domingo, 30 de junho de 2019

Lendas Escoteiras. Francisca das Flores.




Lendas Escoteiras.
Francisca das Flores.

Prólogo: - A maior perda da vida não é a morte, mas o que morre dentro de nós. Não tenha vergonha de ser sentimental. Carregue isso com orgulho, porque prova que você é uma pessoal especial e sensível em relação a tudo e a todos.

                Moço! Quero ser como elas! – Chefe Postal olhou de soslaio. Seu nome? – Francisca das Flores, da Rua dos Amores, numero zero. E não disse mais nada. – Cadê sua mãe? Seu pai? – Meu pai morreu, minha mãe está em uma cadeira de rodas lá em casa. – prá que? Quem quer entrar sou eu e não ela! – Sem diálogo, curta seca e grossa. Conhecia a maneira dela, Chefe vivido e não sabido sabia que ela não era como as outras, que chegavam de mansinho dizendo para que vinham e o que desejavam. – Preencha esta ficha, vou analisar e depois lhe chamar se necessário vou a sua casa conhecer sua mãe... Posso? – E foi assim que a Patrulha Esquilo mesmo a contragosto recebeu uma menina em suas hostes. Não houve palmas, alguns torceram o nariz, outros sorriram por ver uma nova patrulheira junto a eles.

                 Nostradamus não disse nada. Como dizem por aí macaco velho sabe onde pisa e onde põe o rabo. Monitor escolado nunca duvidou que um dia uma menina adentraria na Patrulha e como dizia Juventino Mulato o sub, seria o fim do mundo. Adeus liberdade! Não era bonita, mas tinha um que de simpatia junto com um sorriso endiabrado que logo conquistou a patrulhada. Chefe Postal achou interessante. Era a primeira, haviam liberado a coeducação e ele coeducado abriu as portas da tropa para as jovens do pedaço do bairro onde o Grupo habitava no seu habitat. Teve boa acolhida na visita a Dona Dolores, progenitora de Francisca das Flores. Mino Carlo se apaixonou, Wantuil Voleio se assustou. Calcino Nantes não sabia o que dizer. Francisca das Flores se sentiu em casa. Rodeada de meninos logo aprendeu a ser mais uma na Patrulha Esquilo que nunca teve uma menina a participar.

                 Um ano se passou. Das Flores como era chamada promessou e uniformizou. Parecia outra, mais corada, mais linda com seus cabelos negros revoados e olhe posso jurar que na Patrulha ninguém sabia quem era menino e quem era menina, rosa e azul ali não tinha lugar. Acampou lá na montanha, acampou no Vale Feliz. Acampou no Pico dos Sonhos e dormiu abraçada a lua amada tantas vezes que até jurou que um dia iria morar lá... Na lua que amava. Zé Roberto noviço se assustou em ver uma menina patrulhada, mas logo se acostumou. Entraram outras, Roseli, Tatiana e uma morena linda chamada Maria Teresa. Mas não se sabe como ninguém tinha olhos para elas, no coração da escoteirada só cabia ela, a menina de rosa chamada de Francisca das Flores. Não deu outra, dois anos e Nostradamus se foi. Investido Sênior ali ficou a contragosto, mas como bom escoteiro aceitou as normas da idade, afinal quinze anos no costado lá foi ele vivenciar novos rumos novos amores. Quem fica? Quem assume? Eu você ou Francisca das Flores?

                 Danação, nem um nem outro. O Chefe Postal chamou Genivaldo sub da Patrulha Javali para assumir a monitoria da Esquilo. Revolta geral. Pode isso? Perguntou Juventino Mulato o sub. Se podia ou não o Chefe Postal não deu satisfação. A quem recorrer? Nosso Senhor Jesus Cristo não deve ser incomodado. E o comissário? – Quem manda é o chefe, esbravejou. E agora José? Não que Genivaldo fosse antipático, mas não era da Patrulha, não tinha esse direito. Reunião de Patrulha a torto e a direito. Todos insatisfeitos. O pior aconteceu. Um tal de Caledônio aprendiz na Farmácia do Antônio começou a esperar por ela no portão rosa da sede, e ela Deus do Céu a ele entregou seu coração. Uma reunião, duas e todos viram que ela não viria mais. Maldito Caledônio, o que ele tem que nós seus irmãos patrulheiros não temos?

                  Chefe Postal foi a casa dela, na portinhola orgulhosa, Francisca das Flores namorava Caledônio. – Sua mãe está? Pode entrar Chefe, na sala de estar. Conversa vai conversa vem, a mãe apoia a filha amada, afinal Chefe ela diz, o coração é dela! Volta para a sede, todos avisados... Francisca da Flores não vem mais! Uma semana, um mês, dois um punhado. Na Esquilo todos acabrunhados. Na derrota na tristeza, ninguém achava uma beleza perder Das Flores para Caledônio. Um plano foi pensado. Uma surra? Uma armadilha? Juventino Mulato discordou. Isto não é coisa de escoteiros, é coisa de baderneiros. Temos uma Lei, fizemos uma promessa... Nada disso precisou. O namoro terminou. Caledônio foi encontrado beijando Clodoaldo. O que? Ele não era azul e agora virou rosa? A escoteirada aplaudia e eis que surge no portão Rosa, pintado para ela nada mais nada menos que Francisca das Flores, aquela dos grandes amores que volta para o seu antigo lar...

                   Posso garantir sem mentir que Francisca das Flores nunca se casou. Paquerada pela Patrulha Esquilo até nos seniores quando passou a admiração por ela continuou. Tirou o Lis de Ouro, esnobou Escoteiro da Pátria. Gritava para o Chefe Sênior Botox que devia ser Guia da Pátria. Sou rosa Chefe, não sou azul! De uma coisa eu sei, Francisca das Flores tinha coração escoteiro, gostava de sair por aí com sua mochila e seus amigos de promessa para um acampamento em qualquer lugar. Anos e anos foram passando, um dia Francisca das Flores ficou viúva dos escoteiros. Seus amigos e irmãos de farda se casaram. Ficou sozinha sem ninguém. Envelheceu, amadureceu, se formou engenheira e saiu pelo mundo a fazer sedes escoteiras em todo lugar... Sem cobrar... Mas tudo que é bom dura pouco. Francisca das Flores morreu. Pudera noventa anos no lombo não dá para continuar.

                Pouca gente naquela tarde sombria no Cemitério Azul e Rosa. Num canto Nostradamus com Juventino Mulato com semblante pensativo olhava com sentimentos ela que tanto amou a Patrulha agora ia partir. Em volta da campa Zé Roberto e Wantuil Voleio choravam. Próximo à cova Calcino Montes com os olhos rasos d’água rezava ao Bom Pai do Céu por ela. Escorando na Bengala Chefe Postal queria demonstrar força, mas não conseguia. Alguns gatos pingados, poucos a prantear Francisca das Flores, uma bela escoteira que agora foi morar no céu. Uma revoada de pássaros quando o esquife desceu devagar, para a ultima morada dela. Alguém jogou uma pétala, outras caíram com seu último suspiro. Francisca das Flores se foi. Ali seu corpo ficou, mas sua alma e seu espírito para os confins do universo se foi.

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Lendas Escoteiras. Jesus de Nazaré.




Lendas Escoteiras.
Jesus de Nazaré.

Prólogo: - Era um Negro velho, cabelos crespos esbranquiçados e dizia se chamar Jesus de Nazaré. Vivia em um asilo pobre, um albergue daqueles que a gente pensa duas vezes antes de entrar. Contaram-me que era um Maravilhoso Contador de Histórias. Fui ver se era verdade. Era sim um santo homem, que transmitiu para mim a humildade de alguém que sofreu e aprendeu e que a vida é maravilhosa se não tem medo dela. São meus convidados. Bem vindos à vida de Jesus Nazaré!

                        Um asilo de periferia. Paredes descascadas, sem jardins, sem flores; Utensílios simples sem sofisticação. Quartos com três beliches um pequeno refeitório e uma TV preto e branco. Na rua o lixo acumulava. Contaram-me sobre Jesus de Nazaré um Velho negro que diziam ter sido escoteiro. Disseram que era um exímio contador de histórias. Senti-me deslocado naquele ambiente desleixado. Ali os idosos não teriam muito tempo de vida. A recepcionista relutou em me deixar entrar. Vendo-me de uniforme Escoteiro abriu um precedente e me levou até um quarto onde mais dois idosos dormiam ou estavam dopados com alguma substância que eu desconhecia. Jesus de Nazaré estava acordado limpo e bem asseado. Recebeu-me com um sorriso.

                          Boa tarde disse. Sentei no beiral de sua cama. Olhou-me sorridente. Um olhar comovente e vi que era alguém com alma e coração escoteiro. Senti que ele era um homem feliz. Cabelos crespos esbranquiçados olhos negros que me fitaram bondosamente. –Me surpreendeu dizendo: - Sempre Alerta Chefe! Um alerta que jamais alguém me disse como ele. Tocou-me demais. Sabe Chefe, há tempos que não vejo um escoteiro. Tenho grande admiração por vocês. Falava compassadamente, parecia que me contava histórias em uma fogueira perdida em uma floresta do mundo: - Sei que amam a natureza. Gostam de uma noite de luar. Admiram as estrelas e os ventos que sopram nos baixios dos vales perdidos entre montanhas e picos mais altos. – Olhei para ele surpreendido pela maneira com que conduzia seu monólogo. O modo como contava poderia ser um de nós.

                         – Piscou os olhos sorriu e continuou: - Eu sempre quis ser um. Dizem que fui e não me lembro, pois muitos são e não sabem que são. Meu Senhor da Fazenda nunca deixou. Seu filho meu amigo era. Contou-me as maravilhas de uma vida escoteira. Disse-me que nunca esqueceu. Percebi suas qualidades de Contador de Histórias. Em poucas palavras prendia minha atenção. Eu sabia que para ser um teria de ter sensibilidade e empolgação, saber esticar sonhos em forma de ponte para juntar o mundo da fantasia e do imaginário. Ele deu outro sorriso. Parecia ler minha mente. Sorrindo me disse que tinha mais de 110 anos. Se tivesse sido escoteiro seria um dos mais velhos que o Brasil conheceu.

                            Não era conhecido. Um negro perdido em um asilo de beira de estrada. Nunca foi famoso. Alguns tiveram a sorte de ouvir seu vozear. Imaginei quantas histórias contou nos píncaros mais altos ou na bruma escura de uma floresta e quantos devem ter se extasiado. Penso que os Contadores de Histórias são uma raça em extinção. Seu sorriso viçoso era cheio de amor e paz. Mesmo ali em um albergue imundo se sentia feliz. Se teve amores não demonstrou. Apertou-me a mão como se fossemos irmãos de sangue. Jesus de Nazaré era diferente, alegre, gentil e educado. Um antigo Contador de Histórias disse que ser bom é ter conhecimento antecipado do texto. Dos elementos que o compõe, das emoções escritas e familiarizando com suas personagens. Seria isto? E aqueles que contavam as histórias da imaginação? Não sabiam como seria o meio e o fim.

                         – Me olhava com olhar sutil e sincero e confesso que entreguei a ele meu coração. - Chefe... Nunca fui Escoteiro, nunca pude pegar a lua e guardar nos parcos pertences que tenho. As estrelas que vocês contam eu nunca pude contar, não sei ler nem escrever. Respirei sim o ar da floresta, senti no rosto a brisa da manhã. Com minhas mãos construí cidades, fui amigo de cobras e animais que muitas vezes se mostraram mais verdadeiros que os homens. – Aprendi com o filho do meu patrão a Lei do Escoteiro. Deus deu a Moisés as primeiras Leis no mundo. Pouco comentadas e muitos não levam a sério. Mas a de vocês é simples e direta. Ela não diz faça ela diz tente para compreender. Ter uma só palavra, ser leal belo demais. São dez artigos da lei, não? Fiquei ouvindo extasiado. - Sabe o que mais gosto de vocês? A promessa. Não diz que é obrigado diz que fazer o melhor possível é melhor que prometer. Estava estupefato com aquele Velho negro Contador de Histórias. Como sabia tanto de nós? Verdade é que palavras bonitas ditas com sinceridade me emocionam. Sempre admirei sorrisos sinceros e me encantam as atitudes de um homem honesto.

                       – Me fitava sorridente... Não se assuste como o ambiente. As palavras ásperas que me dirigem não me magoam mais. As agressões não me ferem e muitas maldades não mais me assustam. Olhei para ele e me senti pequeno diante da sua grande verdade. O Velho Contador de História marcou em minha vida uma existência que desconhecia. Francamente eu não conhecia sorrisos honestos, espontâneos e a aceitação da adversidade com um simples estalar de um olhar. Vi que era especial. Nunca imaginei que pudesse me modificar e aceitar um local como aquele para morar. Via agora o Asilo como se fosse um Edem que ele fazia questão de apregoar. Parecia estar respirando o ar das montanhas em dia de sol. Quantos pensamentos e lembranças ele deixou em mim. Fiquei calado, já não me sentia o Contador de Histórias que tantos me apregoavam. Se pudesse ficaria dias com, pois seu olhar me rejuvenescia. Quando a enfermeira disse que o tempo acabou lhe dei um abraço. O beijei na face como se fosse o meu pai. Dei-lhe a mão esquerda e me senti realizado.

                         Na porta do Asilo ela me disse: - Tenho pouco tempo de vida, vou partir em breve. Meu coração não vai aguentar outras luas que irão nascer. – Chorei. Fui para casa rezando e pedindo a Deus que no fim da minha vida me desse à força daquele Velho Contador de Historias. Nunca o esqueci. Pessoas como Jesus de Nazaré ensinam sem palavras só com sorrisos. Até hoje sinto saudades daquele negro velho contador de historias. Sorridente mostrou que a realidade uns machuca e outros encanta.

                         Voltei lá outras vezes. Um dia me disseram que ele morreu. Para mim não morreu, partiu em busca do seu verdadeiro caminho. Queria estar lá para dizer Adeus. Mas ainda me divirto quando ia saindo e ele sorrindo me disse: Chefe entrou por uma perna de pato, saiu por uma perna de pinto, quem quiser que conte cinco! Amei aquele velho que ficou para sempre morando em meu coração.

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Lendas escoteiras. Minha maior amiga foi uma Coruja de olhos verdes.




Lendas escoteiras.
Minha maior amiga foi uma Coruja de olhos verdes.

Prólogo: - Eu conheci uma Coruja. Não foi uma Coruja qualquer. Imagine, ela me olhando e eu olhando para ela e pam! Surgiu uma amizade eterna. Eu era amigo de uma Coruja. Alguém já foi amigo de uma Coruja? Eu fui e sou. Ela me disse um dia que apesar de ser um menino e ela uma ave, ela nos considerava irmãos! E acreditem! Eu acreditei! Pena que ela se foi e eu me fui também. Nunca mais voltei naquela floresta. Não sei se ela já morreu se está no exílio. Eu? Estou aqui. Sempre se lembrando daquela noite que conheci uma Coruja de Olhos verdes brilhantes. Apenas uma noite. Noite que nunca mais irei esquecerei...


                       Eu conheci uma Coruja. Por favor, não riam de mim. Não foi uma coruja qualquer. Imagine, ela me olhando e eu olhando para ela e pam! Surgiu um amor e uma amizade eterna. Eu era amigo de uma Coruja. Alguém já foi amigo de uma Coruja? Eu fui e sou. Ela me disse um dia que apesar de ser um menino e ela uma ave, ela nos considerava irmãos! Podem acreditar, pois eu acreditei! Eu tenho certeza do dia que surgiu a maior amizade que já encontrei em minha vida.  Faz tempo. Muito tempo. Quem sabe mais de sessenta anos? Sim, acho que foi isso mesmo. Numa floresta densa, fumacenta, mas gostosamente adorável. Difícil para caminhar, abrindo caminhos entre espinhos com meu bastão, usando uma bússola silva velha de guerra, pele queimada, braços e pernas arranhadas, alguns profundos com sangue ao redor. Quem disse que paramos? Quem disse que voltamos ou desistimos? Nunca! Escoteiros não desistem! Ela me disse que nos acompanhava de longe. Disse que não sentiu pena de mim. Não gostava de meninos. Eles eram malvados. Jogavam pedras. Disse que não viu meu rosto. Disse que o meu chapelão de três bicos atrapalhavam.

                      Quando a vi pela primeira vez foi em uma clareira que acampamos. Difícil. Um matagal intenso. Não foi um Fogo de Conselho. Não foi não. Lembro que fizemos um “foguito” pequeno, a clareira amarelou. Apenas uma “Conversa ao pé do Fogo”. Canções, “causos”, planos de jornada, gargalhadas, enfim coisas de escoteiros. Não vi as estrelas. As árvores não deixavam. Não havia lua. Escuro. Muito escuro. Apenas nosso lampião vermelho a querosene com seu lusco fusco brilhava. Teve um momento sublime. Isto sempre acontece sempre quando escoteiros estão reunião em plena floresta. Um silêncio, segundos que se ouviam apenas os grilos zumbir. Ela para chamar a atenção crocitava baixinho, e me olhava com seus olhos verdes profundos como se fosse me hipnotizar. Ninguém viu. Só eu. Todos foram dormir. Estavam cansados e eu também. A Coruja fez um sinal. Como se eu devesse ficar ali. Todos foram e eu fiquei. Um silêncio tomou conta da floresta. Nem os grilos zumbiam mais. Vi alguns vagalumes ao lado da Coruja. Pareciam ser seus olhos noturnos a mostrar o caminho.

                      Senti seu peso nos ombros quando ela pousou. Olhava para mim. Não piscou. Eu não sabia o que fazer. Dizem que na floresta as corujas são sábias, todos a procuram para aconselhar. Uma vez disseram que era o símbolo da deusa Atena. Ela se chamava Olhos Brilhantes. Contaram-me que uma Sociedade Secreta de nome Bohemian Clube onde anualmente se encontravam só os poderosos eram convidados. Dizem que a reunião era em uma floresta ao norte de São Francisco, e ficavam em volta de uma grande pedra talhada como se fosse uma coruja. Escreveram em baixo: “Weaving dealing spiders come not here”. Parece que vem a ser uma frase de Shakespeare que significava: “Deixe seus negócios sujos na porta”. Dizem que poucos contam até hoje o segredo da cerimônia. Quem contou morreu de morte misteriosa.

                      Mas isto não importa. Importa a amizade que fiz com a Coruja. Quantas coisas belas naquela noite eu e ela conversamos. Eu contei minha vida de menino escoteiro para ela. Ela me olhava e não piscava. A melhor ouvinte que já tive. Perguntei a ela se era uma ave de mau agouro. Ela riu. Quem sabe? Quem sabe? Disse. Mas olhe retrucou, quando tem uma festa no céu ou aqui na floresta eu pio e canto sem parar. Ela me disse que sabia canções Escoteiras. Ri baixinho. Não acreditas? E começou a cantar A Arvore da Montanha. Cantava com uma voz linda. Cantou outras. Notei que o por do sol aparecia através das árvores. Notei que eu tinha me esquecido dos meus amigos na barraca e de que precisávamos partir logo ao amanhecer. Até o orvalho da madrugada não o senti no rosto. Ela me olhou. Passamos uma bela noite juntos. Noite inesquecível. Impossível ter outra como aquela. Ela disse – Adeus! Porque perguntei? Nunca mais voltarei. Dizem que entre nós quem conversa com meninos é condenada ao exílio. – Venha comigo! Venha morar comigo! Eu levo você para a cidade! Fica na minha casa. Lá tem um pé de Jacarandá lindo!  Não posso ela disse e voou entre os galhos negros e a folhagem espessa para nunca mais voltar!

terça-feira, 25 de junho de 2019

O repouso do Guerreiro. Uma história, uma lenda escoteira.




O repouso do Guerreiro.
Uma história, uma lenda escoteira.

Prólogo: - Era um Chefe, um Chefe escoteiro. Às vezes com sua mochila e bornal a bordo de sua jangada de piteira descia um rio fogoso até as terras dos índios Xapuris. Conhecido como o Chefe dos Cabelos de Neve fez amizade de irmão com um cacique e com ele aprendeu: Chefe, se você fala com os animais eles falarão com você e vocês conhecerão um ao outro. Se não falar com eles você não os conhecerá, e o que você não conhece você temerá. E aquilo que tememos, destruímos! História um pouco longa, mas se gosta de contos indígenas vale a pena ler.

           Ele não podia medir o tempo. Seus antepassados não lhe ensinaram. Mas ele sabia que muitas luas haviam se passado e seu fim estava próximo. Seus pais já tinham partido para as Terras Bravias do Sol Nascente. Breve seria sua vez. Não tinha herança, não trouxe ao mundo nenhum bravo da sua estirpe. Aplanã não deixou que Amanara lhe dessem filhos. Na tribo somente as lendas dos guerreiros passavam de pais para filho. Ele era uma lenda? Não era. Nunca foi. Era que era um simples índio que conhecia as histórias dos seus ancestrais. Conseguiu sobreviver de muitas guerras com os Tapuias, os Caraíbas e tantas outras tribos que sempre tentaram raptar suas mulheres e tirarem o que era deles. Foi o único que sabia conversar em Macro-Jê, Tupi e Arauak. Aprendeu nas guerras e nas inúmeras vezes que fora aprisionado. Gostava de sentar embaixo da Aroeira que dizem os espíritos foi plantada por Aplanã, um valente guerreiro, que correu pelos céus como um raio flamejante a mil luas atrás. Seus olhos miúdos percorriam as inúmeras Tabas de sua aldeia. Quanto tempo! Nada é mais como antes. O homem branco não trouxe nada de bom.

           O Grande Espirito o tinha avisado que sua morte seria breve. Não tinha medo nunca teve. Já a enfrentara inúmeras vezes. Ele era um guerreiro cujo nome se espalhou por toda a Floresta de Akanã. Amanara sua mulher o olhava com carinho. Porque nunca tiveram filhos? Ele daria tudo para ter um herdeiro que levasse seu nome através da história. Que pudesse narrar seus feitos. Sabia que quando fosse para as Terras Bravias nada sobraria de sua vida na terra. Seus pensamentos velejavam através das nuvens brancas espalhadas pelo céu. Viveu uma época que hoje seus descendentes não irão viver. O homem branco agora mandava. Eles não passavam de meninos a obedecer ordens o que fazer para comer. Muitos da sua tribo se tornaram homens sem valor. Bebiam, faziam arruaça, viajavam e diziam representar a tribo. Nunca seriam nossos representantes. Eram sim de si mesmo em busca de facilidades que um verdadeiro guerreiro desprezaria.  

           O viu chegando em uma jangada de piteira atravessando o Rio Morcego. Sempre fora assim desde a primeira vez. A cada dez ou vinte luas ele aparecia. Lembrou quando o viu jovem ainda, sempre com cabelos brancos soltos ao vento, olhos pequenos azuis, um chapéu esquisito, um lenço amarrado no pescoço, um calção da cor da camisa parecida com a folha de bananeira desbotada. Uma meia que ia até os joelhos e uma botina preta. Desceu de sua jangada e fez o sinal de paz. Não disse mais nada. Ele não falava muito. Aproximou-se e levou sua mão esquerda ao meu coração. Como ele sabia? Nos velhos tempos só os fortes entre os mais fortes se saudavam assim. Fiz o mesmo que ele e um sinal a Ibaretama um amigo aquele que veio do céu para que não o matasse com sua lança. Um homem branco nunca fora bem recebido na Aldeia. Uma época que os Bororós eram temidos. Cabelos da Neve sentou embaixo da Aroeira. Cruzou as pernas como se fosse um de nós, tirou de seu bornal um cachimbo pequeno e o fumou por horas. Não disse nada. Chegou calado e calado ficou. Lembro que Amanara levou-lhe uma cuia com cuscuz cozido e ele comeu com gosto.

           Otinga o Pajé logo que a noite chegou fez uma pajelança pela cura de Oititaba, um jovem que caiu da Pedra Solta depois da curva do rio Morcego. O viu bebendo o tafiá e mesmo evocando os espíritos de seus ancestrais e animais da floresta não houve cura de Oititaba. A tribo dançou com ele freneticamente e fez as mimicas do animal que estava incorporado a Otinga. Oititaba morreu pela manhã. Cabelos da Neve recusou dormir em alguma Taba ou mesmo na sua. Dormiu ali embaixo da Aroeira sob o calor de um pequeno fogo que fez. Não o viu pela manhã. Ao raiar do dia tinha partido. Sua jangada não estava apoitada na areia branca do rio Morcego. Passaram mais de doze luas quando ele voltou. Parecia mais velho. De novo nos cumprimentamos e pouca conversa. Seu silêncio me agradava. Apontou a Montanha dos Abutres. Pôs a mão em meu peito e me convidou sem falar a subir até o topo.

          Não podia ir. Minhas pernas recusavam a obedecer. A tribo aprendeu a admirá-lo. Com seu chapéu cuia colocou sua mochila, atravessou seu bornal e partiu rumo à montanha. Uma semana depois voltou. Descansou por algumas horas e em sua Jangada sumiu nas águas tranquilas do Rio Morcego. Mais uma vez fiquei só. Ou melhor, sempre estava só, mas quando Cabelos da Neve aparecia havia no ar um encantamento que toda tribo sentia. O passado não perdoa o presente. Éramos milhares e hoje? Um punhado que vinte ou trinta tabas acomodavam todos. As nações indígenas foram dizimadas. Caçar, plantar, pescar já não era a maneira correta de sobrevivência. Um posto da FUNAI nos dava o que Comer. Parecíamos mendigos sem nome, sem honra a depender do homem branco a nossa sobrevivência. A nossa terra não era mais nossa. Nossas crenças desapareceram. As forças da natureza que nos impeliam aos nossos antepassados não existiam mais. Os espíritos dos ventos riam de nos. Deuses e espíritos fugiram das nossas cerimonias, dos rituais e festas. O Pajé era uma figura que ninguém mais dava valor.

           Na vigésima lua desde que ele se foi fiquei doente. Muito. A pajelança não adiantou. Era questão de dias para me encontrar com os espíritos dos meus pais e dos meus ancestrais. Já tinha passado o meu poder de Cacique ao Conselho da Tribo. Cabia a eles agora escolher quem devia conduzir a aldeia, as mudanças e as guerras se elas tivessem que existir. A mim só restava à lembrança do que fui e do que sou. Preferia não olhar o mundo ao meu redor. Quanta injustiça, quanto sofrimento e dor. Eu sabia que todo mundo temia a morte, mas o índio ria dela. Um guerreiro tem de saber enfrentar tudo a qualquer hora. Para ele o amor, a indiferença e a ambição não seria uma lança cortando o ar procurando seu coração. Mesmo nos meus últimos dias eu ainda me considerava um guerreiro. Vieram me dizer que ele chegou. Cabelos de Neve com seu chapéu esquisito cumprimentou-me a moda índia e a mão no meu coração. Na taba em que eu agonizava ele sentou com as pernas cruzadas. Tirou seu cachimbo e rolos de fumaça encheram o recinto.

           Deixaram-me a sós com ele. Ele me olhava e eu a ele. Tirou o chapéu e fez uma espécie de saudação. Com as mãos no peito começou a cantar baixinho uma canção. Dizia que não era mais que um até logo, não era mais que um breve adeus. Eu não o ouvia mais. Meu espirito abandonava meu corpo e me vi junto aos meus ancestrais. Eram centenas de amigos que agora estavam ali nas Terras Bravias do Sol Nascente. Voltei um dia depois como espírito. Meu funeral não teve nada diferente. Envolvido na rede dentro da minha maloca, fiquei por dois dias. Nivelaram a superfície da minha sepultura com barro socado. Quando me retiraram a maloca foi queimada. Seria abandonada para sempre. Todos os meus pertences estavam comigo. Em cima da minha sepultura Cabelos de Neve colocou uma placa de metal em formato de uma flor de lis. Todos já tinham ido e ele permanecia sentado de pernas cruzadas, fumando seu cachimbo e olhando para o céu. Eu o ouvia cantar a mesma canção: - Não devemos perder as esperanças de um dia tornar a nos ver.

           Uma semana depois ele se levantou. Deu um leve sorriso, fez o gesto de amizade colocando a mão esquerda no meu coração invisível. Fiz o mesmo com ele. Parece que ele sabia que eu estava ali, pois disse baixinho que breve, muito em breve tornaríamos a nos ver. Entrou em sua jangada e partiu nas aguas calmas do Rio Morcego. Conta-se que muitas luas depois os dois guerreiros se encontraram nas Terras Bravias do sol Nascente. Dizem que até hoje ficam sentados e sorrido na sombra da Aroeira que um dia pertenceu à tribo dos Bororós e que hoje não pertence a mais ninguém.

quinta-feira, 20 de junho de 2019

Contos de Fogo de Conselho. Chefe Zé... Mané para ele tiro meu chapéu!




Contos de Fogo de Conselho.
Chefe Zé... Mané para ele tiro meu chapéu!

Prólogo: - E lá no céu, um velhinho simpático de nome Baden-Powell aplaudia e dava suas bênçãos inglesas ao casal de brasileiros, pois ele sabia que a humildade não é ser pobre é ser digno. Ele até aconselho seu neto a doar Paxtu para eles. E saibam todos que Zé... Mané e Dozemita mesmo sem ter Insígnia eram dignos escoteiros que muitos deviam seguir! – Apenas uma história, sei que nenhum dos nossos chefes e dirigentes irão colocar o chapéu na cabeça. Rarará!  
  
                          Muitos dos que o conheciam o chamavam de Zé Mané. Ele sorria na sua ingenuidade e assim passou sua adolescência na Patrulha Coruja. Seus amigos de Patrulha gostavam dele. Prestativo, educado, simples sem afetação. Fora da tropa o consideravam um bobo, paspalhão e tolo. Ele não se incomodava. Cresceu, a tropa votou para ele ser o Chefe. Seu Tony Morcato o Chefe do grupo não aceitou... A principio, pois a tropa resolveu ficar em vigília na porta de sua casa até que ele aceitasse o Chefe Zé... Mané! Nunca na história daquele grupo se viu tamanha alegria. Afinal nem sempre tem escoteiros para votar na escolha de seu Chefe. Dom Ruan de Lá Mánsia o Distrital não queria assinar o certificado de nomeação. Novamente lá estava a tropa fazendo vigília na porta do Comissário. Chefe Zé não era apreciado pelos chefes do distrito. Afinal quando um Mané foi Chefe escoteiro? Esqueceram que aquele era um cavalheiro, delicado, distinto e gentil.

                         Quando A Akelá Pratifunda Benedita foi embora Chefe Zé ajudou a não fechar. Mas precisavam de uma nova Akela e o Chefe Tony Morcado não se mexia e nada fazia. Chefe Zé... Mané se lembrou da nova faxineira onde trabalhava no Lar Menino Jesus. Ele era bem quisto lá. Afinal desde os dezesseis anos que era um dos melhores faxineiros que por lá apareceu. As Irmãs Carmelitas o chamavam de Doutor Zé. Tinham por ele muita admiração. Calada, magra feito um palito Dozemir Pangu dificilmente sorria. Não tinha dois dentes na frente e sabia que abrir a boca era para ser caçoada, zombada e faziam troça dela. Nunca reclamou de sua mãe que colocou aquele nome esquisito. Até gostava dele e pensava que um dia teria um príncipe Encantado que diria ao pé do ouvido: Te amo Panguzinha meu amor. Ela tinha enorme simpatia por Zé... Mané. Aceitou seu convite para ser Akela.

                          Não perguntou o que precisava aprender, não perguntou se teria que pagar, pois leu um dia num livro que o Escotismo é o único lugar que o voluntário tem de pagar para ajudar. Chefe Tony Morcado quase caiu da cadeira quando Zé a apresentou. Pensou em xingar a mãe do Zé da Dozemir e mandar todo mundo para o ponto final do ônibus Vai Sem Volta e deixar todo mundo lá de molho por trinta anos! O Comissário Dom Ruan de Lá Mánsia quase perdeu os restos de fios de cabelos de sua cabeça careca. – Que palhaçada é essa Tony? Ele assinou a nomeação contrariado depois de quinze dias de passeata dos lobinhos e escoteiros do Grupo Escoteiro Pau Ferro na porta de sua casa. Chefe Zé... Mané e Dozemir passaram a se gostar e se juntaram. - Vamos casar quando construirmos nossa casa! Diziam ambos.

                         A cidade de duzentos e qualquer coisa de mil habitantes viu que os lobinhos os escoteiros de Morro Cego estavam sempre presentes fazendo boas ações, plantando árvores, limpando praças, sorrindo a marchar para os acampamentos coisa que os outros grupos não faziam. O Prefeito resolveu doar um equipamento completo para a alcateia e a tropa. Os três outros grupos escoteiros reclamaram ao Comissário que reclamou com o prefeito e puseram até o Deputado Chinfrudo na roda. Façam alguma coisa e serão agraciados... Disse. Ninguém entendeu como o nome do Chefe Zé... Mané e da Akela Dozemir Pangu foi parar no Conselho Interamericano de Escotismo. Um dia apareceu um Comissário Internacional que se dizia chamar Dom Diego Pablo Sem Tustois e procurou primeiro o Prefeito Tunico Pança e o Distrital Dom Ruan de Lá Mánsia para informar que o Chefe Zé... Mané e a Akela Dozemir Pangu foram homenageado com a Medalha “Lobo de Bronze” aprovada pelo Comité Mundial.

                         Os chefes do distrito pasmados foram na região escoteira. Exigiram uma Assembleia Extraordinária para julgar o caso. O Presidente da região Pequeno Pinto Morto estava petrificado com a ira de todos. A Assembleia foi marcada. Presentes as Irmãs Carmelitas de todo o Estado. A chefaiada olhando ressabiado na primeira sessão ordinária no Palácio do Porco Gordo. Veio o Presidente da CAN do DEN não, pois foram destituídos de suas funções.  O Comité Mundial da WOSM através do seu presidente Mister Moskity Dengatico apareceu sem ninguém esperar. Aplaudido pelas irmãs Carmelitas pelo prefeito Tunico Pança e por milhares da população de Morro Cego Zé... Mané e Dozemita foram carregados até a mesa central da Assembleia e ovacionados como nunca se viu. O Padre Piquitito Crescente e o Pastor Depósito no bank fizeram questão de entregar pessoalmente aos dois sob as bênçãos do Presidente do Comité a ordem do Leão de Bronze. Não se sabe como alguém queria entregar também o Tapir, mas ele com vergonha do Leão se mandou para dentro da Jângal. Dizem que agora mora em uma caverna prateada as margens do Rio Waingunga.   

                       Pois é... Malandro é malandro e Mané é Mané já dizia o cantor poeta. Sei que Zé... Mané e Dozemita Pangu casaram logo após terem sidos eleitos prefeito e vice-prefeita da cidade de Morro Cégo. E continuaram escoteiros para sempre mesmo contra a vontade dos lideres distritais, regionais e nacional, pois tinham as bênçãos da Organização Mundial do Movimento Escoteiro e prometiam que nas próximas eleições Chefe Zé... Mané seria eleito presidente Mundial dos Escoteiros.

terça-feira, 18 de junho de 2019

A Árvore da Montanha. (Um tributo à canção símbolo dos escoteiros do Brasil)




A Árvore da Montanha.
(Um tributo à canção símbolo dos escoteiros do Brasil)

Prólogo: - Uma árvore. Especial, grande copada a reinar sozinha na montanha. Quando a viram pela primeira vez parecia que ela dava frutos, dizia em canções sua história desde que nasceu. A Árvore da Montanha se tornou inesquecível para os escoteiros. É... Na montanha tinha uma arvore... Oh! Que arvore! Bela árvore...

¶ A árvore da montanha
Ole-li aio...

                       Não se mede o tempo. O tempo não pode ser medido. O tempo existe para lembrar os tempos de outrora. Cada história tem seu tempo. Cada história tem seu passado. Contam que a patrulha Quati foi acampar na Chapada dos Lagos Negros. Uma estradinha de terra e a carretinha seguia gemendo com aquele barulho peculiar dos eixos das rodas. Nas retas bastavam dois para empurrar e nas subidas todos colaboravam. Moleque o intendente sabia do seu ofício. Ganhou do Seu Toledo do Posto de Gasolina um galão de graxa. Das boas. Durou anos. Todo mês lavava a carretinha e lubrificava. Fazia isto com um carinho enorme. A carretinha era como se fosse sua vida.

¶ Esta árvore tinha um galho O que galho, belo galho.
Ai, ai, ai que amor de galho. E o galho da árvore...

                     Os sete patrulheiros se divertiam com a jornada. Mais um acampamento para deixar saudades. Gostavam das surpresas quando acampavam na Chapada dos Lagos Negros. Sabiam que depois da Curva do Lobo Cinzento chegariam ao Sitio do Seu Modesto. Gente boa, grande amigo. Gostava dos escoteiros como se fossem seus filhos. Tinha dois, cresceram e mudaram para a capital. Dona Salete morrera há muitos anos e ele fazia de tudo para não decepcionar a escoteirada. Não o viram na varanda quando se aproximaram, mas viram a porteira, enorme imponente, há mais linda Porteira que tinha conhecido. Dava um ar clássico e acolhedor às paisagens do campo. Entre as duas sebes os mourões de madeira de lei se sobressaiam. Quem a fez era um artista. Ela era verde, uma verde oliva que se sobressaia na entrada do sitio. Ao chegar todos tiraram suas mochilas e sem avisar ao Seu Modesto encarapitavam em cima dela no primeiro vão entre uma taboa e outra. Um empurrava até o barranco, dava seu pulo certeiro e lá ia ela correndo ao vão do outro lado com aqueles sete Escoteiros sorrindo de felicidade.

¶ A arvore da montanha
Ole-li aio...

                      Os rangidos da porteira era uma melodia suave para a audição dos mateiros. Seu Modesto chegou à varanda e sorriu ao ver os escoteiros Querem almoçar? – Grato Seu Modesto, temos de partir, queremos chegar até às duas da tarde! E despedindo dele e da porteira partiram. Agora era o Morro da Saudade. Quase dois quilômetros de subida. Todos em volta da carretinha empurrando. Sabiam que logo após a Curva do Sol Poente ela estaria lá, imponente, a desafiar a natureza com sua arrogância da melhor de todas com uma altura e copa sem igual. A Castanheira se destacava sozinha naqueles pastos verdejantes. Única no seu estilo a desfilar pelas terras do seu Modesto. Magnifica em sua pose reinava sozinha. Hora de encher os cantis na nascente e molhar o rosto, tirar os sapatos e sentir a água fria nos pés. Uma delicia incomparável! Depois um descanso embaixo dela, descanso que muitas vezes ficávamos até o raiar do outro dia. A Castanheira nos fazia sonhar, uma Árvore na Montanha que chegava aos céus.

¶ Este galho tinha um broto Ó que broto, belo broto.
Ai, ai, ai que amor de broto. E o broto do galho E o galho da árvore.

          Das mochilas fizeram travesseiros para descansar embaixo daquele sombreiro maravilhoso. A Árvore da Montanha parecia sorrir. Desta vez não ficaram muito tempo. Hora de partir, podia chover ou escurecer e precisavam chegar. Partiram. Sempre olhando para trás como a dizer a Castanheira que não era mais que um até logo, não era mais que um breve adeus. A volta estava marcada. No topo da serra onde a Árvore da Montanha reinava avistaram a Chapada dos Lagos Negros. Dois lagos com um grande bosque em volta. Quantas vezes acamparam ali? Tantas que nem podiam imaginar. Nunca se esqueceram da Montanha onde tinha uma Árvore.

¶ A arvore da montanha
Ole-li aio (bis)...

        Sonhos não morrem, sonhos vividos são lembranças na mente que dificilmente esquecemos. Acampamentos? Amavam acampar... Cada um com historia marcada no livro da vida. Os campos que os recebiam, as selvas que se apaixonaram por eles, os vales que se deleitavam com suas presenças. Uma noite, duas um punhado. Sem novidades no Front. Na Chapada dos Lagos Negros era o epicentro dos acampamentos inesquecíveis. Um vento sul, brisas frescas, sem chuvas, lagos para se refrescarem em suas águas cristalinas. No penúltimo dia quando a noite chegou fizeram um fogo estrela no centro do campo de patrulha. Escoteiros sorrindo, uma conversa ao pé do fogo, canções indo e vindo e sempre a lembrar de sua majestade a Árvore da Montanha. Uma saudade enorme resolveram partir antes do dia marcado.

¶Este broto tinha uma folha. E esta folha tinha um ninho.
E este ninho tinha um ovo.

                   Um acampamento inesquecível. Anotado em mentes de jovens escoteiros. Agora era matar a saudade da Árvore da Montanha. Partiram à tardinha. Iram passar a noite com ela. Avistaram-na ao longe, pomposa, imponente como a dizer: – Sabia que viriam! Montaram rancho ao pé da árvore. Um jantar delicioso, um fogo quadrante sem fumaça para não machucar a Castanheira. A noite calma e estrelada chegou mansamente.  Nunca tiveram problemas... Sete Escoteiros sob a Árvore iriam tê-la por uma noite inesquecível. Acima dela às estrelas cintilantes como uma barraca zelavam pelos escoteiros. A Árvore da Montanha estava feliz. E ela junto aquelas sete almas nobres também dormiu. Era como se estivessem abraçados. Tornaram-se um só. Brancas nuvens no céu sorriram. A estrela Dalva apareceu como se fosse um anjo para olhar aqueles heróis e aquela Árvore centenária que abrigou para sempre todos os Escoteiros do Brasil. Da árvore do silêncio pende seu fruto, a paz.

¶ E este ovo tinha uma ave. E esta ave tinha uma pluma. E esta pluma tinha um índio.
¶ E este índio tinha um arco. E este arco tinha uma flecha. Esta flecha foi na árvore ó que árvore, bela árvore. ¶ Ai, ai, ai que amor de árvore.
E a árvore da montanha
Olé-li-aio (bis).

segunda-feira, 17 de junho de 2019

Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro. Dolce Amore Mio ou I love you scout.




Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Dolce Amore Mio ou I love you scout.

Prólogo: - Ainda não tinha escrito desta forma sobre o amor Escoteiro. Hoje eles e elas estão aí de mãos dadas, com a felicidade risonha, amores que nunca mais vão esquecer. É quem sabe irão dizer: Eu amo o escotismo e você!

              Ah! O amor! Ele aparece sem saber qual a flor do jardim vai escolher para desabrochar. É lindo! Quem ama fica diferente, esquece tudo do futuro do seu passado e passa a viver o presente. Quem diria que um dia iria ver tudo isto no meu amado escotismo? A juventude não tem fronteiras, não escolhe a hora nem o lugar para amar. Pensar que eu poderia amar uma Escoteira na trilha dos Morcegos? Na vertente do Rio Pardo? Na barraca suspensa presa em galhos altos na floresta do Roncador? Never! A gente amava sim, de longe, vendo pela janela, ela sorrindo jogando seus cabelos para um lado e outro e de olhos arregalados dizia: Amo você para sempre. Mas sempre tomando cuidado com o pai ou a mãe dela. Hoje? Hoje é tudo moderno. Tudo palatável, tudo vale na escala do tempo, que não deixa o vento levar os sonhos de um grande amor. É como o belo poema de Drumond: - O Escoteiro amava a Escoteira, que amava o sênior, que amava a guia, que sonhava com o pioneiro; que não amava ninguém.

                Vejo o mundo como vejo os ventos soprando nas histórias que passam sem a gente ver que passou. Tudo mudou. No campo não havia lugar para o amor. Havia lugar para o fogo amigo; para festejar com um amigo querido, para sorrir com ele quando chegava sua primeira classe, sua correia de mateiro, bater de frente para ver o sol nascente, era bom demais. Amor? Sim pelo escotismo. Coração servia para guardá-lo na mente, no abraço apertado, sorrir e fechar a chave o coração com o amor preso nas entranhas do seu ser. Mas quem disse que isto não acontece hoje? A meninada, a moçada ama sim o escotismo como a sí mesmo. Mas tem um lugarzinho para ele ou para ela. Afinal amar não é a maior das distâncias percorridas, capazes de manter o amor que originou uma nova alegria, uma sensação de bem estar de viver, de sonhar? Não é logico como dizia o celebre viajante das estrelas. Mas para eles tudo é logico, tem sentido, não tem como fugir, ir para o campo? Armar sua barraca? Sem ele ou ela não tem razão de ser.

                  Não sei onde me situar, não vivi esta experiência e nem sei até onde os resultados são compensatórios. Quem sabe isto já é real? Sem a gente perceber, lá estão eles de mãos dadas, quando podem um pequeno beijo, um abraço, um suspiro apaixonado. Mas e o escotismo? Calma chefinho, dizem eles, aqui fazemos tudo de mansinho, não precisamos correr. Sobejamente eu sei que nem todos estão assim a amar e ser amado, viver sonhando enamorado, pensando em um futuro feliz. Até antevejo eles no proximo milênio (muito?) vividos na trilha do tempo, amantes para sempre, filhos correndo atrás. Pai, mãe! Quando vou poder entrar? O pequerrucho nem quatro anos tem, mas sua foto com o lenço da Insígnia, com seu chapéu Escoteiro já correu as páginas das redes sociais, já estão no Facebook, em um tal de Instagram e tantos mais. Modernismo é assim. Já pensou ele apaixonado, correndo para todo lado com sua patrulha, no alto da montanha com sua bandeirola vermelha e branca triscando o infinito; manda mensagens através das nuvens distante para ela: - Pensei em te mandar um beijo... Mas achei pouco e resolvi mandar milhões deles! Te amo!

                       São coisas da nova época. Época que não é mais minha. Está na hora de encerrar minhas horas extras aqui na terra. Vem aí à homofobia, a aceitação de direitos. Afinal direitos são para todos. Eles merecem, eles tem que ter seu lugar ao sol e eu aplaudo. Bem vindos os novos irmãos Escoteiros. A UEB custou, mas reconheceu. Nota dez! Mas fico aqui pensando, no acampamento na caverna do urso, dois seniores de mãos dadas, um olhando para o outro, olhar lânguido dizendo: Te amo! E elas? Acharam um cantinho lá na trilha do destino, abraçadas vendo a vermelhidão amarelado do por sol a dizer: - Eu espero que a vida seja o suficiente para te mostrar o quanto te amo. A vida é assim renhida difícil, temos que vivenciar o novo mundo, a nova era. Afinal se você ama não faz a menor ideia de como eu sou feliz ao seu lado. E eu não tenho a menor ideia de como explicar. Eu te amo! Se sofro é por que amo você! Sofrer? Que isto? Não podemos sofrer por amor. Se o amor é lindo, temos a obrigação de ser feliz. Mas lembremos sempre, os sêniores de mãos dadas, as pioneiras abraçadas que BP já dizia: A verdadeira felicidade é fazer o seu amor feliz! Não foi assim? que seja.

                      Preciso bater o cartão do tempo. Minhas horas extras vão se exaurindo. Preciso ir para as estrelas. Estou a pensar BP escondido lá no céu, em uma estrela brilhante, sentado em um foguito amigo, em volta centenas de modernistas, valorosos politicamente corretos, dirigentes abstratos sem mostrar o seu recato, contando pataquadas do que fizeram. E ele BP de olhos fechados, tentando sorrir sem entender os novos chefes chegados, eles sorrindo por todo lado. Ele enruga a testa olha para uma estrela mais distante e fica a pensar: - Deus meu, saudades de Mafeking, dos meus amigos Ashantís, de Olave, da vida em Paxtu minha linda casa no Quênia, de Brownsea, saudades de Gilwell Park, agora isto? É difícil aguentar. Pois é, afinal sofrer faz parte até no além. Melhor não ficar ali, pois humildemente ele poderia dizer: - Santo Gral, onde amarrei minha égua?

domingo, 16 de junho de 2019

Lendas Escoteiras. O destino de uma vida.




Lendas Escoteiras.
O destino de uma vida.

Prólogo: - Apenas um homem, nada mais que isto. Diziam que não era simpático, não sei, mas sua história me marcou para sempre!

- Há muito tempo fui convidado por um Grupo Escoteiro de uma pequena cidade do interior de Minas Gerais para proferir uma palestra sobre os Valores do Escotismo. Um Grupo simples, efetivo excelente e uma amizade que não se encontra facilmente. Pela apresentação pelo uniforme e garbo, moças e rapazes sorridentes olhavam-me respeitosos e dentro de seus olhos sentia o verdadeiro “Espírito Escoteiro”. Durante a palestra, em um salão paroquial repleto, composto por pais, amigos simpatizantes e membros da sociedade política da cidade observei um chefe, que permaneceu encostado em uma parede, me olhando com olhos ávidos, prestava uma atenção canina, que fez com que me perdesse algumas vezes na continuidade da palestra.

- Era um chefe aparentando uns 50 anos, com um aspecto desagradável apesar de estar muito bem uniformizado com o caqui tradicional (um pouco velho, mas limpo e bem passado) um chapéu de abas largas bem posto, meiões dentro dos padrões e o lenço impecavelmente bem dobrado. Seu semblante deixava a desejar. Uma mancha no rosto e uma enorme cicatriz na face. Cabelos negros, lisos e compridos, contidos por um “rabo de cavalo” dava uma conotação estranha e extravagante. Tinha uma maneira de andar meio bizarra com os braços abertos, ombros curvados, mas seu sorriso era contagiante. Após a palestra, fui dar uma volta no pátio onde se realizava as reuniões, e vi ali um bom escotismo sendo praticado por uma alcateia mista, uma tropa masculina e uma feminina e uma tropa sênior mista composta de três patrulhas.

- O chefe em questão em pé observava o andamento das atividades sempre curvado, olhos fixos e esperando que alguém o chamasse. Estranhei que ele não participasse diretamente. O Chefe do Grupo vendo minha curiosidade explicou:- Apareceu aqui há uns quatro anos. Fica sempre afastado, pois sabe que sua fisionomia assusta os jovens e também os adultos. Já nos acostumamos a ele. Remo é o seu nome, o sobrenome ninguém sabia. O uniforme foi doado por um antigo chefe que mudou desta cidade e ele se entusiasmou tanto a vestir o uniforme que não impedimos. Vimos que era uma grande pessoa. Sua alegria apesar da aparência contagiava. Não o convidamos para assistente. Não fizemos sua promessa, havia uma duvida quanto a sua pessoa. Os pais não o viam com bons olhos. Acreditávamos que fosse analfabeto e você sabe a dúvida em colocar alguém assim em uma sessão é preocupante.

Ele é um dos primeiros a chegar à sede, faz a limpeza com esmero, e depois encosta no muro da sede a espera que peçamos alguma coisa. Prestativo no inicio das reuniões está pronto a colaborar com a chefia, buscando materiais, limpando o pátio antes e depois das reuniões. Muitas vezes quando venho à noite à sede, o encontro sentado no meio fio me esperando. Entra e enquanto faço minhas obrigações ele fica a ver figuras na pequena biblioteca do Grupo Escoteiro. Sempre empresto algum livro Escoteiro para ele levar para casa. Ele sorri e me agradece. Enfim, nos acostumamos com ele, como se acostuma com um... Ele ia dizer cão amigo, mas preferiu se calar. Acho que não era sua intenção desmerecê-lo. O pouco que sabemos é que trabalha no moinho do português (muito conhecido na cidade) e mora em um pequeno quarto alugado num bairro afastado.

- Achei interessante, para mim inusitado. Os anos passaram e de novo voltei ao Grupo a convite. Após os comprimentos e papos agradáveis dei falta do Chefe Remo. Seu lugar onde ficava encostado à parede estava vazio. Vi com espanto lágrimas nos olhos dos chefes e a tristeza nos demais quando perguntei a respeito. - Ele desapareceu e não voltou mais. Sentimos uma grande falta. Não tínhamos mais aquele que limpava que ficava a nossa disposição como um servo sem salário, nunca reclamava, e pronto a ajudar. Chegamos à conclusão que não demos o valor necessário ao um grande homem, a um grande Escoteiro que foi sem nunca ter sido.

A falta que ele fez foi enorme. Nunca nos pediu nada, nem nada exigiu. Os jovens sentiram seu afastamento. Aos poucos tinha conquistado o coração de todos. Esperamos duas semanas e fomos ao moinho onde ele trabalhava. O português nos informou que ele desapareceu do trabalho. Seu Manuel dono do moinho foi com a policia ao quarto dele e nada encontrou. Convidou-nos a ir até lá para vermos como era. Meu amigo foi uma punhalada no coração, pois o quarto era uma linda sede escoteira, com um quadro enorme de BP pintado por ele, um quadro de nós, de sinais, bandeirolas de semáforas penduradas na parede, uma colcha bordada com flor de Liz jazia em sua cama e uma linda Bíblia aberta na pagina onde se lia o salmo jazia acima de uma pequena cômoda. Ficamos chocados com tudo. Nunca esperávamos isto.

 Seu quarto era limpo e bem arrumado. Não havia cartas, papeis nada que pudesse identificar de onde era. Meses depois ficamos sabendo que ele tinha sido atropelado em uma cidade próxima e falecido. O enterraram como indigente. Ele estava com o cinto escoteiro e um dos investigadores resolveu fazer uma consulta à direção escoteira do estado. Em vão. Ele não tinha registro. Alguém sugeriu consultar o Grupo Escoteiro mais próximo. Passaram-se vários meses. Um pai que sempre ia aquela cidade amigo de um policial ficou sabendo do que aconteceu ao Chefe Remo. Um choque para todos nós. Alugamos dois ônibus e em um domingo fomos todos do grupo até a cidade onde havia sido sepultado.

Em volta de sua campa simples fizemos uma oração, a cadeia da fraternidade, todos chorando, engasgados dizendo com dificuldade que não era mais que um até logo, e que um dia tornaríamos a nos ver. Ali, com os olhos marejados de lágrimas, vimos um beija flor verde azulado, sozinho, batendo asas em volta do seu tumulo, e enquanto permanecemos lá ele também ficou, sem pousar, sem cansar. Não digo que seria um sinal, nada disto, eu mesmo não acredito. Sou céptico com essas coisas. Ao retornar me senti culpado por não ter dado a ele o que merecia. Ele fez por merecer. Nem mesmo sua promessa fizemos. Voltamos silenciosos. Não havia canções, só as lembranças e a tristeza no íntimo de cada um. Agora sabíamos que tínhamos conhecido um grande escoteiro, um grande chefe, mas só demos o valor quando ele se foi. Não houve medalhas, não houve certificados de gratidão. Nem um abraço um aperto de mão e um simples agradecimento verbal. Só mesmo a lembrança ficou. Saudosa, dolorida e que nunca mais vai ser esquecida por nós.

- Lembrei-me do que disse Jesus: Há muitas moradas na casa de meu pai. Não teve aqui na terra o que merecia, mas lá em cima todos devem reconhecer seu trabalho sem recompensas. Voltei para casa meditando. Era um Escotista cumpridor de seus deveres. Não almejava nada. Fazia seu trabalho sem esperar elogios. Era o lixeiro, o carregador, o apanhador de sonhos. Vi então que a Lei do Escoteiro também é a lei do Chefe Escoteiro. Nunca mais voltei lá. Não porque não quis, não houve oportunidade. Mas o chefe Remo ficou marcado para sempre em minha memória.

sábado, 15 de junho de 2019

Lendas Escoteiras. A lenda do pudim de coco de Gaituba.




Lendas Escoteiras.
A lenda do pudim de coco de Gaituba.

Prólogo: - Sábado dorminhoco, pensativo pensei em escrever. Lembrei-me do pudim de Gaituba, quando fomos a Mantena e nunca chegamos lá. Mas valeu a ideia a aventura na terra da mica, diziam de bandidos, hoje dizem ser uma bela cidadezinha encravada no Vale do Rio Doce princesa do Vale que nunca conheci.

- Não me lembro de quem foi à ideia. Só lembro-me das subidas íngremes das trilhas cheias de pedras e descidas imaginarias para correrias sem saber onde ia dar. Época de aventuras, seniorismo na veia, chefes esquecidos e meninos homens a correr por estradas deste mundo de meu Deus. Não houve preparativos, não precisava. Cada um sabia o que levar e preparar. Quantos dias? Saindo em uma sexta a noite domingo estaríamos de volta. Tãozinho disse que tinha 27 mil habitantes e que um grupo escoteiro havia surgido no lugar. Sabia da cidade, não sabia seu significado. Hoje olhando no Google ele diz: - O nome Mantena é de origem indígena e quer dizer: “Terra boa”, “Solo fértil”. Menos de 200 quilômetros naquela época como me disse Agenor da Padaria São Leopoldo.

- Partimos ás seis da tarde, disse Roseta o intendente que haveria lua cheia prá dar e vender. Carlinho Sucupira havia instalado em sua biscicleta um farol movido ao um dínamo preso no pneu trazeiro. Era novidade. A história dos dínamos nas bicicletas é antiga, em 1888 apareceram às primeiras lâmpadas para faróis de bicicletas alimentadas por um pequeno dínamo. A iluminação iniciava quando a roda começava a girar e aumentando a intensidade no embalo a luz aumenta. Chico Malta disse que estava duro, eu tinha dois réis e mais nada. Lá na mochila presa no quadro da bicicleta havia dois gomos de linguiça que mamãe fez e 150 gramas de arroz. Um pouco de gordura de capado e cinco pitadas de sal. Levei um vidrinho de açúcar e um pouco de pó que papai havia moído na véspera. Os outros levavam iguarias não tão diferentes da minha. Caldeirão, frigideira, alça de pano, coador um facão e duas cordinhas estavam distribuídos pelos demais nos seus cavalos de aço.

- Nada mais nada menos que uma oração antes de partir. Tiramos o chapéu e em pé ao lado da bicicleta pedimos a Deus pela caminhada. Iriamos passar por locais nunca antes navegados. Não havia planos de prancheta, não havia Croquis e nem mesmo um pequeno Percurso de Gilwell para sabermos onde estávamos nos metendo. Sabiamos que era uma região de exploração da Mica, um material para confecção de capacitores, placas de circuitos eletrônicos para computadores muito usados como isolante para equipamentos de alta-voltagens. A exportação na época era muito explorada nos municípios ao redor de Governador Valadares minha cidade onde nasci escoteiro. Pastoril ficou para trás, a estrada terra pura não ajudava. Meia noite e paramos para descansar. Gabiroba roncava. Toninho Molejo também. Acordamos com a aurora despontando. E a estrada? Onde foi parar? Devemos ter tomado rumo diferente. Uma trilha uma pequena estradinha despontava.

- Um café feito no ponto por Chico Malta e pé na estrada. Meio dia... O sol a pino. Calor demais. Chapéu atolado na cuca o suor escorrendo paramos para descansar. E Mantena? Cruzamos com dois estradeiros cara fechada e mal responderam: - É para lá! – Lá aonde? Onde não sabíamos, mas partimos na direção indicada. Escureceu. Hora de uma refeição. Um tropeiro, caldeirão empinado, uma linguiça frita um arroz na moita e a pança encheu. Dormimos ao luar. Domingo era o ultimo dia e nem chegamos à cidade da terra boa. Conselho de Patrulha. E agora? Prá frente ou retornar? Impossível, segunda escola trabalho e altas horas de namoro com Josefa, Estefânia e Rosalva que namorada os seniores e além mais. A comida não dava, a fome apertava. O domingo se foi à noite chegou. Papai Mamãe sabiam de nossas aventuras e acreditavam que íamos voltar. Dormimos. Segunda brava, retorno. Para onde? Várias trilhas daqui e dali e qual escolher? A Silva amiga de guerra não ajudava sem um rumo norte a dizer é por aqui.

Duas da tarde de segunda feira. Mantena era tão difícil assim? Houve época que o Capitão Macedo e sua turma da captura tinham medo de entrar lá. Bandido prá todo lado. Hoje dizem apaziguado cidadezinha linda cheia e coqueiro praças verdes, moçoilas lindas esperando seu príncipe encantado. Avistamos um povoado. Gaituba. Nada mais nada menos que pequenas choupanas feito de pau a pique, barro no pedaço, gente simples e humildes ferramenteiras de enxada a trabalhar para algum dono de cafezal que infestava o lugar. Um buteco. Pequeno, meio sujo, na porta duas taboas serviam de banco para sentar. Lá dentro um balcão. Vazio, em cima dele um pedaço de pudim... Que pudim! De coco? De que? Não importava. A Patrulha ainda sentada nos bancos bicicleteiros não tiravam os olhos da bela iguaria. Desci. Quanto? Cinco réis, disse o butequeiro. Caro, só tinha dois réis.

- Moço! Eu disse, só tem um, não dá para me vender por dois réis? Ele coçou a nuca, unha grande suja, mãos cheias de calos, olhar perdido barba por fazer. – Tá bom! Ele disse. Gabiroba saltou de banda, abriu seu canivete suíço e cortou em seis pedaços. Pequenos, mas dava para tapar um buraco no dente. Coloquei meu pedaço na boca. Deixei-o derreter na língua. Um pedacinho ficou preso no céu da boca. Não mexi um tantinho sequer. Ele caiu e prestativamente minha língua engoliu. A galope pelas trilhas errantes antes do escurecer chegamos ao limite de Crenaque. Daí era menos de duas horas para nossa linda cidade. Cheguei a casa as duas da manhã de terça feira. Prova de matemática já era. Padre Pedro haveria de falar. A noite de quarta nos reunimos na Praça Serra Lima. Tristonhos. Não era costume não cumprir o determinado. Vamos voltar? Perguntou Carlinho Sucupira. Tãozinho o sênior mais velho pensou e pensou. Melhor esperar quem sabe um dia?

Nunca fui a Mantena. Hoje sei que uma rodovia liga Valadares até esta bela cidade. Hora e meia sem correr. Mas nossas aventuras ciclísticas nunca deixaram de acontecer. Bom mesmo foi em Resplendor, e em Aimorés onde Chiquinho Fortunado Monitor da Patrulha Águia nos convidou a sua casa e comemos um lindo e delicioso pudim de amora. Falei prá mamãe e ela sorriu. Um dia vou fazer um aqui para você. Eita tempos de corredeiras, estripulias, de andadeiras por estradas sem chão, sem mistério a voar nas descidas dos pedaços de trechos desconhecidos sem saber o que encontrar.

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....