Lendas
escoteiras.
O Mistério do
Corvo da pena dourada.
O Chefe Lávio em uma noite sem
luar, reunidos em volta de uma fogueira perdida na margem do Rio Travesso, nos
contou esta história que tirou da imaginação. Pareciam palavras magicas
tentando esquecer aquela noite gostosa, e um vento sul que soprava o sudoeste
do acampamento. Uma Indaba só de chefes. O terceiro que participava. Uma vez
por ano. Cada um levava sua tralha e a comida. Chegamos a ter 35 chefes
presentes. A cada ano um nome diferente para a Indaba. Neste ano seria o III
Kalapalo. Tribo da região do Alto Xingu no Mato Grosso.
Eu conhecia o Chefe Lávio há
tempos de outras plagas. O típico Chefe que não ri. Discreto um olhar profundo
e muito ponderado. Deitei em minha manta, o céu lindo estrelado, sorria a
passagem de uma estrela cadente. A aragem vinda da margem do rio era gostosa e
saudável. E ele começou: – Foi a muito, há muito tempo. Escoteiro em Monte
Azul. Uma pequena cidade esquecida de Mato Grosso do Sul. Vida simples,
meninada solta nas ruas a soltar suas pipas, a brincarem com suas bolinhas de
gude, saudar educadamente a dona Marly ou dona Noêmia nossas professoras quando
passavam. Na missa de domingo a melhor roupa.
Na missa daquele domingo uma surpresa. Padre
Lemos anunciou a fundação do Grupo de Escoteiros. Um calafrio correu na espinha
da meninada presente – Amigos! Nossa cidade vai organizar um grupo de
Escoteiros. Inscrições abertas no Clube Remanso todo sábado à tarde!
Acordei às três da manhã.
Papai! Vamos! - Onde? Fazer minha inscrição. Nem almoçamos. Uma fila enorme.
Chefe Noel risonho cumprimentava a todos. A inscrição está feita. Agora é
aguardar. Iremos treinar alguns para serem os lideres e daqui a três meses
vamos chamar todos ele disse. Na fila mais de duzentos meninos. Quatro meses
depois um Escoteiro uniformizado bateu em nossa porta avisando. A vaga do Lávio
está aberta. Comparecer sábado às duas da tarde. As onze almocei e as doze lá
fui e papai rumo ao grupo escoteiro. Leones o Monitor sorriu para mim. Na
semana seguinte já havia um acampamento em Águas Cantantes. Fiquei maravilhado.
Nunca me senti herói como agora. Não falava outra coisa. Leones me sugeriu para
ir à biblioteca conhecer a vida do Corvo, a minha Patrulha.
Seis meses depois me
considerava um veterano. Quando fiz um ano de Patrulha fizemos um acampamento
em Morro Sião. Várias cascatas em toda subida. Uma delas lá no alto formava um
lago ideal para uma boa pescada. Eu gostava de pescar. Quatro dias de campo. No
terceiro estava programada uma jornada de seis quilômetros onde deveríamos
encontrar uma Mina do Fantasma. Deu a cada Patrulha um croqui, uma bussola, e
uma carta prego. Nela as instruções eram claras. Duas horas de caminhada rumo
NNE, encontrar uma grande seringueira e depois seguir a WSE por mais um
quilometro. A Patrulha era boa nisto.
Ao procurarmos a bússola ela
sumiu. Eu era o responsável. Não achei em meus bolsos na mochila e nem no
bornal. Deu vontade de chorar. Leones me olhou calado. Jair nem falou. Até Nonato
o cozinheiro meu amigo não disse nada. – E agora? – Pense Lávio. Tente lembrar
onde pode ter esquecido! – Resolvemos voltar pela trilha. No Barranco onde
passamos parte dele cedeu. Toda a patrulha foi arrastada para o fundo do
despenhadeiro. Mais de oitenta metros de queda. Ainda bem que não foi queda
livre. No fundo da ravina caímos em vários arbustos cheios de espinhos. Uma dor
terrível. Todos sentindo dores enormes. Tínhamos de sair dos espinheiros. Para
onde ir? Ouvimos um grasnado de um Corvo. “Croc, Croc, Croc.” O avistei a uns
cem metros em uma árvore. Voou em cima de nossas cabeças.
Não sei por que falei para o Leones que
devíamos seguir o corvo. – Por quê? Ele disse. – Ele não é o guia de nossa Patrulha?
Ninguém riu. Com dificuldade conseguimos sair do espinheiro e seguimos o Corvo
que voava a nossa frente indo e voltando. Paramos a beira de uma pequena
nascente para retirar os espinhos. Começou a escurecer. O corvo sempre grasnando
seguindo em uma direção. Perdemos a noção, mas sempre seguindo o Corvo.
Escureceu. Não dava para andar mais. O Chefe e as demais patrulhas deviam estar
aterrorizados com nosso sumiço. Fazer o que? Um frio forte trazia uma bruma da
ravina que nos pegou em cheio.
Na ravina avistamos o céu
cheio de estrelas. Dormir com aquele frio? Melhor acender um fogo. Catamos uns gravetos
e duas boas achas de madeira. Olhei para um galho na árvore e lá estava o
corvo. Ele desceu voando e pousou no meu ombro. Todos dormiam ninguém viu.
Interessante que uma pena sua era dourada e as demais pretas. Ele parecia me
conhecer. Dormi e acordei com a alvorada e o fogo apagado. Leones começou a
cantar e dançar a musica dos cavalos trotando. Todos nos o acompanhamos. Deu
para esquentar. O corvo de novo voando sobre nossas cabeças e seguindo em uma
direção. Lá fomos nós. Duas horas depois avistamos o acampamento. Obrigado
Deus. Todos se abraçaram emocionados.
Até o último dia o corvo ficou
próximo ao nosso campo sempre voando e grasnando. Croc. Croc. Croc. Na partida
ele nos acompanhou por muitos quilômetros. Da janela do ônibus eu o avistava.
Várias vezes bicou os vidros querendo dizer alguma coisa. Um sono pesado e
dormi feito um anjo. Nunca mais achamos a bússola. Ofereci-me pagar e o Chefe
não aceitou. – No sábado seguinte a Tropa formada para o Cerimonial de
Bandeira. Ao final do hasteamento fiz a oração: - Senhor ensinai-me a ser
generoso, a servir-vos como mereces... Parei. O corvo estava voando em círculos
sobre nós. Desceu até onde estava. Pousou no meu ombro. Tinha preso no bico uma
pena dourada. Vou para cima do meu chapéu de três bicos. Colocou lá a pena e
saiu voando e grasnando rumo sul. Sumiu no céu azul daquela linda tarde de
primavera.
Ninguém acreditava no que
via. Até o Chefe estava extático com o fato. Ele sabia da história do corvo. Tirei
meu chapéu. Coloquei a pena dourada do corvo entre a correia e meu chapéu. A
pena dourada fez historia. – Olhei para o Chefe Lávio. Todos olhavam para ele
com um ar de incredulidade. Ele se levantou e foi até sua barraca voltando em
seguida. No topo do seu chapéu de três bicos lá estava a pena dourada. Linda,
nunca tinha visto igual. Ah! Histórias são historias. - E como diz um Velho
Chefe Escoteiro: A vida tem muitas histórias. Nosso livro da vida é longo e sem
final. Verdade!
Nota de Rodapé: - O Corvo. - “Ave ou demônio que
negrejas! Profeta, ou o que quer que sejas! Cessa ai, cessa! Clamei
levantando-me! Regressa ao temporal, regressa À tua noite, deixa-me comigo. Vai-te,
não fica no meu casto abrigo pluma que lembre essa mentira tua, Tira-me ao
peito essas fatais Garras que abrindo vão a minha dor já crua”. - E o Corvo
disse: "Nunca mais.”. E o Corvo aí fica; ei-lo trepado No branco mármore
lavrado Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho. Parece, ao ver-lhe o duro
cenho, Um demônio sonhando. A luz caída Do lampião sobre a ave aborrecida No
chão espraia a triste sombra; e fora Daquelas linhas funerais Que flutuam no
chão, a minha alma que chora Não sai mais, nunca, nunca mais! (Edgar Alan Poe).
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