quinta-feira, 3 de março de 2016

As memorias do Capitão Muriel.


Lendas escoteiras.
As memorias do Capitão Muriel.

                Foi por volta de 1962 que fiquei dois dias em Diamantina. É uma linda cidade de Minas Gerais muito conhecida pelos diamantes e pedras preciosas que enriqueceram muitos mineiros. Antigo Arraial do Tejuco em poucas décadas se transforou em uma linda cidade turística terra do nosso saudoso Ex-Presidente Juscelino Kubitschek.  Hospedei-me na pensão de Dona Adelina mulher simples e educada. Na varanda da pensão se via ao longe belas montanhas e seus casarões centenários.  Foi lá que conheci um senhor grisalho, com seus oitenta ou mais anos. Sério e taciturno ficava na varanda e nunca saia pelas ruas da cidade. Sempre o via no almoço, no jantar e sempre caladão e com a cabeça baixa. No meu ultimo dia sentei ao seu lado e ele me perguntou: – Escoteiro? – Sim senhor, respondi. - Humm! Tenho boas lembranças. Ele perguntou novamente: – O escotismo hoje como está? – Resumi para ele como estava naquele final de 1967. Seus olhos estavam fixos na montanha.

          - Com voz calma e falando baixinho me disse: - Há muitos e muitos anos tivemos um Grupo Escoteiro aqui em Diamantina – Durante doze anos a garotada se divertiu a beça correndo aqui e ali em busca das aventuras que todo menino gosta. Nunca tivemos nada igual. Se não fosse o Capitão Muriel que um dia deixou o grupo acéfalo o escotismo poderia estar vivo até hoje. – Olhei para ele e ele continuou a narrar - Não me olhava nos olhos a não ser quando terminou a história. – Narrava pausadamente, com dificuldades, pois sua respiração era difícil. – O Capitão Muriel apareceu um dia na cidade e ninguém sabia quem era e de onde veio. Aqui assentou praça e nunca mais saiu da cidade. Comprou uma casinha lá no fim da Rua Santa Cecília, reformou pintura nova, construiu uma cerca que pintou de branco, plantou rosas, tulipas e árvores frutíferas. Sei que até hoje muitos se fartam indo lá. São goiabas, mangas, laranjas e até um pé de abacate sempre carregado.

           - O capitão quase não saia de casa e quando as primeiras frutas começaram a dar a meninada ficava em volta pensando como tirar algumas delas, coisas de meninos como você sabe. Um dia abriu o portão e chamou todo mundo. Peguem o que puderem, mas sem estragar os pés da fruta. Foi assim que surgiu uma bela amizade entre eles. Tonico, Mateus, Nonato, GG, ou melhor, Geraldo e Acácio eram frequentes. Passaram a frequentar sua casa e tanto insistiram que ele foi almoçar na residência de cada um. Os pais ficaram encantados, pois ele sempre ia com seu uniforme de Capitão e se portava como um Lord. Ninguem nunca perguntou qual exército ele pertencia. Uma amizade surgiu naqueles meninos e o capitão. Nunca contou de sua vida. Ninguem nunca soube.

           Alguns meses depois sugeriu começar a fazer escotismo na cidade. A ideia fervilhou de canto a canto. Centenas de meninos queriam ser os primeiros. Foi preciso à intervenção do Doutor Euclides, Juiz da cidade, que mandou chamar o Capitão Muriel a sua sala. O Prefeito Maciel foi quem aconselhou uma investigação. Afinal era um desconhecido a sair com dezenas de meninos para o campo poderia ser perigoso. Ninguem ficou sabendo qual foi à conversa dos dois, mas a partir daquele dia eles se tornaram grandes amigos. Ninguem ficou sabendo o que conversaram a não o Juiz e o Capitão. O grupo começou a todo vapor. Adestrou oito jovens como monitores e subs. Uma fila imensa de esperava aguardava. Muitos não conseguiram e ficaram meses até anos aguardando uma vaga. Ele convidou Mocinha de Jesus uma linda jovem dos seus dezenove anos para os lobinhos.  

          O grupo cresceu uma enormidade. Na cidade não se falava outra coisa. Precisando chamem os Escoteiros, era o lema. Nas paradas eles brilhavam e o próprio Capitão dava sua colaboração nos colégios e grupos escolares da cidade. A cidade sorria com a escoteirada uniformizada e muitos compareciam nas escolas vestidos como Escoteiros. Fazendeiros se alegravam quando eles iam acampar em seus campos. Uma festa a chegada deles. Um dia Mocinha de Jesus chegou aos prantos em sua casa. Não disse o que ouve e nunca mais voltou para os lobinhos. Duas assistentes ficaram em seu lugar. Ninguém perguntou ao Capitão Pedro Muriel o que aconteceu. Mocinha de Jesus foi embora da cidade e nunca mais voltou.

                O Juiz Doutor Euclides amicíssimo do Capitão recebeu uma carta da Direção Escoteira Regional perguntando sobre o grupo novo, pois não tinha sido registrado conforme normas. Inquirido o Capitão não disse nada. Se ele achava que assim estava bem o Doutor Euclides não tocou mais no assunto. Meses depois aquela saga de um escotismo forte e rijo nas plagas diamantinenses começou a desmoronar. Em um acampamento no Vale da Neblina Gilberto um Escoteiro de doze anos sumiu. – Assustados perguntaram ao Capitão Muriel o que ouve. Ele deu de ombros. Procuraram por mais de cinco dias nas matas do Vale da Neblina. Os Pais de Gilberto gente simples estavam desesperados. No sexto dia ele foi encontrado perto da nascente do Jequerí. Estava encostado a um enorme Jequitibá florido sorrindo Em sua volta dezenas de pássaros e pequenos animais lhe davam água e comida tirada das matas. Em sua cabeça uma enorme coroa de flores. Levado as pressas para o hospital os médicos disseram que mais alguns dias ele teria morrido. O Capitão Muriel sumiu da cidade e ninguém soube do seu paradeiro. Gilberto nunca contou o que houve. Sem uma liderança o grupo Escoteiro foi aos poucos encerrando suas atividades.

               Dez anos depois o capitão surgiu a pé maltrapilho, barbudo, sem dentes saindo de dentro das matas do Vale da Neblina. Parecia mudo cego e surdo. Em sua casinha morava os pais de Gilberto que o tabelião havia dito que a casa aera deles conforme desejo do Capitão. Ele tinha deixado tudo que tinha para eles. Dona Adelina acolheu o capitão. Um quartinho nos fundos, alimentação e outras pequenas despesas. Ele lavava sua roupa e passava. Os anos passaram e ele sempre sentado na varanda a olhar para as montanhas ou para o lago nos fundos da pensão. – Ele silenciou. Notei uma pequena lágrima em seus olhos. – E o Capitão morreu? Ele não respondeu. E a Akelá nunca mais voltou? – Ele continuou calado – E o menino Gilberto? – Ele me olhou com os olhos marejados de lágrimas e me disse que Gilberto foi uma vitima do destino.


            Ele parou de falar, abaixou a cabeça e foi para seu quarto. Olhei no relógio eram nove horas da noite. Tinha uma hora para acertar as contas com dona Adelina e chegar à Rodoviária. Ao pagar perguntei a ela sobre a história que tinha ouvido – Ela sorriu e explicou: - Dizem que a história existiu e ninguém sabia contar. Dizem que Mocinha de Jesus nunca se casou. Dizem que seu amor pelo Capitão foi maior que tudo e foi embora de tristeza por não ser correspondida. Ela voltou um dia. Ninguem na cidade a reconheceu. Tinha umas economias e montou uma pensão. – Olhei para Dona Adelina perplexo! A senhora? Ela riu e completou - A vida é assim meu jovem. Nada explica o inexplicável. Tudo tem uma razão de ser – E o Capitão ainda é vivo? – Claro que sim! Respondeu – Você não estava conversando com ele na varanda? 

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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