Lendas Escoteiras.
Consciência negra. A vida como ela é.
Prólogo: - Eu tenho um
sonho. O sonho de ver meus filhos julgados por sua personalidade, não pela cor
de sua pele. Se soubesse que o mundo se desintegraria amanhã, ainda
assim plantaria a minha macieira. O que me assusta não é a violência de poucos,
mas a omissão de muitos. Temos aprendido a voar como os pássaros, a nadar como
os peixes, mas não aprendemos a sensível arte de viver como irmãos. Martin Luther
King.
Amo o escotismo.
Desde o primeiro dia que meu pai me levou para ser escoteiro. Devia ter sido
lobinho, mas não fui. Não houve senão, desdém ou mesmo indiferença por parte
dos escoteiros da minha Patrulha. Receberam-me com fraternidade e amizade.
Cresci, fui para os seniores. Lá encontrei as meninas e algumas franziam o
nariz quando havia um jogo, alguma tarefa com minha companhia. Já rapazote
sabia do preconceito a minha cor. Era negro, e tinha orgulho em ser assim.
Sabia dos
preconceitos em relação à cor, a homofobia, o preconceito social, o machismo
entre outros. Para mim sempre acreditei que no Escotismo somos todos irmãos.
Quando fui para a chefia notei certo distanciamento por parte de alguns chefes.
Era sempre bem recebido pelos jovens, mas alguns voluntários se julgavam
melhores que os outros. Vi que para ser bem recebido tinha que me mostrar
subserviente, servil e sempre com um sorriso nos lábios.
Meu amor ao escotismo não
me deixava desistir. Adorava minha tropa, amava meus monitores e daria minha
vida aos escoteiros se fosse preciso. Honrava minha lei, minha promessa coisa
que muitos que me olhavam de esguelha não faziam. Não era um discursante, um
participante ativo no Distrito e na região. Fiz meu registro normalmente. Lutei
e muito para “tirar” minha insígnia de Madeira. Em meu
próprio grupo havia as turminhas dos vamos juntos e outra que me aceitava não
sei se a contragosto.
Manuela era mãe
de Petra, uma Lobinha linda, loira e com cara de boneca. Ninguém aceitou a
colaborar em um acantonamento e me ofereci. Manuela sorriu, seja bem vindo
disse. Não me misturava com os lobos, poderiam achar que eu era um pedófilo e
por ser negro poderia fazer maldades... Logo eu um Escoteiro de Coração. Na
penúltima noite, após uma lamparada que eles chamavam de Flor Vermelha, fiquei
eu e Manuela sentados em bancos de madeira e ela loquaz me contou sua vida.
Ficamos amigos, ela
divorciada e eu um solteirão, apesar de que quase casei com Carola, negra como
eu mas preferiu seguir outros rumos. O disse me disse rodopiou na nata dos
chefes do Grupo. Se alguns já me olhavam de esguelha, agora nem olhavam mais.
Algumas mães tiraram lobinhos da alcateia. Manuela não desistiu. Conversamos
muito sobre nosso relacionamento. Afinal ela loira, linda ainda na flor da
idade dos seus 28 anos e eu um negro não poderia haver relacionamento no pensar
dos chefes e alguns pais do Grupo.
Um dia, em uma
noite de luar, num acantonamento, os lobinhos dormindo a beijei e a pedi em
casamento. – Aceita ser minha mulher? Sorriu e ali fizemos juras de amor.
Timóteo o Chefe do Grupo me chamou em particular. Deu-me conselhos, disse que
pisava em ovos e que muitos iriam tirar seus filhos do grupo. Que eu devia
pensar o que iria fazer. Um absurdo! Sempre fui cordado, não discutia, não me
metia a sabe tudo, pois amava minha tropa e era ela o meu ideal.
Não discuti. Não
comprei uma briga que não levaria a nada. Falei com Manuela, expliquei, disse o
meu pensamento a respeito de tudo. Ela concordou. Amo você, disse. Se eles não
nos quiserem sairemos. Dirce irá sentir muita falta, pois ela ama os lobinhos.
Casamos, casamento simples, poucos chefes presentes apesar dos convites. Um mês
depois o Chefe do Grupo me disse que tinha sido exonerado do meu cargo. Havia
outro pretendente. Um baque surdo no meu coração. Manuela também recebeu o
aviso de exoneração.
Poderia ter
insistido, brigado pelos meus direitos que conhecia muito bem, apesar de ser
negro era estudante de Direito. Valeria a pena? A revolta, a insistência daria
bons frutos? Saímos do grupo. Seis meses depois fundamos um grupo não
pertencente à Associação Nacional. Pensei em devolver minha Insígnia, meus
distintivos, mas não devolvi. Eu sabia que havia muitos lideres e chefes que
não pensavam como aqueles do meu grupo, do meu distrito. Mas ali não era mais o
meu lugar.
Na paróquia onde
atuamos o Padre Noel é um grande amigo. Está sempre presente, dando sua
colaboração espontaneamente. Temos uma alcateia e uma tropa escoteira. Muitos
da antiga tropa vieram me pedir para ser um de nós. Com seus pais autorizando
foram aceitos. Eu Manuela e Dirce vivemos maravilhosamente a vida de casado.
Manuela espera um filho meu, será minha suprema felicidade. Escotismo para mim
é paz, amor, fraternidade e irmandade e nada mais. Onde isso não impera posso
dizer que ali não tem escotismo.
Às vezes me
pergunto se o escotismo não é preconceituoso. Quantos chefes negros existem
comparativamente com os brancos? Quantos receberam suas insígnia e
condecorações comparativamente com os brancos? Vejo entre os meninos um numero
bem menor de negros, seria este o escotismo verdadeiro onde a Lei e a Promessa
são a base fundamental para a formação do caráter?
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