sexta-feira, 24 de março de 2017

O palco das ilusões.


Lendas Escoteiras.
O palco das ilusões.

               - Gosto do seu sorriso Loirinha. Olhei para Joel e nada disse. – Não vai compartilhar? – Sempre ele com seu espírito cheio de amor e fraternidade. Vez ou outra fico pensando se teria coragem de existir se não fosse ele. Não disse nada, não havia nada para dizer. Ainda guardava mágoa mesmo sabendo que ela é um orgulho ferido. Não devia afinal eu me ofereci e se isto eu fiz deveria ter aceitado o que eles fizeram comigo. Não sou uma mulher inocente, incapaz ou fraca demais para lutar. Conheço o mundo onde vivo e por isto me resguardei enquanto pude. Mary minha filha viu uma propaganda dos lobinhos na TV. Perguntou-me o que era. Não sabia, tinha ouvido falar. Olhei na internet. Interessei-me e ela gostou.

                  Conversei com Joel e ele não se opôs. - Precisa que eu vá? Vou ver. Qualquer coisa eu ligo para você. Foi o começo. Levava e ficava esperando Mary aos sábados durante as reuniões. Havia no ar uma alegria, uma felicidade que interpretei como era bom viver de bem com a vida. Uma duas, seis reuniões e resolvi participar. Joel não foi contra. – Se achar que é bom para você, eu estou inteiramente de acordo. Fui bem recebida. Não notei nenhuma antipatia e mesmo não tendo conhecimento fui ser assistente de lobinhos. Entrosei-me, li muito aprendi e fiz alguns cursos. Já achava estar preparada. Durante um ano nada deu errado. Aos poucos comecei a ver o que nunca tinha visto.

                   Não sei o que era, mas achava que muitos estavam interpretado personagens que não eram deles. Havia um endeusamento por parte de alguns que se consideravam mais que os outros. Eles sorriam sim, davam tapinhas nas costas, cumprimentavam, mas sempre com aquele olhar, aquele estilo superior como se um lenço de Gilwell desse a eles o poder dos deuses. Comecei a pensar que a visão distorcida da realidade coloca no prepotente a arrogância. Onde deveria existir a humildade era o contrário. Acreditava na Lei Escoteira, acreditava na promessa que fiz. Foi maravilhoso enquanto durou. Havia uma motivação onde quer que eu fosse. Os pais, alguns poucos amigos chefes e os lobinhos eram ainda minha razão de estar ali. Coloquei um véu onde via e ouvia o que não devia.

                   Eramos considerados voluntários, afinal fomos nós que procuramos os escoteiros e não o contrário. O Diretor Técnico era formador. Diziam que ele era um chefão de enorme coração. Não sei, mas senti nele uma réstia de ser supremo. O que decidia o que mandava o que deveria ser obedecido, pois era ungido com o dom da sabedoria escoteira. Aos poucos o disse me disse nas noites de acantonamento, nas atividades de chefes comecei a ver uma realidade diferente daquela quando entrei. Eu gostava sim do escotismo, achava que ele tinha mudado minha vida, sua filosofia entrava em meu ser e mergulhava profundamente em meu coração.

                     Joel sempre me perguntava se tudo ia bem. Eu pensava que sim. Não disse para ele que o mundo precisa de pessoas humildes e não de arrogantes e prepotentes. Será que no escotismo era assim? Conheci chefes que saíram e vi que a magoa que tinham era um orgulho ferido. A doença da alma faz você acreditar que é melhor que os outros. Pensei que poderia ajudar colaborar, nunca fui mãe dos lobinhos apesar de que outras chefes se achavam melhores que as mães dos meninos. Alguém um dia me disse que se eu quisesse continuar deveria ser como eles. Correr atrás do lenço, dos tacos, das condecorações e recompensas. Não pensava assim. Eu ainda era uma inocente sem culpa.

                     Um dia me abri com Joel. Ele me ouviu como companheiro leal que era. Disse a ele que Mary queria sair. Não tinha mais motivação em continuar. Ele me surpreendeu ao dizer que daria toda colaboração e ficaria com a Mary se eu quisesse continuar. – Vale a pena Joel? Ele sorriu e me disse: - Olhe Eva, fale menos, palavras o vento leva. A mágoa, no entanto fica. Eu lia muito sobre escotismo. Nas redes sociais quantas e quantas frases de motivação. Recebia sempre mensagens me incentivando na minha vida escoteira. Mas a verdade era outra. Não tinha motivos para continuar. A melhor forma para não me magoar é fingir que não tinha mais coração. Em cada reunião do distrito, nas Assembleias nada mais me surpreendia com tanta vaidade e falta de modéstia.

                     Felícia uma Chefe com mais de vinte anos de atividade me disse um dia: - Eva, a arrogância e a prepotência são incompatíveis com o inicio de uma carreira de sucesso. Se você é uma coisa ou outra, deixe para tirar sua mascara só quando chegar ao tempo. E ria dizendo: - Se chegar... Eu sabia que o escotismo era uma grande fraternidade. Havia de tudo para amarmos uns aos outros. E olhe a maioria eram verdadeiramente irmãos escoteiros. Pensei em procurar outro grupo ou mesmo montar um. Cheguei à conclusão que muitos fazem assim e perpetuam nos sonhos de liderança que deixaram para trás a fraternidade e o respeito entre seres humanos.


                    Sai. Nunca mais voltei. Tive lindos e bons momentos que ficaram no passado, mas preso à mente para todo o sempre. Acho que valeu. Foram quatro anos bons e alguns dias ruins. Corações sentem pessoas frequentemente mentem. Arrogantes prepotentes reprimem o direito de manifestação, oprimem a liberdade de expressão. Mas o valor do escotismo nunca deixará de existir. Gosto de ver gente sorrindo, acreditando. Como disse um dia aquele Velho Chefe Escoteiro: - Você pode dizer que é Escoteiro. Mas ser Escoteiro não é para qualquer um!


Uma história de ficção. Será mesmo ficção? Não existem muitas Evas sentindo o mesmo que ela sentiu? Afinal se fecharmos os olhos e os ouvidos não seria melhor para acreditar que somos uma fraternidade e temos uma Lei que nos rege a prosseguir e respeitar? Uma filosofia ou uma ficção? Você mesmo pode tirar sua conclusão.

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