Lendas escoteiras.
Escoteiro não durma. Se dormir você morre!
Ainda faltava uma hora e
meia para chamar Meiasuja. Meu amigo de muitos anos e Escoteiro sênior como eu.
Meus olhos queriam fechar. Um sono incrível. Não sei se aguentaria sem dormir
por muito tempo. A noite estava gostosa. Uma brisa fresca, um céu estrelado e
naquela clareira da Floresta da Jiboia nada dizia que seriamos incomodados por
chuva ou outros “bichos” naquela noite. Meus olhos fecharam. Tentei abrir. As
pálpebras não obedeciam. Forcei novamente. O melhor era levantar beber um pouco
de água, passar um pouco no rosto e tomar um café que estava quente no bule em
cima das brasas da fogueira. Café dizem ajuda a esquecer o sono. Por pouco
tempo é claro. Abri os olhos. O que vi me matou de susto de uma só vez! Fiquei
paralisado. Meiasuja tinha me prevenido. Melhor fazer uma guarda, cada um fica
três horas e meia. Lembre-se não durma!
O Seu Ptolomeu foi
sincero em tudo que nos contou. Adiantou? Consegui abrir o olho, mas não
consegui me mexer. Era a visão da morte. Não dava um níquel pela minha vida. Os
dois eram enormes. Seus olhos eram brasas vermelhas a brilharem no escuro. Seu
Ptolomeu disse que não era comum Pumas daquele tamanho na região. Eles lá na
roça os conheciam como Onça Pé de Boi. Matavam para viver e quando apareciam o
gado ia aos poucos sendo sacrificado. Disse que eram animais fantásticos. Muitos
caçadores e pescadores que conseguiram sobreviver juravam que era uma Onça
enorme, andando sempre aos pares com uma femea. Assim era difícil escapar.
Encurralavam em algum lugar e enquanto matavam um e comia a femea esperava sua
vez. Se vocês estiverem armados, matem primeiro o macho. Só assim poderão
sobreviver, A femea vai fugir. Pescoço, você e Meiasuja tomem cuidado. A
Suçuarana que aqui chamam de puma podem matar vocês só com uma patada.
Não me mexia. O corpo
tremia. Urinei na calça uma vez. Seriam varias naquela noite. Olhava aqueles
olhos vermelhos que não piscavam. Os dois pumas estavam um ao lado do outro e a
menos de três metros onde estava. Meiasuja estava atrás de mim dormindo nem
imaginava o perigo que corria. Pensei em acordá-lo, mas estava tremendo. Se ele
acordasse e gritasse já era! – O que fazíamos ali? Por Deus deveríamos ter
voltado. Seu Ptolomeu foi enfático. Agora era tarde de mais. – Tudo começou no
Conselho da Tropa Sênior. O Grande Acampamento Distrital Sênior que fazíamos a
cada dois anos seria em nossa cidade e iria acontecer uma grande Olimpíada Técnica
Escoteira. Precisávamos de um local para alojar mais de oitenta seniores de três
distritos Escoteiros. Não poderia ser um lugar qualquer. – Era condição mínima
ter uma mata, um rio ou riacho mais largo, remansos para banho, se possível
quedas d’água para pioneiras de grande porte e muita madeira. Todos nós
conhecíamos uma infinidade de lugares, mas mesmo assim o Chefe Pantaleão no
Conselho de Tropa Sênior deu sua opinião que prevaleceu.
Vocês são doze. Duas
patrulhas. Tem muitas estradas vicinais que ainda não exploramos. Vamos nos
dividir em duplas. Levar toda a patrulha
não vai dar tempo de achar um local novo e desconhecido para todos. Vamos sair
pela manhã do próximo sábado e voltar no domingo à tarde. Vamos sortear aonde
cada um vai. Na semana seguinte nos reuniremos para ver o que vocês
encontraram. Assim foi dito, assim foi feito. Nosso destino seria a Floresta da
Jiboia. Nunca estive lá. Tinha ouvido falar. O Rio Taquari corria em suas entranhas
mais fechadas. Até pescadores evitavam ir lá. Mas éramos seniores. Afinal o
difícil para nós era fácil. Impossível? Nunca, dizíamos. O possível se faz
agora e o impossível daqui a pouquinho.
Para ser sincero não dei
muita bola para o que disse o Seu Ptolomeu. Já vi onças muitas vezes e a
maioria se espantava e sumia no meio das matas. Portanto estas tais pumas
quando nos visse fariam a mesma coisa. Iriam fugir como o diabo foge da cruz.
Ainda bem que Meiasuja deu a ideia da sentinela. Não achei que adiantou muito.
Estava petrificado olhando aqueles enormes pumas a minha frente. Como sênior
aventureiro já tinha visto a morte de perto muitas vezes. Naquele buraco fedido
no Espinheiro da Maloca, onde nunca tinha visto tantas surucucus reunidas em um
só local. Ou mesmo na Garganta do Espantalho, onde caí dentro de um buraco de
formigas gigantes. Safei-me de muitas e outras borrava de medo. Nunca fui
valente. Mas gostava daquilo que fazia. Agora não. Sabia que não haveria
escapatória. Atrás de mim, deitado em uma manta e com a cabeça na mochila
Meiasuja dormia como um bebê.
Um dos “monstros” sem
pêlo deu mais um passo a frente. A femea fez o mesmo. Estava morto e não sabia.
Olhavam-me dentro dos olhos. Não aguentei mais. A calça ficou toda molhada.
Perdi os sentidos. Não tive sonhos e nem pesadelos. Acordei uma hora depois
pensando estar no céu. Os dois pumas estavam deitados aos meus pês e dormiam
como anjinhos. Acho que aproveitando o calor das brasas do fogo que já se extinguia.
Cutuquei Meia suja. Ele custou a acordar. Fiz o sinal de silêncio com o dedo à
boca. Ele então viu os pumas. Olhos vidrados. Saímos pé ante pé. Subimos na
primeira árvore que encontramos. Cada um em um galho. Ficamos lá por um bom
tempo. Pela manhã os pumas foram embora
e nós também. Sempre a olhar na trilha da mata se eles resolvessem nos
emboscar. Foi duro sabe muito duro. Não tinha levado roupa reserva. Todo
molhado e vi que não era só isto, pois tinha mais coisa na roupa. Saímos da
mata duas horas depois.
Passamos pela fazenda do Seu Ptolomeu. Ele abanou a mão. Estava dando um
trato na sua vacada de leite. Não paramos para comentar. O medo era demais. No
Conselho de Tropa Sênior todos deram boas risadas. Alguns não acreditaram em
tudo que contamos. Que seja. O Acampamento Sênior Distrital foi realizado com
muito êxito. Nossa patrulha não ganhou nada nas olimpíadas, mas eu e Meiasuja
fomos batizados de “Escoteiros Melosos”. Bem não foi propriamente meloso, mas o
nome próprio não deve ser colocado aqui. Um dia na Barbearia do Mico Preto, eu
cortava o cabelo e o Seu Ptolomeu entrou. Quando me viu riu e disse – Sabe?
Nunca mais vi os dois pumas. Não perdi mais nenhum boi. O que vocês fizeram
para eles sumirem deste jeito? Falar o que? Será que eles aproveitaram o calor
do fogo e o calor de dois meninos Escoteiros e em troca da amizade e
hospitalidade oferecida foram embora?
Um dia chamei Meiasuja e disse – Acho que devemos voltar lá. – Nem
pensar Pescoço, nem pensar! Mas no meu intimo queria saber se os pumas ficaram
meus amigos. Uma dúvida que persiste até hoje. Cresci e não voltei. Não soube
de mais nada deles na Floresta da Jiboia. Soube sim que outras patrulhas
acamparam lá e nem sinal dos pumas. Ainda bem. Histórias são histórias.
Acreditem se quiser! Risos.
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