Lendas Escoteiras.
Lindos e velhos tempos!
Passava das onze da noite. Em volta do fogo alguns monitores e Leopardo um
Chefe meu amigo me fazia companhia naquela noite na floresta do Ouro Negro. Ele
aceitou meu convite para acampar. Sua tropa estava em férias e porque não estar
ali como agora? O fogo crepitava leve. Pequeno, algumas achas e ao lado o bule
de café. Navegador um Monitor mais antigo com uma pequena vara remexia as
brasas da fogueira. Eu olhava como hipnotizado para as fagulhas que subiam aos
céus e sumindo entre as árvores da floresta. Joshua parecia dormitar sentado no
tronco, mas eu sabia que ele via e ouvia tudo. Eu o conhecia de longa data.
Mocinho já tinha ido dormir. Estava cansado e merecia o descanso da noite. Zé
Lovênio Monitor da Águia me olhava como a pedir para continuar a história que
contava. Nem sei por que contei aquela história. Quando me lembrava dela meu
coração parecia chorar de lembranças que eu não queria recordar. Às vezes eu
penso que um fogo aceso em uma clareira em algum lugar perdido na floresta que
acreditamos ser encantada, um céu estrelado sem luar seria o introito para
lembranças. Porque fui contar aquela história? Dizem que a sabedoria dos velhos é um grande engano. Eles não se
tornam mais sábios, mas sim mais prudentes... Ou não?
Não havia como fugir. Minha voz rouca começou novamente a narrar à história do
Chefe Dakota. Ah Chefe Dakota! Minha mente voltou novamente ao passado. – Eu não
sabia por que estava ali, na rua de alguém que não queria lembrar. Se quiserem
saber eu passei em frente a sua casa sem perceber. Desbotada, um verde que ainda
permanecia vivo, mas sem as cores de outrora. Quanto tempo estive ali? Nem me
lembrava. Senti-me culpado. O jardim ainda era bem cuidado, sinal que ele não
esqueceu seu amor pelas flores. Olhei de soslaio se havia alguém na janela. Não
vi ninguém. Pensei em passar como quem passa pela vida sem olhar... Sem notar
se estava pisando em flores para fugir de um passado que preferia não lembrar.
Mas eu não seria o culpado? Não fui eu quem provocou sua saída do movimento?
Acho que não. Tudo foi obra do ocaso. Se pudesse se Deus me concedesse está
dádiva daria minha vida para voltar atrás. Estaria ainda vivo? Tudo aconteceu
quando eu tinha dezesseis anos e ele já com seus cinquenta e poucos.
Num ato sem esperar subi os quatro degraus que levava a varanda de sua casa.
Por quê? Para zombar dele de um passado que eu queria esquecer? Ele merecia?
Mas eu insistia na minha cisma de tentar ver se ainda estava vivo. Quem sabe
poderia pedir perdão? Dizer para ele que eu era menino, sem pensar no que
fazia, e se tivesse me mantido calado tudo seria diferente. Dizem que os velhos
acreditam em tudo, as pessoas de meia idade suspeitam de tudo, os jovens sabem
tudo. Bati leve na porta. Ninguém. Bati novamente e uma voz miúda quase sumida disse
baixinho: - Entre! – Entrei. A sala não mudou. A poltrona de couro marrom lá
estava como sempre. Tentei ver através da luz opaca encontrá-lo. Aqui! Ele
falou. Olhei pra perto da janela. Era ele sem sombra de dúvida. Velho,
alquebrado, em uma cadeira de rodas com uma manta vermelha e azul em cima das
pernas. – Bem vindo Apoema! Saudades de você! – Incrível. Ele lembrava do meu
nome! Bem o que fiz não se esquece jamais. Olhei melhor para ele. Rosto fino,
magro, olhos fundos que não conseguia saber a cor. Pelos meus cálculos já devia
estar com mais de noventa anos!
Fiquei sem voz. Não sabia o que dizer. A solidão é o preço que temos de pagar por termos
nascido neste período moderno, tão cheio de liberdade, de independência e do
nosso próprio egoísmo. Olhei para ele com os olhos rasos d’água. Ajoelhei-me em
frente sua cadeira de rodas – Perdão Chefe Dakota! Perdão! Tantos anos deixei
passar para dizer que me arrependo profundamente do que fiz! – Ele sorriu
levemente. Falou baixinho quase sussurrando – Apoema, a juventude muitas vezes
diz coisas que não quer dizer. Olhe comentam por aí que a sabedoria dos velhos
é um grande engano. Eles não se tornam mais sábios, mas sim mais prudentes.
Hoje eu compreendo você. Sei o que pensou. O errado sou eu! Minha mente correu
no passado e tudo veio como se estivesse lá de corpo presente fazendo o que
fiz. Eu sabia que durante a adolescência é vital repartir nossas experiências
com pessoas que pensem como nós e que tenham o mesmo pique: - É importante
sentir-se incluído num grupo, de pertencer a uma turma. Perde-se, no entanto, o
convívio com pessoas de outras idades e de outros "planetas", que
muito poderiam lapidar a nossa visão de mundo.
Claro, eu era outro. Mas pensei que ele queria me fazer mal. Entendi errado.
Contei para os outros chefes minha visão do que pensei. O acusei de ser quem
não era. Tudo porque ele docemente estava com as mãos em meu ombro e por causa
de uma serpente sua mão correu minhas costas empurrando. Pensei que ele queria
o que eu não era. Corri dali gritando. Ele tentou se defender e eu não o deixei
continuar. Foi excluído do Grupo Escoteiro. Minha palavra de menino irresponsável
valeu mais que a dele, um Chefe de caráter. Ele vendo as acusações resolveu
sair. Deixou-nos órfãos de Chefe. Tudo por que eu o acusei injustamente. Entre
iguais, tudo é igual. A vida ganha movimento é na diferença. Se você é rato de
biblioteca, iria se divertir ouvindo as histórias contadas por um aventureiro
experiente. Se você tem muita grana, ficaria surpreso em saber como dá duro o
cara que trabalha de dia para poder estudar à noite e o quanto ele precisa
economizar para tomar dois chopes no sábado. Se você é Escoteiro seria bacana
que pudesse entendê-lo compreendê-lo, conversar com quem sabe o que faz.
O fogo se apagava querendo dizer que estava na hora de deixá-lo ao sabor do
vento da floresta. Ninguém mais colocou uma acha para ele iluminar a clareira
onde seis jovens e dois chefes pudessem curtir um conto que não era conto. Era
mais quem sabe um desejo de se redimir, de pedir perdão, de arrependimento por
um ato infantil de um jovem Escoteiro que sonhava e seu coração ficou doído por
muitos e muitos anos. Lovênio levantou e nos disse boa noite e sempre alerta.
Navegador o seguiu de cabeça baixa. Joshua me olhou, foi até
a mim e me abraçou. Leopardo ficou em pé, a sombra da noite o apanhou de jeito.
Parecia um gigante perdido na floresta das lembranças. Eu também o abracei. –
Ele balançou a cabeça e disse baixinho. Pois é meu amigo Chefe, a saudade
aperta... O futuro acorda, mas há coisas que a mágoa não afoga bons e maus
velhos tempos em que a vida era um rascunho onde você anotava pedaços do
destino. Antes éramos um só... Todos juntos num só caminho... À descoberta da
existência de um movimento que até hoje deixa marcas profundas em todos nós...
“Fui dormir como quem não
queria nada, mas sabia que todo caminho tinha lembranças e se eu não as
encontrasse, minha jornada, meus caminhos não tinham razão de ser”.
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