domingo, 31 de março de 2019

Lendas escoteiras. Uma estrela brilhante para Elizabeth.




Lendas escoteiras.
Uma estrela brilhante para Elizabeth.

Prefácio: - Nota – “Elizabeth amou o escotismo por toda sua vida”. Morreu aos 88 anos em uma casa de repouso. Disseram que morreu sorrindo. Com seu uniforme partiu para sua estrela assistida por dezenas de jovens e adultos do escotismo em volta de sua campa. Boa viagem Elizabeth. Que a felicidade esteja com você.

                Aguardava com ansiedade a chegada dos seus jovens amigos. Uma festa quando adentravam naquela área gramada da Casa de Repouso. Vinham uma vez por mês sempre no segundo domingo. Houve domingo que não vieram. Deviam estar acampando ou excursionando. Sonhava pensando estar com eles. Saudades, quantas saudades, mas não reclamo. Eu tive tudo que quis. Foram minhas escolhas e se pudesse faria tudo de novo. Sou feliz aqui onde hoje moro, gostos dos amigos que fiz. Sempre tem um ou outro voando para as estrelas e eu sei que um dia vou também.

              Gosto de pensar, lembrar, ficar aqui no jardim lembrando e sonhando com meu passado. Ainda lembro as Musicas Escoteiras e quando a saudade aperta, eu canto... Alcancei a felicidade que sempre sonhei. Os que vivem aqui não reclamam. Tem muitos que seus filhos e netos dificilmente aparecem. Eles não choram, Tem sempre alguém seu lado para embalar seus dias e suas noites para fazê-los sorrir.

                      Nunca esqueço aquele dia: - Papai, Mamãe, eu quero ser Escoteira! Eles me olharam espantados, pois sabiam que eu era diferente, fechava em meu quarto, não recebia amigas e tinha uma vida reclusa que nenhum psicólogo explicou. Sabia que era adotada. Eles nunca esconderam. Eu os amava e nunca me interessei em saber quem foram meus pais biológicos. – Você vai ser escoteira, disse meu pai. Espero que goste e se dedique como tudo que faz.

                   Meu pai tinha mais de sessenta anos e minha mãe cinquenta e oito. Adotaram-me quando tinha oito meses. Eu não tinha o que reclamar. Eles me adoravam tanto que muitas vezes me senti sufocada de tanto amor. – Seja bem vinda Elizabeth! – Espero que goste de ser uma Escoteira. Aqui você tem duas escolhas: - Gostar da vida ao ar livre e saber vencer as dificuldades! – Adorei o Chefe Zé Celso. Adorei tudo, o escotismo passou a ser minha vida e morar no meu coração.

                         Os tempos foram passando, um dia me disseram que seria guia. Porque não? Para mim a mesma coisa. Fiz novas amigas e amigos. Um respeito enorme um pelo outro. Fui a um Jamboree e outros tantos acampamentos regionais. Mas o que gostava mesmo eram meus acampamentos. Divertia-me, jogava e aprendia com meus amigos de patrulha.

                        Um dia me disseram que seria uma pioneira. Não me dei bem. Havia muitos que nunca foram Escoteiros quando jovem e a gente não falava o mesmo idioma. Conversei com o Chefe Jerônimo novo Chefe do Grupo. – Porque você não vem ser Chefe? Uma assistente para começar. Irá fazer muitos cursos, conhecer pessoas novas e quem sabe um dia será uma Insígnia de Madeira?

                          Porque não? Foi outra maneira de ver o escotismo. À medida que fazia cursos, que trocava ideias com Velhos Lobos eu sabia que ali era meu lugar. Nunca encontrei minha cara metade. Entreguei minha alma e meu coração ao escotismo. Namorei mas nada significativo. Comecei a trabalhar em um Banco da cidade. Todos ali sabiam que eu era Escoteira. Até meu Chefe o Senhor Rodolfo ria quando eu contava casos de acampamentos.

                      Uma tarde recebi um telefonema urgente de uma vizinha – Seus pais foram internados. Os dois. Tiveram um principio de enfarte. Corri ao hospital. Uma semana depois eles partiram. Chorei muito, achei que tinha culpa, pois me entreguei tanto ao escotismo que me esqueci deles. Todos os domingos eu os visitava em seus jazigos. Orava, chorava e pedia perdão. Um dia uma luz azul brilhante apareceu e ouvi a voz dos dois: Seja feliz filha, um dia você vai vir morar conosco no céu!

                    Conheci milhares de Escoteiros e Escoteiros nas minhas andanças escoteiras. Fiz centenas de amigos e quando recebi minha Insígnia recebi vários convites para postos mais altos. Nunca aceitei nenhum. Eu tinha uma missão com os jovens e nunca iria abandoná-los. Minha casa vivia cheia deles. Eu os amava e eles me amavam. Quantos acampamentos fizemos? Quantas atividades aventureiras? E aquela de sair por aí, sem eira nem beira na Montanha da Raposa cinzenta?

                   Fiz excursões incríveis, adquiri uma maturidade escoteira invejável.  Eu só me dedicava ao escotismo e nunca pensei em crescer no meu trabalho. Sabia que todos gostavam de mim como eu era. Um dia pensei na minha velhice. O que seria de mim? Quem será meu guia, ficar ao meu lado, me dar de comer, me fazer feliz? Não pensava nisto. Só pensava no meu amor Escoteiro que vivia no meu coração.

                Mas o tempo é implacável, eu envelheci. Aposentei-me. Sentia-me sozinha em casa e só no escotismo me sentia bem. Minhas meninas agora eram outras. Um dia o Chefe Jerônimo me disse: - Elizabeth, não interprete mal, você já está com mais de oitenta anos. Não pode viver sozinha. Porque não procurar uma Casa de Repouso? Visite, conheça, veja se tem alguma que possa lhe interessar. Lá você terá amigas para conversar, para cantar e divertir. Sua palavras doeram, mas era uma verdade.

                   Não deu outra, andei, visitei e escolhi a minha última morada na terra. Minhas Escoteiras não se esqueceram de mim. Chefes amigos sempre me visitavam. Todos os domingos estavam lá. Eu adorava mesmo era o segundo domingo do mês. Minha primeira patrulha vinha em peso sem faltar ninguém. A gente ria, cantava, chorava e lembrava os velhos tempos dos bons acampamentos das noites geladas, dos fogos de conselho! Ah! Quantas saudades.

                - Elizabeth faleceu aos oitenta e oito anos vitima de falência múltipla de órgãos. Nunca aquela campa no alto da Colina da Lua viu tantos meninos, meninas, chefes e até lideres Escoteiros regionais, nacionais e do exterior. A palma escoteira quando seu esquife desceu para sua morada foi retumbante. Para quem pudesse ver, Elizabeth sorria ao encontrar papai e mamãe que a abraçavam e foram voando para o céu. Dizem que uma estrela agora é sua morada. Sempre Alerta Elizabeth!

sábado, 30 de março de 2019

Lendas Pioneiras. Ashanti, uma pioneira no Rio da Esperança.



Lendas Pioneiras.
Ashanti, uma pioneira no Rio da Esperança.

Prólogo: - Escrevi vários contos sobre os pioneiros. Este é o meu preferido. Para mim não é fácil, pois fui pioneiro a moda antiga. Desconheço o Pioneirismo moderno. Nada sei sobre ele, se está crescendo e se a motivação é constante. Conheçam Ashanti, quem sabe é uma pioneira que viveu seu pioneirismo com amor?                  

             Ashanti olhava as águas do rio Madeira que corria lentamente. A Chalana parecia bailar acima das águas. Olhava as margens com a floresta densa a sumir de vista. O rio Madeira ali não era majestoso, dizem que ele tem mais de 2.500 quilômetros de extensão e o maior afluente do rio Amazonas. Os índios o chamavam de Cuyari, assim conhecido pela grande nação dos Tupinambás a muitos e muitos anos atrás. Sua mente fervilhava pensando na grande aventura que faziam. Saíram de Humaitá no norte do Pará. Viajaram quilômetros pela BR-319 que liga Porto Velho a Manaus. Na viagem passaram bem próximo da Usina do Jirau. Estava se tornando uma lenda. Uma luta entre o sagrado e o profano. Diziam que era a Cachoeira do Padre outros a batizaram do Caldeirão do Inferno. Ela passava uma vista d’olhos no Velho Mestre Antoninho, o comandante do barco. Ele sabia o que fazia.

             À tarde no mais tardar chegaremos a Santarém pensou. Avistou as vilas de Trata-Sério, Macacos e Ilha Teotônio. Em Santarém tentariam um voo da Força Aérea Brasileira até Cuiabá ou São Paulo. Estava sendo uma viagem encantadora. Ver a floresta Amazônica e suas vilas ribeirinhas era um grande desafio. Ashanti era seu apelido. Seu nome verdadeiro era Loreta Montes. Pioneira do Clã Garini (guerreiro lutador). Ela gostava ser chamada de Ashanti. Achava que tinha muito a ver com Baden-Powell. Seu Clã tinha doze pioneiros. Cinco moças e sete rapazes. Poucos eram assíduos. A idade a luta pela vida, a faculdade e outras obrigações sempre fora um empecilho. Sentiu um baque forte e o barco virou. Os outros seis pioneiros que estavam com ela nadaram até a margem. Voltaram para ajudar os sobreviventes.

                    Todos se salvaram. Leo, Marlon e Fanzini traziam as mulheres e crianças que não sabiam nadar. Mestre Antônio animava a todos. – Amanhã a Capitania vai dar falta e logo estarão aqui, dizia. Preparam para passar a noite. Os pioneiros arrumaram lenha seca e uma grande fogueira foi acesa. Em volta do fogo eu olhava Leo. Tinha por ele uma paixão escondida. Quando entrou quase saiu. Era um aventureiro e mochileiro. Nosso mestre Pioneiro era idoso e quase não participava. Quando Leu chegou motivou a todos a fazerem atividades aventureiras. Fomos ao pico do Itatiaia, e na Serra da Bocaina. Esta eu tinha sugerido. Uma grande aventura no Amazonas.  

       Leo deu um novo ânimo ao Clã. Criou atividades diferentes. As áreas de interesse se desenvolviam com gosto. Estivemos em duas atividades nacionais, dois mutirões pioneiros e fizemos uma aventura no pico do Itatiaia. Outras tantas foram realizadas. Foi muito divertido. Notei que algumas crianças choravam de fome. Leo e Marlon mergulharam até a cozinha da Chalana e trouxeram leite condensado e algumas latas de sardinha. O dia amanheceu. Um lindo sol apareceu. Animamos os passageiros até a chegada do barco patrulha da capitania. Às três da tarde eles chegaram. Os Pioneiros já tinha mergulhado recuperando nossa tralha e dos passageiros no fundo do barco. No retorno lanchamos no barco patrulha. Chegamos a Santarém a noitinha. A Capitania nos ofereceu hospedagem em quartos razoáveis. Aproveitamos para telefonar aos nossos pais e contar a grande aventura que fazíamos.

              Noite alta eu e o Leo ficamos conversando na varanda. Eu sabia da sua namorada, uma jovem loura muito bonita. Ele me disse que estava pensando em terminar. Não existia amor entre eles. Ela sempre insistindo para ele sair dos pioneiros. Fui dormir pensando no Leo. Era um amor impossível e eu sabia disso. Conseguimos na base aérea uma carona até São Paulo. Partimos às quatro da tarde. Nem bem levantamos vou e o avião começou a adernar de lado. Ficamos assustados. Um tenente nos ensinou a segurar firme na poltrona da frente. Foi feito um pouso forçado. Parte do avião se partiu ao meio. Era uma pista clandestina de mineradores. Senti uma pancada forte na perna direita. Leo foi jogado para fora do avião. Os demais não tiveram nada. Leo tinha um corte profundo na perna e outro no couro cabeludo. Muito sangue. Um dos tripulantes era médico e fez os primeiros socorros. Não demorou um helicóptero da FAB chegou. Levou-nos todos até Belém do Pará. Ficamos cinco dias esperando um voo para São Paulo.

      Visitei o Leo muitas vezes. Estava se recuperando e para surpresa sua desistiu do namoro. Dois meses depois ele recuperado voltou às reuniões. No final da reunião me procurou e convidou para um cinema. Meu coração explodiu. Ele me contou o termino do namoro.  Disse que me amava. Incrível! Tudo que eu queria e sonhava. Nosso namoro era lindo. Ficamos juntos no Clã até os vinte e um anos. Léo se formou em Engenharia mecatrônica. Recebeu uma proposta de um conglomerado de Hospitais sediados em Boston, nos Estados Unidos. Pediu-me em casamento. Queria que eu fosse com ele. Não titubeei um minuto. Meus pais acharam que eu devia me formar. Meu coração bateu mais forte. Em Boston moramos em uma bela casinha. Vi diversas vezes jovens da Boy Scouts, Um Chefe nos convidou a participar. Agradecemos. Não era como no Brasil. Resolvi dar um tempo.

              Faz oito anos que moro em Boston. Nunca esqueci minha vida escoteira. Meu antigo Clã ainda mora em meu coração. Aquela aventura no Rio Madeira ficou gravada para sempre. Não o chamo de Madeira, para mim é o Rio da Esperança. Foi ali que minha vida mudou. Não vou dizer que valeu o naufrágio e a queda de um avião. Meus vizinhos americanos gente simpática quando conto minhas aventuras muitos não acreditam. A esperança é a maior e a mais difícil vitória que a gente pode ter sobre a alma. Ela existe, está sempre firme em nosso pensamento. Antes eu dizia que a esperança poderia alterar qualquer coisa. Claro, no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro. Sei o que é absoluto porque existo e sou relativa. Minha ignorância é realmente a minha esperança: não sei adjetivar. Olhando para o céu fico tonta de mim mesma.

           Tenho dois filhos lindos, são a minha vida. Sempre conto para eles a noite, deitada no tapete azul da minha sala que chamo de Rio Esperança. Em frente à lareira recordo tudo que senti, vivi e aconteceu comigo no escotismo. Eles me olham de maneira enigmática. Não entendem quase nada do que eu falo. Afinal um tem quatro e o outro cinco. Mas olho para eles, sorrio, e digo: - Meus filhos nunca percam a esperança. E então me lembro de Fernando Pessoa: - Ser feliz é encontrar força no perdão, esperanças nas batalhas, segurança no palco do medo, amor nos desencontros. É agradecer a Deus a cada minuto pelo milagre da vida. Amo o escotismo. Sempre amei e nunca irei esquecer os momentos felizes que nele passei...

sexta-feira, 29 de março de 2019

Lendas Escoteiras. “A justiça a Deus pertence!”



Lendas Escoteiras.
 “A justiça a Deus pertence!”

Prólogo: - Justiça? Só Deus sabe como fazer justiça. Para cada ato, para cada ação a uma reação. O passado não é perdoado facilmente. O perdão existe, mas cada um tem de fazer para merecer. “A justiça a Deus pertence!”. E lembrem-se, histórias são histórias, nada mais que histórias!

               Chefe Billy era assistente de tropa Escoteira. Novo ainda, vinte e três anos. Procurou o grupo a dois anos dizendo estar interessado em participar, mas nunca fora Escoteiro. Passou por uma bateria de perguntas e preencheu todos os formulários que lhe deram. Quase desistiu. Sentiu que ali era ele quem precisava participar e não o contrário. Chefe Billy era caladão. Andava de cabeça baixa. Nunca fixava ninguém com os olhos. Sua família não era da cidade. Conseguiu um emprego na Usina Siderúrgica e trabalhava como Operador de Forno. Uma função não muito gratificante. Alugou um quartinho nos fundos da casa de um casal de velhos e assim era sua vida fora do grupo. Era bem quisto pelos jovens. Os chefes tinham um certo receio. Não o conheciam. Ele não se enturmava. Apesar do seu jeitão esquisito alguns tinham nele uma grande admiração e respeito. Pouco falava de si e nem todos os convites extra grupo ele aceitava. Fez dois cursos de formação. Estava dando duro para conseguir sua Insígnia de Madeira.

                  Naquele sábado lá estavam todas as sessões. Uma algazarra gostosa, alegria juvenil e infantil própria dos escoteiros antes do inicio das atividades. Foi dado o toque de chamada e todos acorreram para a grande ferradura. Iria ser dado o inicio do Cerimonial de Bandeira. Todos formados. Um carro da policia parou na porta da sede. Desceram dois policiais e um investigador. – Quem é o Billy? – Sou eu ele disse. – Você está preso. – Por quê? O Delegado vai dizer. E cale a boca. Aqui não é filme americano onde falamos de seus direitos. Puseram a algema nele e o arrastaram até o camburão. Estava de uniforme. Seu chapéu tão querido caiu ao chão. Foi Lany uma lobinha quem o pegou. O grupo todo estarrecido. Fazer o que? Continuar com a reunião era melhor. Foi um sábado dos piores dias de reunião naquele grupo escoteiro. Nenhum Chefe foi à delegacia saber ou se informar. Ninguém o procurou para saber o que lhe imputavam.

                  Os jornais do dia seguinte e as emissoras de programas sensacionalistas comentaram o que tinha acontecido. Billy tinha estuprado e esganado um menino de oito anos. O jovem foi encontrado morto em um terreno baldio. Duas testemunhas juraram tê-lo visto passando perto no dia. Nada mais que isto. O bairro inteiro ficou a porta da delegacia. Os pais do menino chorosos pediam vingança. Tentaram invadir, mas foram impedidos. Billy não recebeu visitas de nenhum membro do escotismo. Soube que abriram um processo e ele foi exonerado e expulso. “Culpado por suspeita”. Lany, Alfredinho e Tomé não acreditavam em nada daquilo. Lany era lobinha, Alfredinho e Tomé eram escoteiros que passaram para a tropa aquele ano. Tentaram visitá-lo, mas não conseguiram. Impossível menor entrar no presídio. Combinaram de enviar toda semana uma carta dizendo das saudades e que o amavam muito.

                 Billy teve um julgamento rápido. Condenado a vinte e oito anos de prisão sem direito a Sursis. Foi enviado para a Penitenciaria Estadual na própria cidade. Alguns prisioneiros sabendo do acontecido o seviciaram e quase morreu. A vingança não parou por aí. Pegaram de um prisioneiro que tinha o HIV um pouco de sangue em uma seringa velha e enferrujada e aplicaram em Billy. Ele nunca gritou e nem reclamou. Sabia que nada iria reverter às decisões que tomaram contra ele. Acreditava em Deus. Era espiritualista. Tinha um motivo para tudo aquilo. Ele sabia que foi ele mesmo quem escolheu aquele caminho. Só duas coisas o alegravam na prisão. Sua fé em Deus e as cartas de Lany, Alfredinho e Tomé. Quando as recebia chorava. Uma angustia o invadia. Tremia e rezava pedindo a Deus que lhe desse força. Neste interim ninguém do grupo falava mais nele. Era carta fora do baralho. Perderam muitas crianças por causa dele. Os pais tinham medo. Melhor colocar uma pedra no acontecido.

               Dois anos depois, prenderam um vaqueiro de nome Leôncio. Alguém o viu arrastando uma criança para um terreno baldio. Foi preso. Confessou ter feito isto com nove meninos inclusive riu quando disse que foi ele que matou o menino que disseram ser o Billy o culpado. Somente cinco meses depois Billy recebeu o alvará de soltura. Um advogado ofereceu em troca de trinta por cento entrar com um processo na justiça. Ele agradeceu. O dinheiro seria maldito. Não iria pagar sua passagem para ao céu. Já estava debilitado pelo HIV. Recebia os remédios do governo, mas não estavam ajudando muito. Ao sair foi abraçado por muitos amigos que fez ali na prisão. Alguns choravam. Recebeu seu uniforme Escoteiro que ele abraçou com carinho. Não havia mais motivo para ficar na cidade. Foi até a estação ferroviária. – Perguntou ao bilheteiro - Até aonde iria com uma passagem de cinquenta reais? O único dinheiro que devolveram para ele.

               O trem chegou à estação. Quando ia subir três jovens correram para abraçá-lo. Estavam de uniforme. Eram Lany, Alfredinho e Tomé, todos crescidos. Billy chorou. Pensou em não abraçá-los. Estava magro, debilitado, sua pele manchada em vários lugares do corpo. Eles não lhe deram chance. Abraços apertados. Lany o beijou no rosto varias vezes. Entregou para ele o seu chapéu Escoteiro que ela guardou todos estes anos com carinho. O apito do condutor avisando da partida. Os que chegavam e saiam estavam assustados com aquela cena. Um homem feio, doente, sendo abraçado e beijado por uma Escoteira e dois escoteiros e todos chorando. Nunca viram nada igual. Billy pegou o trem e na janela despediu deles. Disse que escreveria. Billy não escreveu. Morreu seis meses depois como indigente em um canto cheio de lixo debaixo de um viaduto em Vitória e interessante. Estava com seu uniforme Escoteiro e no colo o seu chapéu de três bicos. Isto foi o que me contaram.

quinta-feira, 28 de março de 2019

Só o vento sabe a resposta. Uma história, uma lenda escoteira.



Só o vento sabe a resposta.
Uma história, uma lenda escoteira.

                      Era uma vez... Nada a ver com o romance de J.M. Simmel, mas aconteceu e me marcou para sempre. Foi no outono de 1960 que me procurou e foi no inverno de 1965 que partiu para as estrelas. Eu estava no lugar do Chefe do Grupo em um Grupo Escoteiro lá nas Minas Gerais e notei uma menina de uns doze anos se adentrando no pátio de reuniões (era um sábado à tarde) e ficou sentada observando a movimentação das tropas escoteiras. Ainda não havia a coeducação. Esta só foi iniciada na metade da década de oitenta.

                     Em dado momento me procurou. “Chefe, como faço para entrar nos escoteiros?”. Um olhar profundo, um sorriso espontâneo, um brilho de um sonho no olhar e uma vontade de ser e não poder ser. Expliquei a ela. Disse que só como bandeirante. “Mas aqui não tem?”. Só balancei a cabeça negativamente. “Não”, respondi. Seus olhos se encheram de lágrimas. Tentei consolar, mas ela me olhou e saiu correndo. Passaram-se alguns anos, acho que uns cinco anos, se não me falha a memória.

                   Conversava com um chefe e vi uma mocinha adentrando a sede. Pediu para falar comigo e prontamente a atendi. “Chefe, agora eu tenho dezessete anos. Vou fazer dezoito daqui a três meses. Agora posso entrar?”. Eu não me lembrava e pedi para ela contar o que eu disse. - “Não lembras quando estive aqui há cinco anos pedindo para ser escoteira? O senhor me disse que só poderia ser bandeirante. Em nossa cidade não tem. Esperei com calma e sonhando a cada dia em ser escoteira. Agora sou quase de maior, posso ou não?”.

                 Claro, eu disse que sim. Nossa Alcateia tinha 26 lobinhos. Dois chefes masculinos e duas femininas. Tinha que arrumar um lugar para ela. Uma perseverança em querer, em poder ser e depois de anos e anos nunca esqueceu seus sonhos. Claro que nunca poderia ser recusada. Eu jurei a mim mesmo que seus sonhos seriam realizados. Não foi bem recebida. Uma das chefes da Alcateia me procurou em particular e disse que não poderíamos aceitá-la no grupo. – Por quê? Disse eu. Porque ela mora no “Ferreirinho” e o senhor sabe, lá é um bairro de má fama. Sua mãe só pode ser uma prostituta. Não sei por que falou aquilo.

                   Era uma jovem educada e prestativa. Nunca deixou de ajudar ninguém. Infelizmente era uma época onde as mulheres que por um motivo ou outro foram parar ali naquele bairro não eram perdoadas facilmente. Não esperava aquela atitude. Pensei que não éramos assim. Éramos sim, uma fraternidade, cheia de compreensão para com o próximo. Ao encerrar a reunião ela pediu um Conselho de Chefes. Na reunião explicou o motivo.

                 Éramos doze. Concordei. Ela expos suas razões. Pelo menos sete chefes concordaram com ela. Vamos colocar em votação disse? Não precisa. Estou entregando meu cargo. Estou envergonhado. Pensei que aqui teríamos outro pensamento. Mas me enganei. Se isso for acontecer novamente prefiro não estar presente.

                   Todos se assustaram com minha atitude e pediram um tempo para pensar. – Não precisa eu disse. Um dia vocês me disseram que o escoteiro é amigos de todos e irmão dos demais. Se não pensam assim, aqui não é o meu lugar! Procuraram-me no meio da semana, inclusive a chefe em questão. – Desculpe chefe. Agi mal. Muito. Peço perdão. Coloquei a mão em seu ombro. Nada de desculpas minha amiga. Estou orgulhoso de você e dos outros.

                  No sábado seguinte a mocinha que pediu para entrar não apareceu. No outro também não. Fiquei preocupado. Será que ele ficou sabendo do que aconteceu e desistiu? Não tinha seu endereço. Não tinha feito por escrito sua inscrição. Não sabia como achá-la. Dois meses depois avistei uma mocinha que achei parecidíssima com ela.

                  Parei e perguntei. Expliquei tudo. Ela com lágrimas nos olhos me contou a mais triste história que um dia ouvi. Sabe Chefe, Bea era minha irmã mais nova. Ela se chamava Beatriz. Contou as suas amigas e a todos lá em casa de sua alegria em ser agora uma escoteira. Seu sacrifício em esperar cinco anos agora fora reconhecido. Era seu sonho. Ano após ano ela só falava nisto. O dia inteiro rindo dizendo que um dia seria escoteira. Nós tivemos que ouvir todos os dias durante mais de seis anos. No sábado pela manhã se preparou para ir ter com vocês. Levantou cantando alto para todos ouvirem. Ao sair foi atropelada por um ônibus. Levada ao hospital faleceu horas depois.

                Fiquei pensando em tudo. Nosso destino, nossos sonhos. Perdidos em minutos. Em segundos. Por quê? Sem retorno. Acho que só o vento sabe a resposta.

quarta-feira, 27 de março de 2019

Contos de Fogo de Conselho. O Verde vale de Nagoya.



Contos de Fogo de Conselho.
O Verde vale de Nagoya.

Prologo: - No Verde vale de Nagoya não tem mais flores, não tem mais beija-flores. O riacho secou. As árvores não tem mais folhas. Um dia, ao olhar para trás o homem verá o rastro de destruição que ele deixou na natureza. E nesse dia, haverá apenas a dor da sua própria consciência...

- Era uma vez... Há muito tempo, eu era menino de calças curtas e recém-admitido na tropa... Foi em um Fogo de Conselho. – Cada um de nós nos refestelamos no banco tosco e nenhum som mais se ouviu a não ser o crepitar do fogo e ver as pequenas fagulhas dengosas subir aos céus. A voz de Cabelos Vermelhos era sonhadora, ele era um mestre contador de histórias. A princípio sentado, mas a gente já sabia que ele ia ficar em pé, ia gesticular pular e cantar. Era seu dom. Sorrindo olhou para o céu e começou... - Naquele tempo, dizia Cabelos Vermelhos a nossa inocência, o nosso amor e a fraternidade nos dava oportunidade de conviver com os animais com os pássaros e até os repteis eram nossos amigos.

                  Nos preparamos para mais um acampamento de verão. Dizem que no verão as chuvas caem mais fortes, mas nós não nos importávamos. Que importa que tudo passa, a chuva passa, tempestades passam. Até furacão passa difícil é saber aonde ele vai. Sabem meus irmãos escoteiros, nos amávamos a chuva. Dizíamos para nós mesmos que não importa a chuva que cai... Queira ou não após as tempestades o sol ou a lua vão de novo aparecer. Nossos preparativos foram rapidamente realizados. Em uma bela manhã partimos rumo ao verde Vale de Nagoya. Era um dos vales mais lindos que conhecíamos. Era lá que o sol quando nascia nos cumprimentava com um sorriso e quando se ponha deixava escrito no céu dizendo: - Amanhã eu vou voltar! Que a lua e as estrelas cuidem de vocês como eu cuidei. Não choveu a não ser uma pequena garoa no terceiro dia. O nosso programa nos dava tempo para belas construções e explorações de grutas de tirar o fôlego.

                   Naquela tarde bolorenta, daquelas que dá vontade de cochilar e não acordar que vimos um Beija Flor em cima da mesa do refeitório. Semblante triste asa caída nos olhou choroso e disse – Olá Escoteiros, foi bom ver vocês. Estou partindo do Vale de Nagoya aqui nunca mais voltarei. – Olhamos espantados para o Beija Flor e ele continuou. Me chamam Pirilampo. No passado diziam que eu tinha luzes que piscavam que eu levava o sorriso aos meus irmãos. Hoje Escoteiro, hoje não sou nada aqui neste vale que um dia foi florido e hoje não é mais. Vôo até às escarpas, vôo rasante pelas cascatas no vale, tento subir mais alto para descobrir flores que agora não existem mais. Como vocês amamos a natureza. Voamos para frente e atrás, podemos até permanecer imóveis no ar. Voamos a velocidade do som e que adianta tudo isto?

                   Olhamos o Pirilampo e não dissemos nada. A patrulha já tinha observado que o Vale de Nagoya já não era mais o mesmo. As flores desapareceram com as queimadas, O bosque e a nascente cristalina desapareceu. As árvores são vendidas pelo melhor preço para servirem de carvão nas usinas siderúrgicas que produzem ferro e o aço para as máquinas infernais. Vi nos olhos de Pirilampo pequenas gotas de lágrimas que caiam. – Pois é Escoteiros, muitos acreditam que nós somos anjos, que podemos voar em suas terras, que nosso néctar nunca ia se acabar. Eles mesmos inventaram o meio de nos dar água com açúcar como isto fosse substituir nosso néctar. Eles não sabem que quando o sol fermenta a água açucarada e ela tem nos feito tanto mal que alguns de nós morremos em poucos dias.

              Tenho de partir, meus irmãos já foram. Eu sou o último beija flor do Vale de Nagoya. Não sei se aqui voltarei, pois acredito que o Vale se foi para sempre. Não queria ir sem me despedir de vocês. A vida aqui no vale me ensinou a dizer adeus às pessoas que amo e vocês ficarão para sempre em meu coração. Adeus Escoteiros, que as gotas de chuva de hoje possam lavar os pensamentos ruins e alegrar os olhos de vocês para sonhar com um futuro, um Vale de Nagoya florido, cheio de Beijas Flores no céu. Pirilampo levantou vôo e se foi. Não deu uma revoada em cima do nosso campo de patrulha. Partiu como se quisesse esquecer aquele vale de agora e lembrar sempre como foi em um passado distante.

                 Cabelos Vermelhos se calou. Todos nós estávamos calados. Não havia o que dizer. Alguém com os olhos vermelhos perguntou – E aí Cabelos Vermelhos, como é hoje o Vale de Nagoya? – Aquele Chefe contador de histórias nos olhou, fechou os olhos e disse: - O homem destrói a natureza na justificativa de sobreviver, a natureza luta para sobreviver, para garantir a sobrevivência do homem! E onde ela está?



terça-feira, 26 de março de 2019

Para você que gosta de histórias escoteiras.



Para você que gosta de histórias escoteiras.

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Há alguns anos resolvi escrever histórias escoteiras mais longas, contando a saga de patrulhas nas suas atividades aventureiras. Primeiramente escrevi “A PATRULHA DA ESPERANÇA” onde seis escoteiras fizeram um pacto de sangue para permaneceram juntas por toda a vida e até na eternidade sob a égide da mesma Patrulha. Contada em flashback a história vai se desenrolando no passado e no presente. Emocionante. Vale a pena ler. Posteriormente escrevi “O ESTRANHO FUNERAL DO CHEFE GAFANHOTO”. Um jovem Chefe é surpreendido com a morte por linchamento do seu primeiro Chefe Escoteiro que sempre amou. Não acreditou no que leu nos jornais e partiu para investigar o que aconteceu em sua cidade de origem. Os fatos, os culpados, os antigos amigos da Patrulha o ajudaram a desvendar a trama que fizeram contra ele. Meses depois escrevi “A FANTÁSTICA SAGA DO COMISSÁRIO LEOCÁCIO”. Um simples Chefe do interior, de origem humilde sem ter cursado faculdade, é escolhido para ser o Comissário Regional de um Estado Brasileiro. O conto se passa entre os anos de 1930 a 1940 onde os valores universitários estavam sendo valorizados. O final surpreendente convida a todos a lerem a história. Porque não um Grande Jogo noturno? E eis que escrevi “O FANTÁSTICO JOGO NOTURNO NA ILHA DO GAVIÃO NEGRO”. Uma ilha misteriosa, quatro patrulhas sedentas de aventura, o enfrentamento dos gaviões, o silencio da floresta e o homem misterioso transformou um simples jogo numa grande aventura. Nesse interim escrevi um conto pequeno sobre a história de um jovem palestino recém-chegado ao Brasil. Foi então que surgiu a ideia de escrever o quinto conto da série: - A LENDA DO TESOURO PERDIDO NO DESERTO DE NEGEV. Um tesouro escondido, um pirata ainda vivo, história passada na palestina tem todo o sabor da Terra Prometida onde o Senhor viveu e morreu.

Á ideia era que fossem editados como livro de bolso para ser levado facilmente pelos aficionados de histórias escoteiras. Não foi possível assim os coloquei a disposição de quem quisesse ler as histórias em PDF. Quem sabe um dia meus livros estarão a sua disposição.
Gostaria de ler? De ter em seus arquivos esses cinco contos escoteiros? Não são longos, média de 70 a 90 páginas por conto. Se interessar me mande um e-mail solicitando o BLOCO 4 (os livros escoteiros em PDF) e terei prazer em atendê-lo. Escreva para mim no e-mail ferrazosvaldo@bol.com.br e não esqueça, fale um pouco de você. Gostaria de saber quem está lendo minhas histórias escoteiras.

Não faça seu pedido aqui. Só atendo pelo meu e-mail. Obrigado.

segunda-feira, 25 de março de 2019

Lendas escoteiras. Paixão além da vida.



Lendas escoteiras.
Paixão além da vida.

Nota - Um amor impossível, uma aceitação difícil entre duas almas que se amam. Viveram felizes por muito tempo. História de vida que serve como exemplo para todos nós.

                     Três patrulhas. A quarta só no ano seguinte. Tropa nova, com menos de um ano e seis meses de atividade. Paulo Tostes era um Chefe novo, vinte e três anos. Resolveu um dia ser Escoteiro. Nunca foi. Achou nos guardados do seu pai um livro chamado Escotismo Para Rapazes de Baden Powell o fundador. Leu em uma noite. Gostou. Seu pai quase não falava. Vivia em uma cadeira de rodas. A mãe morrera há anos. Ele arrimo da família. Sempre pensou em ir embora de Lua Verde. Só conseguiu terminar o segundo grau. Cidade pequena, menos de dez mil habitantes.

                    Sem perspectivas de crescimento profissional. Não podia deixar seu pai. Para sobreviverem ele montou uma quitanda. Pequena. Na frente de sua casa para não pagar aluguel. Algumas verduras, frutas, doces, e quando pode comprar uma geladeira, refrigerantes e algumas guloseimas geladas. Dava para seguir adiante a cada mês. O “fiado” era a parte mais difícil. Como negar ao Seu Romerildo? A Dona Eufrásia e a tantos outros? Eram como ele. Nem sabiam o que iam comer amanhã.

                    Paulo Tostes amou o livro. Releu diversas vezes, pensou com seus botões. - Porque não ter uma Tropa Escoteira aqui na cidade? Não seria tão difícil. E assim fez. Mãos a obra. Convidar meninos foi fácil, a sede também não foi difícil. Ficaram num pequeno porão da Igreja Matriz. Mas Paulo Tostes não entendia nada. Começou na raça, nem sabia que existia autorização, alguém responsável acima dele.

                    Ele e os Raposas, os Tigres e os Leões eram os escoteiros mais felizes do mundo. Amigos, irmãos, juntos sempre. O populacho da cidade adorava vê-los correr pelos campos, parecia um bando de meninos loucos a fazerem suas aventuras fantásticas. Paulo Tostes um dia recebeu uma carta. Era do Grande Chefe Escoteiro da Capital. O convidava para um curso. Todas as despesas pagas. Porque não ir? A quitanda deixou na mão de Quinzinho e Marquinho. Dois Monitores que sempre o ajudavam nos sábados pela manhã quando a quitanda estava cheia.

                   Partiu no trem noturno das onze para a capital. Quinze horas de viagem. Na chegada se informou onde era o Zoológico. Pegou o bonde. Desceu no final e dai seguiu a pé. Eram mais seis quilômetros. Nada que assustasse Paulo Tostes. Quando chegou viu muitos chefes. Bastante. Gostou do curso. Não gostou de alguns. Prepotentes, vaidosos, cheios de arrogâncias. Pensou consigo se eles sabiam que pertenciam a uma fraternidade. Não era assim que BP dizia em seu livro?

                   Aprendeu muito. Resolveu que deviam ter uma Alcatéia. Mas quem convidar? No trem quando retornava pensava a respeito. Uma jovem morena sentou ao seu lado. Paulo Tostes teve duas namoradas. Pouco tempo com elas. Nunca pensou em casar. Novo apenas 23 anos ainda tinha uma vida pela frente. Agora com seu pai entrevado não tinha esse direito. Ela o olhou de cabeça baixa. Paulo Tostes viu que chorava. – Por quê? Perguntou. Ela não respondeu. Acordou com ela dormindo em seu ombro. Reparou que era muito bonita, mas tinha o olhar envelhecido por uma vida de lutas.

                    Durante todo percurso da viagem ela chorou. Paulo Tostes insistiu. Ela nada dizia. Só disse que deveria ter morrido e Deus quis assim. Que seja. - Vai para onde? Sem destino respondia – Sem destino? Não tem amigos, parentes, nada? Não tenho. Quando chegou à estação de Lua Verde tinha resolvido. Desça comigo. Ficará uns dias em minha casa. Ela assustou – Descer? E sua família? Não se preocupe. Uns dias em Lua Verde você irá colocar a cabeça no lugar e saberá aonde ir e o que fazer. Ela desceu. A cidade inteira na janela vendo Paulo Tostes e a bela morena. Quem era? Ele casou? Ele não disse nada.

                   Sua vida continuou. Seu pai nem perguntou. Os escoteiros nada disseram e nem perguntaram, amavam seu Chefe e sabiam que ele nunca tomava decisões erradas. Sua vida mudou. Madalena era uma mulher perfeita. Cuidava da casa. Fazia tudo. Os olhos de seu pai brilhavam quando ela sorria para ele. A cidade inteira comentando. E a Tropa? Alguns pais querendo tirar os filhos. Os comentários não eram bons. Uma mulher da vida, só podia ser.

                   Paulo Tostes resolveu casar com Madalena. Ela disse não. Por quê? Você não tem ninguém. – Ela chorando contou a verdade. Fora mulher de vida na capital. Gostava de um soldado. Ele prometeu casar com ela. Morreu em tiroteio com bandidos. Chorou muito e o pior, pegou AIDS. Sim, isto mesmo! Ainda em fase inicial.  Ele manteve seu pedido. Não importa. Quero você como minha mulher. Casaram-se na Igreja de São Judas Tadeu. Cerimônia simples. Ele uma vizinha e as três patrulhas escoteiras. Casou de uniforme.

                   Ela feliz. Sorria. Viveram muitos anos. Madalena se tornou Akelá. Os lobinhos adoravam sua Chefe. Paulo Tostes e Lena nunca fizeram sexo. Era um amor diferente. Madalena morreu com quarenta e oito anos. No seu velório três patrulhas um Chefe e uma vizinha. Dizem que virou santa. Não sei. Mas seus lobinhos hoje homens feitos nunca esqueceram a Chefe que tiveram. Paulo Tostes chorou por muitos anos. Morreu com sessenta e quatro anos vítima de um tumor no pulmão. Porque se nunca fizeram sexo?

                  Conheci ambos. Sempre quando vou a Lua Verde não deixo de fazer uma visita ao tumulo dos dois. Lado a lado. Escreveram uma lápide simples. Nem sei quem escreveu. – “Aqui jaz, dois amantes que nunca foram. Amaram o escotismo e com ele viverão para sempre no céu!”.


Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro. A Arte de contar histórias.



Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
A Arte de contar histórias.

“Não há quem resista a boas histórias. Nas páginas dos livros, dos jornais e das revistas, na tela do computador e na televisão, narradas presencialmente ou transmitidas pelo rádio... Seja lá onde e como aparecem, elas encantam, amedrontam, fazem rir ou chorar. Assustam e são capazes de levar, ainda que em pensamento, até os lugares distantes pessoas de qualquer idade, especialmente as crianças”. 

“Contar histórias é uma das mais belas ocupações humanas: e a Grécia assim o compreendeu, divinizando Homero que não era mais que um sublime contador de contos da carochinha” Todas as outras ocupações humanas tendem mais ou menos a explorar o homem; só essa de contar histórias se dedica amoravelmente a entretê-lo, o que tantas vezes equivale a consolá-lo. Infelizmente, quase sempre, os contistas estragam os seus contos por os encherem de literatura, de tanta literatura que nos sufoca a vida! Assim disse Eça de Queiróz.

            Eu gosto de contar historias. Influencias diversa me colocaram em fábulas reais ou lendas imaginárias. Garatujo algumas baseadas em fatos autênticos, outras com uma pequena dose de ficção deixando no ar o gostinho da dúvida – Será que foi ou não verdade? – É o meu estilo de escrever.

           Alguns contos ou narrativas são flashbacks que surgem com final feliz. Poucos com desfechos um tanto tristonhos, mas que fazem parte da vida e da história da humanidade. Importante saber que todos nós temos sempre uma história para contar. E se pudéssemos montar nossas biografias com fatos e feitos ocorridos, teríamos um volume imenso em paginas impressas no imaginário livro da vida.
Faça sua própria aventura! Pois
“Boi não é vaca feijão não é arroz”...
“Quem quiser que conte dois”.
E todo poeta tem direito,
De aumentar um ponto e
Porque não seu conto?

Dicas para contar histórias.

Nem todo mundo nasce com a habilidade de prender a atenção ao contar uma história. Aqui relembro algumas dicas especiais para tornar a leitura ainda mais mágica. Prepare-se para ser o grande contador de histórias com seus jovens.

Tornar a história mágica, mergulhando nas aventuras e fantasias que ela proporciona, são os grandes segredos para a hora da leitura se transformar em um momento inesquecível. Uma peça de teatro! Isso mesmo, a história tem que ser um maravilhoso espetáculo. A contação de histórias não é uma tarefa fácil, afinal prender a atenção de uma criança ou um adulto vai além da simples leitura de algum conto.

O primeiro passo é escolher uma boa história. (não sei se as minhas são). Rs.
- Verifique qual será seu publico que você vai dirigir ao contar a história.
- Antes de contar, leia a história pelo menos três vezes. Melhor se contar da sua imaginação em vez de ficar lendo.
Isso ajudará no momento da contação, pois você já estará familiarizado com a trama dando abertura para improvisar, tornando o momento mais divertido e emocionante.
- Comece pelo título e nome do autor do livro.
É muito importante que ele (a) saiba diferenciar estes dois aspectos e também reconhecer um autor.

Use e abuse de sua imaginação.
Imagine os personagens e dê vida a eles com gestos, entonações e até se possível, utilize algumas vestimentas. (a ideia é que o Contador de Histórias esteja impecavelmente uniformizado ou vestimentado). Afinal irá transmitir exemplos e nada melhor que se apresentar escoteiramente com garbo. Sua ação criará grandes expectativas em seu ouvinte além de tornar o momento muito prazeroso.
Tenha paciência e releia a história quantas vezes forem necessárias. Isso também ajudará no desenvolvimento das futuras contações.

Adendo: -
Conte a história com paixão.
Se nem você estiver empolgado com a história que está contando, imagina só quem estiver ouvindo?
Pense na história como uma crônica.
Para tornar um relato mais interessante, é necessário que ele assuma feições novelísticas, tornando-se em si mesmo uma espécie de conto ou crônica. Sinta-se confortável para destacar os pontos interessantes e ignorar os desinteressantes.
Fique atento a linguagem corporal.
Mantenha contato visual e saiba expressar as suas emoções com um sorriso ou com um olhar específico. A linguagem não verbal é quase tão importante quanto às palavras que falamos.

Leia sempre!
Esta é a melhor dica para criar-se o hábito da leitura na criança e nos adultos. O seu exemplo ajudará a desenvolver o gosto pelos livros desde cedo.
Estas são algumas dicas para uma boa contação de histórias. Basta embarcar feito criança neste universo mágico junto com toda família que a diversão já estará garantida! Agora é com você.

domingo, 24 de março de 2019

Lendas Escoteiras. O Tribunal de Honra.



Lendas Escoteiras.
O Tribunal de Honra.

                               Tito debaixo da Aroeira da Sede Escoteira meditava. Nos seus quatorze anos e três de monitória ainda se sentia como um recruta na sua responsabilidade como Monitor da Águia. Nunca pensou que na tropa alguém poderia fugir do seu compromisso da Lei e da Promessa feita um dia em frente à bandeira, a tropa ao seu Chefe e a Deus que ele tinha como seu Chefe universal. Logo Danton? O que o levou a fazer tamanha barbaridade? Danton, por favor, diga que não é verdade! Danton queria chorar dizer que não sabia como tudo aconteceu e jurou parar...

                                Tropeiro sempre foi o Monitor mais sorridente da tropa e amado pelos patrulheiros da Patrulha Lontra. Não era o mais antigo, mas ficava apenas atrás de Capistrano. Esperou pacientemente o sinal abrir para atravessar a Rua Peçanha e seguir até a Sede Escoteira. Nunca pensou que um dia poderia julgar absorver ou condenar Danton. Hoje Tropeiro estava arrasado. Danton era seu amigo desde os tempos de lobinho. Foi seu Primo na Matilha Cinza e morava na mesma rua da sua casa. Nunca fugiu das suas responsabilidades de Monitor da Onça Parda, e lembrava como enfrentou tempestades, ventanias, dificuldades mil nos acampamentos que fez.

                               Soares Cascudo nunca incomodou com seu apelido. Era um perfeito Monitor que sabia sorrir a qualquer hora e nas dificuldades. Olhando as reuniões que fazia com sua Patrulha Os Gaviões muitos diriam que ele não era o Monitor tamanha fraternidade com que demonstrava junto aos demais. – Mãe, o que eu devo fazer? Dona Nina olhou para Soares Cascudo e custou para responder. – Filho são responsabilidades que cada um de nós tem a hora de enfrentar. Pense no que vai fazer ou dizer, aja com lealdade, lembre-se que Danton sempre o tratou com respeito.

                               JR Coruja nem de longe parecia àquela ave a quem chamavam de professor de todas as aves. Moreno quase negro nunca se sentiu fora do quadrado da fraternidade que imperava na tropa escoteira. Foi eleito por unanimidade no ano passado como Monitor e aceitou impávido o cargo desejando mostrar todos da Pantera que era capaz. Seu pai o encorajou quando JR Coruja disse para ele da eleição. – Filho, a vida é feita de desafios e este chegou para você. Enfrente, mostre que é capaz. JR Coruja orgulhava de seu pai um simples Contador das Empresas National. Amava com todas as forças sua mãe e seu pai com quem aprendeu a respeitar e ser respeitado.

                                Os quatro Monitores não tinham uma ideia fixa do que dizer fazer e votar na maior de todas as reuniões que já fizeram no Tribunal de Honra de sua tropa. Acostumados a discutirem assuntos banais, aprovarem seus programas de atividade, dar um puxão de leve na orelha de alguém agora não. Teriam que tomar uma atitude com Danton. Porque ele chegou aquele ponto? Afinal não tinha bons amigos para se aconselhar ou aprender que o Escoteiro é puro nos seus pensamentos nas suas palavras e nas suas ações?

                                 O Chefe Castor foi o primeiro a chegar. Cedo ainda abriu a sede e não tinha ninguém no pateo. Fez uma revisão no programa de reunião sem muita pompa quem sabe dirigido pelos monitores sobre adestramento de cálculos de altura, distancias e passo duplo. Deixaria para os monitores os jogos e ele sabia que iriam escolher os mais divertidos que já jogaram. Lembrou quando no ano anterior pediu uma opinião das patrulhas sobre como deveria ser os jogos a serem aplicados no ano seguinte. O tema foi motivo de uma gostosa conversa dos monitores no Tribunal de Honra. :

- JR Coruja o Escriba do Tribunal escreveu no Livro de Ata: “Conforme preposição dos monitores fica decidido que a partir de hoje o Chefe Castor fica encarregado somente dos chamados “Jogos Surpresa”. Cada Patrulha mensalmente dará sugestões dos jogos a serem aplicados. Nenhum jogo terá a formalidade de obrigação e sim jogado espontaneamente. Deve-se dar preferencia que o jogo seja jogado pela simplicidade de jogar e divertir e o caráter competitivo virá em segundo lugar”.

                                 O Chefe Castor sorriu ao lembrar, mas logo pensou no que diria aos monitores sobre Danton. Ele próprio não sabia como agir. Era um novato na arte de aconselhamento de jovens que enveredaram pela droga. Isto mesmo. Danton o procurou para dizer que estava viciado no “craque”. Impossível pensou. Logo ele? Filho de uma família bem quista no bairro, seu pai advogado e sua mãe enfermeira Chefe no Hospital Santa Elísia? Conversou várias vezes com os pais e não sabia como aconselhar e sugerir um caminho seguro para Danton.

                                 As patrulhas cobraram dos monitores alguma medida para evitar que o fato se tornasse normal na Tropa Escoteira. Foram feitas duas reuniões preparatórias do Tribunal de Honra e muito se falou menos o que fazer. Danton não ia mais as reuniões e Soares Cascudo sugeriu que o assunto fosse finalizado, pois praticamente Danton demonstrava não ter mais interesse em permanecer na tropa Escoteira. Os demais ficaram em duvida. Colocar debaixo do tapete?

                                Por questão de caráter e ética ele sabia que deveria aconselhar aos monitores alguma punição ou ação. Mas qual? Deixou a critério dos Monitores. Foi uma surpresa quando viu chegar o Dr. Marcelo sua esposa Dona Neném e Danton. – Foram diretos: - Chefe Danton vai se internar em uma Instituição própria para desintoxicação. Viemos aqui pedir desculpas e entregar o pedido de demissão de Danton! O Chefe Castor estava surpreso com tudo aquilo. Olhou para Danton que chorava. Afinal foram três anos de lobo e três de escoteiro. Não era para menos.

                                O Tribunal de Honra teve início impreterivelmente às dezoito horas. Todos os escoteiros aguardavam ansiosos no pátio esperando o veredito. O Chefe Castor passou a direção do Tribunal para Tropeiro o mais antigo e Presidente do Tribunal. Uma oração, uma leitura da ata anterior e...

“E você? Se fosse Monitor o que iria decidir?” Como dizia o poeta, não espere por uma crise para descobrir o que é importante em sua vida.

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....