terça-feira, 15 de março de 2016

O inesquecível Chefe Gafanhoto. (história baseada em fatos reais)


Lendas Escoteiras.
O inesquecível Chefe Gafanhoto.
(história baseada em fatos reais)

               Gente boa. Educado. Sabia ouvir, sabia cantar, era um grande mateiro, sempre sorrindo e com uma tropa Escoteira maravilhosa. Tinha um sonho. Um sonho maluco – Chefe Osvaldo, se Deus quiser um dia eu vou me alistar na Legião Estrangeira. – Você sabe o que é isto? Perguntei. - Claro, sei que quando se alista são cinco anos sem poder sair. Bem cada um com seus sonhos.  Eu o conheci em um curso Escoteiro. Foram oitos dias na mesma Patrulha. Chefe gafanhoto praticamente liderou a patrulha. Surpresa foi quando me disse que morava em Barra das Vertentes. Menos de cento e cinquenta quilômetros de onde eu morava. Em Luz do Amanhã. Tinha sido promovido a Chefe da Tropa há poucos meses. O curso me deu um novo caminho a seguir.

               Chefe! Que tal acamparmos juntos? Minha tropa e a sua. – Grande ideia Chefe Gafanhoto. Quando? Vamos aproveitar janeiro do próximo ano. Falta menos de seis meses. Ficamos combinados. O local ainda iriamos decidir. Em fins de outubro recebi uma carta dele. – Chefe, o Senhor Molixto, pai de um Escoteiro tem uma fazenda próxima a Três Estrelas. Metade do caminho para mim e você. Acho que uns noventa quilômetros de sua cidade. Você passa Três Estrelas e marca mais cinco quilômetros. Verás uma bifurcação. Ali será o ponto de encontro. Até a fazenda são mais oito. Senhor Molixto me garantiu que lá tem um excelente local, próximo de uma cascata para banho e muitos bambus. Ele irá nos ceder dois carros de bois para transporte do material do entroncamento até o local. Garantiu também que será por conta dele a carne de porco, de boi, gordura, arroz, feijão, batata e verduras e frutas. E claro peixes para quem quiser pescar. Ele tem isto na fazenda!

                  Beleza! Mandei outra carta confirmando o horário de encontro. A tropa vibrou quando contei do acampamento. Consegui na prefeitura um caminhão lonado, Chefe João Soldado nosso Chefe do Grupo conseguiu o que precisávamos de alimentos no Armazém do seu Amadeus. Iriamos com quatro patrulhas. Fizemos dois Conselhos de Patrulha e duas Cortes de Honra. Metade do programa nosso e a outra do Chefe Gafanhoto. Seriam seis dias acampados. Partimos em uma manhã chuvosa. O caminhão estava lonado. Rio Bahia, estrada de terra ainda sem asfalto. Noventa quilômetros. Chegamos às nove e meia da manhã. Corre daqui, corre dali, tralha nas costas, chuvinha intermitente e pegamos a bifurcação. Vimos à tropa do chefe Gafanhoto do outro lado do pontilhão de madeira que havia caído. O córrego cheio. Imenso. Passava por cima do que restava da ponte. Não dava para atravessar. Um barulhão tremendo das corredeiras. 

                  A Patrulha Raposa montou rápido um posto de transmissão de semáforas. Entendemo-nos. Armamos barraca debaixo de chuva e combinamos esperar a enchente diminuir. Cada patrulha improvisou um toldo e um fogão tropeiro. Saiu uma sopa com pão fresco. À noite as patrulhas resolveram conversar por Morse. A turma do Chefe Gafanhoto era boa na sinalização. Dormimos cedo. De manhã sem chuva, mas cinzento o céu. A enchente diminuiu. Rogério Monitor me procurou. Chefe, as barracas estão cheias de escorpiões. Ensinei o que deveria ser feito para empacotar o material de campo e individual. Graças a Deus ninguém foi mordido. Resolvemos atravessar sem a ponte, pois se não iriamos perder alguns dias o que não estava no programa. Cada Patrulha fez uma pequena jangada. Uma festa. A outra tropa gritando e ajudando. Às onze da manhã estávamos do outro lado.

                   Abraços, saudações, apertos de mão, uma festa. Partimos. Os carros de boi lotados. Rangendo. Cantando como sempre. Adorava isso. Chefe Gafanhoto brincando com todos, animando, todos rindo. Oito quilômetros tirados de letra. Uma hora da tarde chegamos. Seu Molixto gente boa. Comemos goiabas e bananas. Ele tinha uma carne de porco frita. Mas iriamos fazer o almoço. Fomos para o campo. Lindo local. A cascata era linda. Tem nome? Perguntei. Não. Eu te batizo como Cascata da Fraternidade. E assim foi dito, e assim foi feito e assim lavrado em ata. Seis dias maravilhosos. Parecia que os sessenta jovens ali presentes se conheciam a longo tempo. Mais que irmãos. Seu Molixto um gentleman. Dois meninos filhos de um meeiro (mora nas terras da fazenda, planta e dá uma parte para o dono) se encantaram. Chefe Gafanhoto os colocou cada um em uma Patrulha.

                      Tiana filho do Seu Molixto uma bela morena dos seus dezessete anos não tirava os olhos de mim. Infelizmente estava noivo e comprometido. Fiquei triste quando partimos e ela chorou. Lagrimas e lagrimas em seus olhos. No acampamento teve de tudo. Bois que invadiram o campo à noite acordando todo mundo. Ricardinho pegou uma traíra de quatro quilos. Só vendo para acreditar. A luta do bastão no remanso da Cascata da Fraternidade valeu por um acampamento. A jornada na Caverna do Vento outro. Começava em um lado da montanha e saia do outro lado. Mais de dois quilômetros na escuridão. E os pistoleiros? Sempre escorados no tronco da macaxeira a nos espiar. Seu Molixto dizia que eram de paz. Norbertinho em um jogo noturno caiu de uma arvore. Quebrou a perna. Foi levado a cidade e voltou para o acampamento enfaixado. Ele mesmo fez uma espécie de muleta para ele. Nunca chorou. Aproveitou tudo do acampamento.

                      A falsa baiana em cima do remanso a mais de quinze metros de altura deu o que falar. A ponte pênsil que a Patrulha do Morcego fez durou dois dias com um belo tombo do Japirim. O ninho de águia da Patrulha Coruja dizem está lá até hoje.  Risos. A “desandeira” que deu em todos por comerem muita goiaba deu para rir a beça. Sempre um correndo para o WC que logo encheu! Final de campo. Meninos da fazenda chorando. Seu Molixto emocionado fez o juramento e recebeu os dois lenços um de cada grupo. Os dois pistoleiros vieram nos cumprimentar. Vi eu seus olhos a chama da esperança que não tiveram. Tiana me procurou dizendo que me amava e nunca mais ia me esquecer. Nunca mais a vi.  Retorno triste, Chefe Gafanhoto tentando animar. Partida chorosa, nosso caminhão lotado. Dando adeus. Edinho com sua bandeirola de semáfora dizendo e repetindo um até logo até o caminhão virar a curva da estrada. Meninos se acenando dizendo adeus. Promessas de um novo reencontro. Amizades que se formaram e duraram por uma eternidade. Janeiro de mil novecentos e cinquenta e nove que entrou para a história.


                      Cinco anos depois recebi uma carta do Chefe Gafanhoto – Chefe Osvaldo, estou partindo para a França. Vou me alistar na Legião Estrangeira. Nunca mais o vi. Acho que seu sonho de ser um legionário foi realizado. Ainda deve estar lutando nas montanhas ao norte da Argélia. Sonhos são sonhos. Cada um faz o seu. Belo acampamento. Grande amigo o Chefe Gafanhoto. Nunca mais o vi e nunca mais o esqueci. Ficou marcado para sempre em meu coração.

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