Lendas
Escoteiras.
Servidão
Humana.
Moro no
inferno. Aqui onde estou é a casa do demônio. Não me invejem e nem queiram me
fazer companhia. Onde estou à degradação e o sofrimento humano não é mais que
um antro de podridão. Quem me visita e são poucos, eu sempre digo que se
existir um inferno na terra ele é aqui nesta prisão onde a devassidão é
inimaginável. Só quem vive aqui sabe que não existem palavras suficientes que
explicam como é essa morada. Quem por aqui já passou pode relembrar o
sofrimento, pois aqui eles são o pior que existe. Aqui sou um inquilino do
príncipe das trevas. Não durmo o sono dos justos. Não sou inocente. Se estou
aqui é porque mereço. Ouvi alguém dizer que quem não recorda o passado está
condenado a repeti-lo. Eu não consigo parar de lembrar.
Marcou
profundamente minha alma, meus sentimentos e até hoje não sei se os tinha. À
tarde quando saio da cela nada tenho a fazer. No pátio ando de um lado para
outro como um zumbi. Olho as paredes da prisão descascadas e úmidas cheirando a
bolor. É melhor que nas celas, também úmidas, cheirando a podridão e onde as
paredes sujas são cobertas pelos companheiros com fotos das namoradas e de
mulheres nuas rasgadas de revistas masculinas. Não tenho cama. Um levantado de
cimento com um colchonete fino. Meu corpo já acostumou. Estou aqui há oito
anos. Até a comida podre servida em marmitex de terceira já aprendi a comer.
Muitas vezes infestadas de insetos, baratas
e excremento de ratos. Não me incomodam mais.
Eu mesmo
lavo a minha roupa não mais que quatro peças. Não tenho ninguém para fazer
isso. Os meus companheiros de cela recebem visitas e sempre trazem roupa limpa.
Eu não. Fui esquecido e nunca mais lembrado. O banheiro? Só rindo. Um quadrado
pequeno chamado por todos de “boi” é compartilhado pelos companheiros de cela,
pois aqui não se tem amigos. Aqui me chamam de Pato o coxo, não sei por quê. Já
tive uma vida, tive amigos, era querido e amado por todos que me conheciam.
Nunca pensei que me tornaria um bandido, um assassino, pois até hoje me
arrependo do que fiz. Era feliz, vivia sorrindo, era um Chefe Escoteiro querido
pelos meninos e pela comunidade.
Aprendi a
respeitar, a amar a ser responsável o que me deu um crédito de cidadão
exemplar. Dom Marcelo o pároco era meu amigo, Josuel o Delegado era como um
irmão. Acampava, fazia atividades aventureiras, corria mundo sempre a desbravar
aventuras da vida que escolhi. Quando cheguei aqui há oito anos, fui violentado.
Diziam que era meu batismo pelo que fiz. Não perdoei ninguém. Matei todos que
me fizeram mal. Aqui me tornei um assassino para me defender. Muitos me pediram
perdão. Aprendi a não perdoar ninguém.
Quantas vezes fui
convidado como padrinho de almas inocentes que vinham ao mundo? Quantas vezes
ajudei a paroquia nas festas religiosas? Quantas vezes ajudei pais de jovens
que não tinham nada para pagar nas atividades Escoteiras? Eu sabia que isto não
valia para abreviar minha pena. Amigos que se formaram em direito nunca me
procuraram. Eu não tinha nada e nem podia pagar um advogado para me defender.
Mas eu merecia ser perdoado? Aprendi a ficar calado. Aqui não dou as costas
para ninguém. Os que dizem ser meus amigos eu sei se tiverem oportunidade
acabarão comigo. Quando aqui cheguei me revoltei. Passei boa parte do meu tempo
na solitária. Mal cabia um homem deitado. É um lugar fétido, sem sol, sempre na
escuridão. De vez em quando baratas cruzavam meu corpo. Aprendi a comê-las.
Assim elas diminuíam e me deixavam em paz. Não reclamo. Nunca reclamei.
Tinha 22 anos, na
flor da idade. Trabalhava na Farmácia Santa Lucia, bem conhecido bom vendedor.
Escoteiro deste os nove anos. Amava aquela escoteirada que me amavam também.
Porque tudo aconteceu? Era destino? Eu devia passar por isto? Não acredito.
Marinalva não merecia o que fiz com ela. Mas afinal sou um animal? Um demente?
Porque agi daquela maneira? Ela apareceu um dia na cidade, filha de João do
Bar. Diziam que estudava na capital. Me viu fardado, sorriu, Deus! Que sorriso
lindo! Esqueci tudo esqueci o que iria fazer. Me apaixonei. Uma bruta paixão
aconteceu. Tentei tudo para fazê-la feliz. Ela com seu jeitinho brejeiro me
namorou mas namorou meio mundo da cidade também. Tentei tudo, até larguei os
escoteiros para ficar com ela e não adiantou.
Há encontrei um
dia deitada no celeiro dos Anjos com Daniel o gostosão da cidade, ela ria, ele
também. Meu sangue ferveu. Devia ter rezado contado até dez como ensinava aos
monitores quando ficavam com raiva. O peguei pelo pescoço, ele gritou, ela
tentou ajudá-lo. Dei cabo dela também. Sai chorando dali direito para a Cadeia.
Josuel o delegado veio correndo quando soube. Não teve jeito. Não me defendi.
Se matei por amor não justificava o que fiz. Fui doente, demente maldito que
tirou a vida de dois seres que não mereciam morrer. Dizem que quando você mata
alguém, você tira tudo que ele tem e o que ele poderia ter um dia. Aqui nesta
prisão fétida todos se dizem inocentes. Eu não sou inocente. Sou culpado e
mereço morrer sem dó e nem piedade.
Se escrevi estas
poucas linhas não é para tentar uma justificativa. Meus sonhos acabaram, minha
vida escoteira não existe mais. Não existe explicação para os meus atos. Dizem
que aqui é a sucursal do inferno. Acredito. Tenho 26 anos, se sair daqui
estarei com mais de setenta. Acabou as ilusões, os amores, os sonhos de menino
Escoteiro. Sei que lugar de assassino é na cadeia. Nem sei se me resta um pouco
de dignidade e caráter. Honra não tenho mais. Vivo no meio de ladrões, bandidos
e assassinos. Também sou um deles. Somos todos aqui demônios dominados pelo
ódio e alimentados pela sede de vingança. Que Deus tenha pena da minha alma!
Escrevi esta história há quatro anos. Nunca publiquei. Tinha duvidas se
os meus amigos leitores entenderiam o tema. Afinal o mundo está aí cheio de
gente com boas intenções e outros não. O Escotismo tem uma nuance linda, parece
uma estrela brilhante no céu que não conseguimos alcançar. Mas mesmo sendo
escoteiros somos humanos e tudo é possivel. Os exemplos estão aí e todos
conhecem. É uma historia cruel, dura e crua. Se não for do seu estilo é melhor
não ler. Afinal existem historias que muitos não iriam entender!
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