Lendas Escoteiras.
O destemido Chefe Vulcão.
Era considerado um Chefe durão. Não perdoava ninguém. Levava tudo na
base do grito com sua voz forte e assustadora. Os monitores tremiam ao chegar
perto dele. Os pequeninos que vinham da Alcatéia choravam querendo ir embora. Muitos
pais tiravam os seus filhos quando viam o que ele fazia. – Isto não são modos,
afinal não é assim se faz escotismo; – diziam. Mas o Chefe Vulcão tinha um que
diferente. Ninguem soube explicar como muitos dos meninos que ficaram na sua
Tropa não queriam sair. Ele nas reuniões de chefes do Grupo ouvia o que não
queria dos demais chefes. Sempre o condenavam pelas atitudes que tomava. Também
aí neste meio ninguém falou para ele sair. No fundo no fundo gostavam dele. O
Distrital não concordava. Por diversas vezes em atividades distritais ou
regionais olhava feroz para ele quando se acerbava com a Tropa.
Quem não o conhecia matinha distância. Nos cursos que fazia permanecia
calado. Um Formador um dia lhe perguntou ao final de uma sessão: - Aqui sempre
caladão, mas na sua Tropa adora gritar, por quê? Chefe Vulcão não queria
responder. Dizia para si mesmo que quem conversa muito dá bom dia a cavalo. O
Formador insistiu: - Olhe Chefe, ficar de boca fechada é melhor. Nunca vi
tamanha baboseira que ensinam aqui. E olhe, sabia que o Senhor nem Tropa têm?
Com que direito me critica? – O Formador ficou possesso. Falou com o diretor do
curso. Exigiu que ele fosse reprovado. Mas por ter se mantido calado, sem
criticar nas outras sessões recebeu seu certificado. Ele não tinha amigos. Eram
poucos que se aproximavam. Trabalhava em uma Editora e lá diziam que era um
primor de funcionário. Até mesmo um livro ele estava escrevendo.
Tinha uma namorada. Poucos sabiam. Nunca o viram de mãos dadas ou dando
beijinhos aqui e ali. Fabiano era seu monitor mais antigo. Adorava sua maneira
de dirigir, mas quando ele gritava com sua patrulha imitando o Chefe, recebia
uma reprimenda do Chefe Vulcão. – Fabiano, não faça o que eu faço, faça o que
eu mando. Um conselho às avessas. Chefe Trovão nunca foi assim bravo e gritador
com seus meninos. Ouve uma época que como assistente foi mais ponderado e mais
educado com o trato com os jovens. Mas o desgostava ver a saída dos meninos. Em
um ano saíram nove e entraram seis. A Tropa diminuía. Nos acampamentos ninguém
respeitava ninguém. Ele calado não dizia nada. Em um acampamento uma patrulha
deixou o campo sem dizer nada. Para ele uma afronta. O Chefe na época ficou
possesso. - Onde foram? Quem deixou? Cinco horas depois chegaram molhados e
sorridentes. – Chefe nós fomos nadar na Lagoa dos Peixes!
Chefe Vulcão ficou uma fera. O Chefe da Tropa educadamente disse para
não fazerem mais aquilo. – Só isto? Ele perguntou ao Chefe. – Só e basta, eles
não vão repetir. Respondeu. – E se alguém tivesse se afogado? Como o senhor
iria levar o filho morto no colo e entregar aos pais? O Chefe não disse mais
nada. Seis meses depois pediu demissão para casar e nunca mais voltou. Contra a
vontade o Diretor Técnico o nomeou Chefe da Tropa. Não se sabe como ela deu uma
guinada de 90 graus. Poucos saíram. A Tropa cresceu. Os meninos se tornaram
outros. Uma disciplina invejável. Disciplina a troco de gritos? Pensavam os
outros chefes. Isto não está certo, ele não pode ficar em nosso grupo de
maneira nenhuma. Fofocas corriam de boca em boca no Grupo Escoteiro.
Interessante que o Chefe Vulcão não se incomodava com as fofocas. Quando
na corte de honra algum monitor comentava ele nada dizia ou então respondia:
Porque devo me preocupar? Palavras são palavras e o vento as leva para nunca
mais voltar. Atos permanecem para sempre. Sinceramente eu não concordava com os
gritos do Chefe Vulcão. Ele não berrava não, só chamava a atenção com duas ou três
palavras, mas em uma altura que doía nos tímpanos. Interessante que em casos
específicos que ele não estava presente a Tropa se reunia, fazia seu programa e
tudo andava bem. Eram educados uns com os outros, respeitavam ordens dos
monitores, sabiam conversar e trocar ideias. Que eu saiba era a única Tropa na
região que acampava sozinha. Um assombro para os outros grupos. Numa reunião do
distrito um Chefe mais Velho achou um absurdo. – Hora, vejam bem, com a
criminalidade que temos e a Tropa do Vulcão que sai muita fumaça acampa
sozinha?
Ele calado. Outro
implicava e ele nada dizia. – Quando Don Perilone, um diretor técnico famoso
pelos seus quatro tacos entrou na conversa ele falou baixinho para só os que
estavam ao seu lado ouvir. – Onde estão seus escoteiros que vocês sabem
criticar os outros, mas nada deixaram de valor ao escotismo na comunidade? –
Todos olharam para ele. Vontade de trucidar, mas o Chefe tinha razão. Agora
gritar? – Topogijo um chefe da região resolveu intervir – Pelo que eu o saiba
não fica gritando o tempo todo. – Não? Perguntaram todos. E as reclamações que
chegaram aqui? Nesta hora educadamente Chefe Vulcão foi até o distrital,
cumprimentou com a esquerda e se retirou. Quem ficou se sentiu ferido em seus
brios por um Chefe que tinha um rompante de sargentão do exercito.
Os tempos passaram.
Quantos meninos passaram pela Tropa do Chefe Vulcão e nunca o esqueceram.
Bonifácio um novo presidente de uma grande multinacional foi um deles. – Convidado
a fazer uma palestra sobre métodos e programas ele fugiu do seu tema e começou
a contar a historia do Chefe Vulcão. Alguns souberam dele outros não. – Um
grande Chefe meus amigos, Poucos sabiam que ele tinha na garganta uma espécie
de verruga que o impedia de falar mais baixo, só conseguia gritando. Quem sabia
entendia seus gritos, mas quem viveu ao lado dele sabia também que foi um
mestre que sabia ensinar e dar exemplo. Não sei por que ele não comentou isto
com os demais chefes. Quem sabe era reservado e preso em si mesmo na sua
maneira de agir.
Não tenho o dom da
sabedoria. Julgar o Chefe Vulcão nunca. Afinal pelo que eu saiba deu exemplo de
honradez palavra e caráter. Seus meninos que se tornaram homens nunca o
esqueceram. Não digo para todos fazerem o mesmo, não senhor. Educação faz parte
da sociabilidade entre nós. B-P dizia que os resultados aplaudem os métodos.
Não sei se referia ao Chefe Vulcão. Pelo sim pelo não, sei que hoje ele ainda
vivo trabalha em um asilo de idosos sem nada cobrar. Será que ainda dá seus
gritos?
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