Lendas Escoteiras.
Era uma vez... São Pedro lá do
céu!
Hoje me lembrei desta história. Minha memória diz que aconteceu, mas
muitos amigos daquela época diziam que não foi bem assim. Menino estudante,
Escoteiro, cidade pequena sem nada o que fazer, corria-se com suas possantes
bicicletas nas casas dos amigos escoteiros, reuniões de patrulha e pensando no
próximo acampamento. Era uma festa quando alguém com peças Escoteiras apareciam
na cidade. – De onde? Qual Patrulha? E a luta para levar para sua casa? São
coisas do passado, passado que ficou na memória e nem sempre se fatos assim
ainda acontecem neste Brasil imenso. Mas vamos às lembranças. Desculpe se
faltar alguma coisa, faz tempo, muito, o Velho Escoteiro tem 75 anos e na época
somente 12. Recordações faz bem e eu tenho muitas para lembrar.
Não me lembro do seu nome. Pudera ele nunca disse, pois assim como
chegou ele partiu. A gente o apelidou de São Pedro, aquele que mora no céu. Fisionomia
igual a que o Padre José nos contava. Uma barba branca que de tão branca ao
ficar ao sol se tornava azulada. Magro, e quem o olhasse bem de perto diria que
era só pele e osso. Será que não se alimentava? Usava uma roupa simples, calça
caqui curta bem puída e uma camisa caqui com alguns rasgos no ombro. Usava um
cinto. Era o nosso conhecido. Sem sombra de dúvida era um cinto escoteiro.
Esquecemos até que em sua cabeça também morava um chapéu de abas largas, mas
que agora estava decaído se mostrava velho, carcomido e com pequenos furos. No
banco que estava sentado havia uma pequena mochila, diferente das que nos
conhecíamos. Nunca vimos o que tinha dentro dela. Sua figura chamava a atenção,
tinha os dentes perfeitos e quando sorria maravilhava a todos. Falava como se
estive declamando poesias tipo aquelas que nosso professor de português
declamava sem sorrir e querendo ser o que ele nunca foi. Um poeta.
Não lembro quem o viu
pela primeira vez, sentado no banco da Praça da Estação. Praça nova árvores
recém-plantadas. Dizem que hoje estão enormes e as palmeiras inigualáveis. Bem
não estou aqui para falar da praça e sim do velhinho de barbas brancas
azuladas, ou melhor, São Pedro lá do Céu. Quando lá cheguei outros lá estavam. A
notícia correu de boca em boca dos escoteiros e lobinhos. Gente estranha e com
peças Escoteiras na cidade era motivo de jubilo por parte de todos nós. O cinto
e o chapéu sem dúvida o identificava. Em volta daquele simpático velhinho nós
pequeninos Escoteiros agachados em sua frente de olhinhos arregalados queríamos
saber de tudo. Ele tinha um lindo sorriso e de vez em quando seus olhos
fechavam parecendo que iria dormir. Sonhador chegou correndo. Era e sempre foi
nosso porta-voz. As patrulhas confiavam nele. Sabia falar como ninguém, um proseador
que não perdia nunca o fio da meada.
Todos nós
esperávamos que nosso acólito trouxesse a tona e desvendasse o segredo do
Chapéu e do cinto que acintosamente aquele velhinho, ou melhor, São Pedro lá do
céu portava. Ao menos a fivela estava limpa. Não brilhava, mas ainda tinha a
cor da originalidade quando produzida. O chapéu mesmo limpo não mantinha as
abas retas e planas. Tinha um semblante que encantava. Sonhador disse que o
ouviu falar que estava com fome. Façamos uma vaquinha! Conseguimos doze paus.
Perna Seca e Orelhudo foram correndo ao bar do Zé Moreno. Voltaram com quatro
coxinhas, seis bolinhos de carne e dois pães. São Pedro lá do Céu comeu com
gosto. Educadamente. Mastigava como se estivesse contando cada mordida. Beleleu
levou Narigudo até sua casa na bicicleta. Voltaram em dez minutos com um cantil
cheio de água e uma garrafinha de groselha. Ele sorria e falava baixinho com
Sonhador.
Lá pelas tantas
discutimos onde ele iria dormir. Velho assim era difícil levar para a casa dos
vinte e oito meninos Escoteiros e quinze lobinhos que se ajuntaram em sua
frente na Praça da Estação. Seus pais poderiam estranhar. Bororó Monitor da
Onça Parda sugeriu trazer a barraca de duas lonas da chefia e um cobertor do
exército que ganhamos. Na grama atrás do banco a barraca foi armada. Sonhador
disse para ele que podia dormir tranquilo. O Guarda Noturno era o Zé Birosca,
antigo Escoteiro. Ele estava em casa. Ficamos lá até por volta de nove da
noite. Fui embora pensativo. De onde era? Como chegou? Seria um antigo
Escoteiro ou um Chefe? Dormi pensando e durante todo tempo de escola nem vi o
que os professores disseram. Queria que as aulas terminassem para correr até a
Praça da Estação.
Encontrei Bico Doce e
Orelhudo conversando. Ele se foi me disseram. A barraca estava desarmada e bem
dobrada nos moldes Escoteiros. Os espeques limpos e enrolados em um jornal. Se
ele dormiu ali levantou cedo. Antes do alvorecer. Zé Birosca o Guarda Noturno
disse que não o viu ir embora. Seu Nonô Fogueteiro Chefe da estação disse que o
maquinista Zé Be Deu o levou como carona no trem de carga das cinco da matina.
Fiquei decepcionado. Se ele fosse um dos nossos quantas novidades para nos
contar? Sabíamos que nossa fraternidade era enorme, mas só umas fotos apagadas
de uma revista que um viajante nos presenteou vimos Escoteiros de outros
países. Será que eles seriam iguais a nós?
Na semana seguinte eu e Orelhudo encontramos Zé Be Deu o maquinista. –
Desceu em Crenaque. Disse que iria atravessar o Rio Doce em uma jangada que ele
guardava na Caverna do Morcego. Falou baixinho que iria rever seu amigo o
Cacique Abaeté dos Aimorés do outro lado do rio. Eram amigos há séculos.
Séculos? Pensamos no que disse o maquinista. Perguntamos mais e ele não disse
mais nada. Olhei para Orelhudo que balançou a cabeça. Imortal? Seria ele
realmente São Pedro lá do Céu? Meninos Escoteiros a filosofar. Durante muitos
anos nos Fogos de Conselho e em Conversas ao Pé do Fogo levantávamos a história
de São Pedro lá do Céu. Falou-se tanto que agora para os novos ele era um Santo
Escoteiro. Alguns juravam tê-lo visto nas margens do Rio Vermelho, outros na
Montanha da lua e um afirmou que ele corria em cima das águas nas corredeiras
do Rio Piaba. Ah! As histórias existem, verdade ou não fiquei sabendo que na
Corte de Honra foi votado para ele ser o patrono da tropa. Porque não?
(A minha vida fechou-se duas vezes antes de se
fechar – Mas fica por saber, se a imortalidade me revela Um evento maior. Tão largo
tão incrível de pensar, como estes que sobre ela duas vezes tombaram. Partir é
tudo o que sabemos do céu, tudo o que do inferno se pode precisar). Emily
Dickinson
Já postei esta história
aqui. É uma das minhas preferidas e sei que muitos ainda não conhecem. É uma
historia de ingenuidade e sonhos de meninos Escoteiros. Ainda com aquele amor
preso no coração e aquela vontade de provar a fraternidade escoteira. Se ele
era São Pedro lá do Céu nunca disse. Partiu como chegou. Ninguém sabe ninguém
viu. Verdade ou não acreditávamos que ele era São Pedro, aquele que toma conta
do céu.
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