Lendas Escoteiras.
Rick e sua fantástica viagem ao Mundo da
Jangal.
Conheci Rick desde que ele entrou para a Alcateia. Rick chamava atenção
pelo seu porte, estilo e maneiras, diferente dos outros lobos. Ele era daqueles
que vivia a mística e sua alegria e companheirismo. Rick era negro. Olhos
enormes e um corpo bem desenvolvido para seus oito anos. Seus pais eram
educados e prestativos e sempre presentes em tudo que a Alcateia solicitava.
Foi na escola que Rick ouviu falar nos escoteiros pela primeira vez. Nonô o
Diretor Técnico e os pais de Rich ficaram amigos. Na Alcateia foi bem recebido.
Lobos são sempre amigos, não guardam rancores e nem olham posição social.
Quando Rich
conheceu a Gruta da Alcateia, disseram que ali morava Mowgly. Viu que a entrada
era baixa e os chefes tinham que se abaixar para entrar. Notou também que tinha
uma linda decoração, desenhos de animais da floresta, do Balu da Bagheera e
muitos outros. Assustou-se com o Bastão Totem, mas lhe explicaram o que significava.
Aprendeu o que era a Roca do Conselho, assistiu sem participar do Grande Uivo.
A Akelá explicou que quando fizesse a promessa ele teria a honra de participar.
Em três meses fez sua promessa. Amava a
Alcateia e sempre demonstrou estar feliz juntos aos lobos de Seeonee. No
primeiro acantonamento Rick divertiu demais. Foi à tardinha que tudo aconteceu.
Os lobinhos brincavam e viram Rick sentado embaixo de uma frondosa árvore com
os olhos fechados.
Balu foi chamá-lo e
notou que ele falava como se estive sonhando. Narrava partes da História da
Jangal: - Não me temam, disse Mowgly, eu sou amigo de vocês. Quando estive com
Bagheera na encosta do morro frente à Waiganga, fim de inverno vi um vale
semi-deserto. Vi um pássaro cantando notas incertas tentando aprender para
quando viesse à primavera. Bagheera lembrou que o tempo das Falas Novas está
próximo e disse que precisava recordar o seu canto e se pôs a ronronar. Mowgly
adorava as mudanças das estações. Ficava triste, porém porque os outros corriam
para longe o deixando sozinho.
– O
Balu sentiu que ali estava um ótimo programa para os lobos. Chamou a todos e
Rick continuou: - Impossível não gostar como ele narrava. Se ali estivesse um
Contador de historia Rick sem sombra de duvida seria seu professor. Em silêncio
Rick continuou: - Senhor da Jângal, sabe que tenho que viver sozinho – disse
Bagheera olhando para Mowgly. Sabe que é na primavera que vou para todos os lugares,
fazer coro com os outros animais, onde posso correr até o anoitecer e voltar ao
amanhecer. – Sabe que é o tempo das Falas Novas, e eu faço parte de tudo. - Mowgly
sabia que naqueles tempos, via-os rosnando, uivando, gritando, piando, silvando
e eram tão diferentes! Uma sensação de pura infelicidade o invadiu da cabeça
aos pés. Mas se arrependeu. Tratei mal a Bagheera e aos outros. Esta noite
cruzarei as montanhas, e darei também uma corrida em plena primavera até os
pantanais.
- Todos já haviam partido. Só Mowgly ficou. Saiu sozinho aborrecido.
Correu naquela noite, às vezes gritando, às vezes cantando. Correu até que o
cheiro das flores no pantanal ao longe chegou a suas narinas. Avistou uma
estrela bem baixa e lembrou-se do touro que lhe deu a Flor Vermelha. Akelá e os
lobos da Alcateia ouviam hipnotizados pelo conto de Rich, ninguém queria sair. Foi
uma tarde maravilhosa. Rick ficou um bom tempo narrando a historia da Jangal.
Onde tinha lido? Onde aprendeu tudo aquilo? - Mowgly ouviu latido de cães. Ele emitiu
um profundo uivo de lobo, que fez os cães calarem e tremerem. Ouviu uma voz.
Conhecia aquela voz. Entendeu o que ela dizia. Lembrava bem. Quem está aí? Quem
está aí? Mowgly gritou baixinho: - Messua! Messua! – Quem chama? Respondeu a
mulher com voz trêmula. – Nathoo! Respondeu Mowgly. – Vem meu filho. Ela se
lembrou. O acolheu, deu-lhe de beber e comer. Cansado Mowgly deitou-se e dormiu
sono profundo.
Rick levantou-se e olhou
todos a sua volta. – Conte mais gritaram os lobos! – Rick sorriu e voltou para
a casa onde dormiam. Depois do jantar na varanda da casa Rick continuou a
contar: - Mowgly mandou o Lobo Gris reunir o Conselho na Aroca para explicar o
que sentia. Mas naquela estação do ano não era fácil reunir os lobos e o povo
da Jangal. Quando Mowgly chegou a Roca encontrou apenas Baloo quase cego e a
pesada Kaa. – Termina aqui teu caminho homenzinho? – Disse Kaa. Grita o teu
grito! Afinal somos do mesmo sangue, tu e eu homens e serpentes! Viu Bagueera
nos montes e viu-a gritando: Eu te amo Mowgly! Sempre terei você no meu
coração.
Algum tempo passado Rick em
uma reunião se sentou na escada da biblioteca e surpreendentemente começou a
cantar musicas de um vasto repertório de Cantos Gregorianos (um gênero de música vocal monofônica, monódica muito utilizado pelo ritual
da liturgia católica romana).
Todos pararam. Sua voz retumbava em todo o pátio onde se realizava a reunião.
Cantou o “Veni Sancte
Spiritus” o “Lauda Sion” a “Ave Maria... Et Benedictus” e por fim “Alleluia,
psallite”. Eu fiquei pasmado. Conhecia os cânticos. Sua voz era maravilhosa, um
verdadeiro Castrato, ou talvez um soprano, ou um mezo-soprano. Uma tarde seu
pai explicou que Rick iria sair. Ele recebeu uma ótima proposta de emprego.
Choro geral na Alcatéia. Rick partiu e por muitos e muitos anos ninguém nunca
mais ouviu falar nele. Sempre lembrado em todas as reuniões marcou a todos que
o conheceram. Seus feitos li são contados para os novos e alguns deles até
acrescidos de outras histórias que não aconteceram. A Alcatéia o homenageou
colocando sua foto em destaque na Gruta da Alcatéia.
Um dia ganhei dois ingressos
para assistir a ópera o Elixir do Amor “Uma furtiva Lágrima” no Teatro
Municipal. Um famoso tenor iria se apresentar. Surpresa. Era Rich com o nome de
Boono Lastimer. Interpretou com tanto sentimento que apesar de não conhecer
Enrico Caruso, o mais famoso interprete desta opera, Rich nada ficou a dever. Foi
aplaudido de pé. Tentei me aproximar de seu camarim. Ele não reconheceu meu
nome. Acompanhei por muitos anos a carreira de Rich. Sei que cantou no Teatro
La Scala de Milão e sempre com muito sucesso onde fosse.
Os que tiveram a honra de ouvir Rich, hoje um grande tenor não deixa de se
orgulhar do seu passado Escoteiro. Fatos e acontecimentos são importantes. Eles
nos trazem a vida real, nos marcam e fazem de nós o que somos. De volta ao
presente, caminhamos com o passado pensando no futuro. Nunca me esqueci de
Rich. Quando penso nele me lembro das palavras de Kaa que na sua nobreza de
serpente sempre disse – Somos do mesmo sangue, tu e eu!
Nota de rodapé: Um dia visitando um Grupo Escoteiro, o
Chefe me contou de um lobinho do seu grupo, hoje homem feito que é um tenor
reconhecido internacionalmente. Peguei esta história, joguei para o ar e fui “catando”
pedaços para fazer dela uma história, um conto. Se vocês quiserem conhecer a historia
de Rick fiquem a vontade. Afinal ele foi um exímio contador de histórias
principalmente a Embriaguez da Primavera. Como ele aprendeu não sei. Mas que
era bom ouvi-lo isto era!
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