Lendas
Escoteiras.
O
ultimo sonho de Bob Longo.
Lembro-me
bem de Bob Longo. Calado e sério. Desde pequeno muito responsável. Não foi o
primeiro da classe, mas nunca repetiu o ano. Seus pais não tinham o que
reclamar. Aos dezessete entrou para a faculdade. Futuro promissor todos diziam.
Escolheu Engenharia Civil. Pensava em construir pontes, viadutos, tuneis,
estradas e quem sabe um monte de arranha céus. Formou-se e um amigo de seu pai
lhe ofereceu um emprego em uma repartição publica. – Supervisor, lá terá vinte
funcionários sob suas ordens. Bom salário e futuro garantido. Bob Longo pensou
e aceitou. No inicio se sentiu bem. Afinal seria um Chefe seu sonho. Nunca o
chamaram de Chefe, mas quem sabe um dia? O tempo foi passando Bob Longo casou e
sua casa iluminou com o nascimento de Roberta. Agora sim, tinha tudo que queria
uma boa casa, outra na praia, um bom carro e uma boa esposa e uma filha que
amava como nunca amou ninguém. Ficou esquecido na repartição. Esqueceu-se de se
filiar a um partido e assim nunca teve oportunidades que muitos outros abaixo
dele tiveram. Ele sonhava sim em ser Chefe, afinal quem não sonha em ser um?
Se o Chefe é uma pessoa
que se destaca pelas qualidades, competência e poder de decisão ele se
considerava o protótipo de um bom Chefe. Oito anos e nada. E agora? Ele
pensava. Ali nunca seria Chefe. Uma tarde Roberta pediu para ele ser Lobinha.
Ele já tinha ouvido falar dos escoteiros, mas não entendia nada. Porque não? Pensou.
Foi com ela até o Grupo Escoteiro. Olhou, calculou, analisou cada adulto, pois
era mais que um psicólogo analista e chegou à conclusão que não faria mal sua
filha ficar ali. Conversou muito com Albert que parecia ser o chefão de tudo.
Gostou do seu estilo. Tinha pose, voz empastada de politico experiente. Mandava
e desmandava. Fazia sinal e meninada endurecia sem mexer nas intermináveis
formaturas. Não gostava do seu trabalho, mas se sentiu bem no Grupo Escoteiro.
Ia todos os sábados, ficou amigo, pois sabia que um dia iriam convidá-lo para
ser Chefe. Aprendeu sozinho, comprou uma vasta literatura escoteira. Submisso
fingia ser obediente para que os demais chefes pudessem acreditar que esta era
sua verdadeira identidade. Ele notou que muitos chefes no Grupo gostavam de
quem obedecia e não reclamava.
Bob Longo nunca foi Escoteiro. Procurou
conhecer toda a filosofia, seu programa sua organização e seus métodos. Na
repartição ele pouco fazia e no seu tempo ocioso leu tudo que podia. Normas
regulamentos e alguns livros do fundador. Passou a sonhar em ser um menino
Escoteiro a escoteirar por aí. O dia do convite chegou. Era um acampamento do
Grupo. Eles faziam com todos participantes. Ele se ofereceu e foi aceito.
Afinal ele nunca iria confiar sua filha aqueles adultos que sorriam e diziam
ser responsáveis. Sua filha era tudo que tinha e onde ela fosse ele iria
também. Bob Longo sabia o que era aprender fazendo, sobre o jovem ser
responsável pela sua autoeducação, sobre ele aprender a andar com suas próprias
pernas. – Balela! Ele dizia. Minha filha eu educo e não preciso de mais ninguém
para isto. Adorou o acampamento. Sentiu-se de novo criança. Nem pensou na
alegria dos jovens acampantes e sim dele e sua filha. Voltou com as mãos
inchadas, cheias de calos. Fez pioneiria, se mostrou um expert em nós e
amarras. Alardeava seus conhecimentos para todos.
Aceitou fazer todos
os cursos que lhe ofereceram. Gostou muito do tema que sempre repetiam sobre
ser um líder. Pensou que ser líder e Chefe era a mesma coisa. Disseram que o
líder trabalha a descoberto, o Chefe trabalha encapotado. O líder lidera, o
Chefe guia. Afinal era um Chefe ou um Líder? Para ele não havia diferença. Seu
plano era ser Chefe de Tropa. Sonhava com isto. Passava horas treinando em
frente a um espelho a pose de chefão. Foi na Assembleia Regional. Ficou boquiaberto
com tantos chefões, com tantas medalhas, e poses bem estudadas. Cada um fazia
questão de mostrar sua posição no escotismo. Via com alegria que os grandões os
grandes chefes e os chamados Velhos lobos eram procurados e bajulados. Sorria
para si próprio imaginando ser um deles. Passou a ler sobre os formadores, os
diretores, os Insígnias de Madeira, sobre a WOSM (Organização Mundial dos
Escoteiros) e um dia seu sonho se realizou quando foi convidado pelo Chefe
Albert chefiar a Tropa Escoteira.
Se você tem tempo de casa e consegue bons
resultados, já está com meio caminho andado para ser chefe. Só falta, agora,
mostrar a seus superiores que você é aquele líder natural em quem os escoteiros
poderão confiar, e o Grupo Escoteiro também. Naquele sábado seria apresentado a
Tropa e sorriu de orelha a orelha. Estudava cada pose que iria fazer. A pose da
bandeira, da formação, de saudar os monitores, da oração e inspeção. Passou
dias escolhendo jogos, pois sabiam que eles eram o sucesso para fazer os
escoteiros gostarem dele. Seus sonhos duraram noites e dias. Sonhava correndo pelas
campinas, pelos vales, pelas montanhas e picos sem fim. Queria ele sim fazer o
escotismo que não fez quando criança. Certas horas esquecia-se de Roberta, só
pensava em si mesmo e em sua pose de chefão. Fingiu ser subserviente para ser
amigo do distrital e dos presidentes da região e da UEB. Seu sonho era chegar
lá. Levasse o tempo que fosse. Iria ser Chefe, um chefão. Já pensou? Dirigir um
curso e fazer aquele monte de alunos lhe obedecer? Firme! Descansar! – Seria
bom demais.
Sentiu-se realizado quando
fez seu curso da Insígnia de Madeira. Meses depois quando lhe entregaram o
Lenço ele chorou. Agora sim, estava pronto para ser um chefão. Estava absorto
em um canto do pátio quando surgiu um ancião. Ele não o conhecia. Não estava de
uniforme, não tinha lenço e nem chapéu. Só uma bengala que fazia toc, toc no
cimento da área onde se reuniam. – Ele parou em sua frente. Sorriu e disse olá!
– Não o conheço disse Bob Longo. O ancião balbuciou algum que ele quase não
ouviu. – Ficou em pé para entender o que dizia: - Ouça meu filho a voz da razão
e viva sem dores, ouça o coração e seja feliz. – Quando for complicado
decidir... Não deixe a razão agir. Ouça seu coração falar, pois com ele nada
falha. Não se esqueça que mesmo que não concorde com tudo isto, com os
objetivos da sua associação, faça seus escoteiros felizes. Chefe não é aquele
que pensa só e sim aquele que briga para a felicidade de todos. E terminou
dizendo: - Um Chefe Kalapalo um índio me disse um dia – Não seja um homem
solitário. Se você não pode ouvir o choro de uma ave então ouça o murmúrio do
vento, deixe a chuva cair e perfumar a floresta do mundo. Quando chegar sua
hora de morrer, não seja como aqueles cujos corações estão preenchidos de medo.
Eles choram e rezam por um pouco mais de tempo para viverem sua vida novamente
de uma forma diferente. Assim cante sua canção de morte e morra como um herói
indo para casa!
O “Chefe” Bob Longo estava estupefato. Não sabia o que dizer. O ancião
se foi, ele não soube o seu nome. Aquele dia ele viu que ser Chefe é muito mais
que pensava. Precisar dominar os outros é precisar dos outros. Ele agora sabia
que um Chefe seria sempre um dependente dos outros e de si mesmo. Seus olhos
vermelhos sabiam agora o caminho a seguir. Ele sabia que para ser Chefe ele
sempre iria precisar dos outros. Aquele que quer aprender a ser Chefe tem de
primeiro aprender a servir!
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