Lendas
Escoteiras.
A
cerejeira em flor.
Era uma visão incrível.
Apareceu assim do nada. Marcou minha vida para sempre. Contam histórias que só
os escoteiros têm o privilegio de ver e ouvir coisas, de entender o som do
vento, ouvir a arvore cantar em noites de lua cheia, admirar o regato de águas
cristalinas que corre para o mar. Dizem que a natureza se faz presente aonde
eles vão. Naquela tarde eu seguia o vento conforme meu Velho Chefe me ensinou
um dia. “Escoteiro, siga o vento, ele sabe onde você deve chegar”. Meu Velho
Chefe era um sábio.
Foi na curva da trilha da
felicidade que eu a vi, imponente, linda, como se fosse uma deusa a olhar seus
domínios naquela tarde gostosa de um novembro qualquer. Não sei por que eu
modifiquei meu caminho para chegar ao Lago Dourado onde iria acampar. A mão de
Deus dizem, sempre está presente a nos guiar. Deixei a trilha do Marquês e me
apeguei a esta nova trilha. Já tinha bons seis quilômetros de jornada. Agora
estava em um vale florido entre duas montanhas verdejantes. Sentia o suor no
rosto e precisava de um descanso.
O sol me incentivava a parar. Os
olhos vermelhos e o meu chapelão de três bicos mesmo ajudando a vedar o sol que
estava em minha frente eu a avistei. Grande demais para o lugar onde nasceu.
Quem sabe era a rainha de tudo? Quem sabe era ela quem mandava ali naqueles domínios?
– Porque não parar uns minutos para descansar na sombra desta imensa árvore que
reinava sozinha naquele vale feliz? Que doce é o paraíso quando sem esperar o
encontramos.
Que visão maravilhosa, e ao lado
eu avistei um pequeno riacho de águas cristalinas que descia a serra naquele
vale feliz. Parei, tirei minha botina, meu meião, coloquei meus pés naquelas
águas mágicas que pareciam possuir um delicioso néctar para refrescar. Só então
me virei para ela, a Deusa do Vale e tremi de êxtase ao ver que era uma
cerejeira em flor. Maravilhosa, linda, folhas rosa destoando do verde ao seu
redor. Sentei em sua sombra, encostei-me de leve ao tronco devagar pensando que
não podia machucá-la.
Fechei os olhos devagar. Não
queria, mas a sombra da cerejeira em flor me pedia para serrar os olhos, era
como se sua voz suave me ordenasse um descanso. Minha mente percorreu toda a
história da minha vida, naqueles segundos e minutos que ali permaneci. Vi-me
menino de azul correndo pelas campinas com a chamada de Lobo, Lobo, Lobo. Olhei
novamente e lá estava eu vendo o Balu colocar minha segunda estrela no meu
Boné. Lembranças maravilhosas. Salto um espaço de tempo e lá estava eu de novo
a ver meu corpo firme e ereto a receber minha primeira classe.
Tempos que se foram e não
voltam mais. Lembranças gostosas da vida que marcam para sempre nossa memória.
Senti algumas flores caindo sobre mim e ao meu redor. A Cerejeira me presenteava
com sua formosura as lembranças tão lindas de uma vida que parecia uma
eternidade. Tudo estava calmo, delicioso, pássaros chilreavam trazendo aos meus
ouvidos o belo som da natureza. O vento soprava como brisa para refrescar ali
naquela sombra perfeita, pés levantados, respiração voltando ao normal. Era
hora de partir.
Como partir? Minha mente
entorpecida naquele instante renegou a ideia. Eu estava vivendo sonhos
coloridos em baixo da Cerejeira em flor e me imaginava seguir novamente na trilha
quente daquela tarde gostosa de um novembro qualquer. Perder aquele oásis dos
deuses? Daquele paraíso cheio de flores a cair sobre a relva e sobre mim? A
sensação de ficar era insistente, calma, silenciosa e gostosa. – “A flor de
cerejeira cai da árvore na primeira brisa mais forte e não podemos dizer que
ela nunca viveu. Uma flor de cerejeira dura um dia, um dia”... Mas ela não é
menos bonita por isto.
Quem disse isto? Não
lembrava. Eu não queria partir, eu tinha encontrado o meu paraíso. Continuei a
rebuscar meus pensamentos. – Será que o tempo é relativo? Que se a flor da
cerejeira, por exemplo, dura apenas semanas e mesmo que durasse mil anos ainda
seria efêmera? Oh Deus! Eu não queria partir. Porque não pensar que esta flor
tão bela como era não merecia durar eternamente? Se o eterno dura com tanta
intensidade porque ela não teria este direito? Eu dormia. Não queria acordar. A
cerejeira me protegia da noite escura e sem luar. Ainda bem que o clarão das
estrelas no céu me faziam voar nas asas da minha imaginação.
Acordei cedo. Um sono
lindo e reparador, mas eu precisava partir. Um foguinho, o café na brasa, um
papinho com Jesus e lá fui eu sozinho naquela trilha que nunca vi e nem sei se
um dia iria voltar. Parei na subida da montanha, olhei para trás, meus olhos se
encheram de lagrimas ao avistar a Cerejeira que foi minha barraca naquela noite
linda de um novembro qualquer. Olhei para o céu e fiz um pedido: - Deus, amigo
dos Escoteiros, faça com que esta Cerejeira dure para sempre!
O sol agora tinha um
frescor de primavera. Uma luz azul me indicava o caminho naquelas montanhas
distantes. O novo dia já havia chegado sem fazer alarde. Por quê? Porque Jesus
nasceu em Belém. O orvalho ainda resplandecia nas folhas dos arvoredos que me
acompanhavam. Já não havia mais brisa, mas um perfume delicioso do verde das
matas, do chão que eu pisava. Minha trilha era um acalanto por saber que nosso
mestre tinha nascido e vindo trazer a luz para a humanidade.
Olhei novamente a cerejeira me deu seu último
adeus quando virei à montanha que se aproximava do céu. Em marcha de estrada eu
sorria. Meu cantil com águas doces e cristalinas me fazia pensar como era bela
a natureza em flor. A Cerejeira ficou em minha mente por toda a vida. Ela me
deu o sentido de viver e me fez ver a milhares de quilômetros de distância, o
lugar onde Jesus nasceu. Agora o mundo ia mudar. Agora só as palavras de amor
iriam prevalecer. A Cerejeira em flor iluminou o meu caminho e iria iluminar o
caminho do mundo. E Jesus fez acontecer. Aqueles que acreditaram nas palavras
do senhor tinham em seu coração uma Cerejeira em flor!
Nota de rodapé: - Queria ser uma Cerejeira
rosa. Alta e frondosa, enchendo o chão de sombras, e os galhos de passarinhos
que nela, aos pares, construíssem ninhos; Lançando aos ventos sonoros
pensamentos. Então, a minha sombra a tarde, abrigaria namorados trazendo juras
de amor; Tão puras e ternas que parecessem eternas. Como as flores rosa... De
meus galhos. Já leu este conto? Não? Então é meu convidado!
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