Em volta de uma fogueira...
O Vale da Redenção.
Nota
– “Dizem que esta história nunca aconteceu”... Não sei. Eu conto em prosas as
coisas belas que um dia vi... E ouvi... Por aí... No meu passado e no seu! - Danadamente
ainda sinto uma emoção enorme... Ao contar... Essa história. Verdade é que João
Santino me marcou muito. Sinto enormes saudades. Saudades que estão presas e
não querem me abandonar. Um dia estaremos juntos novamente... Contando
histórias em volta de uma fogueira em uma Floresta qualquer... Por aí... “No
meio das estrelas no espaço sideral”!
Introito.
- Chefe
Vado, ele me pediu para o senhor vir aqui urgente! Diz que não vai ter outra
oportunidade. Era Dona Neném. Desliguei o telefone e parti. Sabia que o pior
estava para acontecer. Ele dizia que não era o pior, era apenas uma passagem
para o outro lado para livrá-lo daquela dor terrível em seus intestinos. Um
câncer estava acabando com ele. A porta cerrada entrei e fui direto ao seu
quarto. Cabeça levantada em alguns travesseiros me viu e tentou sorrir.
- Uma
cadeira na cabeceira da cama sentei. Dona Neném com os olhos rasos d’água
estava ao seu lado. – Voz rouca inaudível deu para ouvir: - Vado Escoteiro! Que
bom que está aqui! – Foi bom enquanto durou não Vado? – Olhei para ele. Parecia
querer entrar em um túnel do tempo e voltar trinta e dois anos atrás. –
Balancei a cabeça. Também estava engasgado. Vê-lo sofrendo sem poder fazer nada,
era uma dor cruel ao ver um grande amigo agonizando.
- Em
um esforço incomum ele tentava falar. Fiquei mais próximo. Sussurrava. – Qual o
melhor? – O que perguntei? – Acampamento Vado! – No Rio do Peixe? – Não, não
foi... – Minha mente voou ao passado rebuscando no tempo e tentando lembrar.
Muitos anos, muitos... – No Vale da Redenção! – Olhei para ele e tive de
concordar. Para nós Velhos Escoteiros é difícil escolher qual o melhor. Foi um
acampamento no Vale da Redenção deixou saudades.
- Voltei
no tempo. Doze anos. Ele? Acho que quinze. Era bem mais velho quando cheguei na
Patrulha Coruja vindo dos lobos. – Lembro até hoje. Ele me olhou e disse: -
Lobo, aqui não tem chefinho para ajudar... Vais comer o pão que o “diabo”
amassou... E riu. Disse por dizer. Foi meu amigo, meu irmão. Não saia lá de
casa. Mamãe disse que iria adotá-lo. Ele nem sabia o que era adotar. – Olhei
para ele, os olhos rasos d’água. João Santino se for chorar vou embora!
- Foi Joelson Piaba Monitor da Pantera quem
deu a ideia. – Um acampamento de seis dias para ver quem fazia a Pioneiría mais
bonita. Sinfrônio disse que ninguém era páreo. Zeca Borboleta sorriu sabendo
que não era um amador em pioneirías. Bartolomeu um grande mateiro aceitou a
ideia e o desafio. Juca Pirama sorriu. Todos especialistas em construções de
Pioneiría em suas patrulhas. A Corte de honra levou quinze minutos para
aprovar. Chefe Condor apenas sorriu. Seu sorriso matreiro era sinônimo de
“aprovado sem ressalvas”!
- Não vou comentar os preparativos. Os
intendentes e almoxarifes passavam dias na sede. Se alguém tivesse barba as
machadinhas e facões dariam conta do recado. A caixa de Patrulha só foi fechada
no último dia. As carrocinhas abarrotadas e com a fricção do mancal no eixo,
faziam um som extremamente belo cantado em um ruído constante nas subidas e
descidas. Dizem que é um gemido, mas para os escoteiros era uma canção escoteira
“belamente” cantada em sustenido. O Vale da Redenção era um velho amigo. Perdi
a conta de quantas vezes acampamos lá.
- A
Pantera construiu em dois dias uma Torre linda de cair o queixo. Toda com
encaixe e amarras de cipó de Vidro. A Coruja fez um Bungee Jump espetacularmente
assustador. No alto do Jacarandá próximo ao Riacho Natureza com mais de doze
metros de altura e feito de Cipó Amora o melhor para usar nesses casos. Nunca
quebrava. Pular a doze metros com o cipó amarrado no tornozelo era demais. Ainda
bem se alguém caísse se perdia no remanso do Riacho. O Portal da Onça Parda foi
um dos mais belos que já vi. O Caminho de Tarzan feito pela Lobo por mais de
quinhentos metros com corda cipó amora foi sensacional.
- Olhei
para João Santino. Ele não sabia se sorria ou chorava. Tentou falar, mas vi
sangue escorrendo em um canto dos seus lábios. – Por favor, João, não fale,
deixe que eu conto para você àquela epopeia que os que lá estiveram nunca
esqueceram. – Realmente as Pioneiras foram demais. No penúltimo dia o Chefe
Condor esperava a visita do Renatinho Fotógrafo, um antigo escoteiro para
fotografar as pioneirías que iriam ficar na história.
- A
visita do Renatinho nunca aconteceu. Um temporal desabou por mais de seis horas.
Jogou no chão as pontes, os mata-burros e as cancelas para chegar até lá. O
Riacho da Natureza não perdoou. Levou sem pedir as barracas, as pioneirías, o
material de sapa tudo que encontrou pelo caminho. Conseguimos subir em um platô
para ver sumir o sonho de uma vida que levamos para conseguir. Quando o sol
apareceu não restava nada em cima da terra. Voltamos com calções e camisetas,
mas perfeitamente confortáveis em nossos Vulcabrás!
- Quando
ia contar o tombo que João Santino levou próximo à cachoeira Cinzenta, onde ele
foi levado entre as pedras gritando e pedido socorro, mas saiu ileso do outro
lado do riacho, olhei para ele. Um sorriso nos lábios. Sereno, calmo com os
olhos fechados, não respirava. João Santino tinha partido no meio da história.
Quem sabe sentado em uma nuvem ouvia o final do fenomenal acampamento no Vale
da Redenção! E eu... E eu pacientemente
olhando para sua figura inerte não parava de chorar!
Nota
– Os contos as histórias trazem um pouco de saudade dos tempos de outrora. Às
vezes aumento, às vezes mudo a frase, mas nada pode esconder as melhores coisas
que um dia vivemos e recordamos do nosso passado. São tantas histórias, tantas
recordações de um tempo que não volta mais... Sempre Alerta Vado Escoteiro, almoxarife
e Escriba, o terceiro escoteiro da Patrulha lobo, que brotem histórias enquanto
não for sua vez de partir!
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