sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Lendas Escoteiras. João de Deus.



Lendas Escoteiras.
João de Deus.

Nota - Escrevi este conto ouvindo “Noturno” com a orquestra de Carlos Slivskin. Sou emocionalmente chorão. Escrever uma historia e chorar com ela não dá para entender. Quando escrevi estava ouvindo “Noturno”. Meus olhos se encheram de lágrimas. Já publiquei e porque não postar de novo?

                  Dois dentes grandes o faziam parecer um coelho quando sorria. Afável, gostava de um sorriso. Moreno cabelo cortados com máquina zero. Fazia parte do lugar onde estava. Magro e pequeno para sua idade de doze anos. Poderia ser Lobinho que ninguém viria à diferença. Filho de Dona Maria Noêmia, mulher boemia que passava as noites onde ninguém podia contar. Dificilmente ia visitar seu filho. Seu pai fugiu um dia e nunca mais voltou. Ele sentia falta. Queria um pai. Olhava para Miro como se fosse seu pai. O escotismo lhe deu outra vida outro motivo para voltar a viver. Esteva internado havia dois anos. Suspeitavam de um câncer. O tratamento de quimioterapia nem sempre ajudava. Tossia, sentia dores tremendas no peito, gritava de dor e os médicos sem nada poder fazer a não ser aplicar morfina. Nunca esqueceu aquele dia que Miro entrou na enfermaria. Na mão segurava um bastão com um totem do Tico-Tico. – Gritou alto! – Quem quer ser de minha patrulha? João nem pestanejou. Gemendo de dor se levantou. – Eu quero! – Disse.

                 Todo sábado pela manhã Miro chegava, sempre só, sempre falando alto: - Patrulha em forma! João se levantava com dores horríveis, mas formava com mais três. Leonel, Pedro e Josias. Josias morreu dois meses depois, Pedro ficou mais tempo na enfermaria até o dia que saiu para operar e nunca mais voltou. Leonel morreu sorrindo no dia que a patrulha ouvia a historia de Caio Vianna Martins que Miro contava com emoção. Todos ouvindo atentamente. Ninguem viu Leonel escorregando da cama e caindo ao chão. Chamaram as enfermeiras que o levaram. Também nunca mais voltou. A patrulha teve mais dois patrulheiros novos na enfermaria que aceitaram entrar. João contava nos dedos o dia de reunião. Aguardava ansioso. Miro um dia narrou fazendo gestos como eram os acampamentos Escoteiros. As barracas, a mesa, as poltronas de madeira a cozinha e o fogão de barro. João sorria um sorriso de um jovem que sonhava em ser sem saber que nunca poderia ser um deles.

                  Ele imaginou como seria a barraca, sorria pensando que estava dormindo em uma delas, como seria a mesa que chamavam de pioneiria. Imaginou o fogão aceso, as brasas, a panela fazendo arroz e a frigideira fritando ovo. Sonhava com o fogo de conselho. Era lindo pensava. Um dia Miro não foi. João de Deus sentiu tanta falta que chorou baixinho por muito tempo. Miro era seu bastão, seu sonho que nunca se tornaria realidade. Dois sábados seguinte Pablo chegou. Era o Sub. Monitor. Explicou que Miro foi operar na cidade grande. Queria despedir, mas o Doutor do Hospital disse que não. Seria muito triste sua despedida e não iria fazer bem para ninguém. Pablo era diferente. Pequeno, olhos negros enormes. Mas era um Escoteiro legal. Logo fez amizade com todos. Disse que a patrulha Tico-Tico não iria acabar. Ele estava ali para levantar o bastão e darem o grito. João de Deus sentiu saudades de Miro, mas voltou a sorrir o que não fazia há muito tempo.

                    Pablo ensinou a Canção da Despedida. João gostou, mas achou muito triste. Preferiu o Cuco, a árvore da montanha e adorava o Avançam as patrulhas. Pablo trouxe xerocado uma foto de patrulhas correndo pelas campinas, com a bandeira do Brasil. Era do caderno Avante. Lindo de morrer. João não tirava os olhos. O tempo todo ali olhando até desligarem as luzes. Fechava os olhos e seu corpo era transportado para os montes, para as montanhas, para as campinas e junto com seus companheiros eles cantavam o Rataplã. Seu sonho era fazer a promessa, pois sabia a Lei de cor e salteado. Um sábado também Pablo não apareceu. Ninguem explicou por que. Quem sabe a enfermaria só com ele presente a patrulha não podia se reunir. Juca, Moisés, Nonato também partiram para as estrelas conforme Dona Matilde a enfermeira explicava a morte dos jovens enfermos.

                    Mas ele queria continuar Escoteiro. Sabia que mesmo com um ele podia ser. Foi Miro antes de ir embora quem disse que onde houver um Escoteiro tem uma Tropa. Ele não sabia o que era Tropa, mas sabia que podia continuar amando sua patrulha e o escotismo. Um sábado bem tarde apareceu um Escoteiro bem mais velho. Já com seus dezesseis anos. Procurou João de Deus. Disse para ele que se chamava Rael. Não podia ficar ali, pois o Diretor do Hospital proibiu. Achavam que a patrulha estava prejudicando muitos os meninos doentes e eles no último momento sempre pediam para dar o ultimo grito de patrulha. Era impossível. Isto não ajuda contou Leo o Sênior. – João, estou aqui a pedido de patrulha Tico-Tico. Ela está na porta do hospital. Não deixaram eles entrarem. Só eu e me pediram para sair logo. Mandaram entregar para você o Livro do Fundador do Escotismo. Baden-Powell O Escotismo Para Rapazes. Eu mesmo comprei outro para presenteá-lo. O Caminho para o sucesso também de B-P.

                    Leo partiu e João de Deus começou a ler os livros que fizeram dele um Escoteiro diferente. Agora conhecia tudo porque ele deveria ter sido um. Deveria ter acampado, deveria ter conhecido trilhas e montes, deveria ter subido nos mais altos picos, deveria ter acampado nas mais lindas florestas do Brasil. Seu sonho era sentar em volta de um fogo, bater palmas, cantar sorrir e representar uma bela esquete.  Quase não jantou naquele dia. Quando a luz apagou ele chorou. Não queria parar de ler. Nunca na vida se sentiu assim. Fechou os olhos devagar. Suas lagrimas caiam sobre a cama. Sentiu uma luz azulada entrar no quarto. Viu um velhinho sorrindo para ele. Parou ao pé da sua cama. Falou pausadamente o lema Escoteiro – Sempre Alerta João de Deus. Quer ir comigo para o Grande Acampamento do céu? João de Deus parou de chorar. Olhou para um lado e outro e viu centenas de patrulhas formadas. Havia uma, um jovem sorrindo chegou até ele: - João vim buscar você. Era Miro. A Patrulha Tico-Tico não é a mesma desde que você foi morar na terra!

                      Na vida real ninguém viu uma enorme nuvem brilhante e alva sobre o Hospital. Uma linda estrela esperava o menino João de Deus. O Doutor Tavares sentiu um calafrio. Correu até a enfermaria e viu João de Deus de olhos fechados e sorrindo. Viu que ele estava morto. Ninguem viu seu último suspiro, mas o Doutor Tavares sorriu pensando que João de Deus morreu feliz. Na porta do hospital uma multidão de escoteiros de mãos entrelaçadas cantava uma canção estranha para ele. Diziam que não era mais que um até logo, não mais que um breve adeus. Completavam dizendo que breve muito breve todos iriam se encontrar nos braços do Senhor. 

Quem sabe a história mais linda que escrevi. Se você ler toda ela vai me dizer por quê. Difícil não se emocionar. As coisas são assim, a beleza da vida não está só na realidade, ela está também nos sonhos realizados ou não. Existe sempre um final feliz, seja aqui ou do outro lado da vida.

terça-feira, 28 de agosto de 2018

Lendas Escoteiras. A lenda da abelha dourada. (uma história para lobinhos)



Lendas Escoteiras.
A lenda da abelha dourada.
(uma história para lobinhos)

Nota - O abutre Chill conduz a noite incerta e que o morcego Mang ora liberta - É esta a hora em que adormece o gado, Pelo aprisco fechado. É esta a hora do orgulho e da força Unha ferina, aguda garra. Ouve-se o grito: Boa caça aquele “Que a Lei da Jângal se agarra”. Canto noturno da Jângal.

                   A tarde se fora e noite chegou mansamente. Os lobos e lobas saborearam com uma linda sopa feita pela Dona Judite, mãe da Marcileia. Balu e Bagheera levaram a lobada para escovar os dentes e se preparar para a noite. Todos arrumaram seus sacos de dormir e os que não possuíam um colchonete. Na noite anterior custaram para dormir. Muitos conversando e rindo. Sinal de primeiro dia e era sempre assim. Um jogo noturno no campinho de futebol e todos cansados se recolheram. 

                   O Balu estava lá com eles enquanto se preparavam pra dormir. – Se não fizerem barulho prometo contar uma história, ele disse. Um silêncio reinante. Lá fora na lagoa sapos coachando, na janela vagalumes tentavam entrar para mostrar ao lampião quem tinha mais luz. Uma luz se destacava na janela, devia ser o primeiro clarão da lua cheia. Balu era alto e forte. Tinha uma voz de tenor e todos o amavam muito. – Vamos Balu, conta! Você prometeu! – Balu olhou de canto a canto e fechando os olhos começou:

                  Uma vez, a muitos e muitos anos atrás um "Velho" feiticeiro chamou uma borboleta cinzenta, feia, sem graça e disse a ela que ele era seu pai. A borboleta riu. Você não é meu pai. Não pode, já tenho um pai que me dá de comer e beber. O feiticeiro com raiva disse a borboleta: - Se você não acredita vou transformar você em um bichinho que voa e todos vão chamá-la de Abelha dourada.  Terás que ir pelo bosque, de árvore em árvore a procura do néctar da vida para sobreviver.                 Você vai ter asas, mas suas pernas serão três pares de patas. Com elas vai limpar suas antenas, sim, isso mesmo, você vai ter antenas, e pode apoiar e mover para pegar o pólen. Sua língua vai se mover como um canal formado pelas maxilas e vai terminara em um tufo de pelos. Isto para você absorver o néctar da flor. Vou colocar em você uma mandíbula e um maxilar. Eles vão servir para você amassar as escamas de cera e expelir do abdômen. Vai servir também para varrer a colmeia e mutilar seus inimigos.

                Ah! Não esqueça, vou colocar em você uma linda antena, pois elas serão o seu olfato e o tato. Você vai ser muito sensível com elas.  Com elas poderá andar na escuridão da noite, e até construir favos bem feitos. E para terminar vou dar a você um ferrão. Nele você poderá injetar o caule no corpo do seu inimigo. Cuidado, pois ao fazer isso ficará sem ele, pois estará cravado no corpo do seu inimigo. Você não terá pai e sim uma rainha. Vai ser uma rainha má que vai exigir tudo de você. Sua vida será sempre fazer o mel e você não vai poder saborear. A borboleta cinza não chorou. Até gostou de viver, mesmo gostando de um zangão cujo amor por ele nunca pode se realizar, ela viveu feliz por muitos e muitos anos.

               - Ninguém dormia. Todos pensando na Borboleta que agora era uma Abelha Dourada. – Balu! Gritou um lobo, e ela gostou de ser uma Abelha Dourada? – Não sei lobinho, muitas vezes queremos ser o que não podemos ser. Devemos alegrar o que somos e o que Deus nos deu. A vida tem caminhos que não escolhemos e ela a borboleta aceitou sua nova vida como uma abelha dourada. – Mas Balu! E se ela gostava mais de ser uma borboleta cinzenta? – Balu pensou, coçou levemente sua cabeça e fechou os olhos pensando em uma resposta. – Sabe Lobinha, um poeta dizia que ele ouvia o passar do vento, e só de ouvir o vento passar valia a pena ter nascido para ser o que a vida lhe reservou. Tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Não é a aparência que nos faz feliz. A felicidade está em nosso coração e não em nosso corpo.

           - E continuou – Tenho certeza que a Borboleta se sentiu feliz em ser uma Abelha Dourada. Ela sabia seu destino e mesmo se não soubesse ela sabia que sua vida era assim. Quem sabe ela pensou que vale a pena viver, nem que seja para dizer que não vale a pena... Os olhinhos se fecharam. Os sonhos de todos agora era um só. Sonhavam em ser amigos da abelhinha dourada e voar no jardim da primavera. Ah! Doce primavera. Quem falou nela sem ter visto seu sorriso, falou sem saber o que era... E a paz reinou no Monte Seoni, onde habitavam os lobos da Alcateia Cinzenta. Ouviam ao longe o ribombar do Rio Waigunga que corria perto dali, e todos naquele sonho inesquecível se transformaram em uma abelha dourada correndo para dormir na Rocha da Paz.

sábado, 25 de agosto de 2018

“Vania”



“Vania”
Nota - Não existe grandeza onde não há simplicidade, bondade, e verdade.

                      - Mamãe! Eu posso ser Lobinha? Vania sorriu. Precisava se informar. A internet tinha tudo que precisava. Parecia um bom lugar para sua filha se enturmar, pois era muito sozinha. Depois do divórcio Tomaz foi para a Europa. Trabalhava e criava a filha, pois ela era o que tinha de mais importante em sua vida. Viu que havia uma unidade escoteira bem próxima ao seu bairro. Era de Classe Media Alta. Melhor assim, pois sempre deu o melhor para sua filha. Viu que os lobinhos viviam na mística do livro da Selva de Rudyar Kliping. Conhecia seu poema famoso: - “Se és capaz de manter tua calma, quando, todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa, de crer em ti quando estão todos duvidando, e para esses, no entanto, achar uma desculpa”. Amava este poema. Se ele escreveu o livro que originou os lobos ela deu seu voto de confiança. Ligou para eles. – Quinze horas de sábado senhora e poderemos atendê-la. Chegou no horário. No portão um segurança. Bom isto. Tinham responsabilidade com as crianças.

                       - Um jovem rapaz a atendeu. Era o Profissional do Grupo Escoteiro. Explicou tudo, mensalidade, taxas e normas. Explicou dos acantonamentos, dos passeios e finalmente deu um belo sorriso dizendo: - Temos uma vaga na Alcatéia três. – Temos uma cantina. Inicialmente pode comprar a camiseta e o boné. Mais tarde daremos o telefone e o site da cantina nacional. Lá poderá comprar a vestimenta dos lobos. – E o pagamento? – Ele sorriu novamente. Por cartão de crédito ou depósito em conta. Não trabalhamos com boletos ou pagamentos na sede. Entregou a ela um pequeno manual sobre os direitos e deveres dos pais. No primeiro dia sua filha sorria, adorava, ela ficou junto a outras mães e pais em área própria. Não podia aproximar para não atrapalhar. Na terceira reunião se ambientou mais. Não gostou das fofocas. As mães contando sobre os namoros dos chefes, dos lobinhos filhos dos chefes, do Chefe mais bonito, e até coisas íntimas que ela não tinha costume em discutir com estranhos.
 
                         Resolveu tirar sua filha de lá. Teve que pagar uma pequena multa. Encontrou outra unidade escoteira mais próxima de sua casa. Dava para ir a pé. Grupo pequeno, quatro ou cinco chefes. Deram-lhe um belo sorriso. Todos fizeram questão de se apresentar. – E as mensalidades e taxas? – Falaremos disto depois. Temos um mínimo e um máximo. A Senhora vai escolher qual faixa entrar. – E o pagamento? – Aqui mesmo. No dia que escolher! - No final da reunião do primeiro dia uma jovem Chefe alegre e simpática lhe fez um convite: - Hoje é sábado e sempre nos reunimos em casa de alguém para conversar, dançar, trocar ideias e falar infelizmente sobre escotismo. E deu uma bela gargalhada. Aceita participar conosco? – Porque não? Iria para casa e ficar por conta de sua filha. Vania encantou com tudo. Encontrou no novo ambiente e nos amigos que fez uma sinceridade real. Quem sabe um dia seria um deles também?

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Lendas Escoteiras. A sombra do medo.



Lendas Escoteiras.
A sombra do medo.

Nota - Sem paz, sem amor, sem teto, caminho pela vida afora. Tudo aquilo em que ponho afeto fica mais rico e me devora. Onde me aninharei amanhã? Pois hoje não tenho nada nem um teto para morar... Um conto, uma história que mostra que os “lobitos” têm a mente pura e o coração de ouro. Vocês são meus convidados.
                    Ninguém viu quando ele chegou. Sorrateiramente se arranchou na porta do Cemitério do Corcunda. Juntou uns galhos de árvores, conseguiu umas caixas de papelão e construiu seu lar. Lar? Dizem que cada um tem o que merece. Os passantes pela manhã estranharam. – Quem era? De onde veio? O delegado foi chamado. Foi arrastado por dois praças até a delegacia. Não ficou lá muito tempo. Fedia, um mau cheiro de espantar até os dragões da independência. Santo Ângelo sem perceber adotou um sem teto. Nunca tiveram um. Durante o dia ele se escondia na sua morada infernal. Ninguém teve dó quando chovia, quando o frio apertava. Só dona Joana que levava comida e água para ele alguns dias na semana. Deixava na porta de seu barraco de folhas de papelão e no dia seguinte as vasilhas estavam lá vazias e limpas. Não era uma figura boa de se ver. Barbudo, Cabelo desgrenhado a roupa imunda, unhas grandes, dentes cariados lhe davam um aspecto aterrador. O prefeito foi informado, Doutor Rosaldo o Juiz também. Nem o Padre Tomaz foi lá para ajudar.

                    O chamaram-no de tudo. Filho do Diabo, Capeta sem mãe, Lúcifer da meia noite. Mas ficou conhecido mesmo como Satanás. Porque isto se ele nunca fez mal a ninguém? E quem se importava com ele? Deixe que Satanás more aí desde que não prejudique a cidade e não se ache dono do lugar. Muitas vezes o avistaram a noite, zanzando pelo cemitério. – As comadres diziam que ele era o Chefe da capetada. Por isto deviam manter distância. O Padre Tomaz procurou Dona Joana para aconselhar. – Se continuar alimentando é como alimentar o diabo. O demônio sempre se fingiu de boa praça.  Fique longe, quem sabe vai embora e vai nos deixar em paz? Dona Joana ria, no seu coração iluminado sabia que ele não foi e nunca seria um filho das trevas. Era uma pobre alma de Deus e ela sempre o ajudaria. Pequenos furtos começaram a acontecer. – Foi ele! Disseram. Foi Satanás! Antes de ele chegar isto nunca aconteceu! O delegado relutou em prender. O homem era podre, fedia mais que privada de boteco de beira de estrada.

                     Pegaram Tomaldino com a boca na botija. Ele não precisava disto. Preso confessou que queria que todos pensassem que o culpado era Satanás. A cidade não se perdoou. Queria ele longe e ninguém fazia nada. Juntaram uma turma valente e a noite bem tarde com ele passeando no cemitério botaram fogo na sua morada. Ele veio correndo e não pode fazer nada. – Alguém teve pena dele – Vejam! Ele chora, seus olhos estão cheios de lágrimas! Dó? Ninguém tinha dó. Pedras choveram e ele correu para dentro do cemitério onde depois da meia noite ninguém se arriscava a entrar. No dia seguinte ele estava no mesmo lugar. Agora sem casa, sem nada e um frio de lascar. Ele se enroscava nas suas roupas sebentas e Dona Joana levou para ele um enorme cobertor azul e branco onde ele se enroscou. Olhou para ela agradecido e fez uma mesura que só homens educados faziam. Ninguem tem pena, ninguém ajudou ninguém se mostrou benemérito, mas esqueceram de Conchita, a menininha Lobinha, filha de Dona Lavínia.

                       Foi no sábado que ela puxada pela mão por sua mãe viu Satanás sentado à beira do muro, levantou a mão como um pedinte, falou baixinho para ela: - Me dê um tostão! Para mim comprar um pão! – Só um! Minha fome está demais. Conchita tinha dois reais, deu a ele se soltando da mão de sua mãe. Ela assustada correu a pegar Conchita e correu com ela do lugar onde morava Satanás. Não adiantou. Toda vez que Conchita sumia ela sabia que estava lá, na casa de Satanás. Pediu ao Padre Tomás que a ajudasse, falou com delegado com o prefeito e o juiz. Ninguém queria se meter. - O homem fede demais dona Lavínia. A cadeia vai explodir se eu o colocar aqui. Uma amizade impossível nasceu. Satanás e Conchita. Não adiantava prender e ela fugia pela janela, pela porta por qualquer lugar. Levava comida, levava amor, levava amizade a alguém que ela teve não piedade, pois achava que encontrou um irmão.

                 Dona Joana tomou uma decisão, a Satanás deu a mão e o levou para seu lar. A cidade veio abaixo. Impossível! O que ela acha que está fazendo? O tempo passa não para. O ontem se foi e o hoje chegou sem avisar. Os amigos de Conchita, da Matilha Rosa bonita, visitavam todo sábado o lar de Dona Joana. Satanás tomou banho, fez a barba se transformou. Ninguem diria que era aquele da beira do cemitério, que fedia a mais não poder, que visitava amigos depois da meia noite nas catacumbas do Corcunda. Daniela moça formosa estranhou. Na biblioteca um jovem lindo, que não era da cidade. Por ele se assanhou e quando soube que tinha sido Satanás dali se mandou. A fama de Satanás se espalhou. A matilha Rosa Bonita deu ao Chefe um ultimato. Aceite ele aqui, se não vamos embora e nunca mais voltaremos. Chefe Coqueiro sorriu. Conversou com Satanás. – Meu jovem conquistou corações dos lobinhos quem sabe conquista o meu? Tente lembrar o seu nome, faça uma forcinha pequena, Satanás não é seu nome deve ser outro qualquer.

                 Marco Rocco as suas ordens, da cidade de Bom Despacho. Perdi a memoria e nem lembrava, quem sabe depois que ela foi embora, Maria Flor de Maio, minha noiva do lugar. Eu estava apaixonado e queria com ela me casar. Chorei noites seguidas, tentei até confessar e não adiantou. Vi-me perdido no mundo, sai com a roupa do corpo sem destino sem onde parar. Agora me lembro de tudo. Era professor do lugar, dizem que era poeta, que cantava canções de amor. A amizade tão bonita, destas meninas formosas me trouxeram novo alento. Aceita minha colaboração? Quem sabe posso ajudar? Faço a limpeza de tudo, e saindo daqui pretendo me empregar. A história aconteceu. Marco Rocco não era mais um demônio, um satanás. Era um professor e assim começou a lecionar. A cidade se apaixonou por ele, o Grupo Escoteiro fez dele um irmão de sangue, hoje é Chefe de uma sessão.

                     Os lobos o adotaram, Dona Joana sorria, ele morava com ela, ajudava em tudo com seus parcos recebimentos. Tornou-se famoso professor, as moçoilas o procuravam para cantar prosas, versos bonitos e quem sabe ele um dia teria sua família e iria viver feliz para sempre? Como disse Clarice Lispector: - "Não sei perder minha vida" Não sei qual a minha culpa, mas peço perdão. A luz do farol revelou-os tão rapidamente que não puderam ver. Peço perdão por não ser uma "estrela" ou o "mar" ou por não ser alegre, mas coisa que se dá. Peço perdão por não saber me dá nem a mim mesmo, para me dar desse modo a minha vida se fosse preciso, mas, peço de novo perdão não sei perder minha vida.

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Lendas Escoteiras. O céu mandou alguém.



Lendas Escoteiras.
O céu mandou alguém.

Nota - Chega um tempo na vida que a gente aprende que ninguém nos decepciona, nós que colocamos expectativa demais sobre as pessoas. Cada um é o que é e oferece aquilo que tem para oferecer. Querido passado, obrigado por tudo que me ensinou... Querido futuro, pode vir!

              Rosa não tirava por um segundo seu olhar para o Canteiro de Flores. Foi ela quem plantou que regou e quem tinha o privilegio de sentir o perfume que elas exalavam. Eram Rosas, Begônias, Gardênias, Jasmim e Camélias. Cada uma mais linda que a outra. Se não fosse Geraldo ela não teria conseguido. Foi ele quem trouxe as sementes e a terra. – Onde ele está? Havia dois meses que não a visitava. Não demonstrava, mas sentia falta dele, pois todo o segundo domingo do mês era o único que a visitava. Sentava ao seu lado e ambos de olhos baixos calados ficavam ali como se só o pensamento transmitisse todas as palavras que queriam dizer. Olhou para o horizonte e viu que o sol iria em breve se esconder nas montanhas distantes. O aroma adocicado das Camélias ajudava nas suas lembranças que varriam sua mente a procura de detalhes para que nunca fosse esquecido quando tudo fosse escrito no livro do tempo. Livro do tempo? Foi Don Antonio quem disse quando confessou pela última vez. - Ele existe sim, Rosa!

              Quanto tempo? Dezenas... Nunca esqueceu aquele dia que sua mãe a levou aos escoteiros. Reservada, pois sempre se mostrava ingênua e acanhada se escondeu atrás dela com vergonha do Chefe Escoteiro. Não foi ela quem pediu para entrar, mas uma amiga de sua mãe insistiu. As patrulhas femininas brincaram com ela, até puseram um nome que ela teve que procurar no dicionário: - “Pudica”. Nunca disse a ninguém, mas sua vida tinha dois destinos. O antes e o depois de ser escoteira. Obedecia às ordens emanadas da Chefe e da Monitora sem pestanejar. Morreu de vergonha quando promessou a bandeira e a pátria pela primeira vez. Não era convidada para festinhas, aniversários, pois se sentia uma intrusa e quando foi em uma se escondeu no banheiro por horas. Quem sabe Sigmund Freud poderia explicar melhor aquela menina escoteira que amava o que fazia e não dizia a ninguém.

              Nunca fora convidada para nada na patrulha. Ajudava sim, fazia faxina, lavava as bandeiras, o forro da mesa, e aprendeu com Geraldo um Escoteiro da Tropa Masculina a achar o ponto certo do fio de uma ferramenta cortante, afiar e olear. Gostava disto. Ninguém nunca a elogiou por isto. Ela nunca se perguntou se era importante seu gesto e seus afazeres na patrulha e na Tropa. Ela nem sabia se era observada pela sua Chefe Maria Joana. Sabia que era olhada com simpatia e amizade. Quanto mais tempo amava sua patrulha mais calada ficava. Um paradoxo. Quando Guia tentou ser igual as demais e não conseguiu. Mesmo com sua modéstia fragilizada pelas companheiras de patrulha não saiu. Perseverante continuou até quando da idade pioneira... Mas não foi uma. A Bagheera Isabel a convidou para ser uma assistente de lobinhos. Entre sair e ficar decidiu ser uma loba da Alcatéia de Seeonee mesmo com seus dezenove anos incompletos.

              Olhando o portão que não se abria, pensando que Geraldo poderia aparecer suas lembranças não se apagavam da mente. Não casou. Nunca ninguém a convidou para casar. Mas como? Se ela não se enturmava como achar um Principe Escoteiro Encantado? – Geraldo era o único que a fazia sorrir. Durante o tempo que ficavam juntos ele contava piadas sem malícia e ela sorria sem gargalhar. Uma vez ou outra ele a visitava em sua casa. Sua mãe nunca disse não. Quando ela morreu foi Geraldo que a acompanhou até o Campo Santo e a abraçou. Ela não chorou nem ele. Não falaram uma palavra desde então. Foram anos ele a visitando e calados olhavam para a Serra do Sol como se ali fosse ser a morada divina da vida eterna. Ficou no escotismo até os setenta e seis anos quando caiu em um acampamento feito uma abóbora quebrando a perna um braço sem contar duas costelas.

            O Chefe Morel foi quem sugeriu que ela fosse viver seus últimos dias em uma casa de repouso. O Grupo Escoteiro pagaria a diferença da mensalidade já que ela recebia pequena pensão de sua mãe que não era lá estas coisas. Entre ficar sozinha ou em companhia de alguém ela aceitou o convite. Nos primeiros meses sempre recebia visitas do grupo. Ficavam pouco tempo e diziam sempre que um dia iria voltar. Um dia não voltaram mais. Ela não ficou esquecida, pois Geraldo todo segundo domingo do mês a visitava até que um dia não apareceu mais. Os monitores da casa de Repouso estranharam quando ela começou a conversar com as flores. Chegou ao ponto de cantar canções Escoteiras como se as flores dessem retorno. As demais internas faziam rodas só para a verem cantar.

           Sem dizer nada e sem comentar um dia se calou novamente. Sentada no banco de madeira suas lembranças tomavam forma. Agora estava no Vale do Rabino com a patrulha a explorar uma nascente de águas cristalinas. Suas andanças voavam no tempo, sorriu ao retornar a Serra do Sino quando a chuva torrencial as pegou em cheio. Os raios pipocavam no ar com trovões retumbantes. Mas ela sabia que o sol ia voltar. Ele sempre volta. Viu-se recebendo a segunda Classe naquele fogo de conselho nas Terras de Gibraltar. A promessa bateu em cheio em sua memória... Prometo pela minha honra... Fechou os olhos e viu Geraldo chegando em uma nuvem branca dizendo: - Venha vou levar você para onde será o Nosso Lar. Ela na sua timidez lhe deu a mão e subiram pela nuvem até uma estrela brilhante no céu.

             Os monitores da instituição viram quando ela caiu do banco. Correram para socorrê-la. Era tarde demais. Ela tinha partido para nunca mais voltar. Não sei se o Grupo Escoteiro ainda sente sua falta ou se algum dia valorizou tudo que ela fez e colaborou. Nunca recebeu um elogio uma medalha ou mesmo um abraço. Culpa de quem? Da vida, ela é assim mesmo. Cecília Meireles é quem dizia: - Ai, palavras, ai, palavras, que estranha potência a vossa! “Todo o sentido da vida principia à vossa porta; o mel do amor cristaliza seu perfume em vossa rosa; sois o sonho e sois a audácia, calúnia, fúria, derrota...”.

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Lendas Escoteiras. Um Escoteiro de Primeira Classe.



Lendas Escoteiras.
Um Escoteiro de Primeira Classe.

Nota - Este é um teste para saber se você completou sua missão na terra. Se você ainda está vivo não terminou!

                   Dizem que sonhar é bom, não tem preço e a gente é quem faz o sonho realizar. Nunca pensei que fosse tão difícil conseguir realizar meu sonho de menino Escoteiro. Desde o primeiro dia quando vi Dondinho e Tonho com a primeira classe que não tirei mais da cabeça que precisava ser um também. Quantas vezes Dona Sonia minha professora me dizia para prestar mais atenção nas suas aulas. Achei que a Segunda Classe seria um simples salte o obstáculo, mas não foi bem assim. Eu era apenas um noviço pata tenra e tinha muito que ralar, mas com três meses empertigado e emocionado fiz minha promessa escoteira. Falei com Tonho o Monitor de ser um Escoteiro de Primeira Classe. Ele não riu apenas disse que tudo iria depender de mim e baixinho completou: - Entrar nos escoteiros qualquer um entra, mas ser Escoteiro não é para qualquer um.

                   Demorou mais de um ano para terminar a Segunda Classe. Nunca pensei que era tão difícil mesmo sendo um experiente mateiro quase fiquei a deriva com as exigências de Pioneiria, saúde e segurança. Rastrear animais, identificar pegadas e até mesmo mostrar como se usava o material de corte e sapa demorei demais para aprender. Usar é uma coisa, afiar e manter é outra. Quando no Acampamento na Mata do Morcego o Monitor me disse que eu iria acender o fogo, tremi. Sabia que quem acendesse com um palito estava qualificado a saltar a fogueira e receber a Segunda Classe tão sonhada. Muitos já me olhavam diferente. Ser um Segunda Classe era motivo de orgulho, mas ser um Primeira Classe era demais.

                    Preparei o fogo calmamente. O monitor me liberou para fazer próximo a Pedra do Sino na vazante do Rio Amarelo. Seria lá nosso fogo de conselho. Eu já tinha treinado várias vezes. Sem usar papel ou qualquer outro combustível. Minha mundial estava afiada e produziu dezenas de gravetos cortados rente e fino. Nem prestei atenção no Chefe, nas patrulhas, nada. Só olhava para a fogueira que iria acender. Rezei. Sempre rezava, pois isto me ajudava muito. Não tremi quando acendi o primeiro fósforo, poderia usar outro se necessário, mas para todos que ali estavam em silêncio usar dois era sinal de fraqueza. O fogo crepitou. A noite se iluminou com meu fogo e o Chefe me perguntou qual o nome iria usar: - Águia do Deserto Chefe! – Saltei o fogo três vezes. Sempre gritando meu novo nome de guerra. O distintivo de Segunda classe foi colocado em meu uniforme!

                 Nunca ri tanto em minha vida como naquela jornada no Vale do Amanhecer quando fui empossado como intendente da Patrulha Morcego. Somente segundas classes poderiam ter este cargo. Se existe mesmo a felicidade eu era feliz até demais. Nicodemos agora Submonitor era um pândego. Transformava a dificuldade em breves momentos de gloria, mesmo com o corpo pedindo para voltar ou arranchar. Tonho com seu jeito de comandante da patrulha mesmo sendo democrático tentava mostrar que a dificuldade era ser enfrentada aos poucos. Foi o Chefe Montana quem o incumbiu de me tomar às provas de pioneiria, de primeiros socorros no campo e de leitura de mapas.

                  Fiquei dias aprendendo, sorri demais quando me emprestaram o Guia do Escoteiro do Chefe Benjamim de Almeida Sodré. Foi o primeiro a receber a alcunha de “Velho Lobo”. O livro foi meu batismo no mundo do escotismo e o li por mais de cinco vezes em menos de quatro meses. Aprendi tudo. Quando da Jornada de 24 horas, Vadico meu amigo de patrulha me acompanhou. Foi uma aventura. O Chefe demarcou no mapa onde deveríamos passar e pernoitar. Uma historia e tanto para ser contada aos meus netos. Finalmente o Chefe marcou o grande dia para me entregar a primeira classe. Sonhava, cantava sorria, eu sabia que seria o dia mais importante da minha vida.

                   Dois dias antes meu pai teve um mal subido. Levado ao hospital veio a falecer. Minha mãe não aguentou o choque e ficou por muitos meses absorta em uma cama sem sorrir, chorar ou falar. Perguntei a Deus se aquilo era minha sina meu destino. Eu sabia que para aprender certos fatos sobre muitas coisas eu nem sempre poderia ver ou saber. Perdi tudo, perdi meus sonhos, perdi meu afã de ser um Primeira Classe. Cada um de nós encontra seu caminho e amamos o que devemos fazer, mesmo que isto vá de encontro ao que os outros pensam. Mudamos para São Pedro onde morava uma irmã de minha mãe. Era a única que podia cuidar dela. Fazer o que amamos nos leva automaticamente a descobrir mais sobre quem realmente somos.

                   O escotismo passou a ser uma tênue luz azulada que passou em minha vida. Estamos sempre partindo, estamos sempre dizendo adeus. Foi uma lição para mim. Viemos ao mundo para sobreviver como pudermos, e enquanto pudermos. Choro por dentro. Hoje eu sei o que significa sonhar e nunca ter a realidade do sonho. Como diz aquela gaivota que procurava uma nova vida, voara rápido como o pensamento, a qualquer lugar do agora, do que foi ou que será onde você começa compreendendo que você já chegou. Enfim, este foi meu destino. Quem sabe um dia aquele que vier de mim a quem chamarei de filho, poderá sonhar e ter seu sonho de Primeira Classe realizado. Sempre Alerta!

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Pequenas histórias de Fogo de Conselho. Selma.



Pequenas histórias de Fogo de Conselho.
Selma.

Nota - Uma longa viagem começa com um único passo. Portanto faça seu trabalho com os jovens como se fosse a mais longa de todas as jornadas em sua vida.

                        Era guia. Quase nunca conversamos. Gostava de sorrir de gargalhar e parecia ser uma escoteira de bem com a vida. Há vi no pateo com os olhos rasos d’água. – Deveria me aproximar? O pátio estava vazio. Todos já tinham ido para suas casas. Aproximei-me. – Posso ajudar? – Não - Respondeu. Tentou me olhar nos olhos e não conseguiu. – Falou baixinho: - Chefe não quero voltar mais para minha casa! – Problema de difícil solução pensei. Sair de casa com aquela idade nem sempre era a melhor solução. – Abandonar todos? Não sentiriam sua falta? Ir para onde? – Ela não disse nada. – Selma, não sei o que ouve. Nem sei como ajudar. Só posso dizer para não sofrer por pequenas coisas que agora acha grande demais. Às vezes, o pequeno deslize é aumentado por uma palavra ou um pensamento negativo nosso até um ponto intolerável. Quem sabe alguém disse uma palavra ruim, fez crítica, uma ação intempestiva, um olhar, um gesto, um riso podem crescer de importância e chegar ao imprevisível.

                       Ela continuou calada. De cabeça baixa ainda chorava. – Selma se não me disser nada é por que não quer ouvir. Se não quer ouvir tome uma decisão. Vai para onde escoteira? – Meu pai Chefe disse que vai separar da minha mãe! – Quando o interpelei me disse coisas terríveis. – Ia ficar calado, mas resolvi dizer: - Não seria um momento de raiva? De dor? De perda? – Tente entender. Se você não ligar deixar que "entre por um ouvido e saia por outro" ou olhar por outro lado, certamente que, logo, tudo volta ao normal. Não dê valor ao que nenhum valor tem. Isto faz parte de todos nós. Muitas vezes queremos dizer a última palavra achando que com isto iremos convencer alguém que não quer ser convencido. Todo casal passa por crises. Algumas sérias outras de fácil solução. Quem sabe eles aceitarão o grande desafio e irão superar esta crise. Quem sabe eles irão ver que o amor que os uniu não deve ser sacrificado em nome da família. Mas se cada um quiser o seu canto minha amiga escoteira nada se pode fazer...

                   Vá para casa. Não interfira. Se disserem alguma coisa responda, mas não ponha lenha na fogueira por nenhum dos dois. Quando você reduz um lado negativo aumenta um lado positivo. Um meu amigo espiritual sempre escreveu que quando alguém lhe magoar ou ofender não retruque, não responda da mesma forma. Apenas sinta compaixão daquele que precisa humilhar ofender e magoar para sentir-se forte. Pense como ele. Ontem passado. Amanhã futuro. Hoje agora. Ontem foi. Amanhã será. Hoje é. Ontem experiência adquirida. Amanhã novas lutas. Hoje, porém é a nossa hora de fazer e de construir. Selma parou de chorar. Olhou-me e me agradeceu. Obrigado Chefe. Precisava ouvir palavras de amor e incentivo.

                Na reunião seguinte ela me procurou: – Chefe estou feliz. Tudo voltou com era antes. Obrigado Chefe, obrigado!

domingo, 19 de agosto de 2018

Lendas Escoteiras. João Fernando Capelo de olhos azuis. (Conto Baseado no livro “Fernão Capelo Gaivota”).



Lendas Escoteiras.
João Fernando Capelo de olhos azuis.
(Conto Baseado no livro “Fernão Capelo Gaivota”).

Nota - “Quase todos nós percorremos um longo caminho. Fomos de um mundo para o outro, que era praticamente igual ao primeiro, esquecendo logo de onde viéramos, não nos preocupando para onde íamos, vivendo o momento presente.” “Quebrem as correntes dos seus pensamentos e quebrarão as correntes do corpo.” “Tem alguma ideia de quantas vidas tivemos que passar até chegarmos a ter a primeira intuição de que há na vida algo mais do que comer, ou lutar, ou ter uma posição importante dentro do bando?” – Este conto o fiz quando ouvia a trilha sonora do filme Fernão Capelo Gaivota magistralmente cantada por Neil Diamond.

             O sol se punha na enseada de Santo Agostinho e as gaivotas na nevoa do alvorecer voejavam por cima dos barcos pesqueiros que chegavam como a festejar o dia bom que conseguiram na sua jornada de pesca. João o Capitão de um dos barcos, um antigo Escoteiro ali na proa olhava sua cidade com olhos firmes. Foi ali que ele nasceu e dizia para todos que ali iria morrer. Sempre dizia para Lomar seu companheiro de pesca que o mais importante na vida é olhar em frente e alcançar a perfeição naquilo que a gente mais gosta de fazer. João tinha belos olhos azuis e suas memórias nunca esqueceram como foi feliz na jornada nas Escarpas próximas a praia do Além mar. Quantas vezes acampou ali? Gostava dos escoteiros, gostava de ficar lá vendo o voo das gaivotas que esperam os barcos de pesca ao entardecer.

               Lembrava-se dos companheiros da Patrulha Gaivota que olhavam João com pena e faziam tudo para ajudá-lo. Mancava, andava com muita dificuldade e todos sabiam que ele queria vencer, não ficar para trás nas jornadas, andar sem limites até atingir a perfeição, Para ele ser Escoteiro sempre fora uma forma de se movimentar sem mostrar que era um aleijado um coitado que não podia andar direito. Quando iniciou como Escoteiro João tentou acompanhar sua patrulha e se machucou. Não desistiu. Ele sabia que aceitar seu destino era morrer. Devido a sua perseverança e ousadia João não criticava ninguém só a si mesmo para não desistir de tentar. Nunca pensou em prejudicar sua patrulha, chorava em pensar que um dia poderiam desistir dele e ser banido do que amava.   

                João dizia para sim mesmo: - Quebre as correntes de seu pensamento e também irás quebrar as correntes do teu corpo. Ele sabia que com sua compreensão poderia ver até onde pode ir. Descubra mais do que já sabe, dizia. Talvez fazendo isto você encontre seu caminho que fará mais sentido para si, pois as jornadas que vais enfrentar não pode ter limites. João sabia que não iria desistir nunca. Fazia tudo com suavidade e paciência. Nunca esqueceu quando fez sua promessa, prometeu muito mais. Prometeu que nunca seria um empecilho para ninguém. Doía, a perna sacolejava, mas João não desistia. Ele era livre para pensar e não podia deixar para trás a força que sua patrulha lhe dava.   

                 Por muitos anos João andou pelas praias, pelas florestas pelos campos e até se arriscou a embarcar em um pequeno bote que a Tropa possuía para velejar por longos mares sem fim. João sofreu experiências incríveis, de solidão, de frio e fome, mas nunca se abateu. Certo dia João encontrou um menino Escoteiro que sofria com suas mãos que doíam horrivelmente e mesmo assim o cumprimentou. – João, disse o menino Escoteiro, você faz ideia quantas vidas levamos para começar a entender o que somos? Não viemos aqui para desistir. Temos que mostrar que podemos e assim vamos aprender até atingir a perfeição. Quebre as correntes de seu pensamento e assim também irás quebrar as correntes do teu corpo. João acreditou no menino Escoteiro e assim o fez. 

                  João viu que como Escoteiro vivia em outra sociedade onde todos desfrutam do companheirismo e da paixão pelo escotismo. Ficava horas a fio treinando a andar, a pular ele sabia que precisava ter o respeito dos demais escoteiros. Não queria ser olhado como um “coitado” O processo não foi fácil, seus amigos escoteiros mais experientes não o deixavam sozinho. João viu que ali o respeito e amor eram sagrados. Viu que compartilhavam o mesmo ideal. Seu Chefe sempre lhe dizia: - João você tem de compreender que um Escoteiro tem uma ilimitada ideia de liberdade, uma imagem firme de si mesmo. Seja fiel aos seus ideais. Procure João com sua compreensão fazer o que tem de fazer. Descubra o que você no seu pensamento já sabe!

                    A chuva na praia, o céu beija o mar, o Escoteiro espera sua hora. E João continuou sua saga de sempre treinar no amor. Ele sabia que o espírito não pode ser verdadeiramente livre sem a capacidade de ser mais um, de perdoar e continuar no progresso do seu caminho escolhido até se tornar um Escoteiro de verdade. A Patrulha Gaivota cresceu. Agora já compartilhavam mais as ideias entre todos inclusive João. Tinham uma Lei a seguir e João sabia que ela o faria um Escoteiro que sempre sonhou ser. – Vocês querem acampar onde ninguém nunca foi, disse seu monitor, para isto precisam aprender a se ajudarem e se conhecerem melhor. Aprender que os mais fortes nunca deixam os mais fracos para trás. Se fizerem assim o amor e o perdão irá acontecer. Todos irão ver que o respeito entre amigos será para sempre.

                  O Barco se aproximava do cais. João olhou para Lomar. Ele nunca fora Escoteiro e parecia uma gaivota perdida do bando quando João o encontrou. João lembrou-se de tudo que fez em sua patrulha, nas conquistas nas grandes atividades Escoteiras, na sua promessa e disse para Lomar: - Não é ser amado e admirado pelos outros que nos dá a alegria de viver. Esta alegria meu amigo provém de ser capaz, de amar e admirar tudo que achara raro, bom e belo. Todos nós podemos aprender quando quisermos aprender... Hoje você e eu singramos os mares para podermos viver um pouco melhor e dar o máximo a todos que nos cercam. Ainda me lembro de minha patrulha, que sempre sorria para mim. Meus velhos companheiros nunca se importaram em me ajudar. O mais importante na vida é olhar em frente e alcançar a perfeição naquilo que você mais gosta de fazer!

                Uma gaivota branca sobrevoou o Barco e João jogou no mar um pequeno peixe. Olhou para Lomar e repetiu: - Pois é assim como esta gaivota eu sou também a perfeita expressão da liberdade que aprendi com meus amigos de outrora. A única Lei verdadeira é a que nos liberta. Cada um de nós encontra e segue o que mais amamos fazer, não importa o que os outros pensem!

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Lendas Escoteiras. Pedras brancas de gelo na Mata do Quati.



Pedras brancas de gelo na Mata do Quati.

Nota - O tempo passa depressa demais e a vida é tão curta. Então — para que eu não seja engolido pela voracidade das horas e pelas novidades que fazem o tempo passar depressa — eu cultivo um certo tédio. Degusto assim cada detestável minuto. E cultivo também o vazio silêncio da eternidade da espécie. Quero viver muitos minutos num só minuto.

Atemporal do tempo...

17 de agosto de 2018.
Faz tempo que não vejo enormes temporais em minha cidade. Fico aqui na minha varanda relembrando a queda de granizo em quantidades para encher minha rua. Gosto do barulho da chuva das pedras de gelo caindo sobre as telhas da minha varanda. Música sublime para mim. Amo isto eu adoro a chuva. Não sei por que ela se prendeu a mim e ficou presa no meu coração para sempre. Voltei no tempo atemporal. Seria como se eu tivesse a mágica de transitar no tempo sem necessariamente pertencer ao passado o presente ou ao futuro. Sem querer me lembrei de um conto que li – Sempre me lembro dele: - Ontem chorei. Apronto agora os meus pés na estrada. “ Ponho-me a caminhar sob sol e vento“. Vou ali ser feliz e já volto”. Um dia quem sabe vou postar todo ele. Atemporal, voltar no tempo sem medo de perder o presente e o futuro. Com todo o frio que fazia na minha rua, minha mente se foi. Plantou-se em um passado que nunca esqueci.

20 de janeiro de 1958.
Seis Escoteiros Seniores. Olhos vivos a perscrutar com a vista todos os lugares naquela noite escura, sem luar sem medo da chuva ou vento. Acampamentos vividos que alguns não esqueciam jamais. Em volta do fogo, eles comiam banana assada. Pareciam mais pioneiros que sêniores. A moda índia sentaram a vontade naquele foguito e se esquentavam de uma noite fria. Um “foguito” pequeno. Chamas baixas, muitas brasas para não adormecer o café no bule, já perdendo seu esmalte de anos e anos de uso. – Parece que vai chover... – Tãozinho custava para falar. Era um sênior miúdo e de olhos vivos. Minutos se passaram. – Gosto da chuva, adoro uma boa dificuldade debaixo de tempestades. – Helinho ria para ele mesmo. Que o visse naquela hora achava que estava louco. – Israel olhou de soslaio. Não disse nada. Ele nunca esqueceria o acontecido. Darcy não perdia a pose de dar uma boa gargalhada. – Valeu! O melhor acampamento que fizermos. – Chico o menorzinho dos seniores queria dizer alguma coisa. Não sabia o que dizer. Eu estava com os olhos fechados. Queria reviver o momento. Voltar no tempo. Sentir as tremuras, o medo e a força que fizemos em reviver, em refazer um acampamento destruído.  

04 de janeiro de 1954.
Cantantes, sorridentes, cada um já sabia o que fazer. O esqueleto da barraca suspensa entre quatro árvores estava quase terminado. Faltava ainda boas amarras nos tripés. Chico e Israel adentraram mais fundo na mata. Precisavam de bons cipós que não quebravam. Sisal? Nem pensar. Nem existia ainda. Aboletado lá no alto Israel e Tãozinho elevavam no ar uma bela tora que serviria de escada até o alto da árvore. Eu e Helinho terminávamos nossa cozinha. Planos futuros para ela também ficar suspensa. Belos planos. O céu escureceu. Tãozinho gritou! – Nuvens baixas cor de cobre? Todos juntos responderam – É temporal que se descobre. Melhor armar duas barracas de duas lonas para nos abrigar. O toldo foi jogado em cima da cozinha. Darcy correu a cobrir o lenheiro. Uma patrulha que sabia o que fazer. Não eram amadores. Ploc! Ploc! Uma pedra, duas um punhado. Pedras de gelo enormes!

20 de janeiro de 1958. 
Em volta do “foguito” que dormitava e queria apagar, cada um pensava na vida que tinham levado em belos acampamentos no passado quando Escoteiros da Patrulha Leão. – Foi duro, não foi fácil. Disse Helinho. Lembra Darcy das barracas? – Tãozinho riu. Ele não gostava de rir. Viraram peneiras. Enterramos antes de voltarmos. Perdemos quase tudo. – E o raio? Disse Darcy. Caiu como um chumaço na base do estrado que fazíamos para as barracas. Não sobrou nada. – Silêncio profundo. Cada um voltava no tempo. Chico levantou e pegou alguns biscoitos – Alguém aceita? Foi você Vado que correu na frente de todo mundo para ficar embaixo da enorme aroeira? – Israel gargalhou forte. – Ele parecia um corisco com medo da chuva! – Medo das pedras enormes que caiam, eu disse. – Bons tempos, disse Israel. Dormimos presos uns aos outros molhados sem poder ou sem onde abrigar. – Todos concordaram com um leve levantar de sobrancelhas. Seniores, quando se encontram em volta de um “foguito” tem histórias para contar. Um vento forte levantou fagulhas no ar. – Vai chover? Disse Tãozinho. Se tem vento e depois água? – todos responderam: Deixe andar que não faz mágoa.  – Vou dormir eu disse. Uns foram outros ficaram. Coisas gostosas para lembrar. Passado que se foi.

17 de agosto de 2018.
Meus olhos ficaram húmidos. Lembranças sempre me tocam o coração. Tempos bons, tempos alegres, cheio de aventuras... Tempos que não voltam mais. Olhei a chuva fininha que caia. Acalento para minha alma. Outro dia recebi um telefonema. Era Israel. A mesma voz. O mesmo estilo mineiro que adoro. Onde anda o Darcy? O Tãozinho? O Helinho? O Chico deve estar zanzando por aí. Era o mais novo. Gente fina. Escoteiros e seniores que tiravam o chapéu quando uma dama bonita passava por eles. Lembranças... Dizem que quem não tem lembranças não viveu. Passou pelo tempo como se não tivesse passado. Hã quanto não daria para entrar em uma máquina do tempo. Mas ela ao me levar teria que fazer menino de novo. Dizem que foi Clarice quem disse: -
O tempo passa depressa demais e a vida é tão curta. Então — para que eu não seja engolido pela voracidade das horas e pelas novidades que fazem o tempo passar depressa — eu cultivo um certo tédio. Degusto assim cada detestável minuto. E cultivo também o vazio silêncio da eternidade da espécie. Quero viver muitos minutos num só minuto.

E as pedras brancas embranqueceram minha rua que tanto amo molhadas pela chuva que caia copiosamente!

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Lendas Escoteiras. Meu Chefe meu mestre meu herói!



Lendas Escoteiras.
Meu Chefe meu mestre meu herói!

Nota - Algumas pessoas surgem em nossas vidas como uma benção, outras como lição. A pior ambição do ser humano é desejar colher os frutos daquilo que nunca plantou. Seja exemplo para você mesmo. Não tenha tempo para lembrar-se de quem lhe deixou triste, fique, portanto mais preocupado com quem o faz feliz.

                   Chegou à sexta feira. Eu estava cansado. Precisava de um fim de semana só para mim, mas tinha prometido ao Guilherme meu filho assistir naquele sábado sua primeira partida oficial de futebol. Aceitei sem reclamar. Nos seus nove anos se tornou um filho do qual me orgulhava. Queria ser mais presente e não fui o pai que devia ser. Precisava de umas férias. Joelma reclamava da minha entrega ao trabalho e eu sabia que ela tinha razão. Tinha sido escolhido pelo Conselho da Empresa como o novo Presidente e me agarrei de corpo e alma tentando mostrar que era capaz. Fora um sonho que se realizou. Meu primeiro emprego e agora estava no topo, não podia decepcionar aqueles que confiaram em mim. Cheguei até a janela envidraçada do décimo sexto andar e vi lá embaixo um aparato dos bombeiros e sirenes a zumbir nos céus. – Chamei Dona Marta minha secretária para saber o que estava acontecendo. – Um atropelamento Senhor. Um mendigo, um morador de rua que foi enxotado pela nossa segurança perdeu o equilíbrio e caiu na rua sem desviar do trânsito local.

                     - E o que ele fez Dona Marta para ser expulso do prédio pela segurança? – Senhor, há vários dias ele vem aqui querendo falar com o senhor. Explicamos a ele que seria impossível que o Senhor era o Presidente e não podia falar com qualquer um! - E o que ele queria comigo? - Veja só Senhor, ele dizia que queria abraçá-lo, queria sentir a sua vitória e confirmar se ainda tinha o espirito Escoteiro de outrora. Disse que o Senhor tinha prometido ser um homem de bem e de caráter. – A gente ria dele e ele insistente em falar com o Senhor. – Ele disse o nome Dona Marta? – Não lembro, posso perguntar a recepção se for necessário. Ligue já Dona Marta! Alguns minutos depois ela voltou sorrindo: - Um pobre diabo Senhor, calça rasgada, camisa velha, chinelo e dizia que era o Chefe Conrado! Que o senhor o conhecia. Veja só Senhor, um pé rapado se fazendo de Chefe importante. Chefe de que Senhor? Com aquelas roupas, com aquele cheiro ele não era nada, apenas um pobre diabo que nem um canto para morrer tinha.

                        Dizem que esquecer é uma necessidade. Que a vida é uma lousa, em que o destino sempre nos escreve um novo ocaso. Será que eu tinha apagado a escrita do tempo e o deixei para trás? Meu coração bateu forte. Minhas lembranças voltaram sem pedir permissão. O Chefe Conrado sempre foi minha luz, meu mestre meu herói. Porque não me disseram nada? Eu era importante demais? Logo ele que me deu tudo e eu nunca dei nada para ele depois de rico e famoso? É a experiência é uma lanterna dependurada nas costas que apenas ilumina o caminho já percorrido. O passado não importa. Sai correndo sem avisar. Foi como um século a descida do elevador privativo até a recepção. O alvoroço foi desfeito. A calçada lavada. Transeuntes nem sabiam o que houve ali. – Para onde o levaram? Perguntei ao Guarda de plantão. – Ele quem Senhor! Ele! Gritei. O que foi atropelado! – Senhor apenas um pobre homem que nada tem a ver com nossa Empresa internacional. Quem liga para ele?

                        Vontade de socá-lo. Resguardei-me para não falar palavrão. Ele sempre me dizia - Escoteiro, o homem civilizado, o homem de caráter e que tem honra, não diz e não fala palavrão! Quantas saudades me vieram à mente. Chamei meio mundo da empresa. Descubram já para onde foi levado. Eu preciso saber e não quero desculpas. – Estava sendo indelicado. Eu não era assim. O Chefe Conrado foi o pai que nunca tive. Foi à mãe que encontrei. Criado pela minha avó eu praticamente não tinha ninguém. Se sou o que sou devo a ele. Minha mente viajou no tempo e foi parar no acampamento do Pico do Falcão. O sol se ponto. Eu e mais três escoteiros monitores sentados olhando para o horizonte. – Veja ele disse. Porque se sentir importante se o sol que se põe toda tarde e volta novamente fazendo o mesmo trajeto, e nunca foi tão importante assim? Quem entendeu? Eu fiquei matutando e a noite depois de que a fogueira foi acesa ele bateu nas minhas costas sorrindo: - “Nunca desista de algo que você não consegue passar um dia sem pensar”.

                     Nossa quanta saudades do meu tempo de Escoteiro. Se eu pudesse ter apenas mais um desejo eu iria pedir voltar no tempo e ser Escoteiro novamente. – Hospital Santo Ângelo Senhor – Dei ordens para preparar o helicóptero. Precisava chegar logo, saber como ele estava. Pagaria tudo que fosse preciso. Não haveria senões, não me importava o preço, o Chefe Conrado merecia isto e muito mais. Subi até o heliporto e parti. No meu destino o Diretor me esperava. A empresa era uma das mantenedoras e a direção sabia disto. Ele estava sendo operado. Costelas, braços e pernas quebrados. Não iria durar muito tempo. – Façam o que for preciso. O possivel agora e o impossível daqui a pouco. – Três horas depois me chamaram até a enfermaria. Ele estava enrolado em um cobertor Velho e mal cheiroso. – Exigi respeito. Foi levado para o melhor apartamento. Ainda estava sonolento e nem me reconheceu. Fiquei ali no quarto por tempo que não soube medir. Liguei para Joelma explicando. Ela sabia do meu amor pelo Chefe Conrado.

                    De madrugada dormitava quando ouvi sua voz – Escoteiro, é você? Levantei chorando de alegria. – Não me abrace, estou moído, me dê somente um aperto de mão! Fiquei com ele toda manhã e voltei à noite para ver como estava. – Chefe, eles não sabiam quem era o Senhor. – Desculpe! – Escoteiro, só existe um universo, oito planetas, 204 países, 809 ilhas, sete mares, sete bilhões de pessoas. Como posso exigir que soubessem quem era eu? E você sempre foi o Escoteiro que me deu tanta felicidade enquanto estivemos ombreando nos nossos acampamentos que nunca esqueci. Eu chorava de alegria. Disse para ele que agora tudo ia mudar. Ele na sua simplicidade disse-me que não queria nada, tinha o mundo, tinha a lua tinha a estrelas que alimentavam seu lar. – Escoteiro! Algumas vezes coisas ruins acontecem em nossas vidas para nos colocar na direção das melhores coisas que poderíamos viver. Nunca sabemos quão forte somos até que ser forte seja a única escolha.

                Um mês depois ele deixou o hospital. Não deixou endereço, não disse para onde foi. Fiz tudo para localizá-lo e não consegui. Chamei Guilherme e perguntei se queria ser Escoteiro. Ele me olhou ressabiado. Pai, não sei o que é isto. Vai saber, vai ver que lá é onde damos os primeiros passos para enfrentarmos as dificuldades da vida! Pai será que vou gostar? Não sei Guilherme, se não gostar terás o direito de decidir. Naquela tarde eu e ele adentramos no pátio dos escoteiros. Uma lembrança forte do Chefe Conrado. Nunca esqueci o que ele me disse quando fui para a faculdade: - Escoteiro, se a caminhada está difícil, é porque você está no caminho certo! E de novo voltei ao meu passado sendo o Escoteiro que eu sempre fui!

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....