Carta de um Escoteiro 2° classe.
(Conto de autoria do "Chefe" Escoteiro
Sergio Augusto Vanti)
Nada jamais
continua. Tudo vai recomeçar! E sem nenhuma lembrança das outras vezes
perdidas, atiro à rosa do sonho nas tuas mãos distraídas.
Querido papai
Andava eu pelas ruas como faço habitualmente
buscando algum biscate que me permitisse beber um gole a mais... Tu sabes como
sou. Deparei-me com a sede de meu velho grupo Escoteiro. A porta estava aberta,
entrei tudo abandonado, cheirando a velho e mofo. Senti como um baque, um murro
no peito a dor no coração. Vi-me menino em meio aos bons camaradas da patrulha,
a formatura, os gritos de tropa, os jogos... Súbito alguém me chama pelo nome,
me viro olho quem me chama.
Surpreso,
meio envergonhado vejo que é Mauro, meu antigo monitor. - José és tu mesmo? Mas
quantos anos, que fazes aqui? - Um estrondoso silêncio é minha única resposta.
Chega! É demais, viro as costas saio correndo o passado me afoga em meio a
doces e dolorosas lembranças.
Papai
tu lembras quando eu era um menino, levaste a mim e meu irmão ao grupo
escoteiro, pela primeira vez? Lembra que me contavas como sonharas em ser
escoteiro e tua pobreza nada te permitia senão estudar e ajudar em casa? A tua
alegria quando teus dois amados filhos te disseram “Sempre Alerta”? Eu me
lembro de papai, isto eu não esqueci. Lembro-me da fé que tinhas no escotismo e
dizias sorridente: - O velho BP sabia das coisas, “Os escoteiros podem guiar a
nação”.
Lembro-me
do teu orgulho, não cabias em ti de felicidade no dia de nossa Promessa. Meu
coração saindo pela boca, à seriedade de meu irmão, eu dizendo “Prometo por
minha honra cumprir os deveres para com Deus, a minha Pátria e o próximo...
Lembro, pai, naquele dia te vi chorar, quando me pusestes o chapelão. Só tinha
te visto chorar uma vez, quando mamãe faleceu”.
Corro
para minha casa imunda, bato a porta, não consigo parar de chorar. Pai, a muito
não cumpro minha promessa feita a Deus, a Pátria e a ti. - Lembro-me do dia em
que te falei: - Vou deixar a Tropa Sênior. Tu me perguntaste, por que meu
filho? Até hoje não sei, pai. - Do dia em que te disse: - Não vou estudar mais.
Do dia em que saí de casa.
Voltei para te ver quando quase já não estavas aqui
e partiste com tua mão entre as minhas, um sorriso no rosto cansado, dizendo,
Sempre alerta, querido.
Como pude como pude ser tão mau filho, tão pouco
escoteiro?
Tiro
debaixo da cama uma velha mala com as poucas coisas que não vendi. Roupas,
fotos amareladas, uma faca, lembrança da segunda classe, e meu uniforme cáqui,
meu querido uniforme que eu desonrei os distintivos, o numeral. Lembras papai,
com que felicidade nos entregou as custosas fardas, que no dia a dia de homem
simples economizaste para mandar fazê-las?
Queria ver teus filhos, garbosos escoteiros. Estendida
sobre a cama, encharcada de um pranto incontrolável, tento sentir as pontas de
teus dedos no pano que muitas vezes tocaste, muitas vezes abraçaste com tanto
carinho ao final de cada reunião.
Pai,
como errei tanto? Serei passível de perdão? Olho para o puído distintivo de
Promessa sinto a dor abrasar meu coração. Devo estar ficando louco. Como uma
adaga perfurando um corpo sedento de redenção... Sinto-te soprar em meu ouvido:
- Filho, sempre é tempo de cumprir nossa promessa!
Alucinado arrependido em doloroso despertar, entre
soluços jogo-me de joelhos ao sujo piso, ergo a voz com o fervor de uma oração.
Neste momento abençoado, eu renovo minha promessa, redimir-me hei de minhas
faltas, deixarei esta maldita vida, cumprirei os meus deveres!
Por ti, meu amado pai, pelo escotismo, pelo Brasil!
Palavra de
escoteiro! - Sempre alerta, querido papai.
Teu sempre, José.
- Escrevi este pequeno conto há tempos. Dedico a
meu amado pai, e aos verdadeiros amigos escoteiros que me acompanharam nesta
renhida luta de educar, em especial a Elisa, Bepinho, Augusto, Marques, Michel,
George, Júlio, Tiarles. Vocês moram em meu coração! – Sergio Vanti.
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