Lendas
Escoteiras.
O palco das
ilusões.
- Gosto do seu sorriso Loirinha.
Olhei para Joel e o abracei. – Não vai compartilhar? – Meu marido sempre com
seu espírito cheio de amor. Vez ou outra fico pensando se teria coragem de continuar
como sou se não fosse ele. Não disse nada, não havia nada para dizer. Uma mágoa
e um orgulho ferido fazia parte da minha vida agora. Culpada? Pode até ser, mas
nunca me arrependi do que fiz.
Não sou uma mulher fraca
incapaz. Conheço o mundo onde vivo e sei onde pisar. Tudo começou quando Mary
minha filha viu uma propaganda dos lobinhos na TV. Perguntou-me o que era. Não
sabia, tinha ouvido falar. Olhei na internet. Interessei-me e ela também. Conversei
com Joel e ele não se opôs. - Precisa que eu vá? Agora não. Se for preciso
ligo. Foi o começo. Levava e ficava esperando Mary aos sábados durante as
reuniões.
O ambiente era ótimo. Havia
alegria, felicidade que interpretei como fraternal demais. Uma duas, seis
reuniões e resolvi participar. Joel não foi contra. – Se achar que é bom para
você, eu estou inteiramente de acordo. Fui bem recebida. Parecia uma grande
família. Convidaram-me como Assistente de Lobinhos. Entrosei-me, estudei e fiz
alguns cursos. Durante um ano nada deu errado. Aos poucos comecei a ver o que
nunca tinha visto.
Passei a pensar que muitos ali estavam representando
personagens que não eram deles. Alguns se endeusavam e se consideravam mais que
os outros. Sabiam sorrir dar tapinhas nas costas, cumprimentavam, mas sempre
com aquele olhar, aquele estilo superior como se um lenço de Gilwell desse a
eles o poder dos deuses. Vi que a visão distorcida da realidade coloca no
prepotente a arrogância. Sabia que não era assim em outros Grupos. No meu não.
Achava que no Escotismo deveria
existir a humildade e em alguns estava vendo o contrário. Quando conheci a Lei
Escoteira e fiz minha promessa foi maravilhoso. Transformei-me, entreguei-me de
corpo e alma. Os pais, alguns poucos amigos chefes e os lobinhos passaram a ser
minha razão de continuar. Coloquei um véu de silêncio onde via e ouvia o que
não devia.
Fui uma voluntária
Escoteira. Sabia o que significava. Doar sem esperar recompensa. Um Chefe
Antigo me disse que o Escotismo é quem precisa de nós e não o contrário. Nunca
pensei e sair. O Diretor Técnico era formador e pensei que era um chefão de
enorme coração. Não era. Havia nele uma réstia de ser supremo. Gostava de ser
admirado e obedecido.
Claro
que havia pessoas maravilhosas, mas uns poucos chefes pareciam ungido com o dom
da sabedoria escoteira. Quando acantonávamos ficávamos até mais tarde papeando
em volta do fogo. O que ouvia me dava à impressão que faltava muito para sermos
uma fraternidade. Eu gostava sim do escotismo, achava que ele tinha mudado
minha vida, sua filosofia entranhava em meu ser e mergulhou profundamente em meu
coração.
Joel sempre me perguntava
se tudo ia bem. Eu dizia que sim. Acreditava que o mundo precisa de pessoas
humildes e não de arrogantes e prepotentes. O Escotismo não devia ser assim? O
que eu poderia fazer para mudar? Conheci chefes que saíram e vi que a magoa que
tinham era um orgulho ferido. A doença da alma é quem faz você acreditar que é
melhor que os outros.
Quando comecei acreditei que pudesse me doar aos
lobinhos. Não ia ser a mamãe dos lobos como outras faziam. Eles precisavam de
uma amiga de uma Akelá que desse a eles uma visão maior para aprender a se movimentar
na Floresta da Jângal. Um Chefe me disse um dia que se quisesse continuar
deveria ser como eles. Correr atrás do lenço, dos tacos, das condecorações e
recompensas. Não pensava assim. Eu era um inocente sem culpa.
Um dia me abri com Joel. Companheiro
leal me ouviu sem contradizer. Disse a ele que Mary queria sair. Não tinha mais
motivação. Ele me surpreendeu ao dizer que daria toda colaboração e ficaria com
a Mary se eu quisesse continuar. – Vale a pena Joel? Ele sorriu e me disse: -
Olhe Eva, fale menos, palavras o vento leva. A mágoa, no entanto fica. Eu lia
muito sobre escotismo. Nas redes sociais quantas e quantas frases de motivação.
Pensei muito, custei a
chegar a uma conclusão. Não conseguia fingir uma humildade que não tinha nunca
iria fazer parte de um círculo que se achavam os melhores. Nas reuniões do
distrito, nas Assembleias não me surpreendia com tanta vaidade e falta de
modéstia. Felícia uma Chefe com mais de vinte anos de escotismo me disse um
dia: - Eva, a arrogância e a prepotência são incompatíveis com o inicio de uma
carreira de sucesso. Se você é uma coisa ou outra, deixe para tirar sua mascara
só quando chegar ao tempo. E ria dizendo: - Se chegar...
Sabia que o escotismo era
uma grande fraternidade. Havia de tudo para amarmos uns aos outros. Uma grande
maioria pensava como eu. Irmãos escoteiros. Não era hora para procurar outro
Grupo. Resolvi sair. Dar um tempo. Quem sabe meu amor ao escotismo faria voltar
um dia.
Tive lindos e bons momentos que
ficaram no passado. Acho que valeu, aprendi muito. Gosto de ver gente sorrindo, acreditando. Como disse um dia aquele Velho
Chefe Escoteiro: - Você pode dizer que é Escoteiro. Mas ter um coração Escoteiro
não é para qualquer um!
Nota – Esta é uma
história fictícia. Não significa que todos são assim. Pode até ser que a
historia dessa Chefe de lobinhos tem alguma coisa parecida com a sua. Afinal
anda vai demorar muito tempo para acreditarmos que ninguém é melhor que ninguém.
Que nosso objetivo é ajudar e mostrar que a humildade e a fraternidade cabe no
coração de cada um. Sei que palavras do bem viver são como o vento. Só ouve
quem acredita mesmo que tudo pode mudar.
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