quarta-feira, 12 de julho de 2017


Lendas Escoteiras.
Apenas um Escoteiro de Primeira Classe.

                   Dizem que sonhar é bom, não tem preço e a gente é quem faz o sonho realizar. Nunca pensei que fosse tão difícil conseguir realizar meu sonho de menino Escoteiro. Desde o primeiro dia quando vi Dondinho e Tonho com a primeira classe que não tirei mais da cabeça que precisava ser um também. Quantas vezes Dona Sonia minha professora me dizia para prestar mais atenção nas suas aulas. Achei que a Segunda Classe seria um simples salte o obstáculo, mas não foi bem assim.

                  Eu era apenas um noviço pata tenra e tinha muito que ralar, mas com três meses empertigado e emocionado fiz minha promessa escoteira. Falei com Tonho o Monitor de ser um Escoteiro de Primeira Classe. Ele não riu apenas disse que tudo iria depender de mim e baixinho completou: - Entrar nos escoteiros qualquer um entra, mas ser Escoteiro não é para qualquer um.

                   Demorou mais de um ano para terminar a Segunda Classe. Nunca pensei que fosse tão difícil mesmo sendo um experiente mateiro quase fiquei a deriva com as exigências de Pioneiria, saúde e segurança. Rastrear animais, identificar pegadas e até mesmo mostrar como se usava o material de corte e sapa demorei demais para aprender. Usar é uma coisa, afiar e manter é outra. Quando no Acampamento na Mata do Morcego o Monitor me disse que eu iria acender o fogo, tremi. Sabia que quem acendesse com um palito estava qualificado a saltar a fogueira e receber a Segunda Classe tão sonhada. Muitos já me olhavam diferente. Ser um Segunda Classe era motivo de orgulho, mas ser um Primeira Classe era demais.

                    Preparei o fogo calmamente. O monitor me liberou para fazer próximo a Pedra do Sino na vazante do Rio Amarelo. Seria lá nosso fogo de conselho. Eu já tinha treinado várias vezes. Sem usar papel ou qualquer outro combustível. Minha mundial estava afiada e produziu dezenas de gravetos cortados rente e fino. Nem prestei atenção no Chefe, nas patrulhas, nada. Só olhava para a fogueira que iria acender. Rezei. Sempre rezava, pois isto me ajudava muito. Não tremi quando acendi o primeiro fósforo, poderia usar outro se necessário, mas para todos que ali estavam em silêncio usar dois era sinal de fraqueza. O fogo crepitou. A noite se iluminou com meu fogo e o Chefe me perguntou qual o nome iria usar: - Águia do Deserto Chefe! – Saltei o fogo três vezes. Sempre gritando meu novo nome de guerra. O distintivo de Segunda classe foi colocado em meu uniforme!

                 Nunca ri tanto em minha vida como naquela jornada no Vale do Amanhecer quando fui empossado como intendente da Patrulha Morcego. Somente segundas classes poderiam ter este cargo. Se existe mesmo a felicidade eu era feliz até demais. Nicodemos agora Submonitor era um pândego. Transformava a dificuldade em breves momentos de gloria, mesmo com o corpo pedindo para voltar ou arranchar. Tonho com seu jeito de comandante da patrulha mesmo sendo democrático tentava mostrar que a dificuldade era ser enfrentada aos poucos. Foi o Chefe Montana quem o incumbiu de me tomar às provas de pioneiria, de primeiros socorros no campo e de leitura de mapas.

                  Fiquei dias aprendendo, sorri demais quando me emprestaram o Guia do Escoteiro do Chefe Benjamim de Almeida Sodré. Foi o primeiro a receber a alcunha de “Velho Lobo”. O livro foi meu batismo no mundo do escotismo e o li por mais de cinco vezes em menos de quatro meses. Aprendi tudo. Quando da Jornada de 24 horas, Vadico meu amigo de patrulha me acompanhou. Foi uma aventura. O Chefe demarcou no mapa onde deveríamos passar e pernoitar. Uma historia e tanto para ser contada aos meus netos. Finalmente o Chefe marcou o grande dia para me entregar a primeira classe. Sonhava, cantava sorria, eu sabia que seria o dia mais importante da minha vida.

                   Dois dias antes meu pai teve um mal subido. Levado ao hospital veio a falecer. Minha mãe não aguentou o choque e ficou por muitos meses absorta em uma cama sem sorrir, chorar ou falar. Perguntei a Deus se aquilo era minha sina meu destino. Eu sabia que para aprender certos fatos sobre muitas coisas eu nem sempre poderia ver ou saber. Perdi tudo, perdi meus sonhos, perdi meu afã de ser um Primeira Classe. Cada um de nós encontra seu caminho e amamos o que devemos fazer, mesmo que isto vá de encontro ao que os outros pensam. Mudamos para São Pedro onde morava uma irmã de minha mãe. Era a única que podia cuidar dela. Fazer o que amamos nos leva automaticamente a descobrir mais sobre quem realmente somos.


                   O escotismo passou a ser uma tênue luz azulada que passou em minha vida. Estamos sempre partindo, estamos sempre dizendo adeus. Foi uma lição para mim. Viemos ao mundo para sobreviver como pudermos, e enquanto pudermos. Choro por dentro. Hoje eu sei o que significa sonhar e nunca ter a realidade do sonho. Como diz aquela gaivota que procurava uma nova vida, voar rápido como o pensamento, a qualquer lugar do agora, do que foi ou que será onde você começa compreendendo que você já chegou. Enfim, este foi meu destino. Quem sabe um dia aquele que vier de mim a quem chamarei de filho, poderá sonhar e ter seu sonho de receber sua Primeira Classe. Sempre Alerta!

nota: - Houve uma época, há muito tempo atrás que nós meninos escoteiros sonhávamos acordados em fazer a Jornada de Primeira Classe. Eram poucos que conseguiam fazê-la e poucos que desistiram no meio da jornada. Os Primeira Classes de outrora ainda mantém até hoje firme no coração a chama escoteira. Ele jamais se extinguirá!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....