sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro. “Tarde demais para esquecer”. Uma janela no meu trem para lembrar.




Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
“Tarde demais para esquecer”.
Uma janela no meu trem para lembrar.

... Apenas uma lembrança. Não é um conto e nem uma história. Nostalgia saudades que chegaram em um dia difícil de passar. Os mais velhos irão lembrar-se do filme os mais novos poderão um dia conhecer um amor impossível de acontecer. “Tarde demais para esquecer” bateu forte em mim. Afinal sempre fui emotivo com histórias de grandes amores. Os poetas têm suas escolhas para definir a passagem de um grande amor em cada vida. Dizem eles que há sempre alguma loucura no amor. Mas a sempre um pouco de razão na loucura! Tenham uma excelente noite!

                         Os ponteiros do Relógio atravessaram pausadamente o dia. A tarde chegou e se foi. Há noite vem chegando. Olho pela janela ainda com o sol tentando se sobrepor entre as nuvens. Ainda repouso quieto de olhos abertos em minha cama tentando recuperar as forças que havia perdido nestes últimos dias. São coisas de velhos principalmente os escoteiros que ainda acreditam estar subindo em uma montanha como se fosse aquele jovem menino de outrora. Roda vida a procurar um ponto qualquer no passado para ver tem algum importante para relembrar. Fechei os olhos devagar, uma música suave veio ao meu encontro. Que música era aquela? Lembrei-me de Cary Grant no seu papel de playboy mulherengo e Deborah Kerr uma ex-cantora que viajando em um cruzeiro para a Europa, se conhecem. Apaixonam-se. Mas precisam dar novo rumo as suas vidas e combinam encontrar seis meses após no alto do Edifício Empire State. Se ambos aparecerem o amor é verdadeiro e se casarão. “Tarde demais para esquecer”!

                       Não resisto às lembranças. Não tive um amor tão grande assim em minha vida. O que tive até hoje estamos juntos e felizes. “Affair To Remember” me marcou muito. A música foi entrando em meu ser. Dominando-me, me senti tonto, inebriado. O piano deslizava em minha mente tal qual um por do sol na Montanha da Lua onde tantas vezes acampei. Viajei no tempo. Na fila do Cinema Palácios, de braços dados com a Célia. Íamos assistir finalmente “Tarde demais para esquecer”. Não sabia o que íamos ver, não fazia ideia. Sou emotivo demais. Quando no final ele não a encontrou no Empire State chorei. Ainda não fazia ideia porque ela não foi. Um trágico acidente deixando-a paraplégica a impede de ir ao encontro. Ela toma um rumo emocionante e incerto. Saí do cinema perdido em conjecturas e nenhuma me agradava. Não seria eu o Leo McCarey o diretor para mudar tudo no final. Eu era apenas um Escoteiro, emotivo, noivo, amante de sua linda e futura esposa que vivia a sorrir e cantar na natureza.

                         Agora me vejo sentando em uma poltrona viajando no meu trem do passado. A janela aberta, a fumaça volta e meia entra no vagão de primeira classe. Não reclamo. Adoro e amo esta fumaça que até hoje me faz uma falta enorme. Ajeito o travesseiro para aceitar melhor. Minha cabeça fica zonza, pensando e pensando. Meus olhos se firmam na paisagem que o trem vai me mostrando em cada curva que faz. Um pontilhão me assusta. Sorrio. Pego de surpresa. Quantos pontilhões passei na minha infância? Correndo com medo de o trem chegar... Ah! A janela não para de me mostrar um passado, mas a música o piano gostoso, a melodia do filme que me marcou entra em meus poros. No final da passagem do túnel do Corcel perto de Derribadinha vejo-me ali, em pé, segurando meu cavalo de aço junto aos meus outros cinco companheiros. Esperando o trem passar para adentrar no túnel desconhecido.

                         O piano cessa. A melodia fica a parafusar minha mente. Preciso ouvi-la novamente. You tube? Sim! Vou lá. Ela volta agora e me refastelo na cama, minha cabeça repousa no travesseiro e minha mente de novo viaja naquele trem do tempo que se foi. Lembrei-me de Gilwell. Por quê?  Afinal “Na Affair To Remember” não tem nada do escotismo que amo. Quem sabe será porque me sinto Velho e fraco e preciso voltar? Voltar onde? Em Gilwell, no tempo? Assistir novamente o filme da minha vida? Minha mente embaralha. Já nem sei mais o que pensar. Volto novamente ao meu trem. Minha janela. A fumaça branca entrando. Meu paletó branco era macio como leite em calda. O trem vai diminuindo sua marcha. Entra na estação e vejo em algum canto da estrada a garotada correndo sem parar jogando uma pelada com bola de pano. Alguém grita: - Amendoim torradinho, doce de leite e cocadas! Comprem é barato!

                         O trem já vai partir. – Alguém diz com voz chorosa: - Não quer ir comigo? Ela responde chorando... Desculpe sou feliz aqui! Um grande amor interrompido? Minha mente volta ao Empire State. E ela? Mesmo em uma cadeira de rodas ainda pensa em casar com ele? Não sei. Não quero contar. Filmes são assim, trilhas sonoras inolvidáveis. Um piano tocante quem sabe na Floresta do Tenente, lá muito longe onde acampei. Alguém toca baixinho para mim “Na Affair To Remember”. Sento-me na porta da barraca. Uma noite linda, o céu salpicado de brilhantes estrelas. Cai uma brisa vinda da Lagoa dos Peixes dourados. Tudo é encantamento. Noite romântica mágica repleta de felicidade. Fecho os olhos, minha viagem vai chegando ao fim. Levanto-me meio tonto da minha cama. Olho pela janela, daqui a pouco vai chegar à madrugada. No meu trem ouço alguém dizer na estação final: - Muito obrigado meu jovem cavalheiro e escoteiro, muito obrigado por esta bela viagem. Desço do trem. Vejo-me fardado, na mão o meu chapéu de abas largas. É noite alta, lágrimas em meus olhos mostram que ainda penso no grande amor de Deborah Kerr e Cary Grant.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Lendas Escoteiras. Uma cidade chamada Esperança.




Lendas Escoteiras.
Uma cidade chamada Esperança.

... - Muitas histórias são tiradas da imaginação, outras pura realidade. Não sei se Monteiro Lobato é uma história real ou imaginaria. No mundo em que vivemos pode parecer fantasia, mas na mente dos escoteiros que entendem da ajuda ao próximo, à história de Monteiro Lobato pode ter existido. Sempre Alerta!

              Contam que ela surgiu na passagem da Bandeira de Borba Gato, um bandeirante paulista que aprendeu com o sogro Fernão Dias Pais. Faleceu em 1718, portanto a Cidade de Esperança é bem antiga. No Museu Histórico situado na Praça Santo Antonio, na porta tem uma placa que diz: - Não há nada impossível, pois os sonhos de ontem são as esperanças de hoje e podem se converter em realidade amanhã! Esperança não tinha nada especial. Era uma cidade grande como muitas existentes neste enorme Brasil. Trens, ônibus, carros cruzavam suas ruas todas as horas do dia e da noite. Se algum dia for visitar Esperança, tente o ônibus “Vale da Alegria” e no final você vai estar na mais bela favela que existe em todo o mundo. Bem bela favela é um modo de dizer. Ela está cercada por bairros nobres, O governador tem uma residência de verão próximo a Vila do Amor. O Prefeito mora em uma mansão no Bairro Jardim de Versalhes.

                Do alto da favela ainda se avista a Vila Paris, o Parque dos Príncipes e o Lago dos Sonhos. Passando por lá, tente encontrar uma entrada na favela onde tem uma placa escrita: “Onde estiver, seja lá como for, tenha fé porque até no lixão nasce uma flor”. Siga em frente por cem metros e em uma viela onde cabem apenas duas pessoas, siga até o final. Vais encontrar um barraco pequeno, folhas de taipa, sem pintura e uma porta pequena onde um homem alto tem de abaixar para passar. Ali é a morada de Monteiro Lobato. Jardel e Neném seus pais queriam um nome pomposo. Queria mostrar a todos na favela que seu filho seria alguém. Nada de extraordinário. Todos os pais sonham pelo futuro dos filhos. Aos dois anos Monteiro Lobato tentou andar e não conseguia. O Doutor Paulo do pequeno ambulatório da favela diagnosticou uma “Sinovite Vilonodular” – Seu filho precisa amputar a perna direita! – disse. Dona Neném não aceitou. Ela tinha fé, era devota de Santo Agostinho. - Ele iria curar seu filho. Falou para Jardel que não era assim tão crente como ela.

                  Nunca mais voltaram ao postinho de saúde. Um ano, quatro, oito doze e Monteiro Lobato se arrastava pelas vielas até a escola Dom Pastor onde estudava. Uma dor incrível na perna e ele calado não contava para ninguém. Sua mãe calada sabia do seu sofrimento. Ele dizia para si mesmo que a esperança não era sua cidade somente, a esperança era o sonho de se manter acordado e acreditar. Naquele sábado foi até sua escola, um campeonato de diversas modalidades de esportes e ele gostava de ver. Era a hora que sua dor diminuía. Sentou na arquibancada pequena de pedra, e notou ao seu lado um menino Escoteiro todo sorridente em seu uniforme. Ele já os conhecia quando andavam pela rua e sabia que seu habitat era no Colégio Francisco Delgado. Um colégio só para ricos. Ser Escoteiro lá só sendo matriculado na escola. Ele sabia que nunca teria vez. Não era rico, nunca seria e seus sonhos de Escoteiro menino nunca ia se realizar. Muitas vezes Monteiro Lobato pensou em ser um, mas dos três grupos próximos nenhum o aceitaria. Afinal era pobre e nunca poderia pagar nada. Nem fazer seu uniforme – Disto ele sabia.

                    Dizem que o pessimista se queixa do vento, o otimista espera que ele mude e o realista ajusta as velas. Assim era Monteiro Lobato, sempre com suas velas ajustadas. O menino Escoteiro sentado ao seu lado gritava e vibrava com seu amigo que devia ser Escoteiro e estava participando de uma corrida de revezamento. Monteiro Lobato olhava para ele e sorria também. Sorrisos são assim, contagiantes e ele sabia que poucos sorriam perto ou para ele. Acabou a corrida e o Menino Escoteiro desceu correndo as escadas para abraçar seu companheiro. Escorregou em um degrau e bateu com sua cabeça em uma saliência. Muito sangue, muita correria, ambulância chegando e partindo. Os ânimos acalmados e um menino apontou para ele: - Eu vi, disse – O favelado deu nele uma rasteira, por isto caiu! Monteiro Lobato se assustou. Um homem alto o pegou pela camisa e o jogou longe. Caiu em cima de sua perna. Que dor Deus meu! Gritou e implorou para que o ajudassem. Ninguém se aproximou.

                    Todos partiram e deixaram Monteiro Lobato desmaiado sem nenhum socorro. Já escurecendo seus pais chegaram e de novo o levaram ao Postinho de Saúde. – Desta vez não tem jeito dona Neném. Vou levá-lo a um hospital e ver se alguém pode amputar sua perna. Os olhos de Monteiro lobato se encheram de lágrimas. Ele pensou que a esperança dos seus dias de solidão, a angústia dos seus instantes de dúvida, a certeza nos momentos de fé, era melhor deixara a tristeza e trazer a esperança em seu lugar. Quando a ambulância estava saído, o menino Escoteiro Chegou. Sei pai não queria, mas ele tanto insistiu que foram procurá-lo. Dizem que a esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las. O levaram para o melhor hospital da cidade. Foi operado e não perdeu a perna. Três meses depois voltou ao seu barraco. Lá o esperava o menino Escoteiro e seus amigos de patrulha.

                  Monteiro Lobato nunca deixou a favela. Os jovens meninos Escoteiros o ajudaram por toda sua vida. Nunca sonhou em ser Escoteiro e foi. Nunca sonhou em formar e se formou. A vida passa e nós acompanhamos seus passos. Não seria melhor dizem que o tempo passa tão depressa, e quando nos assustamos vemos que o tempo já passou? Diga o que você pensa com esperança. Pense no que você faz com fé. Faça o que você deve fazer com amor e tudo vai dar certo! – Ele nunca esqueceu as palavras de seu pai um simples faxineiro que disse para ele – “Quando tudo nos parece dar errado acontecem coisas boas que não teriam acontecido se tudo tivesse dado certo”. Monteiro Lobato nunca se achou diferente, até hoje manca ao andar. Não é empecilho. Voltou para o Postinho de Saúde e ali ajuda a todo mundo com seus conhecimentos médicos. Já não é mais um Escoteiro andante, mas se considera um Escoteiro de coração. Escotismo é assim, acreditar no que faz esquecer as dificuldades, estar sempre alerta o tempo todo, ajudar e sentir a alegria de ter o amor Escoteiro no coração!

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

“Velho Lobo” Impeesa – O lobo que nunca dorme.




“Velho Lobo”
Impeesa – O lobo que nunca dorme.

Venha amigo, velho lobo, interino desalento, tanto quero, tanto busco, adentrei meu pesadelo, vá, me demonstre o caminho, vá Quero me despir de ilusões, que criamos pra viver e sóbrio lúcido enxergar. Esse peso é recente, privilégios que me prendem me dê forças pra encarar-me, sem o manto e véu dourado. Vá, descontrua o espelho pra mostrar só o que devo ser sem julgar-me, eu filtro e mudo... (Scalene).

- Um tédio esta minha tarde, escondido na flor de laranjeira, queria nela “trepar”! Impossível impôs meu oculto inconsciente. Mereço despencar no ar? Qual a causa? Que alvoroço sorveu meu pensamento para falar na palavra sagrada de “Um Velho Lobo” mortal? Não somos mais ouvidos, ninguém nos dá atenção me diz lá no fundo da mente uma jiboia verde que por muitos anos me ofereceu sua amizade. Mesmo Tomix aquele lobo Guará de outras eras, que já deve estar tão velho como eu! – Velho? Logo eu? Afinal os velhos não carregam consigo o peso dos anos e da vida que viveram? Quem melhor que eles nos pode ensinar qualquer coisa? Chefe Vado já falei até para Jovelino da Patrulha Caititu que veio aqui comigo reclamar... Pensei nas suas palavras, já me disseram que os velhos seguramente tem mais experiência que os mais jovens e para os que querem aprender eles com sua sabedoria sempre foram um importante recurso. Mas do outro lado da burrice, me vem jorrando as palavras de Maildo, um Velho Chefe Escoteiro hoje quem sabe envelhecido de saber... Contando no fogo de conselho nas estrelas como foi seu alegre viver.

- Foi ele que tentou me convencer que não sou velho. Chefe Velho é a pessoa que perdeu a jovialidade. O Senhor e um idoso, a pessoa que tem muita idade. O idoso Chefe tem a felicidade de viver uma longa vida, de ter adquirido uma grande experiência; ele é uma ponte entre o passado e o presente, como o jovem é uma ponte entre o presente e o futuro é no presente que eles se encontram! O Senhor Chefe nunca foi velho, nunca carregou o peso dos anos; Olhe para dentro do seu coração, ele nunca transmitiu pessimismo e uma desilusão. O senhor Chefe não tem a ponte entre o passado e o presente, um fosso que separa o presente apego para o passado. Esqueça o velho, seja um idoso como é de vida ativa, cheio de projetos e esperança, lembre-se veja como o tempo passa rápido e sente que a velhice nunca chega! Pensei com meus botões o que Maildo me disse. Há tempos que me chamam Velho Lobo, e eu mesmo insisto em me chamar um Velho Chefe Escoteiro. Tento a minha maneira obstinada como um Escoteiro Caapora, mostrar aos novos pretendentes do escotismo o caminho da esperança, o caminho do sucesso. Será que sou entendido? Nem resposta me dão nos meus escritos e quanto já falei narrando o Escotismo do Brasil?

- Na minha imaginação Maildo parou de falar... Para mim muito que disse são verdades e parece que eu não quis escutar. Nasci com rugas nas mãos, ganhei calos nos pés e depois de viver três quarto de um século, será que não trago alguma luz nos meus olhos? Que adianta dizer para mim que os velhos gostam de dar bons conselhos não para se consolarem na explicação que ele mesmo não quer acreditar. – Chefe! E vem lá o Maildo de novo – “A sabedoria dos velhos é um grande engano. Eles não se tornam mais sábios, mas sim mais prudentes”! Escoteiramente durmo e acordo com o nascer do sol. Um cacoete que mantenho desde que pensei que a velhice iria chegar. Passo os dias fazendo o que mesmo? Às vezes acho que esqueci. – Célia! Onde deixei minha bengala? – Aí marido, atrás da cadeira da sala! Ela sabe, ela sabe que envelhecer é a obra-prima da sabedoria e um dos capítulos mais difíceis na grande arte de viver!

Chuto meu pensamento para debaixo do violão, quem sabe é melhor cantar uma canção, e mesmo sem voz lá vou pensando que ainda sou menino, de bastão e bandeirola subindo a serra trigueira, no lusco fusco do entardecer... Gosto disso, quando falo escoteiro, me sinto altaneiro, e magnificamente marcho ao som do tambor cantando Rataplã do Arrebol! E me contraindo em continência a Bandeira, ao Monitor e ao meu Chefe, olho no espelho, velho companheiro de armas sem munição e sorrindo para ele digo sem tirar o olho de mim mesmo às palavras do poeta Velho Lobo: - “Hoje não vi a lua, a noite será escura, Olhei o céu e nem estrelas há. Em trevas assim, fantasmas cavalgam ao léu. Mistérios noturnos são mais avistados, A morfologia recusa noites assim. São os seres do além que aparecem por aí. Sem o lume e sem a magia de Jaci, Não existe poeta feliz, sua pena perde a alma. Não existe inspiração sem a noite prateada. Como cantar e saudar o amor, sem a magia De uma noite enluarada? sem as silhuetas, Entrecortadas nas árvores da noite magica”? Eita gente! Ainda sou escoteiro, um Velho Lobo do Brasil!

“Oi você! Que nunca escreve e nunca diz, que jamais pediu um bis, acha que sou um Velho Chefe Escoteiro ou um Velho Lobo”?

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Lendas Escoteiras. Sombras de um destino.




Lendas Escoteiras.
Sombras de um destino.

... - Guarda a lição do passado, mas não percas tempo lastimando aquilo que o tempo não pode restituir. “Quando estiveres à beira do desalento pergunta a ti mesmo se estás num mundo em construção ou se estás numa colônia de férias”. – Gosto de ler o Chico, me faz bem. Não conheci Chico Preto, mas fiz amizade com muitos que usam sua carrocinha por aí. A provação faz parte do crescimento. Faça tudo para dar o que pode aos jovens que estão esperando muito de você. Obrigado!

- Ele morava em baixo do Viaduto Monterrey. Perguntaram a ele se sabia o que era Monterrey. Chico Preto não sabia. Como iria saber? Tamanduá seu amigo lhe disse: Chico, Monterrey era a capital de um país chamado México! – Não era, mas Chico Preto deu de ombros. Não importava. Com 40 anos nas costas Chico era um ingênuo. Nunca pensou porque morava ali. O chamavam de sem teto, mas ora bolas, ele tinha um teto, o viaduto era sua casa seu lar. Ganhou de uma moça da prefeitura uma carrocinha. Era seu pedaço de chão. Rodava bairros, ruas, fez amizades e todos lhe davam um pouco do seu lixo especial. Chico Preto sorria, ajoelhava e dizia: Dona, que Deus faça morada em seu coração. Chico Preto tinha um sonho. Sabia que nunca iria se realizar. Ele queria ser Chefe Escoteiro, ser como o Doutor Jonny no seu uniforme novinho, fazendo a meninada correr prá todo lado. Todo sábado Chico Preto com sua carroça ia correndo até o Colégio Santo Ângelo. Ficava lá, olhando e pensando se um dia seria um. Ralph Nelson era Escoteiro. Um Escoteirinho pequeno magro, e com um belo sorriso. Todos admiravam seu sorriso. Sua mãe o aconselhava: Ralph não existe problema que não possa ser solucionado pela paciência. Cada dia que amanhece assemelha-se a uma página em branco, na qual gravamos os nossos pensamentos, ações e atitudes. Na essência, cada dia é a preparação de nosso próprio amanhã. Ralph acreditava na sua mãe. Não eram ricos, mas remediados. Conseguiu uma bolsa no Colégio Santo Ângelo pelo seu enorme saber. Ser Escoteiro foi um pulo. Todos o adoravam pela sua ingenuidade, pela facilidade em fazer amigos e pelo seu belo sorriso. Ele acreditava que sorrindo poderia deixar um pouco de alegria por onde passasse. Na Patrulha Esquilo, era bombeiro lenhador. Adorava acampar. Não perdia uma reunião e era o primeiro a chegar e o último a sair. As palavras de sua mãe não lhe saiam da mente: - Meu filho a caridade é um exercício espiritual... Quem pratica o bem, coloca em movimento as forças da alma. Um dia Ralph notou um homem pobre, negro, aboletado no muro do Colégio a olhar para eles e sorrir.

Chefe Lontra, ou melhor, Doutor Jonny era aristocrático. Sempre foi Escoteiro, mas mantinha seu porte altivo sabedor de sua importância. Conversava, mas sem se expor demais. De família rica e importante na cidade aprendeu desde pequeno a não se misturar com a plebe, e nunca foi um homem bom com os simples, os pobres e os remediados.  Aprendeu que em um dia de crise, não devia se perturbar seguir em frente, e se possivel servir e orar esperando que suceda o melhor. Sabia que queixas, gritos e mágoas são golpes em ti mesmo. Silencia e abençoa, a verdade tem voz. Chefe Lontra acreditava que como Chefe era um bom cristão. Formou-se em Medicina e como bom clinico tinha fama entre os abastados. Nunca deu uma consulta de graça e os que o procuram pagavam com alegria seus conselhos. Tinha bons contatos com a alta cúpula Escoteira. Fora convidado muitas vezes para interagir com eles ou mesmo ser um deles. A falta de tempo o impedia. Já tinha conquistado a Insígnia e se achava satisfeito com sua tarefa atual. Dizem os historiadores que a tragédia nunca foi bem explicada. Ralph o Escoteiro fez amizade com Chico Preto. Ensinou a ele as Leis Escoteiras e Chico decorou. Ensinou sinais de pista, nós e orientação. Disse que um dia iria tomar a sua promessa. Chico Preto se sentia feliz na companhia daquele escoteirinho a quem passou a amar como um filho que nunca teve.  Pensou que era hora de largar qualquer sombra do passado no chão do tempo, qual a árvore que lança de si as folhas mortas. Iria ser outro. Iria estudar, ser alguém e com a ajuda de Ralph seria um Chefe Escoteiro. Afinal aquela frase não o abençoava? – Infelizmente a felicidade dura pouco e cada um tem de viver seu destino. Completando seu pensamento que Deus permita a todos serem como quiserem, e a mim como devo ser. Chefe Lontra no seu Mustang vermelho estava indo para ver sua noiva Isadora. Era um namoro de conveniência. Ela lhe fazia bem e lhe dava paz e alegria. A sabedoria superior tolera, a inferior julga; a superior perdoa, a inferior condena. Tem coisas que o coração só fala para quem sabe escutar! 

 – O viu sentado na calçada Ralph com aquele pobretão! Como o chamavam? Chico Preto um sem teto sem eira e nem beira. Isto não podia acontecer. Sentiu rancor ódio precisava revidar... Um Escoteiro puro com alma de criança sendo seduzido por um negro sujo e bandido? Nem pensou no que leu um dia: - Perdoa agora, hoje e amanhã, incondicionalmente. Recorda que todas as criaturas trazem consigo as imperfeições e fraquezas que lhe são peculiares, tanto quanto, ainda desajustados, trazemos também as nossas. Não ia interferir. Não ia sujar suas mãos naquele negro imundo. Ligou para Belzebu. Ele lhe devia favores e sabia como fazer.  Que eu não perca a vontade de doar este enorme amor que existe em meu coração, mesmo sabendo que muitas vezes ele será submetido a provas e até rejeitado. Chico Preto sorria pensando que amar a todos era o mais sublime dos artigos Escoteiros. Na sua promessa iria prometer que iria doar seu coração a toda à fraternidade Escoteira. Sabia que ninguém quer saber o que fomos o que possuíamos que cargo ocupávamos no mundo; o que conta é a luz que cada um conseguiu fazer brilhar em si mesmo. Foram cinco estampidos. Todos atingiram seu alvo. O coração de Chico Preto parou. Sorrindo caiu ensanguentado. Sabia que tinha morrido. Viu o céu azul, nuvens brancas como a neve. Ouviu tocada por sinos a canção da Despedida que Ralph um dia ensinou. Milhares de meninos e meninas cantavam para ele. Alguém de Barbas Brancas lhe deu a mão e subiram aos céus para o reino de Jesus. A história conta que Ralph nunca mais sorriu. Só voltou a sorrir no dia que foi encontrar Chico Preto em uma estrela no céu. Doutor Jonny dizem morreu de desgosto. Não pela morte de Chico Preto, mas pela tristeza de Ralph. Viu seu escoteirinho definhar até que um dia partiu deste mundo. Deitado naquele ataúde viram que sorria. Lembrou-se de Matheus um pastor que lhe disse - Gostaria de dizer para você que viva como quem sabe que vai morrer um dia, e que morra como quem soube viver direito. A caridade é um exercício espiritual... Quem pratica o bem, coloca em movimento as forças da alma.
(Muitas das frases aqui citadas foram escritas por Chico Xavier).

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

O sonho de Pato Manco.




O sonho de Pato Manco.

- Quanto Pato Manco nasceu sua mãe disse – Não é meu filho! Ninguém entendeu... Uma mãe dizer isto? No hospital de Ponte Queimada ele foi bem tratado. Com cinco dias deram alta e Dona Neném levou seu filho contrariada. Notou uma perna mais curta que a outra. Um aleijado? Batizou como Mítico da Anunciação Carneiro. – No cartório não queriam registrar. Ela foi irredutível. Seu marido um dia contou uma história de um Tal de Mítico. Só deu azar para seus pais. Mítico custou para aprender a andar. Sua perna doía quando dava um passo. Ela lhe dava umas palmadas na bunda gritando – Anda vagabundo! Não vou carregar você à vida toda! Na escola o apelidaram de Pato Manco. Que seja ele pensava, melhor que Mítico que foi apedrejado em sua cidade. A sua professora o olhava com bondade. Pato Manco acostumou com a meninada da cidade jogando pedras e o chamando de coisas impublicáveis. Sua mãe nunca lhe deu amor, carinho nada. Ele nunca cobrou, pois não sabia o que era isto. Não tinha amigos e só Vitória o olhava com um misto de piedade que ele não gostava. Vitória era da sua classe. Um dia ela sorriu para ele. Esqueceu, pois sabia que ela não iria lhe trazer felicidade. Durante as férias sentava na varanda e não saia. Gostava da escola e sentia saudades. Ouviu o som de uma fanfarra e ficou assustando quando viu os meninos escoteiros de calças curtas, Chapelão, lenço no pescoço e uma mochila nas costas marchando. Cada um tinha um pedaço de pau nas mãos. – Que coisa maravilhosa! Pensou Pato Manco. Não deu outra, seguiu atrás deles. Mesmo com dor nas pernas não desistiu. Quando subiram o morro das Palmeiras pararam no bosque do Colégio Dom Bosco e começaram a trabalhar. Armaram barracas e muitos já faziam comida em seus fogões de barro. Pato Manco estava encantado. Falavam Sempre Alerta, Monitor, cozinheiro e Pato Manco sorria. Alguém bateu em suas costas – Era uma menina da idade dele. – Quer almoçar conosco? Pato Manco assustou. Nunca ninguém fez a ele um convite assim. Aceitou e foi com a menina. Ela lhe deu um prato de alumínio, uma colher e um canequinho de esmalte. Quanta felicidade! Entrou na fila, comeu com todo mundo. Rezou com eles. Escurecia quando Seu Mateus o chamou. Sua mãe mandou buscar! Foi embora e todos os meninos e meninas apertaram sua mão. Volte amanhã disseram. Pato Manco levantou cedo. Quando chegou faziam ginástica. Ao terminar os escoteiros da Gaivota vieram lhe abraçar. Ah! Que dias maravilhosos. Brincou e até esqueceu a dor na perna. A noite na fogueira foi o dia que chorou. Dificilmente chorava, sofria com falta de amor de sua mãe, e com a meninada a jogar pedra nele na rua. Agora era diferente. Amou tudo que viu cantou e brincou. De novo Seu Mateus a chamá-lo. No dia seguinte voltou correndo para o acampamento. Não estavam mais lá. Correu até a estação de trem. Embarcaram para a capital ouviu falar. Ouviu quando começaram a gritar: - Pato Manco! Pato Manco! Seu Mateus foi à estação procurá-lo. Pato Manco sumiu. O delegado o procurou e nada. Um pingente disse que ele partiu correndo atrás do trem. Dona Neném não chorou. Que ele suma para sempre!  Só me trouxe transtornos e infelicidade. Passaram-se trinta e cinco anos. Dona Neném com setenta anos em uma cadeira de roda pedia esmolas nas ruas da cidade. Na esquina da Avenida dos Andradas com a Marechal Deodoro um enorme carro negro parou ao seu lado. A rua cheia de gente. Uma senhora distinta de cabelos brancos com um chalé nos ombros desceu e junto a um homem de cabelos brancos, com um terno muito elegante portando uma bengala de prata foi até ela. Ela o olhou e não sabia o que dizer. Reconheceu logo o seu filho. Seus olhos ficaram marejados de lágrima. - Mamãe, ele disse sussurrando. Mamãe.  Eu vim te buscar. Está na hora de ir para casa. Dois homens fortes de terno e óculos escuros a pegaram e colocaram na limusine. Dona Neném chorava... Meu filho me perdoa! Toda a multidão viram os três abraçados soluçando profundamente. O carro partiu. A cidade em peso lá – Alguém perguntou: Seria o Pato Manco? Um zum, zum percorreu a multidão. E a senhora distinta? Não seria a Vitória?

domingo, 24 de novembro de 2019

Totonho Moreno... Apenas um simples Chefe Escoteiro.




Totonho Moreno...
Apenas um simples Chefe Escoteiro.

Dezembro bate levemente a minha porta. Mês de festas de abraços de alegria e uma foguetama que não tem tamanho. Pobre dos “cachorritos” ouvido aberto, como deve doer... Mas não estou aqui para falar deles, sei que merecem muito amor e consideração, são mais amigos que muitos que andam de duas patas e com sorrisos que a gente nem sabe o que significa... E soltando foguetes! Foi no dia primeiro de dezembro, no ano de 1998 que recebi um telegrama de João Donato: - Chefe Vado, má noticia, Totonho Moreno morreu! Sabe Chefe, de “morte morrida”, logo ele que sempre dizia que iria morrer de “morte matada”. Mais um que se foi. Tinha por ele enorme consideração. Totonho Moreno parecia estar sempre sorrindo. Quem o conheceu dizia que tinha alma de pastor, espírito de padre e bondade dos anjos do Senhor. Foi lobinho, escoteiro, sênior e pioneiro. Carroceiro na cidade não houve unanimidade em convidá-lo para Chefe ou Assistente. Não reclamou. No Bairro Candangolãndia onde morava era amado por todos. Manfrido Valete uma espécie de presidente do bairro o convidou para fazer uma tropa de escoteiros. – Totonho, tem meu apoio e da população do bairro. Sei que no seu grupo acham você iletrado, afinal ser carroceiro não desmerece ninguém. O tempo passou. Sua tropa foi registrada na União dos Escoteiros do Brasil. Nunca foi convidado para cursos, nunca recebeu medalha e nem um aperto de mão de grandões do escotismo no seu estado e distrito. Totonho Moreno nunca reclamou. Amava seus meninos de ontem e de hoje. Muitos viraram doutores e sempre voltavam na tropa para abraçar Totonho Moreno. O conheci em uma Indaba Regional quando fui comissário. Chamou-me a atenção pela brandura, pela delicadeza e pelo sorriso. – Porque sorri assim Totonho? Chefe Vado, todo mundo tem uma meta, o meu é de tirar um sorriso seu! Danado de Totonho. Levei para ele pessoalmente uma medalha de Bons serviços ouro e uma de gratidão. Ele chorou. O tempo passou, mudei de ares, nunca mais ouvi falar de Totonho Moreno. Hoje me lembrei dele, tantos aqui com medalhas, com Insígnias, com cargos e com óculos escuros na frente da escoteirada... E ele só sabia dar o seu sorriso!  Nada contra. Tempos modernos. Olhe Totonho Moreno, para lembrar-se de você deve ter estado aqui e sorrindo me fazendo sorrir. Saudades de você! Meu fraterno abraço e meu cumprimento em posição de sentido.  Anrê Totonho e meu sincero Sempre Alerta!

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Lendas Escoteiras. A morte de João Liborno teve uma festa no céu.




Lendas Escoteiras.
A morte de João Liborno teve uma festa no céu.

... - Maturidade é saber falar "eu errei". Ter coragem para dizer "me perdoe". Conseguir assumir "eu sinto a sua falta". É crescer como pessoa! – E se você não plantar, não nasce. Se não regar, não cresce. Se não amar, morre. Assim são as plantas, assim são as pessoas. Divirtam-se com João Liborno.

                  Quer saber? Eu conheci João Liborno. Tudo bem, eu sei que muitos que o conheceram se arrependeram. Mas eu não. Disseram-me que ele era prepotente, não sabia abaixar a cabeça, se achava o dono do mundo. Nunca pensei assim, quem sabe por que entrei em sua alma, seu coração e sua vida. Não pensem que tenho premonição, conhecimentos de psicologia, que sou um adivinho ou um religioso a ponto de conhecer alguém por dentro. Mas João Liborno tinha algum especial. Seu olhar. Olhar? Podem me dizer o que quiserem, ele era mesmo alguém especial. Mal educado eu sei que era. Valente então? Sempre tinha uma resposta na ponta da língua, mas meu Deus! Que faria o que ele fez? Juro que já vi igual, mas melhor não. Quando o Prefeito Zeca do Som sabia que ele estava na prefeitura a sua procura se escondia no banheiro. Quando o delegado Jacutinga era informado que ele estava aprontando, pegava sua varinha e ia pescar no córrego do Cavalo Doido.

                  Tudo porque detestava um não. Achava que todos deviam ser como ele. Afinal o que João Liborno fazia? Nada que as autoridades deviam fazer e não faziam. Ele recolhia os pedintes, os enfermos jogados na rua e os levava para seu galpão. Isto mesmo ele com as próprias mãos fez um galpão. Não tão grande, mas com a nossa ajuda e dos pioneiros dava para quebrar o galho. Dizem que seu galpão era igual coração de mãe, sempre cabe mais um. Nunca passei por lá e vi-o vazio. Sempre cheio de gente. Gente? Indigentes isto sim. Doença de chagas, doentes de pulmão, doentes de AIDS, pobres que não tinham onde dormir. João Liborno nunca foi médico e nem enfermeiro. Dizem que ele era um excelente Chefe Escoteiro até que um dia o mandaram embora do grupo que ajudava. E quer saber? Foi tudo futrica fofoca da oposição. Não tem no escotismo? Oposição? Pois sim que não tem.

                  João Liborno foi Escoteiro sênior e pioneiro. Assumiu a Tropa Sênior em meados de abril de 1956. Os seniores faltavam pouco carregá-lo de tão contentes. O danado nem ligava, mas pegava os seniores e ia sempre onde ninguém nunca foi. A inveja começou aí. O disse me disse das comadres no Grupo Escoteiro. – Um dia ele vai trazer nos braços alguém morto, dizia uma, não duvido dizia outra. Mas João Liborno tinha feito as pazes com Deus. Dizem que hoje em dia não tem mais comadres nos Grupos Escoteiros. Sei não! – Tonico Caroço que o diga. Chefe da Tropa Escoteira exigiu que todos fossem tratados igualmente e ninguém iria receber nenhum distintivo se não o merecessem. O Pai de Constantino ficou uma fera. Procurou o Chefe Tibúrcio e disse – Ou ele ou eu! O que houve Natalino? Meu filho Chefe, o senhor sabe que me mato aqui no grupo, faço tudo, levo para os acampamentos em minha Kombi, pago em dia minhas mensalidades e agora ele está negando dois distintivos e cinco especialidades ao meu filho.

                 O caldo cresceu e entornou. A chefaiada dividida. Na reunião de chefes do grupo metade pedia sua saída, a outra metade dizia que se saísse sairia com ele. Melhor procurar o distrital. João Liborno não gostava de pais que se intrometiam na Tropa ou Alcatéia. Mas Natalino era Juiz de Direito da cidade e diziam que seria o futuro prefeito. Dizem que politica e escotismo não se misturam, mas ali em Pau D’Alho era diferente. João Liborno foi chamado. O distrital já o tinha encravado na garganta. Quantas vezes aprontou? Quantas vezes criou caso por uma simples questão de semântica? Agora o prefeito Bafudonça lhe telefonando todo dia porque ele fez um galpão e lá esta alojando a “peste negra” da cidade. Não tinha jeito. Mandou uma carta para João Liborno avisando que um processo estava em andamento e enquanto isto ele estava suspenso de suas funções. Dois dias depois recebeu uma resposta de João Liborno. Duas palavras somente. Nada mais. – “Vá à merda”! Foi à conta. A carta foi xerografada. Deus e o mundo recebeu uma copia. A UEB não se manifestou. Disse ser problema da região e do distrito.

                     João Liborno todos os sábados impreterivelmente às duas da tarde já estava na sede Escoteira. Isto sem contar a ultima excursão que fez com os seniores que ficou na história. Alugou dois carros de bois do Chico Landi, um fazendeiro amigo dos Escoteiros e com uma dúzia de bons Guzerá lá foi ele com seus seniores para fazerem a mais aventura de suas vidas. Japielton me contou que nunca se divertiu tanto. Adorava o lamento ou canto que as rodas faziam. Todos aprenderam a colocar a canga, o canzil, a arreia, o cabeçalho. Manuseavam com perfeição a cheda, a cantadeira, o cocão, o fueiro, e quando não estavam assentados na mesa lá ia eles se revezando com a vara do ferrão a gritar: - Vamo Risoleta vai que vai Tira Forno. Foram quinze dias inesquecíveis pelas estradas e serras do sertão. Quando voltou lá estava na sede o distrital e dois soldados. – Fora, fora, você esta exonerado. Me entregue seus distintivos e uniforme. João Liborno ficou branco. Ia falar um palavrão, mas deu as costas a todos e foi embora.

                       Não voltou mais ao grupo. Agora se dedicava aos seus doentes e os sem sorte na vida. Não dava sossego a ninguém. Sempre pedindo para seus pobres. Claro que o galpão não acomodava mais ninguém, mas João Liborno não desistia. Nas eleições de novembro ele disse a um candidato a governador: - Me ajuda com meus pobres? Doutor Pasquacio foi eleito. Não esqueceu o pedido de João Liborno. Mandou fazer um prédio enorme, com todas as condições para ser o melhor hospital da cidade. João acompanhava as obras sempre sorrindo, claro que os seniores não o abandonaram. O dia da inauguração chegou. João Liborno colocou seu uniforme caqui e seu Chapelão, e lá foi ele tomar posse do que era seu. Coitado do João. Nem o deixaram entrar. Ficou estupefato com a traição do Presidente Pasquacio. Foi para casa tão triste que resolveu fazer o ato que nunca teria feito. Afinal ele era um bom Escoteiro, um bom companheiro. Dizem que os seniores o ajudaram, eu não acredito.

                      Não era duas da manhã e o Hospital novo estava em chamas. Não havia ainda bombeiros naquela época. Ninguém sabe o que aconteceu. Os seniores não moveram uma palha para ajudar a apagar o fogo. Tudo foi destruído. Todos já sabiam que só podia ser João Liborno. Mas ninguém podia provar e ninguém o viu de novo na cidade. Só pode ter fugido. Ao fazer a limpeza das chamas encontraram seu corpo. Em uma placa de metal ele deixou escrito. Escoteiro eu fui. Sua filosofia morou em meu coração. Mas que Deus me desculpe, não suporto a traição. Quem com ferro fere com ferro será ferido. Dizem eu não sei se foi verdade que mesmo com o hospital destruído o Prefeito Bafodonça decretou três dias de festividade. Ele mesmo fez uma festança em sua fazenda. Livre dele era ficar feliz para sempre!

                          No auge da festa, uma fumaceira tomou conta, a prefeitura e a casa sede da fazenda ardia em chamas. Todo mundo corria para todo lado. Não podia ser João Liborno. Ele estava mortinho da silva. Mas era ele mesmo o carvão que disseram ser o seu corpo? Quem seria o culpado? Decida você leitor.   

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Lendas escoteiras. Entre dois amores.




Lendas escoteiras.
Entre dois amores.

Era uma vez... - Porque Zé Rosa casou com Noêmia? Se ela era mais velha que ele que tipo de amor poderia surgir? Dizem alguns que Noêmia foi uma bela princesa austríaca que amava o Rei Guilherme e que ele nunca se casou com ela. Verdade ou não Zé Rosa continuou como Chefe escoteiro sem nunca mais se casar... Até que...

Zé Rosa casou com Noêmia. Zé Rosa tinha vinte anos. Noêmia 65 anos. Durante muitos anos ninguém entendeu o motivo do casamento. Amor? Paixão? Dinheiro? Pelo que sabia Noêmia trabalhava no Hospital Samaritano como faxineira. Poderia ter sido aposentada, mas não quis. A tropa não perguntou. Os monitores se calaram. Zé Rosa não comentou com seus escoteiros. Quando souberam foi um verdadeiro silêncio... Não bochicho... Zé Rosa trabalhava duro na sua bigorna. Um calor insuportável. Zé Rosa era Ferreiro. Uma profissão que é um misto de artesão e artífice metalúrgico. Dizem que é uma profissão milenar, serviu aos reis, rainhas, cavaleiros, agricultores e outros profissionais nobres ou não. Aprendeu com seu pai, que aprendeu com seu avô que aprendeu com seu bisavô... Com seu tataravô... Que nasceu na Alemanha em 1846 com o nome de Guilherme Eugênio Augusto Jorge, nunca foi um Ferreiro. Era um nobre alemão e oficial no exército de Wurttemberg.

Seu filho Lothar resolveu abandonar toda a vetusta família que odiava. Pegou um Barco pesqueiro e cinco anos depois aportou em Santa Cruz da Cabrália onde morreu em 1904. Seu filho mudou para São Paulo e se tornou não se sabe como um Ferreiro que ensinou ao seu filho, que ensinou ao seu neto, que ensinou ao seu bisneto... No bairro de São Gonçalo, bem afastado do centro da capital, Zé Rosa nasceu e ali viveu toda sua vida. Seu pai ainda resguardava a nobreza o que não aconteceu com Zé Rosa. Não conheceu sua mãe que tinha morrido quando ele nasceu. Zé Rosa perdeu o pai, mas sobreviveu com a Ferraria que ele lhe deixou como herança. Não ficou rico e nem pobre. Trabalhava de sol a sol e aos sábados e domingos fazia questão de acampar com seus escoteiros. Falava pouco não era de muita conversa e Jim Cortês o Monitor o salvava quando era necessário conversar com os pais dos novatos... Não havia vagas por isso continuava mudo. A tropa acostumou ao seu estilo e passou a ter nele um exemplo de vida.

Zé Rosa era um homem de palavra, não tinha bigodes, mas tinha honra e caráter de sobra. Foi em um acampamento quando todos foram dormir que Zé Rosa teve um sonho. Seu Avô lhe disse para casar com Noêmia. Disse que ela sempre foi a patriarca da família e nesta vida estava sozinha sem ninguém. Zé Rosa não entendeu o sonho, não conhecia nenhuma Noêmia. Dois meses depois se inscreveu em um Curso Escoteiro. Queria aprender melhor sobre nós e amarras e técnicas mateiras. No curso conheceu Noêmia que fazia a faxina no campo escola durante os cursos. Cabisbaixo não sabia o que dizer e nem perguntou. Zé Rosa só foi saber que era sua predestinada quando no final do curso fizeram a Cadeia da Fraternidade. Ao cantar a Canção da Despedida, Noêmia convidada pelo diretor do curso lhe deu as mãos e ele sentiu dentro de seu coração o aviso do seu Avô. Ela era sua predestinada. Mas havia um, porém, ela tinha 63 anos quando se conheceram. Ele dezoito.

Ela lhe deu seu endereço e ele fez o mesmo. Encontraram-se um mês depois na Avenida Rebouças em frente ao Bar do Dentinho. Sentaram, tomaram refrigerantes e comeram azeitonas pretas e verdes. Não falaram nada. Encontraram-se de novo uma semana depois quando ela lhe fez uma visita durante a reunião escoteira do Sábado de Aleluia. Ele não apresentou Noêmia à tropa e ela nem entendeu sua presença. Casaram-se um mês depois. Foi um verdadeiro disse me disse, conversa de comadres e até os escoteiros da tropa de Zé Rosa ficaram perplexo com tudo. Seus pais aconselharam a sair da tropa, mas ninguém aceitou. Noêmia não foi mais a reunião dos escoteiros. As Corte de Honra eram feitas em sua casa, mas ela se retirava para seu quarto. A tropa acostumou. Zé Rosa não mudou seu estilo. Trabalhava de sol a sol e nos fins de semana ia acampar com sua tropa.

Noêmia morreu dez anos depois e Zé Rosa nunca mais se casou. Em um acampamento no Vale dos Pombos após todos irem dormir Zé Rosa ficou em volta do fogo e sentiu uma presença estranha junto dele. Viu que era Noêmia com seu pai e seu avô. Ninguém falou nada. Abraçaram-se, Zé Rosa beijou Noêmia que era uma linda moça de olhos negros e cabeços longos soltos em cima dos ombros. Ficaram ali de mãos dadas, e ele olhando para seu pai e seu avô sem entender. Eles se foram e Zé Rosa ficou sozinho em volta do fogo.

Zé Rosa morreu quarenta anos depois. Jim Cortês que era seu Assistente fez um enterro decente, mas com poucos presentes. Ninguém explicou ninguém soube o porquê, mas caiu na Praça São Joaquim durante três dias uma chuvinha fria que chamava atenção de todos, pois só caia em um só lugar próximo ao coreto. Dizem não posso afirmar que foi nesta chuvinha que se reuniu toda a família de Zé Rosa, e o próprio Eugênio seu Tataravô em pose de gala em um cavalo baio sorriu para a família levando no dorso Noêmia que fora sua rainha quando assumiu com a Morte de Lions de Bragança como o Rei Guilherme II de Wurttemberg!

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Lendas Escoteiras. Saudades que vão, saudades que ficam!



Lendas Escoteiras.
Saudades que vão, saudades que ficam!

                  Eu me ofereci para levá-lo. Era apenas um encontro de velhos escoteiros em um lugar qualquer da minha cidade. Não me inscrevi para ir e só fui fazer a inscrição depois que soube que ele queria ir. Foi Donana quem me telefonou. – Chefe, a família está aflita, ele não tem condições. Há dias acamado e parece que não deram muita esperança de vida. Ninguem sabe quem disse para ele do Encontro dos Antigos Escoteiros em um Fogo de Conselho dos seus amigos do passado. Não são tantos assim, mas ele não para de dizer que vai. Não arreda o pé! – Eu não o conhecia, nunca o vi pessoalmente, alguns chefes me falaram sobre ele. Diziam que quando mais jovem era uma pessoa maçante, insistente nos seus ideais, sempre a dizer que seu tempo era o melhor e que hoje somos sombra do passado.

                 Eu tinha meus problemas. Por sinal muitos que não seriam de fácil solução. Meu emprego perigava, poderia a qualquer momento ser demitido. Linalda minha esposa sempre dizendo que tinha de ir devagar. – Jove, temos dois filhos já crescidos e precisam de você e de mim. Você gasta muito nos escoteiros. Quem não pode pagar você paga, nunca deixou ninguém para trás. Sempre foi daqueles que diz que ou vão todos ou não vai ninguém. E se você ficar desempregado? – Ela tinha razão, agora tinha um salário razoável, mas até quando? – Era difícil parar, sempre fui Escoteiro desde os seis anos. Amo de montão esta filosofia que me encanta, não iria parar. Se Deus quisesse que eu fosse um desempregado não iria retrucar. Mas do escotismo não iria abrir mão.

                  Donana me telefonou à tarde. – Jove, estou com um problemão. Você não conhece o Chefe Polar. Nem sei se este é seu nome. Já está chegando aos 95 anos. Dizem que conheceu Baden-Powell e eu não duvido. Foi Chefe no Montezuma e só saiu de lá quando o Conselho de Chefes achou que estava na hora dele partir. Diziam que era impertinente maçante e até de irritante o chamaram várias vezes. Comentam que ele chegou em casa chorando, e mesmo Isabel sua esposa tentando consolar ele passou um semana enfastiado, olhos cheios de lágrimas e caiu prostrado em uma cama e não levantou mais. Disseram até que ele queria tirar sua vida. – Olha ele já estava com 86 anos e no grupo dizem era um Pé no Saco! Ninguém estava aguentando mais.

               Fiquei pensando se quando envelhecesse eu seria assim também. Liguei para sua esposa me prontificando em levá-lo. Ela chorava e eu apiedado não sabia o que dizer. – Chefe, Polar quase não anda. Tosse o tempo todo. Sempre com remédios a cada hora do dia. O médico recomendou repouso absoluto, mas ele não obedece. Diz que vai de qualquer jeito e ninguém vai impedir. Não sei por que Joviano o convidou. Ele devia saber que Polar não tinha condições. – E os filhos porque não o levam e ficam juntos? – Ela ficou calada por instantes. – Chefe, meus filhos nunca foram bons escoteiros. Só ficaram enquanto ele praticamente obrigou. Hoje não veem com bons olhos o escotismo. Chefe não sei se seria uma boa ideia.

               Combinei com ela que passaria por volta das sete da noite. Eu o levaria com prazer. - Afinal um dia serei como ele senhora. Todos nós que amamos o escotismo um dia seremos velhos, idosos, velhos lobos, ou seja, lá o que nos vão chamar. Se vai ser seu último porque lhe tirar a chance de recordar? Liguei para Fagundes um Velho Escoteiro para saber melhor sobre Polar. – Chefe, um grande homem. Deu sua vida pelo escotismo. Nunca bajulou ninguém. Sempre foi honesto com sua escolha e dizia o que pensava sem esconder. Não quiseram entregar para ele o lenço. Diziam que ele não tinha espírito Escoteiro. Nunca aceitou pagar por uma medalha por isto não tem nenhuma. Gritava e ainda grita aos quatro ventos que seu escotismo é o de raiz, o de Baden-Powell!

               Vesti meu uniforme devagar. Sabia que iria levar alguém que merecia meu respeito e minha admiração. Sempre fui do lado dos humildes, dos que se comprazem em não mudar de rumo ou direção. Quando amarrei o cadarço do sapato preto, vistoriei de novo o friso do meião. Olhei pela última vez no espelho se meu lenço estava como sempre fiz. Perfeito. Sem dobras, sem sobras. Coloquei meu chapéu devagar. Não coloquei as duas medalhas que me deram. Um de bronze de bons serviços e outra de gratidão também bronze. Quarenta anos fazendo escotismo e disseram que eu ainda precisava mostrar como servir a União dos Escoteiros do Brasil com bons serviços prestados. Hoje penso que não devia ter pagado por elas. Era meu direito como Escoteiro. Despedi com um beijo afetuoso em Linalda entrei no meu fusca e parti. Não tinha pressa. Tinha tempo, muito tempo.

               Na esquina da Sete de Setembro com a Saúva uma ambulância passou nos gritantes rumo ao centro da cidade. Meu coração acelerou. Entrei na Rua Peçanha. Na porta da casa de Polar um mundão de gente. Desci Dona Isabel sua esposa me olhou e disse: - Chefe, não precisa mais. Polar partiu, nunca mais vai voltar. – Ela chorava a perda de alguém com quem viveu uma vida. A abracei carinhosamente. – Para onde foi? O Grande Acampamento do Universo? Não sei se ouve o Fogo do Conselho dos velhos. Nunca perguntei. Voltei para casa chorando. Nunca vi Polar, não o conhecia e nunca apertei sua mão. Nem sei como era, mas eu o tenho no coração. Ali ele vai viver para sempre como se fosse meu guia, meu Chefe, e meu irmão!

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Lendas Escoteiras. Marina Morena.




Lendas Escoteiras.
Marina Morena.

Nota: - Apenas uma história. Diferente das demais. Alguns iram gostar outros não. Eu me diverti muito quando escrevi. Afinal a cada dia eu me descubro um pouco mais, minhas ânsias e desejos... Isso é fundamental para dizer quem eu sou, porque às vezes eu mesmo me surpreendo... Rs rs rs.

¶ Marina morena, Marina, você se pintou Marina, você faça tudo, mas faça um favor Não pinte esse rosto que eu gosto que eu gosto e que é só meu Marina, você já é bonita com o que Deus lhe deu.

              Dava gosto de ver quando ela toda serelepe descia a Rua dos Coqueiros com aquele rebolado sensacional! Ah! Marina Morena moça bonita linda de morrer. Um pedaço de mau caminho. Olhos verdes que Fernão dias Paes poderia dizer que eram suas esmeraldas tão procuradas nas Minas Gerais. E os cabelos? Caramba! Da cor do mel. Solto nos ombros com ondas fazendo cócegas no mar. Os lábios? Carnudos, vermelhos deliciosos. Olhos grandes, jabuticabas em flor. Negros enormes pareciam saracotear nos sorrisos escondidos como há dizer: Sou sim, boa demais! Quando andava todo mundo esquecia-se de Vera Verão, na sua sainha curta, a propagandear sua cerveja para os sortudos do mar. Todos saiam às portas, as filhas de Maria olhando na greta da janela, as mães com uma inveja danada a excomungar Marina Morena. Que culpa ela tinha de ser deliciosa? Mulher formosa, gostosa, mulher nota mil? Depois que ela passava, as comadres se juntavam nos portões embranquecidos: - Você viu? Para mim uma rapariga! Mulher de programa, metida a bacana, dizem que dormiu com todo mundo do lugar! Não era verdade, ninguém sabia como ela vivia, ela se escondia num quartinho alugado na casa de Dona Veronica Santinho.

                 Padre! – Tome uma providencia! Ela é uma indecência para o povo deste lugar! – Senhor prefeito, se quer ficar satisfeito e nossos votos ganhar, suma com ela. O prefeito coitado, barrigudo o danado só pensava: - Carne de primeira prá cachorro nenhum botar defeito. Mas quem tomava efeito, se ela não tinha defeito todos queriam enxergar. Aonde ela vai? O que faz? Como vive? Dona Verônica era um túmulo. Não dizia nada. Um dia um susto nos Escoteiros, em reunião correndo a jogar, lobinhos a cantar, eis que adentra no portão, nada mais nada menos que Marina Morena feitiço ao luar. O jogo parou, a canção terminou a meninada correndo e dizendo: Chefe! Ela vai ser uma de nós? – Tenente Bossalto tomou de assalto em nome dos bons costumes e da galhardia escoteira. Diretor Técnico famoso era um homem brioso e perguntou? Moça! (queria dizer linda e gostosa, mas não disse) o que queres aqui?               

¶ Me aborreci, me zanguei, já não posso falar, E quando eu me zango Marina, não sei perdoar Eu já desculpei muita coisa, você não arranjava outro igual.

                - Tenente Chefinho, eu queria ser lobinha, e na Jângal aprender. Não tenho idade, mas que saudade de meus tempos de criança. Quem sabe uma Escoteira, valente faceira e contigo acampar? Também não? Isto vejo pelo seu olhar. Pioneira Valente, alguém que nunca mente? Certo também não posso. E Chefe Escoteira, sem bagaceira meu caro Tenente, será que tem vaga prá mim? Tenente Bossalto, tomou de assalto seu coração explodiu e amou aquela mulher. Esqueceu Tereza sua patroa com certeza e com um amor enorme falou - Se queres aqui ajudar, por favor, não seja rameira, pode ser faxineira e a limpeza fazer. E ela sorriu, encantando a meninada, fez cantar a passarada que seu ninho fez ali. Todos adoraram o arranjo, que muitos chefes marmanjos voltaram a escoteirar. Até Dulcineia sem dente, uma Akela de repente, falou prá Chefe Toninha – Olha, deixa prá lá. Um dia a casa torna, ela não é de bigorna e vai sumir sem voltar. Menino! Nem lhe conto, a sede ganhou um trinco, a limpeza era um brinco, ninguém esquecia a moça mulher. Um dois três seis meses ela ficou. Aos Escoteiros ela amou, nem uniforme pode ter. Queria voltar de Odessa e fazer sua promessa, mas o malvado Chefe Tenente que tinha amor ardente... Não deixou! A meninada escoteira corria, gritava com galhardia; - Viva Marina Morena, nossa musa nosso amor!

                  Um sábado não apareceu. Desapareceu sem dizer Sempre Alerta. A escoteirada chorava, Tenente Bossalto cantava sua saudade danada uma bela canção de amor. Mas as chefes feiosas sorriam. Pensaram ser coisa-feita e agora satisfeitas, brindavam com água benta, chupando bala de menta diziam: - Ela se foi teremos enfim a paz. Um mês, dois três, quatro cinco, as saudades aumentando, o sonho de ela voltar acabando, lembranças se apagando. O tempo dizem apaga o tempo, mas existe contratempo e mesmo alguns esquecendo no sábado a bomba explodiu. Dulcineia a Akela sem dente, aquela que nunca mente, se assustou quando viu: Que mundo louco, será que ela voltou? Cena nunca antes imaginada, Marina Morena a danada, adentrou sede adentro dizendo que voltou para ficar.

                Que dia passado ditosos, um dia que ninguém esqueceu. Um dia da benção do Senhor, alguém tirou do penhor e eis que ela surgiu no portão! Um susto, alguém gritou – É ela meu Deus! Seja bem vinda! Falou Geraldo Magrão. Ela Bonita a danada, até eu levei um baque, vestida de caqui, Chapelão e lenço de Gilwell. Ficou linda demais, sainha curtinha com pregas, meião cinzento a puxar. Não é que a moça perfeita, moça demais arteira, estava com a Insígnia da Madeira? – Voltei ela disse, voltei para de novo partir e dizer adeus mas um dia vou voltar. Aqui não posso ficar, Meus lideres queridos disseram que sempre me querem lá, disseram-me que nunca levarei tabefe, pois serei Escoteira Chefe. Deram-me tantas medalhas, que agora não saio de lá. Sou do CAN, do DEN sou de todos, Escoteira honrosa querida, lá eu farei guarida e ao escotismo ajudar.        

¶ Desculpe, Marina morena, mas eu estou de mal De mal de você, de mal de você!

                  E assim termina a história, ainda trago na memória esta história infernal. Hoje estou de bem com a vida. Se Marina Morena foi um blefe, e se tornou Escoteira-Chefe não sou capaz de jurar. Só sei que ainda gostosa, agora ficou famosa e eleita Chefe internacional. Por unanimidade, foi eleita e sorridente, agora Secretária Presidente, da WOSM. Dizem que manda em tudo. Dizem ainda enternecido, que Baden-Powell foi esquecido, ela sim falada em todo mundo, a nova Escoteira Chefe Secretária Presidente do escotismo Mundial! Risos. E se quer acreditar, saiba que boi não é vaca, e feijão não é arroz, e se quiser meu amigo, que conte até dois!

Marina Morena é uma canção interpretada por Emílio Santiago.

domingo, 17 de novembro de 2019

Lendas escoteiras. Rosas brancas para Dona Noêmia.




Lendas escoteiras.
Rosas brancas para Dona Noêmia.

... - Ela nunca seria escolhida para ser nossa Chefe. O destino mudou tudo e lá estava ela elegantemente vestida à Escoteira. Para muitos até aquele sábado o escotismo era um e depois dele se transformou em outro. Rosas Brancas e perfumadas para Dona Noêmia me traz belas recordações.

                      Ela morava no final da minha rua. Sua casa tinha fundos para o Rio Mimoso. Lembro que no final da cerca havia um belo pesqueiro. Mas ninguém tinha coragem para pescar ali. No quintal havia pés de manga, goiaba e chumaços de pés de cana Caiana. Na frente de sua casa centenas de rosas brancas. Só rosas brancas. Porque não outras cores ninguém sabia. Enfrentar o olhar de Dona Noêmia? Nunca. Um medo danado. Não era só eu e sim a cidade inteira. Morava sozinha, acho que tinha mais de sessenta anos, não sei. Diziam que era viúva, mas ninguém conheceu seu marido. No Grupo Escolar Mascarenhas de Moraes ela era a diretora. Ali ninguém dava um pio. Respeito é bom e eu gosto ela dizia. Todos entravam em silêncio e saiam calados. Onde ela passava se fazia silencio. Alguns adultos diziam – Boa tarde Dona Noêmia. Ela olhava e seus olhos pareciam sair chamas de fogo.

                    A escoteirada passava longe. Os lobos endiabrados ouviam sempre da Akelá Maísa – Querem que chame Dona Noêmia? Era uma maneira de assustar a lobada indisciplinada. Quem fala muito paga pecado, assim dizia minha mãe. Chefe Onofre naquele sábado disse que infelizmente ia mudar de cidade. Estava tentando achar alguém para ficar no seu lugar. A tropa ficou chorosa. Todos gostavam dele. A semana inteira o comentário correu em todas as patrulhas. As reuniões se sucediam na Touro, nos Morcegos, na Águia e durante o dia na loja do Martinho. Seu filho da Raposa trabalhava com ele. – Quem seria o novo Chefe? Será o Nonato pipoqueiro? O Sacristão Isaias? Ou o Professor Clementino? Ninguém sequer imaginava. O jeito era esperar o sábado. Interessante, uma hora antes todos estavam na sede. Nem nos cantos de Patrulha foram. Estavam a espreita na porta da sede, no portão e vi dois apinhados em um abacateiro enorme olhando a rua da sede. Chefe Onofre chegou sozinho dez minutos antes do horário. Chamou para a bandeira.  Ninguém com ele. Um frenesi corria de um para o outro. Depois do cerimonial fizemos um jogo estupendo. E assim a rotina da reunião continuou. Até esquecemo-nos do Chefe novo. Quem sabe ele desistiu e vai ficar conosco? A surpresa veio no arreamento. – Chefe Onofre assumiu uma pose de “pobre coitado” e apresentou o novo chefe. Ou melhor, a nova Chefe. Dona Noêmia!

                  Incrível! Ninguém estava acreditando. Ela chegou séria com seu cabelo branco amarrado em um coque, um chalé em cima de uma blusa de manga comprida marrom, uma saia azul simples abaixo do joelho e um sapato aberto em cima de uma meia fina que parecia tirada do fundo do baú. Nunca em minha vida olhei para Dona Noêmia. Aquele foi à primeira vez. Um medo danado. Era magra. Magra mesmo. Um palito em pé. Alta pelo seu porte. Nariz afilado pontiagudo, uma boca pequena e entre o nariz e a boca um bigode ralo. A cidade em peso não acreditou. Ninguém acreditava. Ela só disse oi e que nos veríamos na próxima reunião. Bragg! Que medo. Achei que ninguém ia aparecer na reunião. Até “sapo de fora” estava lá para ver. Ela chegou. Deus do céu! De uniforme calça curta acima das canelas secas, sem o lenço e um chapéu que parecia ser maior que sua cabeça. Dirigiu o cerimonial com perfeição. Depois foi até ao meio da ferradura, chamou Dondinho Monitor da Águia para lhe tomar a promessa. Todos espantados a viram fazer a saudação, disse a Promessa colocou o lenço e virou para tropa dizendo – Confiem em mim como eu irei confiar em vocês. Chamou os Monitores. Falou com eles por cinco minutos. Vou dizer uma verdade foi a melhor reunião de tropa Escoteira que já participei. Onde ela aprendeu? Era Escoteira? Onde? As mulheres não só eram autorizadas na Alcatéia? Um mistério.

                   Dois anos com a Chefe Dona Noêmia. Ninguém tirava o dona. Um medo danado. Mas aos poucos fomos aprendendo a admirá-la, a gostar dela. Uma noite em um Fogo de Conselho ela nos contou uma bela história. De uma menina perdida cuja mãe morrera e ela não tinha ninguém. Sua luta, sua vontade em acertar, criou em redor de sí uma aureola de rigidez, para que ninguém pudesse aproveitar dela. Uma história linda e triste. Só mais tarde é que a história se explicou para mim, era a história dela. A tropa passou a amar a Chefe Dona Noêmia. Todos tinham a maior admiração. Antes poucos sorrisos agora em profusão. A cidade não entendeu nada. Ainda no Grupo Escolar e entre seus alunos hoje crescidos o medo existia. Na tropa adorada pelos escoteiros. Dois anos e quatros meses de felicidade na tropa Escoteira. Cheguei a tirar minha Primeira Classe. Imaginava minha tristeza quando fosse passar para os seniores. Eu sabia que não podia continuar com quinze anos. Um sábado a Chefe Dona Noêmia não apareceu. Preocupação geral. Nunca faltou. Toda a tropa resolveu ir ver o que ouve. Fomos juntos a sua casa. Vinte e oito meninos Escoteiros singrando a Rua Dom Pepino. Medo de bater na porta. Mas eu fui. A porta estava encostada. Tremendo abri. Chefe Dona Noêmia caída no chão. Ainda respirava. Pedimos ajuda. Levada ao hospital foi constatado ataque cardíaco. Ficou entre a vida e a morte dois meses. Na tropa não sabíamos o que fazer. A Corte de Honra se declarou em sessão todos os sábados. Numa quinta Chefe Dona Noêmia se foi.

               O escotismo para mim nunca mais foi o mesmo. Mesmo nos seniores uma saudade “danada” de Chefe Dona Noêmia. Ainda lembro até hoje o mutirão que fizemos a procura de rosas brancas em toda a cidade para suas exéquias. Nunca vi tantas em seu tumulo. Todos os escoteiros acharam que eram suas preferidas. Ate hoje uma vez por mês ainda vou lá. Em frente ao seu tumulo coloco um buquê de rosas brancas. Em minha mente vem à frase do poeta: - “O que sinto por você é tão delicado como pétala de rosa branca desabrochando ao luar”. Dou um sorriso. Na minha mente faço uma oração. A única que aprendi e que me disseram ser Escoteira.

"Senhor, ensina-me a ser generoso, a servir-te como mereces, a combater sem temor das feridas, a dar sem contar, a trabalhar sem descanso. A sacrificar-me sem esperar. Outra recompensa, que há de saber que faço a tua santa vontade”.

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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