domingo, 8 de janeiro de 2017

O doce sorriso de Jota B.


Lendas Escoteiras.
O doce sorriso de Jota B.

                Ele não tinha olhos verdes ou azuis. Eram negros, olhos que brilhavam. Sua face era rosada e seus lábios pequenos não diziam nada de sua beleza. Franzino ele conquistava a todos pelo seu estilo franciscano e fraterno.  Jota B era um menino comum. Na Patrulha Lagarto muitas vezes se esqueciam dele. Quase não falava, mas sabia tudo. Nos acampamentos era uma mão na roda. Cozinhava, fazia belas pioneirias, sempre se oferecendo como voluntário em tudo que se pedia. Se ele não fosse todos reclamavam pelo serviço a fazer. O bom em Jota B era sua brandura, sua calma, seu olhar franco e sem afetação e sabia ouvir. Um ótimo ouvinte. Nunca ninguém reclamou dele na patrulha. Ao contrário era sempre elogiado. Não só a Lagarto, mas todos na tropa inclusive o Chefe Dakota, filho de um índio americano com uma brasileira de Porto Seguro. Jota B era a personificação da paz. Olhar para ele era como se estivesse olhando um mar de mansidão, harmonia, serenidade e bonança.

               Dona Flora sua Professora o amava como se fosse um filho. Os colegas de classe tinham um respeito enorme por ele e no alto dos seus onze anos sempre o procuravam para aconselhamento, e ter com ele um momento de quietude, mansidão e paz. Dona Carminha e seu Randolfo seus pais tinham um orgulho enorme do filho. Ele mesmo já dissera que ia ser Doutor. Queria ser um médico para ajudar a todos sem cobrar um tostão. Quem o conhecesse acreditava. Ele tinha tudo, boas notas, bem quisto, amado e claro, um Escoteiro que sabia o valor da Lei, da Promessa e tudo que o Chefe Dakota ensinava. O Pastor Rosivaldo da Assembleia de Deus a qual seus pais participavam sorria toda vez que o via. Sempre dizia para ele: - “Valdívian, todos nós sabemos que a oração é o único meio de comunicarmos com Deus. É através da oração que resistimos aos ataques do diabo, recebemos vitória sobre nossas fraquezas e aprendemos que conviver com amor faz parte de todos nós”.

               A vida em Verdes Mares nunca mudou para ele até aquele dia. Porque tinha de ser assim? Tudo aconteceu de repente. – Ela bateu de leve em seu ombro. – Jota B, vamos cabular a aula hoje? Ele olhou para ela. Sabia quem era. Era da Turma A e ele da C. Nunca falou com ela, nem sabia seu nome, mas o convite o assustou. Ela riu. – Está com medo? Você é santo por acaso? Sempre dizendo sim senhor e não senhor? – Jota B sorriu de leve. Não respondeu. Ela continuou. – Adoro viver em perigo, você não gosta? Fazer o que nunca fizemos. Vamos hoje fazer uma rotina diferente, vamos entrar em um ônibus e ir até o centro. Vamos passear de mãos dadas pelas ruas cheias de gente estranha que não sabe quem somos. Quem sabe encontramos uma aventura que você e eu nunca tivemos e nunca vamos esquecer? Ele lembrou seu nome. Dagmar. Não era bonita nem feia. Mas que sorriso ela tinha. Suas palavras entraram fundo em seu coração. Cabular aula? Nunca fiz isto. Não quero, não posso, tenho que aprender tudo para ser o que quero ser no futuro.  

                Ela o pegou pela mão. Mãos macias agradáveis que deram a Jota B uma sensação diferente, uma vontade de ir, de ver o que iria acontecer, de fazer alguma coisa diferente. Lá foram os dois pela Rua Santa Ângelo atrás do ônibus que os levaria para o centro da cidade. Sentaram bem atrás. Jota B não olhava para ela. Estava envergonhado do que fazia, mas ela era uma tentação. Seu convite, seu sorriso, seu desafio e suas mãos macias foi demais para ele. Ela falava, matraqueava e Jota B encantado com tudo que ela dizia. Falou de seus pais, que não gostavam dela, que nunca perguntavam suas notas. Falou de sua professora que nunca lhe deu um abraço, um elogio mesmo com suas notas que eram boas. Falou, falou e falou. Jota B só ouvia. Não tinha o que dizer. Viu quando o ônibus entrou na Paulista. Nunca fora ali e conhecia pela TV.

                 Desceram em frente ao MASP que estava cheio de gente. Muita gente. Uns gritavam palavras de ordem com placas nas mãos. A maioria estava escrito: - Cadeia para os corruptos! Juntos aos manifestantes muitos mascarados. Jota B se assustou. Dagmar não, ela o levou mais para dentro da manifestação. Em pouco tempo explodiram bombas de gás. Jota B tinha os olhos cheios d’agua e chorava. Dagmar sorria e dizia que era seu momento. Sempre Sonhou com isto. Um moleque de uns desesseis anos tentou arrancar um pequeno colar que ela usava no pescoço. Dagmar resistiu e chutou o marginal. Ele tirou da cintura uma arma e apontou para Dagmar. Jota B era pacífico. Nunca brigou ou lutou com alguém e nem sabia como lutar. Quando ele viu que o marginal ia atirar pulou em suas costas segurando sua jugular. O marginal mais forte com um solavanco o jogou ao chão e atirou! Jota B sentiu que tudo ficava escuro. Não sentia dor. A escuridão o levou a uma nuvem que viajou rápido para as estrelas. Em uma delas parou e viu que ali tinha inúmeros amigos que sorriam para ele.

                  Jota B sorria também. Ele se lembrava de que um dia morou ali. Sentiu um vento soprando que o jogou em um redemoinho. Foi puxado com força de volta para sua cidade. Tentou abrir os olhos, devagar, piscou algumas vezes, pois tudo estava como se uma nevoa tivesse invadido aquele quarto. Notou seus pais olhando para ele e sorrindo. Notou ao lado deles o Pastor Rosivaldo dizendo: Bendito seja Deus! Notou o Chefe Dakota o olhando severamente, mas com aquela bondade de um segundo pai. – Mamãe! Onde estou? – Você está de volta meu filho, esteve lá na estrela onde sempre morou, mas só vai para lá daqui a muitos e muitos anos, ainda não chegou sua hora! Jota B sorriu, queria perguntar, mas sentiu dificuldade em falar. Sentia dor no peito e quando falava doía. Seu pai disse que seria por pouco tempo, logo ele estaria bom de novo. Sorriu porque não viu neles nenhuma admoestação. O Chefe Dakota deu um passo à frente, olhou para ele e disse: - Jota B, ai fora tem uma menina chorando. Não parou de chorar desde que você foi internado aqui. Quer pedir perdão a você! Posso deixá-la entrar?


“Só quem entende a beleza do perdão, pode julgar seus semelhantes”.

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