sexta-feira, 4 de março de 2016

O ultimo sonho de Bob Longo.


Lendas Escoteiras.
O ultimo sonho de Bob Longo.

                                    Lembro-me bem de Bob Longo. Calado e sério. Desde pequeno muito responsável. Não foi o primeiro da classe, mas nunca repetiu o ano. Seus pais não tinham o que reclamar. Aos dezessete entrou para a faculdade. Futuro promissor todos diziam. Escolheu Engenharia Civil. Pensava em construir pontes, viadutos, tuneis, estradas e quem sabe um monte de arranha céus. Formou-se e um amigo de seu pai lhe ofereceu um emprego em uma repartição publica. – Supervisor, lá terá vinte funcionários sob suas ordens. Bom salário e futuro garantido. Bob Longo pensou e aceitou. No inicio se sentiu bem. Afinal seria um Chefe seu sonho. Nunca o chamaram de Chefe, mas quem sabe um dia? O tempo foi passando Bob Longo casou e sua casa iluminou com o nascimento de Roberta. Agora sim, tinha tudo que queria uma boa casa, outra na praia, um bom carro e uma boa esposa e uma filha que amava como nunca amou ninguém. Ficou esquecido na repartição. Esqueceu-se de se filiar a um partido e assim nunca teve oportunidades que muitos outros abaixo dele tiveram. Ele sonhava sim em ser Chefe, afinal quem não sonha em ser um?

                        Se o Chefe é uma pessoa que se destaca pelas qualidades, competência e poder de decisão ele se considerava o protótipo de um bom Chefe. Oito anos e nada. E agora? Ele pensava. Ali nunca seria Chefe. Uma tarde Roberta pediu para ele ser Lobinha. Ele já tinha ouvido falar dos escoteiros, mas não entendia nada. Porque não? Pensou. Foi com ela até o Grupo Escoteiro. Olhou, calculou, analisou cada adulto, pois era mais que um psicólogo analista e chegou à conclusão que não faria mal sua filha ficar ali. Conversou muito com Albert que parecia ser o chefão de tudo. Gostou do seu estilo. Tinha pose, voz empastada de politico experiente. Mandava e desmandava. Fazia sinal e meninada endurecia sem mexer nas intermináveis formaturas. Não gostava do seu trabalho, mas se sentiu bem no Grupo Escoteiro. Ia todos os sábados, ficou amigo, pois sabia que um dia iriam convidá-lo para ser Chefe. Aprendeu sozinho, comprou uma vasta literatura escoteira. Submisso fingia ser obediente para que os demais chefes pudessem acreditar que esta era sua verdadeira identidade. Ele notou que muitos chefes no Grupo gostavam de quem obedecia e não reclamava.

                         Bob Longo nunca foi Escoteiro. Procurou conhecer toda a filosofia, seu programa sua organização e seus métodos. Na repartição ele pouco fazia e no seu tempo ocioso leu tudo que podia. Normas regulamentos e alguns livros do fundador. Passou a sonhar em ser um menino Escoteiro a escoteirar por aí. O dia do convite chegou. Era um acampamento do Grupo. Eles faziam com todos participantes. Ele se ofereceu e foi aceito. Afinal ele nunca iria confiar sua filha aqueles adultos que sorriam e diziam ser responsáveis. Sua filha era tudo que tinha e onde ela fosse ele iria também. Bob Longo sabia o que era aprender fazendo, sobre o jovem ser responsável pela sua autoeducação, sobre ele aprender a andar com suas próprias pernas. – Balela! Ele dizia. Minha filha eu educo e não preciso de mais ninguém para isto. Adorou o acampamento. Sentiu-se de novo criança. Nem pensou na alegria dos jovens acampantes e sim dele e sua filha. Voltou com as mãos inchadas, cheias de calos. Fez pioneiria, se mostrou um expert em nós e amarras. Alardeava seus conhecimentos para todos.

                          Aceitou fazer todos os cursos que lhe ofereceram. Gostou muito do tema que sempre repetiam sobre ser um líder. Pensou que ser líder e Chefe era a mesma coisa. Disseram que o líder trabalha a descoberto, o Chefe trabalha encapotado. O líder lidera, o Chefe guia. Afinal era um Chefe ou um Líder? Para ele não havia diferença. Seu plano era ser Chefe de Tropa. Sonhava com isto. Passava horas treinando em frente a um espelho a pose de chefão. Foi na Assembleia Regional. Ficou boquiaberto com tantos chefões, com tantas medalhas, e poses bem estudadas. Cada um fazia questão de mostrar sua posição no escotismo. Via com alegria que os grandões os grandes chefes e os chamados Velhos lobos eram procurados e bajulados. Sorria para si próprio imaginando ser um deles. Passou a ler sobre os formadores, os diretores, os Insígnias de Madeira, sobre a WOSM (Organização Mundial dos Escoteiros) e um dia seu sonho se realizou quando foi convidado pelo Chefe Albert chefiar a Tropa Escoteira.

                      Se você tem tempo de casa e consegue bons resultados, já está com meio caminho andado para ser chefe. Só falta, agora, mostrar a seus superiores que você é aquele líder natural em quem os escoteiros poderão confiar, e o Grupo Escoteiro também. Naquele sábado seria apresentado a Tropa e sorriu de orelha a orelha. Estudava cada pose que iria fazer. A pose da bandeira, da formação, de saudar os monitores, da oração e inspeção. Passou dias escolhendo jogos, pois sabiam que eles eram o sucesso para fazer os escoteiros gostarem dele. Seus sonhos duraram noites e dias. Sonhava correndo pelas campinas, pelos vales, pelas montanhas e picos sem fim. Queria ele sim fazer o escotismo que não fez quando criança. Certas horas esquecia-se de Roberta, só pensava em si mesmo e em sua pose de chefão. Fingiu ser subserviente para ser amigo do distrital e dos presidentes da região e da UEB. Seu sonho era chegar lá. Levasse o tempo que fosse. Iria ser Chefe, um chefão. Já pensou? Dirigir um curso e fazer aquele monte de alunos lhe obedecer? Firme! Descansar! – Seria bom demais.

                   Sentiu-se realizado quando fez seu curso da Insígnia de Madeira. Meses depois quando lhe entregaram o Lenço ele chorou. Agora sim, estava pronto para ser um chefão. Estava absorto em um canto do pátio quando surgiu um ancião. Ele não o conhecia. Não estava de uniforme, não tinha lenço e nem chapéu. Só uma bengala que fazia toc, toc no cimento da área onde se reuniam. – Ele parou em sua frente. Sorriu e disse olá! – Não o conheço disse Bob Longo. O ancião balbuciou algum que ele quase não ouviu. – Ficou em pé para entender o que dizia: - Ouça meu filho a voz da razão e viva sem dores, ouça o coração e seja feliz. – Quando for complicado decidir... Não deixe a razão agir. Ouça seu coração falar, pois com ele nada falha. Não se esqueça que mesmo que não concorde com tudo isto, com os objetivos da sua associação, faça seus escoteiros felizes. Chefe não é aquele que pensa só e sim aquele que briga para a felicidade de todos. E terminou dizendo: - Um Chefe Kalapalo um índio me disse um dia – Não seja um homem solitário. Se você não pode ouvir o choro de uma ave então ouça o murmúrio do vento, deixe a chuva cair e perfumar a floresta do mundo. Quando chegar sua hora de morrer, não seja como aqueles cujos corações estão preenchidos de medo. Eles choram e rezam por um pouco mais de tempo para viverem sua vida novamente de uma forma diferente. Assim cante sua canção de morte e morra como um herói indo para casa!


                   O “Chefe” Bob Longo estava estupefato. Não sabia o que dizer. O ancião se foi, ele não soube o seu nome. Aquele dia ele viu que ser Chefe é muito mais que pensava. Precisar dominar os outros é precisar dos outros. Ele agora sabia que um Chefe seria sempre um dependente dos outros e de si mesmo. Seus olhos vermelhos sabiam agora o caminho a seguir. Ele sabia que para ser Chefe ele sempre iria precisar dos outros. Aquele que quer aprender a ser Chefe tem de primeiro aprender a servir!

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