus
escritos, mas no fundo era um grande amigo na patrulha. Petardo o cozinheiro
caladão não gostava muito de falar. Moeda o intendente sempre com aquele olhar
de desconfiança. – Olhou bem o facão? Dizia. Tem dois V. Vai e volta. Batuta
sabia conservar a tralha da patrulha com maestria. Na mão dele nada podia
simplesmente desaparecer. Só Joel Construtor de Pioneirías que não aceitou bem
a Nico, mas quando ele se foi chorou por uma semana seguida.
Perdi a conta dos acampamentos,
das excursões das viagens de trem que a patrulha ou a Tropa fazia, das
escaladas no Morro do Chapéu, e quando sem contar para ninguém fizemos uma
jangada de piteiras que nos deixou a deriva no Rio Corrente próximo a Santa Fé
do Sul. Quando fiz minha jornada de primeira classe insisti para o Chefe
Tomázio deixar que ele fosse comigo. Foi bom demais só nós dois explorando a
mata do Roncador, saltar o Rio Vermelho para alcançar a trilha do Xavante, dar
belas gargalhadas no campo de patrulha e quando ele resolveu fazer um pórtico
foi testar o pórtico veio abaixo. Foi demais.
Quando Munir Boca de Ouro me
convidou para treinar o Clarim pedi que ele arrumasse uma vaga para Nico na
Banda. – So taroleiro, disse. Dois anos juntos, dois anos mantendo uma amizade
sem sequer uma discussão, uma discordância ou mesmo uma desconfiança. No Sete
de Setembro nos preparávamos para o desfile. Eu recém-investido no Clarim
estava todo orgulhoso com uniforme nos trinques e portando uma luva branca de
pano, sorria para Nico, com seu pequeno tarol também todo cheio de sí. Munir
tomou a frente, Chefe da Banda e dos Corneteiros deu a ordem para iniciar o
desfile. Um passo dois e notei Nico caindo aos poucos no chão em plena Praça da
Independência. Corri até ele. Olhava-me choroso dizendo: Vado, eu não quero
morrer!
Uma bala perdida. De onde veio?
Quem deu? Ninguém sabia. No Tiro de Guerra o Sargento disse que usavam bala de
festim. Bandoleiros? Alguém querendo matar o prefeito? Nico foi enterrado no
dia seguinte no Cemitério da Santíssima Trindade. Quem sabe sessenta ou setenta
pessoas presente. A Banda se formou em volta do seu tumulo. Munir fez questão
de tocar o Silêncio com os tarois repicando baixinho. Nunca esqueci Nico,
chorei por muitos meses e hoje homem feito ainda choro. Sempre o imagino como
Chefe Escoteiro que era seu sonho quando crescesse. A vida tem disto, nada é
previsível.
45 anos. Lembranças que
machucam. Lembranças de uma patrulha que mora no meu coração. Joel é Bombeiro,
Moeda carpinteiro, Poeta nunca escreveu poesia e trabalha na Radio Novo Mundo. Josiel casou e se mudou da cidade. Petardo
ainda dá suas escoteiradas. Josiel dizem foi para o estrangeiro. Eu sou
Escoteiro do mundo. Um faz tudo que sabe que nunca fez nada tão bem. E como
disse o poeta, o destino une e separa pessoas, mas mesmo ele sendo tão forte é
incapaz de fazer com que esqueçamos pessoas que por algum momento nos fizeram
felizes!
Patrulha Pica Pau. –
“Arranka, uenka, lellenka! Litta tellita Ravá. Pica Pau? Sempre a lutar”! - Joel
construtor de Pioneirías, Moeda o intendente. Poeta escritor e auxiliar de
cozinheiro – Nico o novato – Coruja (sou eu) – Josiel o Monitor - Petardo o
cozinheiro – Totonho o sub. Monitor.
nota: - Uma pequena historia
que nunca foi contada. Nada demais. Triste como sempre o final. Sou danado para
terminar alguns contos assim. Mas tem muitos que dá alegria em saber que tudo
deu certo. Fiquem a vontade para ler e se não gostar comentar! Ops! Se gostar
também, risos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário