Crônicas de
um Velho Chefe Escoteiro.
Uma janela no
meu trem para lembrar.
Prefácio: - Dizem os
poetas que cada um define a passagem de um grande amor em sua vida. Dizem que
há sempre alguma loucura no amor. Mas a sempre um pouco de razão na loucura! Espero
que gostem do conto. “Affair To
Remember” me marcou por toda vida!
A tarde chegou... Na minha
janela olhei o sol ainda brilhando esperando a lua chegar. De olhos abertos
repousava tentando recuperar as forças perdidas em dias festivos. São coisas de
velhos principalmente os escoteiros que ainda acreditam ter forças pra subir em
montanhas como se fosse o jovem escoteiro de outrora. A mente rodopiava
tentando encontrar um ponto mais importante para lembrar. Uma musica suave veio
ao meu encontro. Que música era aquela? Eu sabia e me lembrei de Cary Grant no
seu papel de playboy mulherengo e Deborah Kerr uma ex-cantora viajando em um
cruzeiro para a Europa, se conhecem. Apaixonam-se. Mas precisam dar novo rumo
as suas vidas e combinam encontrar seis meses após no alto do Edifício Empire
State. Se ambos aparecerem o amor é verdadeiro e se casarão. “Tarde demais para
esquecer”!
Não
resisto às lembranças. Não tive um amor tão grande assim. O meu teve um final
feliz. Minha Deborah Kerr está junto comigo até a eternidade. “Affair To Remember” me marcou muito. A música
foi me possuindo, dominando-me. Senti-me tonto, inebriado. O piano deslizava em
pedaços de saudades perdidas quem sabe na Montanha da lua. Viajei no tempo. Na
fila do Cinema Palácios, de braços dados com minha cara metade finalmente íamos
assistir “Tarde demais para esquecer”. Não fazia ideia do enredo. Afinal sou
emotivo demais. Quando ele não a encontrou no Empire State chorei. Porque ela
não foi? Aí veio a explicação. Um trágico acidente a impediu de ir ao encontro.
Ela toma um rumo
emocionante e incerto. Saí do cinema perdido em conjecturas e nenhuma me
agradava. Não seria eu o Leo McCarey o diretor para mudar tudo no final. Eu era
apenas um Escoteiro, emotivo, noivo, amante de sua linda e futura esposa e que
vivia a sorrir e cantar na natureza.
Minutos que parecem horas vão descortinando
minha janela. Sentando em uma poltrona no meu trem do passado viajo sem rumo e
sem saber aonde chegar. A janela aberta, a fumaça do trem volta e meia entra no
vagão de primeira classe. Não reclamo. Amo esta fumaça e sinto como ela me faz
falta hoje. Ajeito o travesseiro para me transportar em meus sonhos. A cabeça
fica zonza, pensando e pensando. Meus olhos se firmam na paisagem que o trem vai
descortinando no vai e vem dos sons no trilho. Um pontilhão me assusta. Fui
pego de surpresa. Quantos pontilhões passei na minha infância? Correndo com
medo de o trem chegar... Ah! A janela não para de mostrar um passado, mas a música
no piano conta passo a passo à história que chorei no final. Atravesso o Córrego
Seco em Derribadinha. Estou fora do trem. Em pé segurando meu cavalo de aço
junto aos meus outros cinco companheiros. Esperamos o trem passar para adentrar
no túnel do desconhecido.
O piano cessa. A
melodia fica parafusando em minha mente. Gosto dela. Ela volta com todo
esplendor da orquestra de Henry Mancini. Minha mente está naquele trem que me
leva ao passado. Lembrei-me de Gilwell. Por quê? Afinal “Na Affair To Remember” não tem nada
do escotismo que amo. Quem sabe será porque me sinto Velho e fraco e preciso
voltar. Voltar onde? Em Gilwell, no tempo? Assistir novamente o filme da minha
vida? Minha mente embaralha. Já nem sei mais o que pensar. Estou de novo no
trem. A fumaça branca não para. Meu paletó branco de seda é macio como leite em
calda. O trem diminui sua marcha. Vai parando na estação. A garotada em um
campinho joga futebol com uma bola de pano. Alguém grita: - Amendoim
torradinho, doce de leite e cocadas! Comprem é barato!
O trem vai partir. –
Alguém diz com voz chorosa: - Não quer ir comigo? Ela responde chorando...
Desculpe sou feliz aqui! Seria um grande amor interrompido? Minha mente volta
ao Empire State. E ela? Mesmo em uma cadeira de rodas ainda pensa em casar com
ele? Não sei. Não quero contar. Filmes são assim, trilhas sonoras inolvidáveis.
Um piano tocante quem sabe na Floresta do Tenente, lá muito longe onde acampei.
Alguém toca baixinho para mim “Na Affair To Remember”.
Sento-me na porta da
barraca. Uma noite linda, o céu salpicado de estrelas brilhantes, uma brisa
vinda do ar da Lagoa dos Peixes chega de mansinho. Tudo é encantamento. Noite
romântica, mágica repleta de felicidade. Fecho os olhos, minha viagem vai
chegando ao fim. Levanto-me meio tonto da minha cama. Olho pela janela, daqui a
pouco vai escurecer. No meu trem ouço alguém dizer na estação final: - Muito
obrigado meu jovem escoteiro, muito obrigado por esta bela viagem. Desço do
trem. Vejo-me fardado, na mão o meu chapéu de abas largas. É noite, lágrimas em
meus olhos mostram que ainda penso no grande amor de Deborah Kerr e Cary Grant!
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