Conversa
ao pé do fogo.
A
fantástica “Banda” do Maestro Munir.
(qualquer
semelhança é mera realidade).
Prólogo: - Sempre Alerta corneteiro!
Toque por favor, para eu dormir o toque do Silêncio. E ao amanhecer o toque da
alvorada! Amo ouvir o toque quando a lua cheia rasgava o céu da noite cheio de
estrelas ou quando o sol vermelho, escondido pelo orvalho da noite, resolvia
aparecer em um céu de brigadeiro. Quantas saudades... Se quiser faça silêncio,
vou cantar para você a mais linda canção da alvorada de todos os tempos! Sei
que irá adorar!
Quando
Escoteiro eu tinha um sonho. Ou melhor, dois, acampar no Pico da Bandeira e
participar da Banda do Munir. Com doze anos um caminhão da prefeitura nos levou
até Caratinga. Lá pegamos a Maria Fumaça para Caparaó (Águas que rolam nas
pedras). Minha alegria não tinha limites. Afinal estive no Pico da Bandeira.
Uma linda história para contar, mas fica para outra vez. Agora precisava entrar
na Banda. Osso duro. Munir era magro e alto. Usava o chapéu Escoteiro virado,
mas muitas vezes preferia uma boina preta tipo Montgomery. Eu nem sabia quem
era esse tal Montgomery. Usava o uniforme caqui curto e uma bota cano longo.
Sujeito estranho o Munir. Chamá-lo de Munir era briga na certa. Senhor Maestro
Munir! Ele encarava você nos olhos, uns dois minutos, você não sabia onde
esconder.
A Banda
treinava todas as quintas feiras entre sete e dez da noite atrás do cemitério
do Azarão. Um campinho de futebol, próximo à cidade, mas cujo barulho não
incomodava os vizinhos. Só os coitados dos “defuntos”. A Banda não era grande,
se não me falha a memória tinha quatro tambores, dois tambores-mor (daqueles
enormes quase um metro de altura) cinco tarois, oito caixas claras, quatro bombos,
seis cornetas e dois clarins. Clarins? O meu sonho. Um dia iria tocar um. Mas
precisava ter curriculum na banda para pelo menos encostar um dedo nele. Munir
era severo. Ria pouco. Um olhar dele gelava todo mundo. A Banda dos Escoteiros
era famosa. Nas festividades todos aguardavam ansiosos a Banda passar. Em frente
ao palanque das autoridades fazia evoluções e depois ia em algumas ruas para
saudar os moradores que saiam para aplaudir a Banda dos Escoteiros.
Munir tinha pose dos oficiais ingleses. Aquela
fleuma que só os ingleses têm. Com sua varinha, seu chapéu virado, sua bota
cano alto a marchar à frente da Banda fazia gestos como se estivesse regendo
uma grande orquestra. Alí ele era o Rei. Era exigente o Munir. Marchar bem, com
honra, respeito, garbo e boa ordem. Bastava um para destoar e ficar fora da
banda por meses. Sua palavra era a lei. Ninguém desfazia. Nem mesmo o Chefe João
Soldado. Eu era freguês de carteirinhas dos seus treinos. Ficava abobalhado
olhando o ribombar dos instrumentos. Trinta minutos de ordem unida. Munir não
gritava. Seus gestos eram graciosos. Sabia com perfeição fazer os sinais
manuais de formaturas. Apito? Detestava. Na frente da banda um sinal seu
bastava. Outro todos obedeciam: - Em frente marche! Se alguém errasse valha-me
Deus! Eu olhava tudo, caixas, tarol, tambores, bombos, cornetas, mas meu xodó
era o clarim. Jasiel e Marquinhos eram os senhores da banda. Sentiam-se
importantes demais para olhar para mim. Eram seniores corneteiros. Uma dádiva
de poucos.
Só faltava ao treino da Banda quando
ia acampar. Este era sagrado. Uma excursão, bivaque, acampamento sempre
estiveram em primeiro lugar. Um dia achei em um pé de Manga, um galho que se
cortado iria ficar igual a um clarim. Preparei meu instrumento medieval com
carinho. Ficava em casa horas com ele na mão. Levava a boca, fingia que tocava,
balizava e sorria. Sonhava em tocar a Alvorada, o Silêncio, o reunir, debandar
e tantos outros toques. Decorei todos. A Patrulha me absorvia. Eu amava minha
patrulha Lobo. Entre ela e a Banda só tinha uma escolha. A patrulha. Um dia
tomei coragem. Procurei o Maestro Munir. Conferi meu uniforme, tinha que estar nos
trinques como se fosse uma inspeção. Munir era exigente. Posição de Sentido,
meia saudação – Sempre Alerta Senhor Maestro Munir, gostaria de participar da
Banda! – Tinha treinado em casa em frente ao espelho como falar com ele. Se
errasse ele nem na minha cara ia olhar mais.
Tomei um susto. Ele olhou para mim. Nem
piscou. Cara fechada. Ficou também em posição de sentido. Bateu um calcanhar
sobre o outro. Plok! Sinal Escoteiro estilo militar. - Quinta! As sete em
ponto! Se chegar atrasado não venha nunca mais! – Sai gritando de alegria.
Contava para todo mundo. A Patrulha me parabenizou. E agora como você vai
fazer? – Fácil disse. Os treinos são as quintas e dificilmente saímos em
atividade neste dia. Nos desfiles vão todos. Portanto dá para conciliar. – Não
dá disse o Romildo Monitor. Quinta agora não vamos acampar em Bom Jesus? É
feriado lá e aqui. Minha nossa! Eu pensei e agora. – Bom Jesus ficava a vinte quilômetros
de distancia. Iríamos de bicicleta. Não podia perder meu primeiro dia na Banda
e nem no acampamento. Tinha uma menina em Bom Jesus que me olhava e ria. Quem
sabe estava ficando apaixonado?
Dito
e feito. Na quinta às quatro da tarde voltei sozinho a minha cidade no meu
cavalo de aço. Correndo como um louco estrada a fora. Cheguei no campinho as
sete em ponto. Suando, cansado, mas com um sorriso no rosto. Posição de sentido
e lá estava eu me apresentando ao senhor Maestro Munir. No primeiro dia só
treino de ordem unida. Ele só me deu um tambor pequeno oito treinos depois.
Terminando voltei correndo para Bom Jesus. Só três anos após comecei na corneta
e depois no clarim. A “embocadura” demorei seis meses para adquirir. Meu sonho
na Banda aconteceu. Toquei clarim por muito tempo. Quando servi o exército era
com muito orgulho o corneteiro do dia. Nunca faltei a um treino, desfile e nem
tampouco nas minhas atividades ao ar livre.
Encontrei
Munir anos depois em Colatina. Ele bem velho. Eu com meus trinta e cinco anos. Olhou-me
com aquela cara feia, ficou em pé, em posição de sentido. “Ploc” ouvi seu
calçado bater. Sempre Alerta! Ele disse. Eu fiz o mesmo. Maestro Munir! Que
prazer! Já com aquela idade ainda tinha medo do Senhor Maestro Munir. Ele riu.
Nunca o tinha visto dar um sorriso. Abraçou-me. – Sabe Vado Escoteiro, eu
sempre gostei de você. Nunca o esqueci. Aquele abraço foi demais. Uma alegria,
pois nunca o vi dar um abraço em ninguém.
Os
tempos são outros. As bandas não são como antigamente. Não existem mais os
Maestros como o Munir. Sei de muitos grupos escoteiros que venderam ou doaram
sua banda. Imposição dos dirigentes? Que pena. Dá para conciliar. Da para
treinar sem incomodar. Até hoje olho com saudades os desfiles. Amava a banda
dos Fuzileiros Navais. Ainda existem Maestros Munir por aí? Não sei. Mas ainda
tenho saudades daqueles tempos, da minha Patrulha, da minha banda do meu
clarim!
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