Lendas
Escoteiras.
A Carta de Zé
da Donana a Baden-Powell.
Sei que vocês nunca ouviram
falar. Poucos conheceram Zé da Donana. Garantiram-me que ainda está vivo e
morando na mesma choupana que construiu em 1934. Se estiver vivo é o homem mais
velho do Brasil com seus 105 anos. Zé nasceu em 1917 no Povoado de Galego. Aos
cinco anos mudaram para Mares do Sul. Uma cidade onde só passava o Córrego dos
Andradas e a maioria dos habitantes nunca viram um mar ou oceano na vida. Seu
pai era um sapateiro de primeira e Zé aprendeu o ofício com ele. Sua mãe lavava
e passava ajudando na manutenção da família. Quando fez doze anos Zé viu em um
Jornal no Armazém do Seu Praxedes uma foto de escoteiros ingleses. Inteligente
sabia ler e escrever.
Foi para casa levando o recorte do
jornal. Conversou com seu pai sua mãe e eles explicaram as dificuldades para
ele ser escoteiro. Procurou Dona Rosana Smith uma americana Diretora da Escola
Pedro I. Ela sorriu para ele e na biblioteca da escola tirou o volume cinco Da
Enciclopédia Britânica e deu para ele ler. Pela primeira vez Zé tomou contato
com os escoteiros. A Britânica foi publicada pela primeira vez em 1770 em
Edimburgo e em 1801 na terceira edição com seus vinte volumes se espalhou pelo
mundo. Zé ficou encantado com os escoteiros e seu fundador Baden-Powell.
Tito Molon o prefeito ouviu o
que ele tinha a dizer, mas disse que nada podia fazer. Zé não desistiu. Rodou
meio mundo e tentou até com os Vicentinos. Resolveu então ele mesmo montar sua
Patrulha. Chamou Carlinho, Tom Zé, Ricardinho, Pedro das Dores, Totonho e
Valtinho. Sabia o que era uma Patrulha, o Monitor o sub e os demais
patrulheiros. Todos juraram fidelidade quando escolheram o nome da Patrulha, o
código de honra e o lema. Sua mãe bordou em um pano cinza o perfil da Raposa.
Foi escolhido como Monitor e Totonho o Sub.
A cidade sorria com eles.
Passavam marchando pela manhã e a tarde rumo a Estrada dos Boiadeiros ou mesmo
no Morro da Cotia. Ganharam oito sacos de Estopa e a mãe de cada um transformou
em uma bela mochila. A cidade começou a gostar dos novos escoteiros
principalmente quando apareceram de uniforme com seus indefectíveis bibicos. O
primeiro acampamento foi feito na Pedreira do Gavião. Um belo lago, uma
nascente, uma mata fechada e até mesmo um pesqueiro muito bom. O Vigário Lozano
preocupado foi a cavalo fazer uma visita para ver o que estavam fazendo.
Voltou pensativo. Conversou
com o Prefeito com dona Rosana Smith e chamou todos os pais dos meninos
escoteiros na Igreja. Era uma época que os meninos não ficavam presos em casa,
não havia TV e o mais moderno que conheciam foi o telefone do Seu Geraldo dono
da Pharmacia Biotônico e o Radio de ondas longas e curtas do Doutor Frederico.
Foi uma bomba quando eles souberam que não poderiam mais ser escoteiros.
Revolta geral. Alguns queriam fugir de casa outros se alistar na Legião
Estrangeira. Não teve jeito. A Patrulha Raposa se reuniu pela última vez
chorosa, no Vale das Lagrimas dentro da Caverna do Cristo Redentor.
Ninguém da Patrulha contou o
que aconteceu lá. Disseram ser um segredo de estado. Quem disse isso nem sabia
o que era estado. Zé da Donana revoltado procurou Dona Rosana Smith para ela
escrever uma carta em inglês para ele. Ela surpresa não se recusou. – Para quem
Zé é a carta? – Para Baden-Powell o fundador do Escotismo. Ele precisa saber o
que acontece com os escoteiros aqui em Mares do Sul. Ela riu, mas escreveu o
que ele pedia. Poucas palavras, mas se resumia em um pedido de socorro. A
carta:
- Senhor Baden-Powell.
Em nome de Carlinho, Tom Zé,
Ricardinho, Pedro das Dores, Totonho e Valtinho e meu, da Patrulha Raposa,
venho pedir ajuda para que não proíbam que façamos atividades escoteiras na cidade
de Mares do Sul no Brasil. Amamos o escotismo, queremos correr pelas montanhas,
pelos vales e fizemos o mais belo acampamento na Pedreira do Gavião. Fizemos
tudo que o senhor escreveu em seu fascículo número um do “Scouting For Boys”.
Obedecemos a seus ensinamentos. Fizemos o juramento e nosso lenço é verde e
amarelo.
Senhor Baden-Powell. Amamos o
escotismo. A cidade não quer nos ajudar e nossos pais nos proibiram de acampar
e sair pelos campos e vales em volta da cidade. Por favor, nos ajude!
Zé da Donana Monitor da Patrulha
Raposa.
Dona Rosana Smith não
tinha o endereço. Escreveu no verso do envelope: Ao General Baden-Powell. Aos
cuidados do Palácio de Buckingham. Ingleses são sérios com suas
correspondências. Quatro meses depois Zé Donana correu atrás de Dona Rosana
Smith levando uma correspondência em inglês para ela traduzir. Ela se
emocionou. – Zé, ela disse. – Vêm dois chefes ingleses na cidade. Irão montar
um grupo para você! Zé chorou. A Patrulha chorou. A cidade se emocionou. Até eu
mesmo quando soube da história fiquei com os olhos marejados de lágrimas.
Zé Donana nunca recebeu a
visita de um Dirigente do Brasil, mas recebeu dois chefes Insígnias de Madeira,
de Gilwell Park que chegaram com simplicidade, abraçando os meninos, procurando
as autoridades, fazendo reuniões de pais e ficaram dois meses treinando os
futuros chefes. O Primeiro ministro Inglês doou uma verba e tudo que o novo
grupo precisava foi comprado. Ventos do Sol Nascente é um grupo que existe até
hoje. Se quiser conhecer toda sua saga e sua história visite Mares do Sul.
Procure Zé da Donana na Rua dos Alferes. Ele está lá até hoje cantando a canção
que ele mais ama: - O espírito de BP vive em mim!
Nota de rodapé: Muitos me perguntam se
é uma história verdadeira. Já contei em fogos de conselho e em fogueiras acesas
neste longínquo Brasil. Sempre a mesma pergunta: - Verdade Chefe? Prefiro não
dizer. Neto Bragança um Chefe de Mares do sul me mostrou uma copia da Carta que
Baden-Powell enviou para Zé da Donana. Não havia como duvidar. Será que a carta
era falsa? Não acredito. O Escoteiro tem uma só palavra e sua honra vale mais
que sua própria vida!
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