Lendas Escoteiras.
50 anos depois...
Parei o carro em frente à pensão Estrela. Fora uma nova pintura nada
mudou. A Praça Dom Giovani também há não ser as árvores que cresceram e estavam
enormes. Havia canteiros de Tulipas, Rosas brancas que Jânio o Velho jardineiro
tão bem cuidava. A Poeira fina que o vento trazia do Morro dos Vaqueiros era a
mesma. Uma velha mina que de ouro não tinha nada. A Rua do Outono e a Ambares
também. De resto tudo igual. Como sempre moradores a espreita nas janelas vendo
quem chega e quem sai. Mesmo assim bateu uma saudade enorme. Porque voltei? Não
tinha jurado nunca mais voltar? Eu dizia o que o Velho poeta acreditava: - Querido passado, obrigado por tudo que me
ensinou... Querido futuro, pode vir! Seria isto mesmo? Antes achava que era por
pouco tempo. 50 anos se passaram e agora já velho pensava em comprar uma casinha
abrir um consultório e morrer em paz.
Olhei para a prefeitura,
saudades do Benevides, um prefeito amigo dos escoteiros que nunca negou ajuda.
Resolvi sentar um pouco no Banco da Praça para recordar. Valeria a pena? Um ar
de jasmim cobriu de perfume o lugar onde sentei. Duas senhoras passaram me
olhando espantadas. Eu sabia como era. Cidade pequena com os mesmo sinais e
defeitos. Ou melhor, não seria uma qualidade? A Macaxeira estava enorme. Sua
sombra era um convite para dormitar. Senti uma pontada no peito. Eu nunca perdi
as esperanças. A gente nunca sabe o que o amanhã vai nos trazer. Fechei os
olhos e deixei a memória viajar no tempo. Era como se menino Escoteiro ainda
estivesse ali vendo-a correr entre as flores do jardim, colhendo rosas, tulipas
vermelhas... Além dela meu pensamento me fez recordar de Zé Antonio. Meu amigo,
meu Submonitor da Patrulha Morcego. Sorria ao lembrar as aventuras na Serra do
Lagarto, nas Montanhas do Falcão, nas várzeas do Quati. Lágrimas caíram.
Lembrar não me fazia bem.
E os meus sonhos impossíveis com
Andaluzia? Ah! Casar morar em uma casinha branca de janelas azuis. Sair pela
manhã para meu consultório e ajudar os doentes mais humildes que não podiam
pagar. Voltar ver a chaminé com sua fumaça cinzenta, sinal que ela fazia o
jantar. Ela sorridente chegaria à varanda, com seu vestido de chita azul, me
daria um beijo apaixonado e um sorriso entre palavras: - Meu amor, o jantar
está pronto! Sonhos de menino Escoteiro, sonhos que nunca se realizaram. Passei
a sonhar com ela noite e dia. Nos meus novos sonhos acabaram-se os
acampamentos, as aventuras e jornadas a procurar novos rumos para explorar. Até
mesmo Zé Antonio meu amigo do peito sumiu nas sombras de minha mente. Eu só
tinha pensamentos para Andaluzia. Sempre acreditei que um dia ela seria minha e
seriamos felizes para sempre como nos contos de fadas.
Um dia ela se foi. Fiquei arrasado.
Zé Antonio disse que ela fugiu com Capistrano. Logo ele? Um mau caráter,
marginal nunca foi Escoteiro nunca foi amigo de ninguém. Porque Zé Antonio ela
fugiu com ele? Será que ela não sabia do meu amor? Da minha paixão, dos meus
sonhos construídos do nada para fazer dela a mulher mais feliz do mundo? Ah!
Que saudades do seu beijo e do seu abraço que nunca tive saudades do seu
sorriso do seu cheiro, meu Deus quantas saudades dela. Esqueci minha patrulha,
meu cordão dourado os sonhos da Lis de Ouro. Isto agora não tinha mais
importância. Meu mundo ruiu, acabou. Minha mãe nem ligava e nem queria saber o que eu
sentia. Meus Deus! Que burrice que eu fiz. Peguei minha mochila, meu cantil,
minha capa negra e parti sem rumo. Só por causa dela? Um benfeitor invisível me
dizia: - Escoteiro você ainda tem uma vida pela frente um futuro incrível, sua
estrada nunca terá fim!
Parti sem dizer adeus a
ninguém. Nem mesmo a Zé Antonio. A estrada foi minha morada por muitos meses.
Um ano depois parei. Sentei na beira do caminho e chorei. Por ela? Por minha
mãe? Por Zé Antonio ou meus amigos escoteiros? Eu chorava por todos. Perdi os
sentidos e cai na beira do caminho. Um Velho passou a cavalo e me socorreu.
Acordei em um catre em sua cabana. Havia me alimentado. Ele sorrindo me
perguntou quem eu era. Engasgado com o choro na alma não sabia responder. –
Você pode ficar aqui enquanto quiser. Aqui sempre terá um lar. Eu estava magro,
osso puro e quase não comia, mas aos poucos as recordações foram ficando para
trás. Morei com ele quase três anos. Recuperei minhas forças, resolvi partir.
Um dia antes ouvi um tossido forte, corri até ele. Levou a mão no meu peito e falou
baixinho: - Sempre há outra chance, uma
outra amizade, um outro amor. Para todo fim, um recomeço. Em seguida morreu em
meus braços. O enterrei no sopé da montanha ao lado de Marta sua esposa que
morrera anos atrás.
Parti rumo ao Rio de
Janeiro. Trabalhei duro como ajudante de pedreiro, ajudei a construir arranha-céus,
pontes avenidas. Não deixei de estudar. Com trinta anos me formei em medicina.
Vez ou outra avistava escoteiros em ônibus, estradas, shoppings e me batia uma
saudade enorme. Pensei em me apresentar, mas tinha vergonha do que fiz ao
deixar minha patrulha ao léu. Um dia conheci Maria Bonita, casei, dois anos
depois fugiu com um bancário e nunca mais voltou. Clinicava dia e noite. Muitas
vezes sem cobrar. Fiz milhares de amigos. Os anos foram passando e resolvi
voltar. A saudade de Andaluzia era demais. Quem inventou a distância nunca
sofreu a dor de uma saudade. Teria este direito? Ainda teria amigos? Amigos da clinica choraram quando parti. Eu sabia que não haveria volta.
Um vulto sentou ao meu lado no banco da praça. Barbas brancas enormes. Cabelos grisalhos.
Um boné amarelo um sorriso que me lembrou alguém. Olá Juvenal ele disse. Olhei
para ele. Meus olhos piscaram, era sim Zé Antonio, meu Sub Monitor.
Incrível este reencontro! Choramos
abraçados. Contei para ele minha vida, ele contou a sua. – Vai para minha casa
até achar um lugar para morar. - E o escotismo? Perguntei. – Até hoje mora no
meu coração. Mas desde que você partiu, ele não foi o mesmo. – Me convida a
visitar? Perguntei. Ele sorriu. Bem vindo Doutor. Primeiro matar as saudades. Tenho
a chave da sede. Vai ver que nada mudou. Queria perguntar, mas não sabia como.
Não sei se ele iria entender. – Ele me olhou. Abaixou a cabeça e disse – Sei o
que está pensando. Sim Andaluzia voltou cinco anos depois que você partiu.
Nunca perguntou por você. Nunca perguntou por ninguém. Ela hoje vive na Casa de
Repouso Dom Martinho. Lugar simples, doente dos pulmões não se lembra de
ninguém. Pedi a ele que me levasse lá. Ele sorriu novamente. O passado não
perdoa. Olhei para ele e nada disse. Amigos são assim nos atendem sem fazer perguntas.
Um novo momento um novo recomeço
iria dar forma em minha vida. Não foi por isto que voltei? Não sei se o futuro
seria melhor e nem pensava nisto. Meu pensamento era só ela. Um grande amor
ressurgiu das sombras para o meu presente que sempre sonhei. O sol estava se
pondo no Morro dos Vaqueiros. O mesmo sol de antigamente. Quem sabe um novo sol
em minha vida? O futuro? Só Deus para dizer. A distância pode impedir um beijo,
um toque, um abraço. Mas não pode impedir um sentimento. Eu queria ser feliz e
tinha este direito!
Nenhum comentário:
Postar um comentário