domingo, 26 de março de 2017

Topázio.


Lendas Escoteiras.
Topázio.

             O trem noturno deslizava lentamente pelas montanhas e vales do Rio das Sombras. Topázio de olhos fechados não dormia. Nem apreciava a paisagem que descortinava pela janela meio escura sem lua, mas com estrelas brilhantes no céu. Desistira de pensar e de sonhar. Uma vida que nunca deu valor. Vivia por viver e nada mais. O que poderia esperar? Acreditar nestas velhas frases de autoajuda que devemos tentar sempre e não desistir? Um dia ele sonhou acreditou mesmo que teria o que queria e que sempre pensou em ter. Uma família, uma mulher amada, filhos um trabalho honesto. Onde ficaram seus sonhos? Qual estrada não tinha a ponte para ligar o sonho à realidade?

             Um som inaudível veio através da janela do vagão de segunda classe. Sentiu que o trem se aproximava de uma estação. Ali? Naquele fim de mundo? Bem que ele fizesse o que deveria fazer. Recolher aqui e ali os viajantes sem destino ou com passagem só de ida. Ouviu um cantarolar de uma jovem com uma voz maravilhosa. Seus olhos e ouvidos ficaram alerta para tentar saber quem era a jovem que atraiu sua curiosidade. Na estação uma luz bruxuleante pouco dava para ver além de sua imaginação. O ruído incessante das caldeiras era como um aviso que a qualquer hora o trem iria partir.

              Um zum, zum e um roçar de pano deixou ver meninos e meninas entrando no seu vagão de segunda classe. Foi um susto, sentiu um calafrio na espinha... Os sentimentos do passado se transformam em emoções quando se quer lembrar que ouve sim uma pequena luz de felicidade em sua vida. Sorriu para si mesmo ao ver que eram escoteiros. Quanto tempo! Tinha saudades? Ele nem sabia mais. Tinha se esquecido de tudo e sabia que sempre tentou afastar de sua mente a alegria que já aconteceu e não acontece mais. Todo mundo deveria ter uma lembrança verdadeira que deveria durar até o fim de sua vida. O escotismo foi um acontecimento que nunca deveria esquecer.

               Onze? Doze? Pode ser. Algumas meninas sorridentes. Qual delas cantava como um sabiá ou um Uirapuru nas noites de luar? Olhou disfarçadamente para todas elas. Belas, meninas moças que aprendiam a vida na sua melhor forma com a natureza. Elas e eles garbosos, chapelões, mochilas esverdeadas, bastões e sorrisos em profusões. Ele sempre soube que nem todo mundo que chegou em sua vida veio com a intenção de ficar. O escotismo teve seu auge, seu momento e que agora o passado o trás de novo e ele não queria se machucar duas vezes. Cada um educadamente sentou em um banco de madeira conversando alegremente sem incomodar os demais.

                Tentou dormir e afastar as belas lembranças dos campos floridos, dos vales escondidos no seio de uma montanha que envergonhada não queria mostrar o mais belo que tinha dentro de si. Quantos acampamentos, quantas aventuras. Deus! Tentar afastar de mim este belo momento nunca vai me fazer diminuir o que sempre senti naquela ocasião. Eis que ela finalmente se revelou, tinha um pequeno banjo e com ele fez o arranjo mais bonito que já ouvi. Ah o amor... Que nasce não sei aonde, vem não sei como e dói não sei por quê. Mas seus versos não eram assim. Falavam de coisas lindas que só os escoteiros podem cantar...

              O tempo foi passando, o burilar de uma saudade corria entre os serpenteados do trem próximo ao rio das sombras. Ele semicerrou os olhos para fingir que não via o seu passado. Jovens amantes da aventura, dos sonhos dourados, das canções de ninar... Sabia que devia aproveitar a companhia de quem trouxe recordações de sua vida. Afinal nunca sabemos o quando podemos partir. Um apito, outra estação na volta do adeus chegava ao fim. Eles desceram, a mocinha escoteira do banjo cantou a ultima estrofe: - “Coisas impossíveis melhor esquecê-las que desejá-las”.

               Um silêncio sepulcral. Seu passado chegou em forma de meninos e meninas Escoteiras e partiram como se o vento os levassem para onde ele não podia mais ver. Olhou de novo pela janela. Ele sabia que se um poeta consegue expressar a sua infelicidade com toda a felicidade, como é que ele poderia ser infeliz? Afinal a vida é muito curta prá ser pequena. Uma resolução foi tomada. Partir para outra. Levantar, seguir a pista até que encontre o fim de pista. E se o encontra-se veria também o voltei ao ponto de reunião. Adeus passado, bem vindo futuro. Se for para recomeçar chegou a hora. E ele sabia que sua hora tinha chegado.


Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói, e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer. Topázio estava perdido em seus pensamentos, embaralhados por um passado sombrio. Uma voz suave cantou na noite escura naquela estação, foi tudo que ele precisava para voltar a viver novamente. Bem vindos a mais uma historia escoteira.




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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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