Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
“Viver e morrer sonhando com Baden-Powell”.
Era minha primeira vez
naquele saguão. Muito chique. Dava para ver as aeronaves indo e vindo na pista
de decolagem. Uma linda aeromoça de azul disse-me que era o Salão VIP do
Aeroporto de Guarulhos. Era linda e quase a convidei para sentar ao meu lado e
batermos um longo papo... Escoteiro é claro! Minha Celinha sabe que sou
“trancado” para certas coisas. Ela se foi com aquele rebolado de Tininha, uma
Akelá que em um curso que dei não deixou ninguém prestar atenção nas
palestras... Só nela!
Senti alguém sentando ao meu
lado. Quanta educação. Sem barulho sem o top-top mundano de muitos que esquecem
seu cavalheirismo de respeito ao próximo. Muito comum em muitos que não
aprenderam a arte de ser cortês. Olhei para ele. Firmei a vista... Eu conhecia
alguém parecido. Quem era? Tentei a roupa que ele usava. Um brim caqui daqueles
fabricados lá pelos anos vinte. Bota de cano alto, na mão uma bengala. Ops!
Gostei. Também era bengaleiro.
Ele me olhou com um sorriso
galhofeiro fez um sinal no ar e colocou na cabeça um chapéu. Caramba! O
verdadeiro e autêntico Stetson, usado por Baden-Powell. Dizem que gostou da
maneira americana que seu exercito usava e adotou quando lutou na guerra do Transvall.
Lembrei-me de como ficou famoso e se tornou herói inglês no conhecido “Cerco de
Mafeking”. Defendeu uma cidade aberta com apenas 800 soldados contra mais de
5.000 Bôeres por 217 dias.
Um dos seus comandados jurou
que ele dormia com seu chapéu. Olhei para ele novamente com curiosidade. Magro,
não tão alto, e Simpatissimo no modo de tratar as pessoas. Assustei quando
passou um passageiro se levantou e na maior "performance" inglesa
ficou em posição de sentido dizendo: - Be Prepared! Mama mia! Não podia ser! BP
tinha falecido a quase setenta e oito anos! – Me olhou com aquele sorriso e
disse: Vado Escoteiro, eu gosto de você! Upalalá! Uns tipos que não prezo
costumam entrar no meu face, metidos a fortes, sem camisa, dizendo: - Vado
Escoteiro, eu gosto de você. Deus me livre destas coisas imprestáveis.
Kkkkkk.
- Perguntei por curiosidade: - Senhor! Por Acaso é o espírito de Baden-Powell! Ele me olhou sorrateiramente. Espirito? Me belisque Chefe Vado. Sou de carne e osso! Nisto passou uma senhora e ele de novo ficou em pé, em posição de sentido e disse sem gritar: Be-Prepared simpática Scout Guides! – Num arroubo de dúvida perguntei? – Sabe quem é escoteiro ou escoteira só no olhar? Ele riu. Aquele riso que encantou a meninada em Brownsea. – E quem não sabe?
Sentou-se novamente. Olhou-me
dentro dos meus olhos. – Vado! Ainda moro em Paxtu. Voce conhece. Próximo de Nyeri
no Quênia. Desde o dia 08 de janeiro de 1941 que tentaram vender a casa e não
deixei. Fiquei atentando meus filhos o tempo todo. Ainda amo aquela casa. Uma
vez por semana faço questão de subir o Monte Quênia e lá de cima lembrar-me dos
velhos tempos... Em Mafeking, na Tanzânia, dos meus amigos Zulus de Brownsea e
Gilwell Park.
Não estava acreditando
naquele velho que dizia ser Baden-Powell. – Ele fixou nos meus olhos e disse: -
Vado Escoteiro, você me conhece, sabe da minha história. Sabe que minha paixão
sempre foi a Africa e amo o Quênia. Até hoje nos fins de semana meus amigos me
visitam. Eles como eu se apaixonaram pela bela visão das planícies e do topo
careca e nevado do Monte Quênia. Sempre está lá o Major Kenneth McLaren, o
Chefe de Campo de Gilwell Francis “Skpper” Gidney, o General Sir Robert
Lockhart, o capitão F.S. Morgan Comissário do Distrito de Swansea e W. De Bois
MackLaren. Conversamos até o raiar do dia.
Vado Escoteiro sem ser critico e não estão
conosco para se defenderem, visitei a sede escoteira do Brasil em Curitiba.
Vado não gostei do que vi na reunião dos mandatários. Muita soberba, muita vaidade
e quase nenhuma fraternidade. Parece que ali a lei escoteira não era bem vinda.
Mas olhe , não vamos falar mal, cabe a vocês mudar se acreditam nisso.
Democracia meu jovem Chefe! O que diz a bandeira de seu estado? – “Libertas
quae sera tamen”!
Ele olhou as horas no seu ômega
que tinha mais de cem anos. – Vado, está na hora de partir, meu voo já está no
ar e o vento sopra... Preciso voltar a Paxtu, você sabe, quando mais próximo de
Nyeri, mais próximo estou da felicidade. “E partiu dizendo bem alto: - Eu
voltarei para onde sai e desta vez para passar o resto da minha vida no
Outspan”!
Ele sumiu na multidão. Fui atrás
chorando. Peguei minha bengala e sai correndo. Toc.toc.toc. Uma oportunidade
única e perdi. Ficar junto dele naquelas tardes frescas e lindas no seu pomar
de romãs em Paxtu, ver com meus olhos aquela bela visão das planícies do Quênia
e do topo careca e nevado do Monte Quênia seria como morrer feliz para sempre.
Queria poder abraçá-lo ouvi-lo contar as histórias de Mafeking, das borboletas
azuis, dos antílopes, dos vales floridos e famosos do Lago Nakuru aonde ele sempre
ia pescar.
Fiquei ali parado e estático
sem saber aonde ir. Meus olhos cheio de lágrimas reclamavam do abraço que não
dei. Do aperto de mão que esqueci. De dizer o quanto o admirava. De dizer
orgulhosamente para ele: Be-Prepared mestre. Tinha um milhão de perguntas. Não
as fiz ao meu mestre, meu Grande Chefe, o Chefe do Mundo e só fiquei escutando
e duvidando da sua autenticidade. Ah! Que vontade de gritar... Amo você BP!
E então, e então fui acordado
do meu maravilhoso sonho: – Vado, é hora meu marido da nossa ginastica matinal.
Eita mulher linda! Levantei pensando em BP. Que linda oportunidade. Quando
terei outra? Este sim foi um sonho que valeu uma vida escoteira.
Nota
- A nossa pista está assinalada por aquilo que fizemos, por aquilo que
dissemos, ou por aquilo que escrevemos. Aquilo que fizemos transforma-se em
marcos permanentemente seguidos; aquilo que dissemos não passa de pegadas que
podem ser alteradas ou apagadas pelo tempo; aquilo que escrevemos são marcas
bem visíveis conscientemente gravadas nas árvores. Um princípio que muitas
vezes me tem guiado pela vida fora, é o de olhar em redor de duas maneiras:
mais alto e mais além. Lord Baden-Powell of Gilwell.
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