Lendas
Escoteiras.
Apenas um
Escoteiro de Primeira Classe.
Dizem que sonhar é bom, não
tem preço e a gente é quem faz o sonho realizar. Nunca pensei que fosse tão
difícil conseguir realizar meu sonho de menino Escoteiro. Desde o primeiro dia
quando vi Dondinho e Tonho com a primeira classe que não tirei mais da cabeça
que precisava ser um também. Quantas vezes Dona Sonia minha professora me dizia
para prestar mais atenção nas suas aulas. Achei que a Segunda Classe seria um
simples salte o obstáculo, mas não foi bem assim.
Eu era apenas um noviço pata
tenra e tinha muito que ralar, mas com três meses empertigado e emocionado fiz
minha promessa escoteira. Falei com Tonho o Monitor de ser um Escoteiro de
Primeira Classe. Ele não riu apenas disse que tudo iria depender de mim e
baixinho completou: - Entrar nos escoteiros qualquer um entra, mas ser
Escoteiro não é para qualquer um.
Demorou mais de um ano para
terminar a Segunda Classe. Nunca pensei que fosse tão difícil mesmo sendo um
experiente mateiro quase fiquei a deriva com as exigências de Pioneiria, saúde
e segurança. Rastrear animais, identificar pegadas e até mesmo mostrar como se
usava o material de corte e sapa demorei demais para aprender. Usar é uma
coisa, afiar e manter é outra. Quando no Acampamento na Mata do Morcego o
Monitor me disse que eu iria acender o fogo, tremi. Sabia que quem acendesse
com um palito estava qualificado a saltar a fogueira e receber a Segunda Classe
tão sonhada. Muitos já me olhavam diferente. Ser um Segunda Classe era motivo
de orgulho, mas ser um Primeira Classe era demais.
Preparei o fogo calmamente.
O monitor me liberou para fazer próximo a Pedra do Sino na vazante do Rio
Amarelo. Seria lá nosso fogo de conselho. Eu já tinha treinado várias vezes.
Sem usar papel ou qualquer outro combustível. Minha mundial estava afiada e
produziu dezenas de gravetos cortados rente e fino. Nem prestei atenção no
Chefe, nas patrulhas, nada. Só olhava para a fogueira que iria acender. Rezei.
Sempre rezava, pois isto me ajudava muito. Não tremi quando acendi o primeiro
fósforo, poderia usar outro se necessário, mas para todos que ali estavam em
silêncio usar dois era sinal de fraqueza. O fogo crepitou. A noite se iluminou
com meu fogo e o Chefe me perguntou qual o nome iria usar: - Águia do Deserto
Chefe! – Saltei o fogo três vezes. Sempre gritando meu novo nome de guerra. O
distintivo de Segunda classe foi colocado em meu uniforme!
Nunca ri tanto em minha vida
como naquela jornada no Vale do Amanhecer quando fui empossado como intendente
da Patrulha Morcego. Somente segundas classes poderiam ter este cargo. Se
existe mesmo a felicidade eu era feliz até demais. Nicodemos agora Submonitor era
um pândego. Transformava a dificuldade em breves momentos de gloria, mesmo com
o corpo pedindo para voltar ou arranchar. Tonho com seu jeito de comandante da
patrulha mesmo sendo democrático tentava mostrar que a dificuldade era ser
enfrentada aos poucos. Foi o Chefe Montana quem o incumbiu de me tomar às
provas de pioneiria, de primeiros socorros no campo e de leitura de mapas.
Fiquei dias aprendendo, sorri
demais quando me emprestaram o Guia do Escoteiro do Chefe Benjamim de Almeida
Sodré. Foi o primeiro a receber a alcunha de “Velho Lobo”. O livro foi meu
batismo no mundo do escotismo e o li por mais de cinco vezes em menos de quatro
meses. Aprendi tudo. Quando da Jornada de 24 horas, Vadico meu amigo de
patrulha me acompanhou. Foi uma aventura. O Chefe demarcou no mapa onde
deveríamos passar e pernoitar. Uma historia e tanto para ser contada aos meus
netos. Finalmente o Chefe marcou o grande dia para me entregar a primeira
classe. Sonhava, cantava sorria, eu sabia que seria o dia mais importante da
minha vida.
Dois dias antes meu pai teve
um mal subido. Levado ao hospital veio a falecer. Minha mãe não aguentou o
choque e ficou por muitos meses absorta em uma cama sem sorrir, chorar ou
falar. Perguntei a Deus se aquilo era minha sina meu destino. Eu sabia que para
aprender certos fatos sobre muitas coisas eu nem sempre poderia ver ou saber.
Perdi tudo, perdi meus sonhos, perdi meu afã de ser um Primeira Classe. Cada um
de nós encontra seu caminho e amamos o que devemos fazer, mesmo que isto vá de
encontro ao que os outros pensam. Mudamos para São Pedro onde morava uma irmã
de minha mãe. Era a única que podia cuidar dela. Fazer o que amamos nos leva
automaticamente a descobrir mais sobre quem realmente somos.
O escotismo passou a ser uma
tênue luz azulada que passou em minha vida. Estamos sempre partindo, estamos
sempre dizendo adeus. Foi uma lição para mim. Viemos ao mundo para sobreviver
como pudermos, e enquanto pudermos. Choro por dentro. Hoje eu sei o que
significa sonhar e nunca ter a realidade do sonho. Como diz aquela gaivota que
procurava uma nova vida, voar rápido como o pensamento, a qualquer lugar do
agora, do que foi ou que será onde você começa compreendendo que você já
chegou. Enfim, este foi meu destino. Quem sabe um dia aquele que vier de mim a
quem chamarei de filho, poderá sonhar e ter seu sonho de receber sua Primeira
Classe. Sempre Alerta!
nota: - Houve uma época, há
muito tempo atrás que nós meninos escoteiros sonhávamos acordados em fazer a Jornada
de Primeira Classe. Eram poucos que conseguiam fazê-la e poucos que desistiram
no meio da jornada. Os Primeira Classes de outrora ainda mantém até hoje firme
no coração a chama escoteira. Ele jamais se extinguirá!
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