Historias que os
escoteiros não contaram.
E “Pigmeu” foi
para o céu.
Dona Salomé foi à parteira.
Metade da cidade nasceu em suas mãos. Assustou quando viu o menino em seus braços.
Branco demais, um tiquitito de gente, dois quilos se muito. Soninha amava o
filho. Todos os dias rezava horas pedindo a Deus pela sua vida. Tosse, às vezes
vermelhidão na pele e ela nem sabia o que fazer. As ervas não ajudavam. Ela e o
marido foram a Resplendor consultar o Doutor Noel. Dizia que era muito bom.
- “Dona Soninha, seu filho sofre
de Albinismo”. Sem um bom exame na capital, pela pele e a despigmentação da
Iris e retina posso afirmar com certeza que ele sofre desse sintoma. Soninha
não tinha a menor ideia do era isso. Voltou com suas rezas e todos os dias
subia a escada da Igrejinha carregando uma cruz de madeira. Com quatro anos Ricardinho
aprendeu a andar. Na vizinhança o apelidaram de “Pigmeu”. Pequeno demais. Ela não
sabia o que significava.
Aos seis anos “Pigmeu”
passava o tempo todo sentado na varanda de sua morada, um casebre feito de barro,
bambu em forma de cruz e amarração de cipó com barro. Totinho seu marido foi
quem construiu. Seleiro de profissão recebeu encomendas do Coronel Nonato para
fazer seis arreios e cinco selas. Um dinheirão. – Soninha, pensei em ir a
Resplendor ver o desfile. Dizem que vai estar lá a Banda dos Fuzileiros Navais.
Soninha sorriu. Precisava de novos ares.
O desfile foi lindo. Quando os
Fuzileiros passaram “Pigmeu” bateu palmas gritou e fez tudo para ir atrás. Logo
em seguida vieram os grupos escolares, o tiro de guerra e os escoteiros.
Garbosos, marchando com passo de ganso, um escoteiro sorridente parou em frente
a “Pigmeu” e tocou seu clarim. Uma festa, Soninha nunca viu seu filho vibrante
entusiasmado e ela acreditou que seu filho iria sarar. Deus iria esperar mais
tempo de levá-lo para o céu.
Seis meses depois ela fazia o
almoço e não ouviu uma “fanfarra” tocando. Não prestou atenção. Chamou “Pigmeu”
para o almoço. Ele não apareceu. Correu até a rua não o viu. Perguntou, ninguém
sabia. Chamou Totinho e rodaram, rodaram e nada. “Pigmeu” havia sumido! Se
tivessem procurado no Seminário da Colina teriam encontrado. Soninha nunca
poderia pensar que ele estivesse lá.
“Pigmeu” doente tinha uma
audição de um “velho mateiro”. Os sons da fanfarra o guiaram até a rua principal
na Praça do Arcanjo. Bateu palmas e deu risadas quando viu. Eram os escoteiros
chegando com sua fanfarra, canções, mochilas nas costas bastão no ombro... Eram
lindos demais. “Pigmeu” foi atrás. Ficou junto ao Pavilhão das Bandeiras onde
seis meninos emproados seguravam todas desfraldadas. “Pigmeu” sorridente
marchava com eles.
Nem viu para onde iam. Com
suas passadas curtinhas às vezes tinha que correr para acompanhar. Chegaram ao
Seminário, um local arborizado, próximo um riacho e muitos bambus para cortar. “Pigmeu”
batia palmas em tudo que faziam. Barracas, mesas fogão e comida. Convidaram
para participar. Deram ele uma caneca e um prato de esmalte. Gente, como sorria
e vibrava “Pigmeu”.
A noite chegou. “Pigmeu” não
arredou pé. Jantou, cantou sentou em volta do fogo. Chefe Polar pensou que seus
pais sabiam. Devem morar nas redondezas! Hora de dormir... Recolher. Pigmeu
arranchou na barraca do Monitor. Iriam ficar três dias e voltar para a capital.
Três dias “Pigmeu” com eles. Não arredava pé. Chegou o dia final. No cerimonial
colocaram um lenço em “Pigmeu”. Pediram para repetir a lei do lobinho, desceram
a bandeira e foram embora!
“Pigmeu” não chorou. Ficou
sentado esperando eles voltarem. A noite chegou, “Pigmeu” dormiu e sonhou que
estava com eles dormindo em suas barracas, comendo do seu farnel e cantando
canções maravilhosas que só eles sabiam cantar. No dia seguinte Padre Mateus
viu um vulto deitado próximo ao arvoredo onde os escoteiros acamparam. Foi até
lá, viu um menino sorrindo. O chamou. Estava frio, sua vida agora era no céu.
“Pigmeu” tinha morrido!
Foi o próprio Totinho o pai
quem me contou. – Vado, Soninha perdeu a razão, gritava, chamava por seu filho.
Ele a levou para um Sanatório em Resplendor. Três anos depois voltou. Calada,
taciturna, nunca mais sorriu, nunca mais cantou. Ainda vive sentado na cadeira
de balanço na varanda que fiz. Ela ainda acredita que na esquina da Rua Peçanha
um dia “Pigmeu” irá surgir!
Nota - Lá bem no alto do décimo segundo andar
do ano vive uma louca chamada Esperança E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas todos os reco-recos tocarem atira-se E — ó delicioso voo! Ela
será encontrada miraculosamente incólume na calçada, Outra vez criança... E em
torno dela indagará o povo: — Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes? E
ela lhes dirá (É preciso dizer-lhes tudo de novo!) Ela lhes dirá bem
devagarinho, para que não esqueçam: — O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA... (“Mario
Quintana”).
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