Crônicas de
um Chefe Escoteiro.
O Padeiro
Valdemar.
Ele tinha um sonho. Desde menino
que sonhava em ser um Escoteiro. Como menino não deu. Seu pai o enfiara desde
cedo como aprendiz de padeiro na Padaria Bela Vista. Viveu parte da sua vida em
frente a um forno, fazendo a massa do pão e suas horas de trabalho nunca foram
as dos Escoteiros. Ajudava a família com o pouco que ganhava. Se não fosse um
menino valente nem estudado ele teria. Sacrificou e entrou na Escola Santa
Lucia. Fez o segundo grau trabalhando na padaria. Seu Manoel o olhava com o
carinho, o carinho de quem sabia ser apenas um empregado. Vez ou outra aparecia
um menino ou um Chefe uniformizado. Ele corria na janelinha da cozinha para ver
e admirar o que era seus sonhos de todos os dias. Mas logo via o olhar do seu
patrão como a dizer – Va fazer pão e não fique aí parado. Chegava na padaria às
quatro e meia da manhã e só às cinco da tarde era liberado. Jovem ainda as
horas de trabalho eram enfrentadas sem reclamar.
Um dia viu seu Manoel ralhando
com um menino. Era um lobinho, “pequetito”, mirralho, mal se via dentro do seu
uniforme largo que com certeza ganhou de outro jovem. Foi acusado de tentar
roubar um pão. Ele conhecia o menino, era o Giacomo filho da Dona Aurora.
Morava no bairro próximo a sua casa. Dona Aurora doente vivia de ajuda dos
vizinhos. Giacomo com seus oito anos pedia aqui e ali até que um dia a Chefe
Noelma o levou para ser lobinho. Ele não podia continuar nesta vida só pedindo,
pensou. Se continuar assim que futuro terá este menino? Com surpresa um dia o
viu com o uniforme. Mesmo desbotado, faltando o cinto do lobo e grande para seu
tamanho o Menino Padeiro Valdemar sorria em ver Giacomo galante como se fosse
mesmo um deles. Mas ele não era? Podia até ser, mas pobre e sem nem saber da
vida dele o Padeiro Valdemar tinha dúvidas. Foi até a entrada da padaria e deu
a Giacomo uma sacola de pães. Ele olhou para Valdemar com um olhar tão piedoso
que seu coração bateu forte. Saiu correndo pela rua rumo a sua casa. Valdemar
voltou a sua lide.
Quem sabe não eram iguais?
Valdemar tinha doze anos e Giacomo oito. Giacomo não teve a sorte de ter um
emprego mesmo trabalhando doze a quatorze horas por dia e ele? – Não faça mais
isto, ouviu a voz do seu Manoel. Nunca mais! Se não o ponho no olho da rua! O
Padeiro Valdemar com os olhos tristes voltou ao trabalho. Ele não podia perder
o emprego, nunca! Pensou muito como o mundo era diferente para muitos. Giacomo
queria um pão, não podia comprar e Valdemar lhe deu uns pães e foi ameaçado de
ser mandado embora. Naquele sábado saiu mais cedo. Eram duas e meia da tarde e
ele resolveu passar na sede dos Escoteiros. Subiu no muro e ali ficou admirando
aquela meninada alegre, corriam feito coriscos, cantavam, gritavam e o Padeiro
Valdemar sorria mesmo não sendo um deles. Abriu a boca de espanto quando eles
fizeram continência para a bandeira que subia. Lindo demais! O dia findava. A
noite chegava e o Padeiro Valdemar correu para casa, pois seu pai e sua mãe iriam
ficar preocupados.
No domingo ele chegou cedo a
padaria. Estava aberta, pois seu Manoel era incansável, sempre o primeiro a
chegar. Sempre chegava cantando ou assoviando, mas naquele dia não. Estava
pensativo e por dentro seu coração batia fraco. Seu pensamento era um só: -
Será que algum dia serei Escoteiro? Achava que não. Quando olhou pelo vidro
sentiu algum diferente na padaria. Seu Manoel não estava no caixa e sim um
desconhecido. Foi então que viu seu Manoel sentado no chão e outro desconhecido
com uma faca espetando ela em seu peito e dando risadas. O Padeiro Valdemar se
assustou – Vão matar o seu Manoel! Não deu outra. Entrou correndo na padaria,
pois sabia que atrás de um biombo tinha um cano que era usado para muitas
coisas na padaria. O Padeiro Valdemar alcançou o cano e deu com ele na cabeça
do bandido que furava com a faca seu Manoel. Um tiro foi dado. O Padeiro
Valdemar rodopiou em si mesmo e caiu ao chão com a mão no peito e sangrando.
Viu que o bandido que atirou
sorria e foi até onde ele estava. Ia dar o segundo tiro quando recebeu uma
pedrada na cabeça. Ele se virou e viu na porta Giacomo com seu uniforme de
lobinho. O bandido atirou, mas Giacomo saiu correndo e gritando que a padaria
estava sendo assaltada. A policia chegou logo e prendeu um dos ladrões o outro
desmaiado pela pancada do cano do Padeiro Valdemar estava quase morto. Levado
ao Hospital sobreviveu. Valdemar ficou entre a vida e a morte na UTI por três
meses. Um dia recebeu a visita de Giacomo. Não queriam deixá-lo entrar por ser
menor. Uma turma de mais de trinta jovens invadiu seu quarto. Ninguém sabia o
que fazer, mas eram lobinhos e Escoteiros que foram lá visitar e aplaudir o
gesto dele e de Giacomo. Ele se assustou, não era Escoteiro e não entendia o porquê
de tudo aquilo. Uma tarde lhe deram alta. Voltou para casa pensativo se ainda
teria o seu emprego. Três meses haviam passado e ele achava que seu Manoel não
ia perdoar.
Uma surpresa. Seu Manoel estava
esperando ele na porta do hospital. Levou-o a sua casa em seu fusquinha. No
caminho disse que se orgulhava dele. De agora em diante não iria mais trabalhar
aos domingos e podia sair aos sábados às onze da manhã. Incrível pensou o
Padeiro Valdemar. Incrível. Uma pequena multidão o esperava em sua casa. Uma
semana depois voltou ao trabalho. Assustou. Viu Giacomo empacotando pães e
doces para clientes. Se o seu Manoel visse seria briga na certa. Nada disto,
ele agora trabalhava pela manhã na padaria e a tarde era obrigado a ir para a
escola. Hã vida! Quem diria. No sábado quando saiu as onze foi para casa
pensativo, lá estava Giacomo e um Escoteiro de nome Nonato. – Tome um banho e
venha conosco, a Tropa Escoteira o espera!
Nada como um dia após o outro.
Nada se comparava a alegria do Padeiro Valdemar. Brigaram com ele na tropa. No
primeiro acampamento foi batizado de Escoteiro Valdemar! Bom demais. A briga
foi porque ele queria fazer o pão do caçador e eles achavam que não. Afinal
eles tinham de aprender e o Escoteiro Valdemar era um perito em fazer pães.
Contam amigos meus que Valdemar se formou como um grande Chef cozinheiro e tem
três padarias na cidade em sociedade com seu Manoel. Disseram-me também que
Giacomo tinha um enorme armazém e todos que com ele trabalhavam eram do seu
bairro e só podiam entrar se fossem Escoteiros. Enfim, a males que vem para o
bem, tudo no final deu certo. Um sorriso para o Padeiro ops esqueci para o
Escoteiro Valdemar e seu maior amigo Giacomo que de lobo foi Escoteiro, sênior
e agora Chefe de tropa. Palmas Escoteiras para os dois!
Nenhum comentário:
Postar um comentário