quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Lendas escoteiras. O Corvo.



Lendas escoteiras.
O Corvo.

Prólogo: “Ave ou demônio que negrejas! Profeta, ou o que quer que sejas! Cessa ai, cessa! Clamei, levantando-me, cessa! Regressa ao temporal, regressa À tua noite, deixa-me comigo. Vai-te, não fica no meu casto abrigo Pluma que lembre essa mentira tua, Tira-me ao peito essas fatais Garras que abrindo vão a minha dor já crua. E o Corvo disse: “Nunca mais.”. Edgar Allan Poe.

                  Noite alta. O Fogo de Conselho havia encerrado. Em volta do fogo eu, Lávio, Tomazo e Alice permanecemos para apreciar a lua cheia e o som da Floresta do Machado. Uma pequena mata as margens do Rio do Sal, local desconhecido onde acampamos pela primeira vez. Foi nesta noite que o Chefe Lávio nos contou esta interessante história. Contava devagar, poucos gestos que nos chamou a atenção. Foi um acampamento de tropa feito a cada três meses para não esquecermos a vida ao ar livre e com a natureza.

                  – Chefes, “Foi ha muito, muito tempo”... Eu morava em Monte Azul. Uma pequena cidade do interior. Vida simples, meninada nas ruas soltando pipas e brincando com suas bolinhas de gude. Época do respeito, da reverencia para as professoras quando passavam. Na missa de domingo a melhor roupa. Para surpresa o padre anunciou: - Paroquianos, nossa cidade vai organizar um grupo de Escoteiros. Inscrições abertas no Clube Remanso no sábado à tarde.

                   Acordei às três da manhã. Papai! Vamos! - Onde? Fazer minha inscrição. Tomamos café partimos. Uma fila enorme. Chefe Noel cumprimentava a todos. A inscrição está feita. – Educamente disse para todos os pais: Aguardem a chamada. Iremos treinar alguns para serem os lideres e daqui a três meses vamos chamar todos. Não foram todos. Eram muitos os inscritos. Três meses depois um escoteiro um Escoteiro uniformizado nos procurou para dizer que a minha vaga estava aberta. Comparecer no próximo sábado.

                  As onze almocei e as doze arrastei meu pai até a sede. Meu primeiro dia. Fui colocado na Patrulha Corvo. Que orgulho. Sete patrulheiros. Leones o Monitor nem sempre calmo com a gente. Primeiro acampamento em Águas Cantantes. Fiquei maravilhado. Nunca me senti herói como agora. Não falava outra coisa. O Monitor disse a todos para estudarmos e conhecer a linhagem do Corvo. Decorei tudo. Orgulhava-me de ser um corvo.

              Um ano e já era um veterano. A Patrulha passou a ser a minha vida. Juntos até fora das reuniões. Havíamos programado um acampamento em Morro Sião. Local lindo, uma pequena mata, uma cascata formando um lago ideal para dar uma boa pescada. Eu gostava de pescar. Aprendi com meu pai. A Patrulha aplaudia todas as vezes que levava um bagre ou uma bela traíra para o almoço ou jantar. Quatro dias de acampamento.

                   Uma excursão para encontrar a Mina do Fantasma foi um desastre. Recebemos um croqui, uma bussola, e uma carta prego. Instruções claras. Azimutes, pontos cardeais e colaterais. A Patrulha se saiu bem. Havia uma passagem em um barranco, largo que dava para um enorme despenhadeiro. Ficamos longe dele.

                   Hora de tomar novo rumo. E a bússola? Quem ficou responsável? Era eu. Não achei em meus bolsos e nem no bornal que levei. Deu vontade de chorar. Leones me olhou com cara feia. Jair nem falou. – E agora? – Pense Lávio. Tente lembrar onde pode ter esquecido! – Não lembrei. Resolvemos voltar pela trilha próximo ao barranco. Sem esperar ele cedeu. Toda a patrulha foi arrastada para o fundo do despenhadeiro. Oitenta metros de queda. Quase em queda livre.

                   No fundo da ravina caímos em cima de arbustos cheios de espinhos. Uma dor terrível. Sentíamos dores por todo corpo. Precisávamos sair dos espinheiros. Para onde ir? Até Leones Monitor não sabia o que fazer. Ouvimos ao longe um grasnado de um Corvo. “Croc, Croc, Croc.” Avistei-o em cima de uma árvore. Ele voava acima de nossas cabeças e depois seguia em outra direção.

                   Falei para Leones seguir o corvo. – Por quê? Ele disse. – Porque ele é o guia de nossa Patrulha. Ninguém riu. Com dificuldade saímos do espinheiro no rumo que o Corvo mostrava. Paramos e retirar os espinhos. Começou a escurecer. O corvo sempre voando e seguindo em uma direção. Perdemos a noção de tudo. Não dava mais para seguir o Corvo. Escureceu. Sabíamos que o Chefe e as demais patrulhas deviam estar aterrorizados com nosso sumiço. Fazer o que? Um frio uma bruma na ravina nos pegou em cheio. – Alguém tem fósforos? – Lembrei-me do isqueiro que sempre levava comigo.

                    Na ravina avistávamos o céu. Ficamos em baixo de uma Guaritá frondosa. Dormir com o frio não dava. Acendemos uma fogueira. Achamos gravetos e achas de madeira. Vi o Corvo em um galho no Guaritá. Ele desceu e pousou no meu ombro. Todos dormiam... ninguém viu. Vi que tinha uma pena dourada e as demais pretas. Ficou no meu ombro pouco tempo. Dormi... Acordei com o sol nascendo. Espantamos o frio colocando os Cavalos a Trotar. Deu para esquentar. O corvo voava sobre nossas cabeças e seguindo em uma direção. Atrás dele duas horas depois avistamos o acampamento. Abraçamo-nos chorando de alegria. Nosso Chefe foi complacente, mas as patrulhas deram boas risadas!

                   No dia seguinte avisei o Corvo. Grasnando e voando. Croc. Croc. Croc. Quando partimos nos acompanhou por muitos quilômetros. Da janela do ônibus o avistei diversas vezes. Parecia querer bicar os vidros da janela. Dormi, cansado demais. Nunca mais achei a bussola. Iria pagar, mas o Chefe não aceitou. – São coisas que acontecem. Que sirva de lição! No sábado seguinte a Tropa formada para o Cerimonial de Bandeira. No final fui encarregado da oração. – “Senhor ensinai-me a ser generoso” comecei. Vi o corvo voando em círculos sobre nós. Era lindo seu bailado. Desceu e pousou no meu ombro. No bico uma pena dourada. Colocou a pena no meu chapéu e saiu voando e grasnando rumo sul. Sumiu no céu azul daquela linda tarde de primavera.

                  Um silencio sepulcral na tropa. Até o Chefe estava extático e deslumbrado. Ele sabia da história do Corvo. Quando contamos ficou em dúvida. Tirei meu chapéu. Coloquei a pena dourada entre a correia e meu chapéu. Guardei a pena e só usava em atividades especiais. A pena dourada fez história. Tornou-se um mito. – Olhávamos para o Chefe Lávio. Alguns de nós não acreditávamos na sua história. Ele se levantou foi até sua barraca voltando em seguida. No topo do seu chapéu de três bicos estava a pena dourada. Linda, nunca tinha visto igual. Ah! Histórias são historias. Algumas marcam outras lembramos de tempos em tempos. E como diz um Velho Chefe Escoteiro: Histórias são feitas para sonhar...

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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