Lendas escoteiras.
As memorias do Capitão Muriel.
Foi por volta de 1962 que fiquei dois dias
em Diamantina. É uma linda cidade de Minas Gerais muito conhecida pelos
diamantes e pedras preciosas que enriqueceram muitos mineiros. Antigo Arraial
do Tejuco em poucas décadas se transforou em uma linda cidade turística terra
do nosso saudoso Ex-Presidente Juscelino Kubitschek. Hospedei-me na pensão de Dona Adelina mulher
simples e educada. Na varanda da pensão se via ao longe belas montanhas e seus
casarões centenários. Foi lá que conheci
um senhor grisalho, com seus oitenta ou mais anos. Sério e taciturno ficava na
varanda e nunca saia pelas ruas da cidade. Sempre o via no almoço, no jantar e
sempre caladão e com a cabeça baixa. No meu ultimo dia sentei ao seu lado e ele
me perguntou: – Escoteiro? – Sim senhor, respondi. - Humm! Tenho boas
lembranças. Ele perguntou novamente: – O escotismo hoje como está? – Resumi para
ele como estava naquele final de 1967. Seus olhos estavam fixos na montanha.
-
Com voz calma e falando baixinho me disse: - Há muitos e muitos anos tivemos um
Grupo Escoteiro aqui em Diamantina – Durante doze anos a garotada se divertiu a
beça correndo aqui e ali em busca das aventuras que todo menino gosta. Nunca
tivemos nada igual. Se não fosse o Capitão Muriel que um dia deixou o grupo
acéfalo o escotismo poderia estar vivo até hoje. – Olhei para ele e ele
continuou a narrar - Não me olhava nos olhos a não ser quando terminou a
história. – Narrava pausadamente, com dificuldades, pois sua respiração era
difícil. – O Capitão Muriel apareceu um dia na cidade e ninguém sabia quem era
e de onde veio. Aqui assentou praça e nunca mais saiu da cidade. Comprou uma
casinha lá no fim da Rua Santa Cecília, reformou pintura nova, construiu uma cerca
que pintou de branco, plantou rosas, tulipas e árvores frutíferas. Sei que até
hoje muitos se fartam indo lá. São goiabas, mangas, laranjas e até um pé de
abacate sempre carregado.
- O
capitão quase não saia de casa e quando as primeiras frutas começaram a dar a
meninada ficava em volta pensando como tirar algumas delas, coisas de meninos
como você sabe. Um dia abriu o portão e chamou todo mundo. Peguem o que puderem,
mas sem estragar os pés da fruta. Foi assim que surgiu uma bela amizade entre
eles. Tonico, Mateus, Nonato, GG, ou melhor, Geraldo e Acácio eram frequentes.
Passaram a frequentar sua casa e tanto insistiram que ele foi almoçar na
residência de cada um. Os pais ficaram encantados, pois ele sempre ia com seu
uniforme de Capitão e se portava como um Lord. Ninguem nunca perguntou qual
exército ele pertencia. Uma amizade surgiu naqueles meninos e o capitão. Nunca
contou de sua vida. Ninguem nunca soube.
Alguns
meses depois sugeriu começar a fazer escotismo na cidade. A ideia fervilhou de
canto a canto. Centenas de meninos queriam ser os primeiros. Foi preciso à
intervenção do Doutor Euclides, Juiz da cidade, que mandou chamar o Capitão Muriel
a sua sala. O Prefeito Maciel foi quem aconselhou uma investigação. Afinal era
um desconhecido a sair com dezenas de meninos para o campo poderia ser perigoso.
Ninguem ficou sabendo qual foi à conversa dos dois, mas a partir daquele dia
eles se tornaram grandes amigos. Ninguem ficou sabendo o que conversaram a não
o Juiz e o Capitão. O grupo começou a todo vapor. Adestrou oito jovens como
monitores e subs. Uma fila imensa de esperava aguardava. Muitos não conseguiram
e ficaram meses até anos aguardando uma vaga. Ele convidou Mocinha de Jesus uma
linda jovem dos seus dezenove anos para os lobinhos.
O
grupo cresceu uma enormidade. Na cidade não se falava outra coisa. Precisando
chamem os Escoteiros, era o lema. Nas paradas eles brilhavam e o próprio
Capitão dava sua colaboração nos colégios e grupos escolares da cidade. A
cidade sorria com a escoteirada uniformizada e muitos compareciam nas escolas
vestidos como Escoteiros. Fazendeiros se alegravam quando eles iam acampar em
seus campos. Uma festa a chegada deles. Um dia Mocinha de Jesus chegou aos
prantos em sua casa. Não disse o que ouve e nunca mais voltou para os lobinhos.
Duas assistentes ficaram em seu lugar. Ninguém perguntou ao Capitão Pedro
Muriel o que aconteceu. Mocinha de Jesus foi embora da cidade e nunca mais
voltou.
O Juiz Doutor Euclides amicíssimo do Capitão recebeu uma carta da
Direção Escoteira Regional perguntando sobre o grupo novo, pois não tinha sido
registrado conforme normas. Inquirido o Capitão não disse nada. Se ele achava
que assim estava bem o Doutor Euclides não tocou mais no assunto. Meses depois
aquela saga de um escotismo forte e rijo nas plagas diamantinenses começou a
desmoronar. Em um acampamento no Vale da Neblina Gilberto um Escoteiro de doze
anos sumiu. – Assustados perguntaram ao Capitão Muriel o que ouve. Ele deu de
ombros. Procuraram por mais de cinco dias nas matas do Vale da Neblina. Os Pais
de Gilberto gente simples estavam desesperados. No sexto dia ele foi encontrado
perto da nascente do Jequerí. Estava encostado a um enorme Jequitibá florido
sorrindo Em sua volta dezenas de pássaros e pequenos animais lhe davam água e
comida tirada das matas. Em sua cabeça uma enorme coroa de flores. Levado as
pressas para o hospital os médicos disseram que mais alguns dias ele teria
morrido. O Capitão Muriel sumiu da cidade e ninguém soube do seu paradeiro.
Gilberto nunca contou o que houve. Sem uma liderança o grupo Escoteiro foi aos
poucos encerrando suas atividades.
Dez anos depois o capitão surgiu a pé maltrapilho, barbudo, sem dentes
saindo de dentro das matas do Vale da Neblina. Parecia mudo cego e surdo. Em
sua casinha morava os pais de Gilberto que o tabelião havia dito que a casa
aera deles conforme desejo do Capitão. Ele tinha deixado tudo que tinha para
eles. Dona Adelina acolheu o capitão. Um quartinho nos fundos, alimentação e
outras pequenas despesas. Ele lavava sua roupa e passava. Os anos passaram e
ele sempre sentado na varanda a olhar para as montanhas ou para o lago nos
fundos da pensão. – Ele silenciou. Notei uma pequena lágrima em seus olhos. – E
o Capitão morreu? Ele não respondeu. E a Akelá nunca mais voltou? – Ele
continuou calado – E o menino Gilberto? – Ele me olhou com os olhos marejados
de lágrimas e me disse que Gilberto foi uma vitima do destino.
Ele parou de falar, abaixou a cabeça e foi para seu quarto. Olhei no
relógio eram nove horas da noite. Tinha uma hora para acertar as contas com
dona Adelina e chegar à Rodoviária. Ao pagar perguntei a ela sobre a história
que tinha ouvido – Ela sorriu e explicou: - Dizem que a história existiu e ninguém
sabia contar. Dizem que Mocinha de Jesus nunca se casou. Dizem que seu amor
pelo Capitão foi maior que tudo e foi embora de tristeza por não ser
correspondida. Ela voltou um dia. Ninguem na cidade a reconheceu. Tinha umas
economias e montou uma pensão. – Olhei para Dona Adelina perplexo! A senhora?
Ela riu e completou - A vida é assim meu jovem. Nada explica o inexplicável. Tudo
tem uma razão de ser – E o Capitão ainda é vivo? – Claro que sim! Respondeu –
Você não estava conversando com ele na varanda?
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