Crônicas escoteiras.
A estrada do
Adeus.
Pingo D’água e
Varetinha estavam desanimados. Já estavam cansados de dizer a mesma coisa e
sabiam que não estavam sozinhos. Tudo mudou da água para o vinho. O escotismo
agora era outro e eles não sabiam o que fazer. Pedir conselhos? Comentar com
alguém? Eles acreditavam que nenhum adulto iria dar razão a eles. Claro fizeram
tentativas no Conselho de Patrulha, mas o próprio Monitor não via nada de
errado, portanto suas opiniões nunca foram levadas em consideração na Corte de
Honra. Pensaram em comentar com o Diretor Técnico, mas ele e o Chefe Tavinho
eram unha e carne. Eles não queriam sair do Grupo Escoteiro, mas tudo estava
sendo levado para isto e o pior ninguém via nada. Ninguém enxergava que a tropa
encolhia a cada mês e poucos procuravam agora se inscrever. Não dizem que o
pior cego é o que não quer ver? Não iam a tanto, mas pensavam que tem gente que
é cego e não por cegueira. Deve ser por falta de inteligência.
Pingo D’água e
Varetinha eram amigos desde que se conheceram na tropa. Ambos eram de patrulhas
diferentes. Ele da Patrulha Lobo e Varetinha da Patrulha Texugo, no entanto
eram unidos como se fossem da mesma patrulha. Foram mais de dois anos de
felicidade, fazendo acampamentos, excursões, grandes jogos, aventuras mil que
agora escassearam e praticamente não existem mais. Lembravam-se do antigo Chefe
Tornado com saudades. Ele sim era um Chefe que nunca deveria ter saído da
tropa. Quando entrou a Lobo tinha seis patrulheiros. Ele foi o sétimo. Chefe Tornado
era daqueles que dizia – Aprender é fazer. Quer aprender? Faça o nó na árvore
ou no galho mais alto com uma só mão. Fazer no braço ou bastão na vai ajudar na
hora do vamos ver! Ele lembrava que em vários acampamentos as patrulhas estavam
completas e as atividades foram lindas. Eles não paravam. Era Morse à noite ou
semáforas ou fumaça no dia, sinais de pista, seguir pista a moda índia, grandes
pioneiras, dezenas de nós e amarras, barracas suspensas, artimanhas e
engenhocas, nossa! Que saudades!
Tudo mudou com a
mudança do Chefe Tornado para a Capital. Ele nunca teve um assistente uma pena,
pois poderia ter dado continuidade à tropa. Chefe Lobão convidou o Chefe
Tavinho para assumir a tropa. Chegou com ares de chefão. Sempre gritando
falando com todo mundo e as patrulhas começaram a desanimar com as atividades.
Jogos? Nem consultava ninguém. Muitas vezes dava uma bola e dizia - Se virem!
Jogar futebol não era meu forte. Bastavam minhas atividades de educação física
no colégio. Eu queria escotismo de campo, de luta, de aventuras e de desafios.
Ele era cego mesmo, pois não percebia que as faltas aumentaram. Alguns
desistiam e nem iam mais ao grupo para dizer que saíram e não iam mais voltar.
De 32 escoteiros a tropa agora tinha 18 e muitas reuniões não passavam de 12.
Perna Fina o Monitor
nem se incomodava. Ele sempre foi um bom gritador. Por ser maior e mais forte
levava a patrulha no muque. Em tempo algum aprendeu que o bom líder e aquele
que sabe liderar e ser liderado. Não ensinaram isto para ele. Esqueceu
completamente que precisávamos ser consultados e ouvidos. Mesmo falando para
ele entrava em um ouvido e saia por outro. E olhe que foi num tal Ponta de
Flecha e voltou todo posudo se achando o tal. Mostrou o certificado como se
fosse o melhor Monitor do mundo, e só faltou dizer que agora o respeito a ele
tinha de ser maior. Eu e Varetinha conversávamos muito sobre isto. A maioria
dos patrulheiros que ainda frequentavam nada dizia. Eu conversei com meu pai.
Ele nunca foi Escoteiro e seu conselho foi – Faça o que achar melhor e
completou – Aprenda a tomar decisões. Achar melhor? Tomar decisões? Chamei
Varetinha e disse a ele que ia sair. Amava o escotismo. Sempre pensei que seria
Escoteiro para sempre. A minha maneira aguentei por quase um ano as mudanças na
tropa. Não dava mais. Nossa patrulha não tinha mais que três ou quatro
frequentando. Ouve dias que éramos três.
No último acampamento,
um dos poucos que fizemos não tivemos liberdade. Ele levou pais para cozinhar
para nós. Disse que assim teríamos mais tempo para outras atividades. Deus do
céu! Pensei que isto só com lobinhos. No nosso canto de patrulha ele não saia
de lá. Sempre fazendo o que deveríamos fazer. O fogo do conselho foi o pior que
participei. Só ele determinava só ele falava só ele dizia o que fazer. Esperei
a reunião seguinte e procurei o Chefe Tavinho. Queria ser sincero e dizer por
que estava saindo. Nunca devia ter feito isto. Ele me olhou e disse que ser
Escoteiro não era para qualquer um. Para ficar e participar tinha de ser forte,
aceitar sem reclamar. No escotismo não tem lugar para perdedores. Meu Deus!
Nunca esperei isto dele. Eu era para ele um perdedor? Será isto mesmo? Será que
ele estava certo e eu errado? Varetinha me disse que não ia falar com ele e lá
não pisava mais. No sábado seguinte não fui. Por dois meses não apareci no
Grupo Escoteiro. Ninguém nunca me procurou para saber o que houve. Nem o
Monitor. Diversos outros meninos que saíram me procuraram para reclamar.
Outros que nunca foram riam e diziam que lá nunca iriam aparecer. Ser
Escoteiro? Nunca meu amigo. Nunca!
De vez em quando encontro com um e outro que
ainda estão lá. Dizem que quase todos saíram e entraram outros. Nada tinha
mudado. A tropa tinha 15 agora, mas com as meninas. Elas foram incorporadas por
falta de chefia. O Chefe Tavinho continua. Não mudou nada. Labareda um Monitor
da Tigre me contou em segredo – Olhe Pingo D’água, eu estive para sair. Fiquei
por causa da patrulha, ou melhor, para dois deles, pois os demais saíram e
entraram novos. Tudo continua como antes. É só apito, jogos repetidos, ele
gritando para todos e sorrindo para as meninas. Elas agora são o xodó dele. Só
tira foto com elas. Acampamentos? Poucos. Muito poucos. Dizem que ele vai
substituir o Chefe Lobão que anda muito doente. Rezo que sim, pois quem sabe
aparece um Chefe de verdade?
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