Lendas Escoteiras.
Um
certo Capitão Lockhart.
Prólogo:
Capitão Lockhart era escoteiro. Um mágico fazedor de papagaios hoje chamado
Pipa. Amava o escotismo e suas pipas, ou melhor, papagaios. Esta é sua
história. Simples, nada que um jovem possa ter vivido melhor.
Torquato foi quem me disse que Dona
Etelvina assistiu ao filme e batizou seu filho como Capitão Lockhart. A
princípio o tabelião recusou, mas Dona Etelvina foi dura e enfática. Tem de ser
este ou não será nenhum. Capitão Lockhart ficou conhecido na cidade de Pedra
Roxa. A princípio só curiosidade depois ninguém ligava mais. Na escola era bom
aluno e todos os colegas gostavam dele por ser prestativo e educado. Capitão
Lockhart tinha duas paixões. Papagaios (pipas) e escotismo. Quando fez sete
anos se matriculou como lobo na Alcateia de Mowgly. Sua mãe fez questão de
estar presente. Seu pai foi pracinha e morreu na Batalha de Monte Castelo
quando ele ainda estava hibernando na barriga de sua mãe.
Capitão Lockhart fazia papagaios
como ninguém. Nos campeonatos anuais na cidade de Pedra Roxa quando não ganhava
ficava em segundo. Cada ano mais ele se aprimorava. Sabia escolher o melhor
bambu para as varetas, ele mesmo fazia a cola em sua casa usando limão galego,
comprou uma tesoura sem ponta e usava sua régua e caneta da escola. Na Casa
Ultimato, onde vendiam papeis de seda ela ficava horas escolhendo. Sempre tinha
cinco ou seis carreteis de linha dez de reserva. Capitão Lockhart chegava da
escola, fazia suas tarefas e a tarde ia até a colina do Morto Enterrado. Lá
soltava seus papagaios analisando o peso, a força do vento, as linhadas, tudo
para que não perdesse nada na hora de um bom campeonato.
Capitão Lockhart passou para a
tropa três anos depois. Entrou na Patrulha Corvo. Seu Monitor Nininho era meio
mandão, mas todos gostavam dele. As quintas feiras a Patrulha se reunia na
sede, onde eram passadas as provas para cada um. A Patrulha tinha dois
primeiras classes, três segundas (inclusive Capitão Lockhart) e dois noviços.
Ziri era um deles. Quiseram apelidá-lo de Polegar, mas alguém achou melhor
Ziri. Esqueceram que seria Siri e não Ziri. Mas apelido posto só sai morto. Aos
sábados o Chefe Martinho não dava folga. Cobrava dos Monitores, cobrava dos
subs, cobrava de todo mundo. Capitão Lockhart amava tudo aquilo. A tropa vivia
acampando, fazendo excursões, e varias vezes ao ano ele o Chefe deixava as
Patrulhas acamparem sozinhas, principalmente em acampamentos volantes bem planejados.
Em novembro a prefeitura estava
programando a primeira Olimpíada do Papagaio de Pedra Roxa. Capitão Lockhart
soube que o premio seria de dois mil reais. Precisava ganhar este prêmio.
Prometera dar o uniforme e o equipamento de campo ao Ziri, pois ele estava com
cinco meses e ainda não conseguiu ter o suficiente para fazer e comprar.
Promessa é promessa e o Capitão Lockhart não podia fraquejar. O dia chegou.
Capitão Lockhart sabia das regras das Olimpíadas. Usar dois carreteis de linha
dez com cento e cinquenta metros cada um, o papagaio tinha de puxar toda a
linha, (os fiscais iriam olhar na manivela), ficar duas horas no ar e ganhava
em primeiro lugar aquela com mais pingos de chuva no papel de seda. Tudo bem.
Não era segredo para o Capitão Lockhart.
O dia chegou. A cidade em peso
lá. Mais de duzentos competidores. Capitão Lockhart fizera uma pipa de bom
tamanho, mais ou menos oitenta por quarenta, passara quinze dias preparando as
varetas, cortou o papel de seda harmoniosamente sem pontas e para montar seu
papagaio ficou dois dias ali debruçado na sua mesinha que sua mãe lhe dera de
presente. Às nove da manhã se encontrou com a Patrulha. Estavam todos
uniformizados. Várias outras patrulhas, lobinhos, seniores e os pioneiros
também lá estavam. O Chefe Martinho tinha orgulho do Capitão Lockhart. Adorava
o menino. Ele era viúvo e namorava dona Etelvina a mãe do Capitão Lockhart.
Nada contra. Eram um belo casal e juntos também foram assistir a vitória ou
derrota do Capitão Lockhart.
Não vou entrar em detalhes, mas
foi uma disputa renhida. No final ficaram oito competidores. Passado às duas
horas foi dado à ordem de descer os papagaios. Um por um foram chegado. O povo
todo se amontoando para ver qual estava marcado com pingos de chuva. A do
Capitão Lockhart tinha oito pingos. A do Murilo da Birosca do Pedro Mocho (bar)
tinha oito também. E agora? Mais trinta minutos no ar. Então após veriam o
provável vencedor. Não podia haver empates. Foi emocionante! Muito mesmo. Um
frenesi no ar e em terra. Uma torcida vibrante. Os escoteiros pulando e
gritando. Terminou o tempo. As pipas desceram. Capitão Lockhart ganhou com mais
dois pingos. A do Murilo só um. Foi carregado entre a multidão.
No sábado no cerimonial
de bandeira, o Chefe Martinho fez uma entrega de um certificado de mérito ao
Capitão Lockhart não só por ter representado o grupo nas olimpíadas, como
também pelo seu belo gesto em dar ao Escoteiro Ziri um uniforme completo, um
cantil, uma faca Escoteira, uma bússola e um cabo trançado de dez metros. A
tropa saiu de forma. Os sêniores também. Os lobinhos se juntaram a algazarra.
Abraçavam e beijavam o Capitão Lockhart. Uma apoteose que nunca tinham visto
nada igual. Soube que meses depois o Chefe Martinho casou com dona Etelvina.
Dizem que viveram felizes para sempre e isto não sei, mas soube por fontes
fidedignas que o Capitão Lockhart foi reconhecido como o maior soltador de
papagaios do Brasil e esteve em diversos campeonatos no “estrangeiro”. Que ele
seja feliz com sua gostosa habilidade. Feijão com arroz, e quem quiser que
conte dois! Risos.
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