Lendas
Escoteiras.
A vida não sorriu
para mim.
Seus olhos brilhavam. Saudades
demais. Ali no alto do Morro da Morena Matias chorou. Uma vibração incrível em
todo o seu corpo. Lembranças chegavam aos borbotões, saudades machucavam e seus
olhos molhados estavam fixos no passado que não voltaria mais. Viu no horizonte
o rosto de cada um dos seus companheiros de Patrulha. Belardo bonachão
sorrindo, Juliano Palito sempre a contar uma anedota, Valério o Sub. querendo ser
sério e explodindo em gargalhadas das piadas de Juliano, Moralto o cozinheiro
sempre a inventar uma comida qualquer quando faltava tudo na intendência. Jânio
Mosca o Monitor, imitando o capitão Nonato do Tiro de Guerra e Dirceu que sempre
calado e calado ficou quando deixou a terra pelo céu.
Sabia que corria risco em voltar
no Morro da Morena. Sabia que o Doutor Moura nunca iria perdoá-lo e moveu céus
e terra para encontrá-lo. Seu futuro era longe de Lagoa da Prata. Ali nasceu
ali fez amigos e ali aprendeu a filosofia escoteira que só meninos apaixonados
pelo escotismo podem ter. Que idéia foi aquela de fugir com Maria Antônia? Ela
jurava que o amava e ele não queria ficar longe dela. Se o pai dela o Doutor
Moura não entendia o melhor era fugirem para longe onde viveriam felizes para sempre.
Na patrulha todos diziam que ele não podia fugir, não tinha nada, apenas
quatorze anos e seus pais uns pobres coitados que viviam de salário mínimo.
Conselhos vem e vão. Com sua mochila e um saco de linhagem pegou tudo que tinha
e na estrada do Calando encontrou Maria Antônia que acreditava poder ser feliz
ao seu lado.
Foram quatro dias de sonhos. A
fome, a intempérie e o medo mostrou que a realidade era bem diferente de seus
sonhos. Maria Antônia sempre a chorar. À tardinha Bebum o pistoleiro do Doutor
Moura os encontrou. Levou uma surra tão grande que o deixaram na beira da
estrada quase morto. Matias pensou que era um Escoteiro aventureiro, daqueles
audazes das histórias dos famosos Bandeirantes que desbravaram as terras do
Brasil. Sonhava em ser um Fernão Dias, um Borba Gato, um Antonio Raposo ou
mesmo um Manoel Preto. Se Caio Vianna Martins andou com suas próprias pernas
ele também poderia andar. Curou-se com ervas do mato, sozinho e perdido chegou
a Belém. Pensou que agora era um anjo e foi encontrar o pequeno mestre que iria
nascer em um pequeno celeiro naquela cidade imortal. Natal? Dezembro? Sua mente
fervilhava.
Um carro preto parou perto dele
e jogou uma sacola cheia de dinheiro. Matias sorriu. Um milagre pensou. Estava
na cidade do Senhor todo Poderoso e ele podia tudo. Viu que era uma bolada. Não
notou um carro da polícia chegando. Foi acusado e preso apesar de sua pouca
idade. Apanhou por uma semana para confessar o que não sabia. Viu chegando
através das grades da cela um Chefe Escoteiro. Com dificuldade levantou e
disse: - Sempre Alerta! O Chefe Portal era tenente. Chefe Escoteiro amava o
escotismo com todo amor do seu coração. Olhou para Matias. Mandou levá-lo a sua
sala. Ouviu sua história. O levou para um Quarto que tinha na Sede e que servia
para os escoteiros visitantes.
Ficou nove meses com eles.
Escoteirou, cantou, brincou, participou da Tigre e acampou no Vale da Coruja.
Um dia pensou que era hora de voltar. Chefe Portal não achou boa ideia. Teimoso
queria rever os velhos amigos de patrulha, seu pai sua mãe e nem pensava mais
em Maria Antônia. Aquele amor acabou para sempre. A patrulha e o Chefe Portal
fizeram uma vaquinha e lhe deram uma bicicleta usada. Partiu como se fosse
retornar ao céu azul que sempre foi dele. Antes de entrar na cidade subiu ao
Morro da Morena. Tinha belas lembranças. Sentiu um silvo cortando o ar que nem
imaginou o que era. Uma mordida no ombro. A bala entrou por trás no coração e
saiu na frente do seu peito. Caiu morto. Quem atirou era um perfeito
pistoleiro.
Abriu os olhos e viu Dirceu
junto a outros meninos de uniforme. Estava em casa de novo. Se juntou a eles e
partiram rumo a um acampamento nas Luzes brilhantes de Antares na constelação
de Scorpions. Nem pensou que agora estava morto. Fora Escoteiro na terra e
conseguiu no céu continuar Escoteiro. Não perguntou pela patrulha da terra, não
perguntou como estavam seu pai e sua mãe. Seguiu Dirceu que agora era seu novo
líder e monitor. Só ficou sabendo que sua promessa feita na terra também valia no
céu. Sorriu para Dirceu e os demais patrulheiros. Pegou seu bastão colocou seu
chapéu e cantou o Rataplã quando pegaram uma carona na cauda do Cometa
Hyakutake. Sorriu para sua nova patrulha e seus novos amigos meninos de todas
as nações que ali se encontraram para na eternidade serem fraternos para todo o
sempre!
Uma
das coisas mais belas da vida é olhar para o céu, contemplar uma estrela e
imaginar que muito distante existe alguém olhando para o mesmo céu,
contemplando a mesma estrela e murmurando baixinho: "Que Saudade"!
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