Lendas
escoteiras.
A
incrível paixão de Lourenço Malenkaia.
Todos gostavam de Lourenço
Malenkaia. Querido na tropa e no Grupo Escoteiro. Todos sabiam dos seus feitos
nos grandes acampamentos e nas jornadas incríveis que fizeram com ele. Havia um
orgulho em ser amigo de Lourenço Malenkaia. Na Patrulha Leão era o mais
motivado na hora do grito. Alto, magro, cabelos louros encaracolados Lourenço
Malenkaia sabia como fazer amigos. Com quinze anos pediu ao Chefe Para fazer
sua jornada sozinho. Vou terminar minha Primeira Classe com chave de ouro. Disse.
- Chefe preciso fazer minha jornada antes de ir para Sênior. Pretendo ficar três
dias, levando minha faca, meu facão, uma manta, sal e óleo e mais nada. Seria
seu desafio. Preciso provar que sei sobreviver. As outras patrulhas assustaram. Como? – Isto é
possível? De Lourenço Malenkaia nada era impossível.
Em uma sexta partiu atraindo
olhares rumo a Mata do Roncador. Mochila, um bastão a tiracolo cantava o “Avançam
as Patrulhas” sorridente. Todos o virão seguindo rumo à trilha do Cardim para
atravessar o Rio Jambreiro na parte alta da fazenda Santa Cecília. Era um fato
inédito. Uma jornada sozinho? Nunca aconteceu. No domingo a tarde ele retornou na
curva do Urubu Rei, próximo à porteira do seu Nonato. Cantando, sorrindo,
chapéu jogado para trás, mechas de cabelos louros caindo na testa com passadas
que dava inveja, foi direto para a sede se apresentando ao seu Chefe. - Pronto
Chefe! Jornada realizada. O Chefe o saudou respeitosamente.
Lourenço Malenkaia era filho
do médico Doutor Arthur Malenkaia e de Dona Arminda Malenkaia. Não era um aluno
brilhante, mas muito querido. Nunca tivemos uma grande amizade. Até hoje não entendi
porque ele me procurou naquela manhã de domingo. Não fui acampar com minha
Patrulha nas margens do Rio Barão Vermelho. Meu pai adoecera e eu fiquei na
sapataria a seu pedido. Ele adentrou na sapataria com os olhos tristes e
chorosos. Sozinho engraxando alguns pares de sapato, que me daria uns trocados,
me cumprimentou sem nenhuma alegria.
Preciso falar com você –
disse. Fiquei calado. – Você conhece a Dorita Valverde? – Assustei. Conheço
disse. – Estou perdidamente apaixonado por ela, disse de supetão. Não sei o que fazer. – Falar o que? Dorita
Valverde não era bem vista e um dodói da garotada sedenta de amor. Sua fama de
namoradeira e outras “cositas más” corriam longe. Muitos diziam que era a única
que deixava beijar com beijos de “língua”. Eu mesmo nem sabia o que era isto. Vi
que Lourenço soluçava baixinho. – Não sei o que fazer! Não quero conselhos.
Acho que estou louco. Nunca pensei em ficar assim. Amor para mim sempre foi uma
bobagem que em escoteiros como nós nunca pode acontecer. Quer saber? – Se amar
pode nos deixar loucos então estou louco. – Deus do céu! O que aconteceu com
Lourenço Malenkaia?
Eu sempre fui bom ouvinte.
Ficamos horas conversando na sapataria. Nada demovia seu intento. Disse que ela
o beijou sem ele esperar no muro atrás do Colégio das Irmãs Caritas. – Fui pego
de surpresa – Mas que beijo! Senti sua língua na minha boca. Sensação incrível!
Nunca imaginei que isto pudesse acontecer. Tornei-me seu escravo na hora! – Porque
não procura o Chefe? Falei. – Não, ele não vai me ajudar. Vai ficar falando,
falando dando conselhos e ele nem sabe o que é um amor de verdade. – Mas você
só tem dezesseis anos! – Ainda nem sabe o que é a vida! – Sei sim disse, sei
que agora minha paixão por ela é única. Sei que ri de mim, fala de mim como se
fosse um bobão, mas eu sei que a amo. Meu amor é a essência de minha alma. Nunca vou deixar de amar Dorita Valverde.
Já entrando nos meus dezessete
anos eu não sabia como aconselhar. Naquela época era inocente destas coisas. Beijo?
Nem pensar. De língua então me assustava. Sua vida mudou. Seu pai o deixou
preso em casa. Não quis estudar mais. Um desastre na família. O tempo foi passando.
Lourenço Malenkaia foi definhando. Quem viu aquele belo Escoteiro não
acreditava no que via. O internaram no famoso Hospício que hoje não existe
mais. Muitos anos depois estava em Capistrano Ferreira onde tentava vender uma
colheitadeira para um fazendeiro. Á noite, cidade pequena, sem cinema, sem TV fui
tomar uma cervejinha gelada no “Vale das Flores”. Com trinta e dois anos,
casado, era só uma fugidinha. Entrei na Boate da Rosinha. Uma “Minina” me
procurou. Não me leve a mal disse. Só uma cerveja, mais nada.
Bebia devagar ouvindo um Xaxado
e eis que aparece do nada Lourenço Malenkaia! Espantado ele disse: - Vado! O
Escoteiro engraxate da Patrulha Lobo? – Sorri. Eu mesmo Lourenço Malenkaia.
Nunca pensei em encontrá-lo ainda mais aqui. Ele sentou. Sorrindo me contou em
poucas palavras sua vida. – Olhe meu amigo, fugi do manicômio, corri atrás dela.
Meu amor por Dorita Valverde era doentio, era demais. Nunca a deixei. Hoje sou seu
escravo. Dizem meu amigo que o amor é como o vento. Não podemos ver, mas
podemos sentir.
Ela é dona desta boate.
Pouco liga para mim. De vez em quando me dá um pouco de seu carinho. Aprendi a
aceitar as migalhas que ela me dá. Sou louco mesmo. Louco de amor. Fiz da minha
vida um sonho imperfeito. Só vivo a me arrastar por esta mulher. Se amar é um
afeto, uma ilusão eu a amo demais. Pediu um guaraná. Uma mulher meio gorducha,
toda “embonecada”, mas com feições belas se aproximou. Deu para reconhecer. Era
Dorita Valverde. Deu um beijo na testa de Lourenço Malenkaia e se foi entre as
dezenas de clientes da boate que pediam sua companhia. Nem me olhou. Claro não
me conhecia - E o escotismo? Perguntei. - Nunca mais. Era um amor que tinha no
peito e foi substituído por esta paixão avassaladora. Falar o que? Tomei o
último copo e parti. Nunca mais o vi. Vida é vida, história é história. Destino
é destino. Escolhas são escolhas e o livro arbítrio de cada um não pode ser
alterado ou ignorado.
O sonho de um menino
Escoteiro fugiu em uma nuvem que se espalhou no céu. Não dá para segurar a
brisa e o orvalho da manhã ao mesmo tempo. O melhor é esperar o raiar do dia
para ver se conseguiu. São recordações que sumiram como o vento forte que pegou
de jeito uma Patrulha em uma ravina qualquer. Nem deu tempo de alertar para
fincar os chapéus. Afinal escoteiros também amam? Amor é uma palavra que poucos
ainda souberam explicar com exatidão. Mas a felicidade não é a minha. A
felicidade é a de quem achou um dia ter encontrado uma razão para viver.
Lourenço Malenkaia e Dorita Valverde encontraram seu verdadeiro amor. Que eles
sejam felizes para sempre!
Nota de rodapé: Uma história tirada da
minha imaginação. Afinal escoteiros também amam? Dizem que sim. Eles não são
robôs não são animais irracionais. Amam o campo, os vales floridos, os belos
tombos das cascatas que caem em pedras brancas.
Dizem que seus amores são forte, muitas vezes não aceitos. Mas e amor de
alguém que se tornou uma paixão para nunca mais esquecer? Meu amigo, quem não
tem o direito de ser feliz?
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