sábado, 31 de agosto de 2019

Lendas Escoteiras. A sombra de um passado.




Lendas Escoteiras.
A sombra de um passado.

Era uma vez... - Se tiveres de chorar por algum motivo que consideres justo, chora trabalhando, para o bem, para que as lágrimas não se te façam inúteis. Nos dias de provação, efetivamente, não seriam razoáveis quaisquer espetáculos de bom humor, entretanto, o bom ânimo e a esperança são luzes e bênçãos em qualquer lugar. Chico Xavier.

            Eu não sabia o seu nome. Nunca perguntei. Passava em frente a minha morada de cabeça baixa, ofegante com uma bengala bem trabalhada a mão. Era linda. Vez ou outra ouvia o toc-toc que ela fazia quando ele estava muito cansado e a bengala servia a ambas as pernas. Ele não era metódico, às vezes passava pela manhã bem cedo, outras à tarde quando o sol se punha. Tipo caladão, barba por fazer, um boné cinza puído uma sandália nordestina nos pés e uma roupa simples sem afetação. Calculei que estava chegando aos oitenta anos ou mais. Um dia tropeçou em sí mesmo e quase caiu. Fui até ele perguntando se podia ajudar. – Posso assentar um pouco? Perguntou-me. Claro, e o levei até uma cadeira em minha varanda. – Desculpe, falou. – Não há o que desculpar disse. – Ele me olhou nos olhos e senti ali nos seus uma profundidade grande, uma história de vida e muito sofrimento mais que alegrias. – Você é escoteiro não? Disse ele. – Sorri, e disse que sim. – Eu passei por aqui um dia que você estava com uma mochila ajeitando sua carretinha atrás do seu carro e cheia de tralhas. – Pois é, disse fui acampar com a tropa. Ele balançou a cabeça e ficou em silêncio.

             Corri até a cozinha e lhe trouxe um copo com água. Bebeu devagar, calmamente tentando manter a respiração normal. Agradeceu-me. – Eu também já fui um escoteiro, disse. – Que bom saber, posso apertar sua mão? Ele sorriu e me deu à esquerda. Cumprimentamo-nos sem forçar. Ele me olhou e disse: - Quanto tempo? – De escotismo? Perguntei. Ele balançou a cabeça. – 40 anos. Entrei como lobo. – Ele fechou os olhos e vi que uma tristeza enorme se apoderava dele. – Eu também fui lobinho, escoteiro e sênior, depois saí e não voltei mais, completou. Olhou-me nos olhos e vi lagrimas correndo pela sua face. Será que estava chorando? Pensei. – Foi a mais bela fase da minha vida, continuou. Quando passei para os escoteiros era um jovem forte, disciplinado, bom aluno com boas notas. Meu pai se orgulhava de mim. Pensava que seria escoteiro para sempre, mas fiz quinze anos e o Chefe disse que eu teria de fazer a Rota Sênior. Nem me perguntou se eu queria. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde tinha de deixar minha Patrulha que amava. O mesmo já havia acontecido com minha Matilha.

              Na Patrulha fiz muitos amigos. Polônio foi um amigo especial. Juramos amizade eterna. Foi na beira da Pedra do Sal próximo à fazenda Córregos Negros onde sempre acampávamos que fizemos um juramento de sangue. Ele cortou um pouco seus pulsos, o sangue jorrou, fiz o mesmo e colamos os antebraços jurando uma amizade eterna para sempre. Não foi fácil estancar o sangue, mas conseguimos. A vida para nós era uma festa, uma alegria. Eu ia a casa dele e ele na minha onde dormíamos, almoçávamos e nossas mães sorrindo por ver tão bela amizade. Paulo, Wantuil e Darcy da mesma Patrulha entendiam que eu e Polônio éramos mais que irmãos. No campo de Patrulha nos acampamentos éramos admirados. Pioneirías tiradas da imaginação. Um dia... Ele parou e deu um suspiro. Não sabia o que fazer. Fiquei ali calado sem interromper sua tristeza.

              Ele tirou um lenço branco da algibeira enxugou os olhos, me olhou e pediu desculpas. Chefe, muitas saudades, tantas que sei que os tempos de felicidade nunca mais voltarão. – Foi Polônio quem me convidou a fazer uma esticada (corda grossa) sobre o Rio Pedroso, e depois treinarmos um pouco de comando Crow. Ele gostava de se exibir. Não era um rio largo, quem sabe 20 ou 25 metros. Mas tinha uma correnteza forte e quando tínhamos de ir do outro lado, subíamos até a baixada da Codorna para atravessar. Os outros seniores vieram para ver o que íamos fazer. Darcy o Monitor nos alertou para o perigo de cair nas águas profundas. Polônio riu. Ele foi o primeiro. Era “cobra” no Crow. Eu sabia que ele sempre seria um campeão. No meio da travessia ele olhou para trás piscou o olho e gritou: - quem não passar é mulher do Padre! E foi então que ele despencou nas corredeiras como um pássaro abatido por um tiro. Só vimos às águas se abrirem e ele desaparecer. Eu sabia nadar muito bem e Polônio também. Mesmo assim mergulhei atrás dele. Fiquei horas procurando e não o achei.

              Wantuil pegou sua bicicleta e foi buscar o Chefe e mais ajuda. Fiquei lá a noite toda gritando por ele nas barrancas e nada. Vieram dezenas de pais, dos bombeiros, da policia e procuraram pelo corpo por vários dias. Foram embora. Eu não fui. Não podia. Não podia voltar e enfrentar a mãe e o pai de Polônio. Um dia meu pai e o pai dele foram me buscar. Eu chorava não querendo sair dali. O tempo passou, eu passei com o tempo sem pensar nas horas e quando devia parar. Machuquei-me para sempre Chefe. Sai do escotismo e nunca mais voltei. Olhei para ele, chorava como se fosse um menino. Levantou-se, me olhou nos olhos e partiu sem dizer adeus. Eu não disse nada. Não havia o que dizer. Uma amizade de sangue não pode ser desfeita. Mesmo na morte. Ele sabia disto. Daquele dia em diante esperava na varanda sua passagem. Nunca mais passou. Foi Dona Ana quem me perguntou um dia se era amigo dele. - Quem dona Ana? Aquele que um dia passou e ficou com você contando causos e causos. Olhei para ela. – Sabe quem ele era?

                Ela sorriu me olhou e disse. Polônio! Fiquei estupefato. – Dona Ana, ele não era o Polônio! Ela rindo disse até logo e falou: - Quem sabe seu Osvaldo quem sabe? Espirito vem e vai, outros não querem partir e outros querem ficar! Deus do céu! Seria ele o Polônio que caiu no rio Pedroso? Até hoje me fico a perguntar...

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Lendas Escoteiras. Ninguém foge ao seu destino.




Lendas Escoteiras.
Ninguém foge ao seu destino.

Era uma vez... - Tem gente que ama o silêncio, ficar calado, viver a natureza em todo seu esplendor. Chefe Leopardo foi assim. Escolheu um estilo de vida e eu tive de aceitar e porque não dizer: - Quem não gostaria de ser como ele? Apenas uma história... Ou será uma estória? Vocês decidem.
  
                  - Eu só o vi Chefe quando ele passou em frente ao meu mercadinho. Assustou muita gente. Contaram-me depois que surgiu lá na trilha de Santana, passou pela rua do centro de cabeça erguida, só olhando para frente e não cumprimentou ninguém! – Chefe acredite, ele estava de uniforme, calça curta, Chapelão e uma imponência de fazer inveja. Uma barba grisalha, os cabelos também grisalhos amarrados atrás como um rabo de cavalo. Andava devagar, como se estivesse em transe, seguido pelo seu cavalo e que cavalo lindo Chefe. Um Baio de pêlo castanho com crinas pretas. Era realmente uma imagem incrível para se guardar para sempre. Ele não segurava a rédea. O animal o seguia onde fosse. Nas janelas cheias todos admiravam o escoteiro sem nome. Havia um silêncio arrepiante. Só quando ele sumiu na estrada da Fazenda Céu azul que pertenceu ao falecido Salomão foi que todos deram conta que algum estranho estava para acontecer.

                       E sabe Chefe depois daquele dia ele nunca mais apareceu aqui no arraial. Sumiu por completo. Disseram que era um Escoteiro feiticeiro. Outros diziam que iria destruir o arraial. O boato morreu assim como surgiu. Terrinha um meeiro que trabalhava na Fazenda Céu Azul disse que ele érea o novo proprietário. Seu nome era Chefe Leopardo. Todos diziam que não havia fazenda nenhuma. Só terras e areia banhado pelo rio Barrento. Terrinha contou também que ele quando vem à cidade faz uma lista do que quer. Sempre Pó de café, açúcar e sal mais nada. O bom é a gorjeta. Não duvidei de Campanário o dono da Mercearia. Seria mesmo o Chefe Leopardo? Sumiu há anos, deixou tudo para trás, não disse adeus a ninguém. Nem mesmo seus Escoteiros souberam de nada. Nem mesmo o Chefe Noraço e Malemont o sênior.

                         Era uma notícia para investigar. Eu tinha de saber o que houve. A sorte não aparece duas vezes. Por falta de gasolina parei ali em Verdes Mares, nome danado, pois só um riacho pequeno passava por lá. Conhecia Campanário. Foi da minha patrulha sênior e grandes amigos. Fiz um lanche na Mercearia dele a única do arraial, e conversamos um pouco. Eu seguia para Lontra Verde, uma cidade próxima a pedido do Seu Tanquinho. Pediu-me para comprar umas dez mil dúzias de tijolos. Quando disse que ia até lá na fazenda Céu azul Campanário me alertou; Chefe são três léguas, sem estradas e a cavalo vai demorar umas três horas. Sem problemas Campanário. Preciso tirar isto a limpo. Ele prestativo deixou a mercearia e meia hora depois apareceu com uma mula linda, uma Andaluz alta, arriada – Chefe Zé Birosca me alugou. Depois o senhor paga para ele.      

                          Foram duas horas e meia até avistar a choupana do Chefe Leopardo. Incrível! Toda feita de madeira original nos moldes das cabanas do velho oeste americano. Em volta cavou um fosso em meio circulo, pois sua choupana era na beira do rio e ninguém poderia chegar sem atravessar o fosso. O mais espetacular era o mastro de bandeira que construiu. Vi que o cabo subia automaticamente tocado pela correnteza do rio. Uma enorme bandeira Nacional estava hasteada. Desci do cavalo e ele chegou à porta. – Tarde! Eu disse. – Ele não disse nada. – Ficamos olhando um para o outro. Tentava lembrar-se de mim. - Olá Vado, o que fazes aqui? – Visita Chefe Leopardo. Ou não posso visitá-lo uma única vez? – Ele pegou um cipó curado, e vi que uma ponte pênsil logo se firmou em cima do fosso. - Sua mula fica aí. Perigoso ela atravessar a ponte.

                       Próximo à choupana construiu um chiqueirinho, um galinheiro e uma horta de tirar o chapéu. Entrei na sua casa e me espantei. Uma mesa de peroba rosa, toda feita com encaixe e bancos confortáveis. Ele construiu também um quarto com cama e mosquiteiro feito de lascas de bambuzinho chinês. – Sente-se Vado, só peço para não contar as novidades. Sou feliz assim sem saber mais nada do meu passado; - Pegou-me de surpresa. – Mas sei que veio aqui para saber o que aconteceu. Gosta de escrever e não ia deixar passar em branco. Sabe Vado eu gosto do silêncio da minha choupana, do meu trabalho, eu estou sempre fazendo uma pioneiria ali e acolá, adoro pescar traíras a noite. Gosto de Caçar um quati, uma capivara com meu arco para comer carne fresta. À noite acendo meu fogo, deito na relva para contar estrelas, amo o por do sol e o nascer do sol com as borboletas ciscando nos meus ombros e cabelos ao alvorecer.

                   Um dia vi que a vida não tinha o que eu queria. Amava meus Escoteiros. Mas eu precisava de algum mais. Juntei um dinheirinho e fui para o Nepal. Passei quatro anos em um mosteiro. Também não era o que sonhei para mim. Nunca seria um monge mesmo gostando do silêncio. Comprei esta fazenda. Aqui tenho tudo que quero. A terra é boa, ela é minha amiga, tudo que planto dá retorno. Aqui eu tenho tudo que eu desejo. Não quero companhia, não vou casar e ter filhos. Quando meu corpo não me obedecer mais e chegar a hora de morrer, morrerei sentado na curva da lontra onde fiz uma linda cadeira de balanço. É lá que vivo e faço parte da natureza. É lá que sinto a minha liberdade e me sinto livre de todas as amarras da civilização.
                          
                          Chefe Leopardo sorriu. Disseram-me que ele nunca sorria. - Hora da bandeira ele disse. – Quer participar? – A bandeira farfalhava ao sabor do vento ali na beira do Rio Barrento cujas águas eram límpidas claras e serenas onde se podiam ver os peixinhos a nadar. Durante a descida ele cantou o Hino Alerta. Sua voz rouca não titubeou uma única vez. Apertei sua mão esquerda, ele me agradeceu a visita e me pediu que mantivesse segredo. Ele queria continuar sua vida de ermitão. Ali morava e ali iria morrer. Agradeceu-me e quando partia ele me disse – Dê lembranças ao Campanário! – Você o conhece? Perguntei. – Claro Vado, ele foi Escoteiro junto a você. Diga ao Chefe Noraço e Malemont que eles ainda moram no meu coração, mas não conte nada sobre mim.

 Parti pensando o que era a vida. Campanário me olhava querendo saber as novidades. Sorri e não disse nada. Se o chefe Leopardo queria ter uma vida só dele era seu direito. Que ele vivesse em paz. Afinal eu sabia que ele fez sua escolha e certo ou errado a vida era dele. Fico pensando se eu não invejo sua escolha...

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

“Célia” Era uma vez... Em uma fazenda... Uma história quase real.




“Célia”
Era uma vez... Em uma fazenda...
Uma história quase real.

Era uma vez... Às vezes costumo voltar no tempo, lembrar-se de tudo de bom que aconteceu em minha vida. Não só o Escotismo me fez feliz. Fui Gerente de uma fazenda... Cria recria e engorda. Quase 10.000 cabeças. Lembro que quando cheguei lá não entendia nada... A vida ensina. Aprendi muito. Até hoje tenho saudades dos meus tempos em uma fazenda que nunca esqueci!

                      ... Era uma casinha pequena. Pintada de branco e cheia de flores em volta. Dois quartos. Eu e Celia dormíamos em um, não tão grande. Os quatro meninos em outro. Uma salinha de nadinha com uma poltrona e mais nada. Uma cozinha estreita. Mané Vaqueiro e Tonhão construíram um puxadinho atrás. Ali fizeram um fogão de barro, um forno de barro e o piso de terra batida. Na frente uma diminuta varanda. Uma cadeira de balanço e um banco de madeira. Muitos jarros de plantas. Eu amava tudo aquilo. Na varanda dava para ver a horta da Célia, pujante, verduras, frutas nascendo sem parar. Tomates, couve, cebolinha, batata doce, alface, pés de mamão, goiaba, taioba que eu adorava e muito mais. Nos fundos um chiqueirinho. Limpo, sem cheiro sempre com dois ou três capados no ponto. Mais a frente o galinheiro. Centenas delas. Dava para colher umas três dúzias por dia.

                       Como a gente era feliz. Sem preocupações das grandes cidades. Durante o dia o passear dos avestruzes, das galinhas d’angola, um ou outro veadinho que passavam correndo, passarinhada que escureciam o céu. Na época certa as cigarras faziam a festa. À noite então! Coisa linda! Quando se aninhava em frente a minha casa os vagalumes aos milhares eu apagava o lampião. Não precisava, pois eles davam conta. Um espetáculo digno de ser ver. Nos fins de semana a gente se juntava e ia passear de barco no Rio das Velhas até o grotão onde uma pequena cachoeira embeleza o rio cheio de esplendor. Depois a gente descia até à foz do São Francisco. Gente, minha mente mexe comigo ao lembrar. – Marido queria fazer uma moqueca de peixe... Amo a Célia com seus almoços fenomenais. – Um pequeno, pois a geladeira a gás está cheia. Carne de porco de vaca até de tatu e capivara tinha. Sempre um cavalo arriado na porta. Sem pestanejar montava e em pouco tempo voltava com um pintado ou um dourado.  

                               Vovó Lavínia era uma grande amiga. Tinha o apelido de Vovó, mas era da minha idade. Uma Akelá de um grupo Escoteiro da Capital. Nunca se esqueceu da gente. Foi fazer uma visita de uma semana. Ficou lá um mês. Risos. Não sabia que ela conversava com a natureza. Uma tarde fiquei estupefato quando ela acariciava o pelo de um pequeno veado. Um animal arisco e nem sei como ela conseguia. Um dia a vi conversando com dois avestruzes. Velozes não deixavam a gente chegar. Nunca tinha visto nada igual. Mas Vovó Lavínia conseguia. Levei o maior susto quando vi uma cobra enorme atrás dela. Gritei para ela correr, ela parou olhou para a cobra que se enrolou toda. Vai dar o bote pensei. Impossível, Vovó Lavínia ficou agachada e parece que falou com a cobra por instantes e ela foi embora. Desculpem é verdade. Uma noite sentados na varanda, filharada dormindo ela pôs os dedos na boca como a pedir silêncio. – Escutem falou baixinho. As estrelas estão cantando no céu. Gente, na fazenda havia o mais belo céu que tinha visto. Bilhões e bilhões de estrelas. Uma via láctea que marcava qualquer um. Fizemos silencio. Olhávamos para o céu. Um som calmo e refrescante. Se for o cantar das estrelas não sei, mas que era lindo era.

Quando ela foi embora sentimos uma tristeza enorme. Um vazio grande. Tentei várias vezes ouvir as estrelas cantarem. Se ela ainda estive ali me diria: - Amai para entendê-las, pois só quem ama pode ter ouvidos capaz de ouvir e entender as estrelas! O tempo se foi, eu daria tudo para voltar no tempo. Mas o tempo não para. No trampolim do sem-fim das estrelas, no rastro dos astros, na magnólia das nebulosas. Além, muito além do sistema solar, até onde alcançam o pensamento e o coração, vamos! Vamos conjugar o verbo fundamental essencial, o verbo transcendente, acima as gramáticas e do medo e da moeda e da política, o verbo sempreamar, o verbo pluriamar, razão de ser e de viver. (Drummond).

- “Ah”! Eu vivi em uma fazenda, em uma casinha pequena, branca, cheia de flores em volta... Saudades... Muitas saudades!

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Lendas da Jângal. A passagem!




Lendas da Jângal.
A passagem!

Era uma vez... - “A Lei da Jângal vai lhe ensinar a dominar-se a ter segurança entre os amigos da Alcateia, e aprenderá que as Leis da Alcateia que um dia você não conhecia e agora aprendeu a amar para o seu próprio bem”.

               Havia muitos dias e muitas noites que Giovanna chorava. Ela não queria acreditar, pensava uma maneira de fugir e ficar ali para sempre na Alcateia. A Akelá, o Balu, a Bagueera sempre ao seu lado acalentando. – Chefe! Eu não quero sair daqui! – ela dizia. Eu quero ser lobinha para sempre. Não adianta me dizer que Mowgly um dia foi para a Alcateia dos homens, eu não sou Mowgly, eu sou uma lobinha da Alcateia de Seeonee que ele um dia participou! Chefe! Ela repetia, eu não sou o Shery Khan, não sou um tigre manco covarde e nem sou o Tabaqui aquele que permuta a própria honra para sua proteção. Não sou covarde e nem aduladora!  Um dia eu serei Hathi que se se fez respeitado pela sua experiência e sabedoria! – Nada, mas nada mesmo fazia Gigi mudar de ideia. Todos os chefes sabiam que ela tinha de passar para a tropa, sua idade e sua maturidade estavam chegando. Diversas vezes eles contaram as maravilhosas histórias de Mowgly, de Akelá o lobo cinzento forte e altaneiro. Do Baloo um urso pesado e grandalhão inofensivo, mas que era um amigão. De Bagheera a Pantera Negra de pelagem linda de seda. Astuta, intrépida, corajosa uma das poucas que compreendia bem Mowgly.

               Não tinha jeito. Gigi se tornou uma menina amarga em casa, na escola e na Alcateia. Tudo porque tinha chegado sua hora. Todos sabiam que este dia haveria de acontecer. No seu intimo ela achava que era Raksha uma loba valente e vigorosa que dava a vida pelos demais lobos. Contam nas alcatéias que os meninos e meninas ao entrarem na Jângal não sabem o que os espera. Eles vão atrás apenas das belezas e aventuras que a floresta oferece. Quando chegam aprendem que ali tudo é organizado, que existe leis a cumprir protegem-se uns aos outros e sabem que na matilha o primo é um irmão mais Velho que deve sempre ser consultado. Ela aprendeu que os erros acontecem na selva, e sabe também que todo erro será julgado, aconselhado ou se receberá uma punição, pois só assim a paz entre os lobos voltará a reinar. Tudo isto martelava a mente de Gigi. Ela lembrava como Naty chorou quando foi embora para a Alcateia dos homens. Ela chorou desde que foi obrigada a fazer a trilha. – Chefe! Ela contava, Naty me disse que não gostou da patrulha, não gostou dos Escoteiros!

                     A mãe de Gigi várias vezes procurou a Akelá para conversar. Ela sabia que um dia isto iria acontecer, as reuniões dos pais na Alcateia era uma gostosa vivência que fazia de todos eles lobos da Alcateia de Seeonee. Ela soube da história de Naty, pois Gigi lhe contou chorando. Chefe! Alguma coisa precisa ser feita. Quem sabe conversar melhor na tropa, tentar mostrar aos meninos e meninas que ali se encontravam que uma passagem significa muito. Gigi sabia que Tininho era para ela o Lobo Gris, seu melhor amigo na matilha verde. Sempre a avisava quando Shery Kaan estaria de volta. Era um irmão de verdade e ele sempre lhe disse isto. Eles eram um povo livre e na Alcateia a alegria reinava para todos sob a liderança de Akelá. Gigi adorava a Dança de Bagheera, a Dança de morte da Shery Khan: - ¶Mowgly está caçando, Mowgly está caçando, matou o Shery Khan, esfolou o come gado, Rá Rá Rá!¶ Ela adorava esta. Quando a Akela a escolhia para ser a líder e dizer melhor, melhor, melhor e melhor no Grande Uivo ela sabia que seria o dia mais alegre de sua vida.

                       Foi Kaa quem um dia contou o porquê Mowgly foi embora para a Alcateia dos homens. Contou tão bonito que ela ficou impressionada. - Gigi, ela dizia um dia Mowgly se cansou. O que os lobos faziam ele achava infantil. Tudo aquilo que para ele significava muito já não era como antes. Mesmo amando seus amigos ele se sentia do lado de fora da Jângal. Embora ele amasse seus amigos e os tivesse na mais alta consideração ele sabia que agora era importante para ele. Ele cresceu, viu na cidade dos homens um motivo para aprender a conviver e aprender como adulto uma nova vida. Sabe Gigi, o lobo ou a lobinha sabe que viveu e aprendeu os ensinamentos da selva. Mas agora crescido já tem maturidade para ver que precisa seguir adiante. A vida é assim, ela nos ensina a prosseguir sempre não podemos estacionar e pensar que aqui o vento sopra todos os dias com a mesma velocidade. Precisamos um dia ser o Mowgly, seguir com os outros para aprender a ser mais que um lobo. Se aqui na selva você se preparou, se amou seus irmãos se aprendeu a se defender do Shery Khan então chegou sua hora de partir. Isto nós chamamos de responsabilidade para com sua própria vida, a seguir as outras trilhas fora da floresta.

                       Gigi ouvia o Baloo e não chorava. Ela estava tentando entender. Ela olhou um pouco seu passado e viu que muitas das coisas que fazia era muito infantil. Quantas vezes pediu para a Akelá novos jogos, novas descobertas e até novos acampamentos mais fortes dormindo em barracas, subir em árvores, atravessar rios e tantas coisas que os lobinhos não faziam? Quando foi para casa Gigi conversou com sua mãe. Ela a abraçou e disse: - Olhe Gigi, você vai crescer, um dia vai-me dizer que precisa ter seu espaço, não vai mais querer morar aqui. Isto não vai significar que não me ama que não ama sua família. Vai chegar a hora de sair da sua segunda ou terceira floresta. Vai chegar a hora de você fazer nova passagem para sua vida adulta, para ter seu própria vida e o seu livre-arbítrio. No sábado Gigi disse para a Akelá que ela podia combinar com o Chefe Escoteiro sua trilha.

                       Naquele sábado ela estava preparada. A passagem foi linda e Gigi sabia que nunca mais iria esquecer aquele dia. Apertou a mão de cada lobo com um sorriso. Dizia para si própria que ia em busca de uma nova vida. Uma vida de descobertas para que ela pudesse assimilar mais seu crescimento interior. Todos fizeram a cadeia da fraternidade e uns poucos choraram. Ela não. Sabia que ia voltar sempre para estar um pouco junto deles. Quando vestiu seu uniforme de Escoteira Gigi sentiu orgulho e tristeza. Tristeza pequena por deixar o uniforme que amava, mas ela sabia que o novo ela o amaria também. Abraçou fortemente aos seus antigos chefes e se apresentou ao novo Chefe na tropa. Uma patrulha se aproximou e a convidou a dar o grito. Foi gostoso demais, foi formidável. Gigi agora sorria, Ela iria viver uma nova vida na cidade dos homens. Sabia que nunca desistiria de prosseguir a jornada que ela escolheu, ela sabia que tinha o escotismo na mente, junto dela e no seu coração Escoteiro!

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Contos ao redor da fogueira. O segredo do Velho Marcondes.




Contos ao redor da fogueira.
O segredo do Velho Marcondes.

... Era uma vez... Dar as mãos sem olhar a quem? Você escolhe qual mão vai apertar? Não julgueis para não ser julgado, abra o seu coração e saiba perdoar. Palavras lindas que nós e Escoteiros deveríamos ter sempre na mente. Como dizia Sartre, viver é isso: Ficar se equilibrando o tempo todo, entre escolhas e consequências.

                 Não foi por vontade própria que pernoitei em Laranjal do Sul. Meu carro deu um defeito na parte elétrica e a placa indicava uma cidade de trinta mil habitantes convidando a todos que passavam a conhecer as belezas do lugar. Achei um mecânico eletricista palrador e dizia ser o melhor da redondeza. De fato em menos de duas horas o defeito desapareceu. Eram cinco da tarde. Ele me aconselhou a pernoitar ali na pensão de Dona Hermínia, pois ia ter um dos melhores jantares de minha vida e no dia seguinte partir para meu destino. Aceitei o conselho. Ao entrar na pensão vi na rua muitos jovens Escoteiros e perguntei a um deles onde iam. “Moço hoje é dia de reunião”! E onde é a sede? Ele me mostrou bem no final da Avenida principal. Daria tempo. Tomei um belo banho, jantei como um rei e lá fui eu de uniforme ao encontro dos Escoteiros. Eu era um deles e nada melhor do que dar a mão esquerda e um Sempre Alerta aos irmãos de ideal.

                  Como sempre fui muito bem recebido. Esta é uma das vantagens nos grupos escoteiros. Se você é um desconhecido, de outra cidade a recepção é digna de reis e rainhas em terras estranhas. Fui apresentado a todos. Chefes, assistentes, Akelá Balu e até diretores que vieram ao saber que eu estava ali. Todos falando ao mesmo tempo querendo saber notícias escoteiras da capital. Fui apresentado a Alcateia, a Tropa Escoteira e sênior além das meninas da tropa feminina e as guias. Eles não tinham pioneiros. Serviram-me café com deliciosos biscoitos de polvilho. São coisas de Escoteiros estas recepções. Durante mais de uma hora ficamos na sala da sede papeando, sempre chegando um pai ou outro, um dirigente ou outro, um politico e até mesmo o vice-prefeito vindo dar as boas vindas ao Chefe da capital. Sou um Escoteiro observador. Não deixo passar nada. Meu instinto de sempre alerta sempre está atento a tudo e a todos em minha volta.

                   Desde que cheguei vi um senhor miudinho, bem pequeno, com uns olhinhos azuis e um sorriso encantador. Vestia-se simplesmente, com uma camisa de algodão branca desbotada e um chapéu de abas largas com furos e velho muito velho. Não me apresentaram. Esperei o momento oportuno e perguntei ao Chefe do Grupo quem era ele. – Ele Chefe? Ele não é ninguém. Vêm aqui todas as reuniões e faz a limpeza da sede, leva e trás recados quando necessário. É o nosso estafeta e faxineiro e nada mais que isto. – Não entendi perguntei – O Chefe ficou sem jeito e abriu o jogo – Olhe Chefe, não sei se o que vou lhe contar seria contra as normas, mas ele é um ex-presidiário. Há quase trinta e cinco anos encontrou a esposa com outro homem. Sentiu sua honra ultrajada e matou o homem deixando a mulher viva. Se tivesse matado a mulher não ficaria tanto tempo na cadeia. Aqui não se prende ninguém por crime contra a honra. Foram 28 anos sem poder ir a nenhum lugar.

                 - Quando saiu voltou ao seu velho oficio de sapateiro. Por sinal é um profissional de altíssima qualidade. Procurou-me no grupo há dois anos. Disse que queria ajudar. Prestar serviço à comunidade. Conversei com a diretoria, com o delegado, com o Juiz de Direito e eles acharam que eu poderia deixá-lo ajudar, mas longe dos meninos. – Porque perguntei? Bem eles me disseram que passou muitos anos na cadeia e quem sabe ideias diferentes não podem aflorar e ele aprontar alguma? Eu não disse nada. Uma vez culpado, culpado pra sempre. Já tinha visto tantas coisas na vida que achei melhor calar. Mas não deixei de me levantar e ir até ele cumprimentá-lo. Precisam ver sua alegria quando pegou na minha mão. Seus olhos brilharam. Sempre esteve ali subserviente e muitas vezes humilhado e quando alguém como eu que achavam ser um Super chefão, um Velho lobo estava cumprimentando-o, ele foi às nuvens. Quase chorou.

                  No dia seguinte levantei cedo, queria colocar o pé na estrada o quanto antes. Tinha de chegar a Rio das Flores antes do meio dia. Compromisso inadiável. Ele estava na porta da pensão me esperando. Deu um belo sorriso e me presenteou com um belo forro de mesa, de linho branco e bordado nas pontas e no meio uma enorme flor de lis dourada. Trabalho de mestre. – Amigo, eu não mereço tão bela comenda! Disse. Ele sorriu e disse que eu era o primeiro que lhe apertara a mão no Grupo Escoteiro. Pensei com meus botões e falei – E se não o cumprimentam e não o querem lá porque ajuda? – Ele me olhou com aqueles olhos azuis miúdos e disse – Uma vez Chefe, uma jovem guia no grupo me disse que devia fazer sempre o que tive medo de fazer. Encarar sem ódio, ajudar sem esperar recompensas. Ela me falou de uma maneira tão simples que vim aqui e comecei a ajudar. No inicio limpava o campo de atividades varria em volta da sede e depois me deixaram entrar. Hoje lavo tudo, costuro barracas, com o couro que tenho na sapataria faço totens de patrulha e não faço mais porque não deixam.

            Fui embora com lágrimas nos olhos. Não ia interferir na vida daquele grupo Escoteiro. Lembrei-me de Paulo Coelho que escreveu certa vez – “Quem tentar possuir uma flor, verá sua beleza murchando”. Mas quem apenas olhar uma flor no campo, permanecerá para sempre com ela. Você nunca será minha e por isso terei você para sempre. Nunca mais voltei a Laranjal do Sul. Aonde vou sempre aprendo e tomo lições de vida. Lá aprendi com um presidiário como fazer o bem sem olhar a quem. Dizem que as mais lindas palavras de amor são ditas no silêncio de um olhar. Percorremos dia a dia uma trilha e se não deixarmos marcas do bem ninguém poderá aprender conosco quando nos seguirem. Um ex-presidiário ensinou-me muito mais que muitos grandes Líderes Escoteiros. Ensinou-me que a palavra servir é para quem tem amor no coração, para quem não espera recompensas e se sente pago com um sorriso. Como disse Machado de Assis, há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho, Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!

“Não julgueis, pois, para não serdes julgados; porque com o juízo que julgardes os outros, sereis julgados; e com a medida com que medirdes vos medirão também a vós”. - Mateus, VII: 1-2.

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Lendas Escoteiras. A cerejeira em flor.




Lendas Escoteiras.
A cerejeira em flor.

... Era uma vez... – Uma Cerejeira rosa. Alta e frondosa enchia o chão de sombras. Nos galhos os passarinhos aos pares faziam seus ninhos; Lançando aos ventos sonoros... As tardes na sombra abrigaria namorados fazendo juras de amor; Tão puras e ternas que parecessem eternas. Como as flores rosa... De seus galhos.

                   Era uma visão incrível. Apareceu assim do nada. Marcou minha vida para sempre. Dizem que nós escoteiros temos o privilegio de ver e ouvir coisas, de entender o som do vento, ouvir a arvore cantar em noites de lua cheia, admirar o regato de águas cristalinas que corre para o mar. Dizem que a natureza se faz presente aonde eles vão. Naquela tarde eu seguia o vento conforme meu Velho Chefe me ensinou um dia. “Escoteiro, siga o vento, ele sabe onde você deve chegar”. Meu Velho Chefe era um sábio. Foi na curva da trilha dos sonhos que eu a vi, imponente, linda, como se fosse uma deusa a olhar seus domínios naquela tarde gostosa de um novembro qualquer. Não sei por que eu modifiquei meu caminho para chegar ao Lago Dourado onde iria acampar. A mão de Deus dizem, sempre está presente a nos guiar. Deixei a trilha do Marquês e me apeguei a esta nova trilha. Já tinha bons seis quilômetros de jornada. Agora estava em um vale florido entre duas montanhas verdejantes. Sentia o suor no rosto e precisava descansar.

              O sol me incentivou a parar. Os olhos vermelhos e o meu chapelão de três bicos mesmo ajudando a vedar o sol em minha frente eu a avistei. Grande demais para o lugar onde nasceu. Quem sabe era a rainha de tudo? Quem sabe era ela quem mandava ali naqueles domínios? – Porque não parar uns minutos para descansar na sombra desta imensa árvore que reinava sozinha naquele vale feliz? Que doce é o paraíso quando sem esperar o encontramos. Que visão maravilhosa, e ao lado eu avistei um pequeno riacho de águas cristalinas que descia a serra naquele vale feliz. Parei, tirei minha botina, meu meião, coloquei meus pés nas águas mágicas que pareciam possuir um delicioso néctar para refrescar. Só então me virei para ela, a Deusa do Vale e tremi de êxtase ao ver que era uma cerejeira em flor. Maravilhosa, linda, folhas rosa destoando do verde ao seu redor. Sentei em sua sombra, encostei-me de leve ao tronco devagar para não ser um intruso a invadir seus domínios.  

                 Fechei os olhos calmamente... Não queria, mas a sombra da cerejeira em flor me pedia para serrar os olhos, era como se sua voz suave me ordenasse um descanso. Minha mente percorreu a história da minha vida, naqueles segundos e minutos que ali permaneci. Vi-me menino de azul correndo pelas campinas com a chamada de Lobo, Lobo, Lobo. Olhei novamente e lá estava eu vendo o Balu colocar minha segunda estrela no meu Boné. Lembranças maravilhosas. Salto um espaço de tempo e lá estava eu de novo a ver meu corpo firme e ereto a receber minha primeira classe. Tempos que se foram e não voltam mais. Lembranças gostosas da vida que marcam para sempre nossa memória. Senti algumas flores caindo sobre mim e ao meu redor. A Cerejeira me presenteava com sua formosura as lembranças tão lindas de uma vida que parecia uma eternidade. Tudo estava calmo, delicioso, pássaros chilreavam trazendo aos meus ouvidos o belo som da natureza. O vento soprava como brisa para refrescar naquela sombra perfeita, pés levantados, respiração voltando ao normal. Era hora de partir.

                    Como partir? Minha mente entorpecida naquele instante renegou a ideia. Eu estava vivendo sonhos coloridos em baixo da Cerejeira em flor e não imaginava seguir novamente na trilha quente daquela tarde gostosa de um novembro qualquer. Perder aquele oásis dos deuses? Daquele paraíso cheio de flores a cair sobre a relva e sobre mim? A sensação de ficar era insistente, calma, silenciosa e gostosa. – “A flor de cerejeira cai da árvore na primeira brisa mais forte e não podemos dizer que ela nunca viveu. Uma flor de cerejeira dura um dia, um dia”... Mas ela não é menos bonita por isto. Quem disse isto? Não lembrava. Eu não queria partir, eu tinha encontrado o meu paraíso. Continuei a rebuscar meus pensamentos. – Será que o tempo é relativo? Que se a flor da cerejeira, por exemplo, dura apenas semanas e mesmo que durasse mil anos ainda seria efêmera? Oh Deus! Eu não queria partir. Porque não pensar que esta flor tão bela como era não merecia durar eternamente? Se o eterno dura com tanta intensidade porque ela não teria este direito? Eu dormia. Não queria acordar. A cerejeira me protegia da noite escura e sem luar. Um clarão das estrelas no céu me fez voar nas asas da minha imaginação.               

                      Acordei cedo. Tive um sono lindo e reparador, mas eu precisava partir. Um foguinho, o café na brasa, um papinho com Jesus e lá fui eu sozinho naquela trilha que nunca vi e nem sei se um dia iria voltar. Parei na subida da montanha, olhei para trás, meus olhos se encheram de lagrimas ao avistar a Cerejeira que foi minha barraca naquela noite linda de um novembro qualquer. Olhei para o céu e fiz um pedido: - Deus, amigo dos Escoteiros, faça com que esta Cerejeira dure para sempre! O sol agora tinha um frescor de primavera. Uma luz azul me indicava o caminho naquelas montanhas distantes. O novo dia já havia chegado sem fazer alarde. Por quê? Porque Jesus nasceu em Belém. O orvalho ainda resplandecia nas folhas dos arvoredos que me acompanhavam. Já não havia mais brisa, mas um perfume delicioso do verde das matas, do chão que eu pisava. Minha trilha era um acalanto por saber que nosso mestre tinha nascido e vindo trazer a luz para a humanidade.

                            Olhei novamente a cerejeira que me deu seu último adeus quando virei à montanha que se aproximava do céu. Em marcha de estrada eu sorria. Meu cantil com águas doces e cristalinas me fazia pensar como era bela a natureza em flor. A Cerejeira ficou em minha mente por toda a vida. Ela me deu o sentido de viver e me fez ver a quilômetros de distância o lugar onde Jesus nasceu. Agora o mundo ia mudar. Agora só as palavras de amor iriam prevalecer. A Cerejeira em flor iluminou o meu caminho e iria iluminar o caminho do mundo. E Jesus fez acontecer. Aqueles que acreditaram nas palavras do senhor tinham em seu coração uma Cerejeira em flor!

domingo, 25 de agosto de 2019

Conversa ao Pé do Fogo. Firmino. Um monitor de Patrulha.




Conversa ao Pé do Fogo.
Firmino. Um monitor de Patrulha.

... Era uma vez... - Uma das funções mais belas e mais agradáveis para qualquer Chefe Escoteiro é saber adestrar e divertir seus monitores. Se eles são bons, irão fazer o mesmo com seus Patrulheiros fazendo deles verdadeiros amigos e irmãos. Isto irá desenvolver neles a formação intelectual, moral, física, técnica e religiosa, e a motivação para que permaneçam um bom tempo no Escotismo. Para que isto aconteça o Chefe Escoteiro tem enorme responsabilidade pela sua formação.

                            Sexta cheguei em casa cedo. Não eram cinco da tarde. No meu emprego foi um dia normal. Entrei e vi que Noêmia não estava. Deve ter ido à casa da mãe dela. Já ia tomar um banho quando alguém bateu na porta. Pela batida eu sabia quem era. Firmino, sem sombra de dúvida. Veio semana passada neste mesmo horário. Sabia que eu estava em casa. Abri a porta e lá estava ele. Sério, compenetrado – Olá Chefe! Posso entrar? – Claro Firmino. Ele foi para a sala e se se sentou na pontinha da poltrona. Com respeito o deixei iniciar a conversa. Nas entrelinhas eu já sabia. Sempre reclamando da patrulha. – Pois não Firmino! – Chefe, a patrulha não quer obedecer. Já tentei conversar, até gritar eu gritei e nada. Calou e abaixou a cabeça. Na semana passada disse que dois patrulheiros foram mal educados com ele. Tunico e Zé do Prado disseram que não vão mais me obedecer!

                            Eu tinha duas possibilidades. Dar mais tempo para ele se acertar ou sugerir um Conselho de Patrulha para fazerem nova escolha de um novo monitor.  – Firmino, eu já disse a você. Seu exemplo de cortesia e fraternidade vem em primeiro lugar. Você tem de ser compreensivo comunicativo sem exigir demais. Em vez de dizer faça, diga vamos fazer. Tem de ser leal, eles precisam aprender a ter confiança em você. Não seja ríspido, gritos não resolvem. Ponha-se no lugar deles, quando não era monitor gostava quando gritavam com você? – Ele me olhou com aquele olhar de Coruja que perdeu o filhote e cansou de procurar. - Procure ouvir mais, lembre-se um líder só aprende a liderar se souber ser liderado. Seja humilde, mostre que seus amigos da patrulha são bons, dê valor a eles por pior que sejam. Já elogiou alguns deles? Ele me olhava com aquela cara de menino pego fazendo arte.

                            - Firmino, eu já disse a você o que perguntaram ao nosso mestre Baden-Powell se não fosse Chefe mundial o que ele gostaria de ser no escotismo? Firmino me olhou enviesado. – Ele foi firme dizendo que se pudesse voltar no tempo e ser um menino ele escolheria ser Monitor de Patrulha. Ele pensava que o papel mais interessante dentro do escotismo era o de Monitor de Patrulha. Escreveu em um dos seus livros que o monitor não manda, o Monitor orienta. Ele não empurra a patrulha, ele providencia para que ela vá ao seu lado. - Mas Chefe! Eu já tentei tudo e não adiantou. – Olhei para Firmino. Nunca foi um líder. Foi eleito pela patrulha e nunca soube por que o escolheram. – Firmino, lembra-se do acampamento do mês passado? Você sempre fazendo, não pedindo ajuda, só mandando para que eles furassem os buracos, buscassem lenha e poucas vezes deu liberdade a eles de fazer.

                             - Chega Firmino de ser o mauzão, ficar zangado quando as coisas vão mal. Pare de ser o Patrão, delegue tarefas. Você parece bucha de canhão e assume sozinho as responsabilidades dos outros! Ou você muda sua maneira, ou serei obrigado a ver com a patrulha se eles querem mudar de monitoria. Firmino abaixou a cabeça querendo chorar. – Eu sabia que a principal função do Chefe Escoteiro era de fazer seus monitores serem capazes de dirigir suas patrulhas. Os outros monitores iam bem, mas Firmino não. - Ora Firmino, você veio aqui para conversar ou para chorar? Será que isto resolve? Vai ficar chorando toda vez que não conseguir atingir seus objetivos programados? Levante a cabeça, tome jeito, leia mais a unidades didáticas que te dei sobre monitoria. Seja mais amigo, ouça, pergunte distribua responsabilidade.       

                              Eu sabia como Chefe de Tropa que a missão do monitor nada mais é que um Treinador, aquele que rega o que está árido, o Irmão Mais Velho, aquele que cura o que está ferido, o Modelador, aquele que dobra o que é duro e que aquece o que está frio, e finalmente o Exemplo, aquele que guia os passos dos desencaminhados. - Nunca esqueça Firmino que para o Monitor obter bons resultados com o seu trabalho precisa ter: - sacrifício, dedicação, exemplo, franqueza, coragem, energia, pois a grande condição indispensável para se exercer uma ação de formação junto dos seus escoteiros é o seu exemplo como Monitor.

                              Firmino levantou e me disse: Chefe não vou desistir! O Senhor pode confiar em mim! Saiu sorrindo diferente de quando entrou. Se ele vai mudar não sei, mas eu nunca vou desistir de fazer dele um bom líder. Afinal isto não é minha obrigação?

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Contos e lendas da Jângal. Os lobos não uivam sozinhos!




Os lobos não uivam sozinhos!

... Era uma vez... - Gosto desta história. Quando a escrevi passei horas lendo revisando e... Me emocionando. Poderia mudar o final, mas valeria a pena? – E volto meu pensamento para Akelá, em reunião na Pedra do Conselho dizendo: - Que direito você tem? Shere Khan levantou a cabeça altivamente. Hathi narrou cabisbaixo; É uma historia antiga, tão velha quando a própria selva. Mas essa é outra história... Só para os fortes, pois os sensíveis irão chorar...

Prezada Akelá Mércia.
Melhor Possível!

Desculpe a letra e meus erros. Estou tremendo muito para escrever esta cartinha. A senhora sabe que estou muito fraco e sentar é um tremendo sacrifício. A Enfermeira Lola está me ajudando. Se não fosse ela não iria conseguir escrever. Minha mãe está aqui também, mas chora tanto que não tem condições de me ajudar. Porque choram? Afinal não vamos todos morrer um dia? Sem que quando nascemos é festa é alegria, na morte não. A Enfermeira Lola diz que é uma mudança de plano. Ainda não entendo muito disto, mas acredite os anjos que me visitam me disseram que está chegando a hora de partir. Eu não conhecia os lobinhos anjos hoje muitos deles são meus amigos. Contam-me histórias, cantam canções e precisa ver a Vovó Matilde que vem lá do céu e me enche de abraços. Ela disse que meu lugar no céu está reservado. Não sei que lugar é este, mas deve ser lindo para eles sorrirem tanto. Já disse para a mamãe, mas ela não entende o que eu digo. Papai está na França e disse que vai chegar em breve. Nesta cartinha faço pedidos. Pode me ajudar?

Eu confio na senhora. Eu vivia tristonho na minha casa, não saia, médicos dizendo para ficar em repouso. Meu padrinho o Chefe Alaor me contou dos lobinhos. Convidou-me para ser um. Akelá Mércia foi demais quando a conheci. Na alcateia vivi os melhores momentos da minha vida. Eu gostava da Escola, mas muito cansativa. Como foi gostoso lobear, cantar jogar e aprender a ser um Mowgly. Pode dar um recado para o Balu Roberto? Diga a ele que deixe de fazer cara de mau, ele é bom, tem de sorrir mais e eu o adorava. Diga também para a Bagheera Renata que sempre chorava quando estava ao meu lado. Muitos choravam e isto me entristecia. Queria ser como Mowgly, nos tempos das falas novas, quando a primavera chegava, as flores nasciam o vento soprava e todos corriam pelos campos sorrindo e cantando na embriaguez da Primavera.

Dê um abraço apertando na Aninha a prima da minha matilha. Ela não entendia muito minha fraqueza, mas era uma das poucas que sempre me deu apoio. Diga ao Nonô que eu o quero muito e não fiquei bravo com ele quando pegou meu chocolate na mochila. Sabe Akelá Mércia. Eu adorava o Grande Uivo. Sempre Sonhei ver a senhora olhando para mim para que eu pudesse ser o convidado. Seria demais. Uma honra que jamais iria esquecer. Não houve oportunidade e eu entendo. Outros lobos mais antigos tinham este direito. Fiquei triste quando o Kaa Rogerio foi embora, sabe eu morria de rir quando ele queria imitar a velha serpente da Selva de Mowgly, mas rastejava muito mal. Risos. Ele nunca imitava bem uma serpente. E quando dizia que somos do mesmo sangue tu e eu adorava. Dava gargalhadas e rolava no chão de rir. Desculpe Akelá Mércia, acho que vou parar. Cansado Akelá. Sinto-me Velho e fraco igual ao Chefe Tadeu que cantava dizendo que precisava voltar a Gilwell. Será que lá em Gilwell eu iria me recuperar?   

Akelá Mércia saiba que a senhora foi minha segunda mãe. Ajudou-me, me abraçou e me beijou tanto que um dia fiquei sem ar. Kkkkkk. Estou aqui sorrindo e mamãe chorando e a enfermeira Lola com os olhos cheios de lágrimas. Saiba que a amo muito, que a senhora com a sua bondade me transportou para os campos verdes de Waingunga. Nunca esqueci o que a senhora disse que os vales da Alcateia de Seeonee eram verdes na primavera, lilás no inverno, dourado no outono. A senhora dizia que era o vale mais lindo nas terras de Mowgly. Também nunca esqueci o que Baloo o urso pardo dizia para nós que a lei da Jangál vigora na selva e é antiga como o céu. Que assim como cipó que envolve a árvore a lei do Lobinho envolve a todos nos... – Desculpe Akelá Mércia, sou a enfermeira Lola, Adriano desmaiou. Já chamamos o Doutor Luiz. Estou enviando a carta, pois ele insistiu muito que eu a enviasse!

- Mércia lia e chorava. Um choro convulsivo que ela não sabia como parar. Sua família e os vizinhos acorreram a sua casa. O que houve? Alguém contou da carta. Ela recebeu a carta pela manhã, e um telefonema informava a morte de Adriano. Ela sabia que isto iria acontecer, mas sabia também que era humana, acreditava em Deus, rezava para Jesus ajudar, mas o Doutor Luiz disse que ele iria para outros planos em breve. Não tinha mais como reverter o câncer no pulmão. A sala onde ela estava ficou cheia de amigos e chefes da Alcateia.

- Muitos lobinhos vieram para saber sobre a morte de Adriano. Todos sabiam que o lobo não perde os dentes, não perde a raça, eles sabiam que os lobos mansos vivem em rebanho para se protegerem. Sem ninguém esperar um clarão transformou a sala mostrando uma linda pradaria nos verdes campos de Seeonee. Adriano apareceu de uniforme com muitos Anjos lobos juntos. Sorria, fez um sinal e com sua vozinha meiga disse: - Akelá, os lobos não uivam sozinhos. Estou seguindo com meus anjos e lobos para minha caverna na Jangál. Os lobos de Seeonee me esperam. Quem sabe um dia volto? E uma grande palma escoteira ecoou nas terras dos homens, pois lá na Jangál o povo livre sorria ao receber Adriano!


quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Lendas Escoteiras. O estranho sem nome.




Lendas Escoteiras.
O estranho sem nome.

... Era uma vez... Eu não voltaria no tempo para consertar meus erros, não voltaria para a inocência que eu tinha - e tenho ainda. Terei saudades da ingenuidade que nunca perdi. Não tenho saudades nem de um minuto atrás. Tudo o que eu fui prossegue em mim.

                   Surgiu como um fantasma na Estrada dos Aflitos. Andava devagar sem pressa entrou na rua principal, atravessou a praça lentamente. Usava uma calça de gabardine azulada e desbotada. Um pulôver cinza cobria parte do seu corpo. Não deu para ver seu rosto, estava coberto por um chapelão de abas largas. Na igrejinha Bolonha o sacristão forçava a corda do sino com as primeiras badaladas da Ave Maria. O inverno chegava manso sem fazer alarde. Um vento cortante percorria a rua e a praça sinalizando uma madrugada aonde se prenunciava a chegada do frio. As janelas estavam encostadas com uma fresta aberta para poder ver o Estranho que chegava. Impossível ver o rosto coberto com a aba do chapéu. A rua deserta os olhos escondidos esmiuçavam quem era o Estranho que chegava. Dobrou na Rua do Cravo e no número 17 entrou. Quem contou foi J. Pessoa, um mendigo que vivia nas ruas do Arraial vivendo da caridade alheia. Povoado pequeno, não mais que 4.000 almas tudo era motivo de conversa, fofoca, disse me disse e mais nada.

                    Durante um mês ele não saiu e nem na porta chegava. A casa da Rua 17 pertenceu a Dona Joelma que morrera dois anos antes. Ficaram sabendo que fazia suas compras por um celular. O entregador colocava na porta e pagava com cheque na fresta da janela sem mostrar o rosto. Todos sabiam o que comia o que bebia, mas nada diferente de gente simples ou remediada. O falatório foi aos poucos sendo esquecido. Se o Estranho tinha nome ninguém sabia. O Cabo Marinho sorria quando lhe cobravam investigação – Ele não fez nada, se fizer eu usarei da minha autoridade! Dois meses depois pela manhã, um sol de rachar eis que surgiram seis rapazes dos seus quinze a dezessete anos de bicicleta, bem equipados e fardados de escoteiros. Não perguntaram a ninguém e nem tampouco pararam para conversar. Entraram na Rua do Cravo e no número 17 desceram entrando na casa do Estranho sem Nome sem bater. Naquele dia não saíram. Dormiram na casa por três dias seguidos. J. Pessoa rondava por perto para ver se ouvia vozes, qualquer coisa que pudesse vender a fofoca a troco de um prato de comida.

                        Ao meio dia da quinta feira partiram como chegaram. Nem no Boteco do Amadeu pararam para um café ou um doce. Três meses depois um carro adentrou no Arraial do Roncador e parou na Rua do Cravo em frente ao número 17. J. Pessoa de butuca tudo via tudo sabia, mas não tinha nada para contar. Ele viu dois homens de fisionomia alegre, também fardados de escoteiros entraram sem bater. Não ficaram muito tempo. Às oito da noite partiram assim como chegaram. Interessante foi à donzela, linda e formosa, cabelos loiros, que ao sol brilhava, chegou no ônibus que seguia para Sol Nascente e com os olhos cheio de lagrimas soluçava. Seguiu sem cumprimentar ninguém direto para a Rua do Cravo no número 17. Estava vestida de azul, com um lenço verde e amarelo no pescoço, um bonezinho com duas estrelas e não olhou para nenhum morador. Interessante, ficou uma semana. Namorada? Esposa? Amante? Ninguém sabia nem mesmo J. Pessoa. Quando ela partiu foi a primeira vez que o Estranho sem Nome apareceu à porta acenando para ela com um sinal que para os lobos significava o Melhor Possível.

                          J. Pessoa chegou perto demais para tentar ver o rosto do Estranho. Impossível. Um boné de aba comprida tampava tudo. Viu seu corpo, magro quem sabe um metro e setenta. Parecia não ter mais que trinta anos. Viu que ele soluçava quando ela partiu. – Borrasca o entregador do Armazém do Grilo dizia que ele pagava com cheque. Sempre com uma gorjeta para ele. Os cheques nunca voltaram e o Senhor Grilo sorria em saber que diferente de muitos moradores da cidade que lhe deviam há meses e nunca pagavam o estranho era honesto e nunca lhe deu nenhum calote. Interessante que o cheque tinha o nome de um banco Inglês e uns rabiscos. Sua assinatura era ilegível, mas e dai? Pensava o Senhor Grilo. O cheque caia e o dinheiro também. Oito meses haviam se passado com a chegada do Estranho. Já não era motivo de fofocas, de indagações e aos poucos o arraial incorporava o estranho como mais um dos seus moradores misteriosos.

                         O tempo no Arraial do Roncador não existia para os moradores e não era medido de nenhuma forma. Ninguem fazia nada. A poeira na rua aumentava. As chuvas da primavera ainda não haviam chegado. J. Pessoa desistiu de investigar o Estranho. Bolonha todas as tardes continuava a tocar seu sino anunciando as seis badaladas da Ave Maria. Nas pedras do rio Corrente as lavadeiras ainda fofocavam, mas o Estranho foi esquecido. Um grito sutil de espanto percorreu todo o Arraial quando viram o Estranho partindo. Partiu as seis em ponto quando Bolonha começava a tocar seu sino na Igrejinha dos Anjos. Pela primeira vez viram seu rosto. Era um belo rapaz, olhos azuis, cabelos negros que se sobressaiam com o chapéu de abas largas solto nas costas preso por presilhas em uma tira de couro marrom na aba do chapéu. Estava fardado de Escoteiro. Parou no Boteco do Amadeu e ao entrar deu de cara com o Cabo Marinho e o convidou para um café. Pagou e foi direto ao Armazém do Grilo. Deu uma bela gorjeta para Borrasca o entregador. Sumiu na curva da estrada dos Aflitos e ninguém nunca mais ouviu falar dele.

                           Vadico O Mestre Alcaide como era chamado era o único que tinha um computador no Arraial. Assustou e saiu correndo a contar a meio mundo a noticia que acaba de ler no Blog do Matador da Capital do Estado. – Dizia: - Foi preso Monte Cristo, pai de Anita, professor catedrático do Colégio Gentil. Ele confessou que em um momento de fraqueza violentou e matou Tutinha uma Lobinha do Grupo Escoteiro Local. Ela tinha ido acantonar e sumiu. Todas as provas levavam ao Chefe Billy Grant, mas ele fugiu antes de ser preso. A Delegada Dayse Lustosa o procurava para dizer que o inquérito foi encerrado. Ele é inocente e livre para ir e vir. Uma foto do Monte Cristo mostrava um homem já Velho com barba por fazer. Mais embaixo a foto de Billy Grant. Era o Estranho! Explicações, rezas e perdão. Nunca podemos abandonar três grandes palavras que existem para acreditar: - A intuição, a inocência e a fé!


quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Lendas Escoteiras. 50 anos depois...




Lendas Escoteiras.
50 anos depois...

... - O tempo não apaga o que é verdadeiro, assim como a distância não é o fim para quem ama. Quem parte também fica partido. Eu quero estar nos seus braços, segurar sua mão, sentir sua respiração, ouvir o seu coração... Eu quero estar com você. Uma história impossível. Um Escoteiro que nunca esqueceu o grande amor de sua vida. Voltou sim as suas origens que um dia deixou para trás.

                    Parei o carro em frente à pensão Estrela. Fora uma nova pintura nada mudou. A Praça Dom Giovani era a mesma. Somente às árvores cresceram. Novos canteiros de Tulipas, Rosas brancas que Jânio o Velho jardineiro tão bem cuidava. A Poeira fina que o vento trazia do Morro dos Vaqueiros era a mesma. Uma velha mina de ouro abandonada. A Rua do Outono e a Ambares que tantas lembranças eu tinha eram como se fosse um retrato do passado. Moradores nas janelas vendo quem chega e quem vai. A saudade não vê mudanças e tudo permanece como queremos lembrar. Porque voltei? Não tinha jurado nunca mais voltar? Era como poema quem alguém escreveu: - Querido passado, obrigado por tudo que me ensinou... Querido futuro, pode vir! Seria isto mesmo? Afinal 50 anos se passaram e sonhei em abrir um consultório e morrer em paz.

               As paredes da prefeitura descascadas. Saudades do Benevides um prefeito amigo dos escoteiros sempre pronto a ajudar. Resolvi sentar no Banco da Praça para recordar. Valeria a pena? Um perfume de jasmim brotava no ar. Duas senhoras passaram me olhando espantadas. Eu sabia como era. Cidade pequena com os mesmo costumes que nunca mudam. A Macaxeira cresceu. Sua sombra era um convite para dormitar. Senti uma pontada no peito. Eu nunca perdi as esperanças. A gente nunca sabe o que o amanhã vai nos trazer. Fechei os olhos e deixei a memória viajar no tempo. Era como se menino Escoteiro ainda estivesse ali vendo-a correr entre as flores do jardim, colhendo rosas, tulipas vermelhas... Além dela meu pensamento me fez recordar de Zezito. Meu amigo, meu Submonitor da Patrulha Morcego. Sorria ao lembrar as aventuras na Serra do Lagarto, nas Montanhas do Falcão, nas várzeas do Quati. Lágrimas caíram. Lembrar não me fazia bem.

                  E os meus sonhos impossíveis com Ana Luzia? Ah! Casar morar em uma casinha branca de janelas azuis, muitas flores e quem sabe um Jequitibá para sombra e descansar? Levantar cedo, ir para o meu consultório e ajudar os doentes mais humildes que não podiam pagar. Voltar ver a chaminé com sua fumaça cinzenta, sinal que ela fazia o jantar. Ela sorridente chegaria à varanda, com seu vestido de chita azul, me daria um beijo apaixonado e um sorriso entre palavras: - Meu amor, o jantar está pronto! Sonhos de menino Escoteiro, sonhos que nunca se realizaram. Passei a sonhar com ela noite e dia. Nos meus novos sonhos acabaram-se os acampamentos, as aventuras e jornadas a procurar novos rumos para explorar. Até mesmo Zezito meu amigo do peito sumiu nas sombras de minha mente. Eu só tinha pensamentos para Ana Luzia. Sempre acreditei que um dia ela seria minha princesa e seriamos felizes para sempre como nos contos de fadas.

                     Um dia ela se foi. Fiquei arrasado. Zezito contou que ela fugiu com Capistrano. Logo ele? Um mau caráter, marginal nunca foi Escoteiro nunca foi amigo de ninguém. Porque Zezito ela fugiu com ele? Será que ela não sabia do meu amor? Da minha paixão, dos meus sonhos construídos do nada para fazer dela a mulher mais feliz do mundo? Ah! Que saudades do seu beijo e do seu abraço que nunca tive saudades do seu sorriso do seu cheiro, meu Deus quantas saudades dela. Esqueci minha patrulha, meu cordão dourado os sonhos do Lis de Ouro. Isto agora não tinha mais importância. Meu mundo ruiu, acabou. Minha mãe nem ligava e nem queria saber o que eu sentia. Meus Deus! Que burrice que eu fiz. Peguei minha mochila, meu cantil, minha capa negra e parti sem rumo. Só por causa dela? Um benfeitor invisível me dizia: - Escoteiro você ainda tem uma vida pela frente um futuro incrível, sua estrada nunca terá fim!

                        Parti sem dizer adeus a ninguém. Nem mesmo a Zezito. A estrada foi minha morada por muitos meses. Um ano depois parei. Sentei na beira do caminho e chorei. Por ela? Por minha mãe? Por Zezito ou meus amigos escoteiros? Eu chorava por todos. Perdi os sentidos e cai na beira do caminho. Um Velho passou a cavalo e me socorreu. Acordei em um catre em sua cabana. Havia me alimentado. Ele sorrindo me perguntou quem eu era. Engasgado com o choro na alma não sabia responder. – Você pode ficar aqui enquanto quiser. Aqui sempre terá um lar. Eu estava magro, osso puro e quase não comia, mas aos poucos as recordações foram ficando para trás. Morei com ele quase três anos. Recuperei minhas forças, resolvi partir. Um dia antes ouvi um tossido forte, corri até ele. Levou a mão no meu peito e falou baixinho: - Sempre há outra chance, uma outra amizade, um outro amor. Para todo fim, um recomeço. Em seguida morreu em meus braços. O enterrei no sopé da montanha ao lado de Marta sua esposa que morrera anos atrás.

                    Parti rumo ao Rio de Janeiro. Trabalhei duro como ajudante de pedreiro, ajudei a construir arranha-céus, pontes avenidas. Não deixei de estudar. Com trinta anos me formei em medicina. Vez ou outra avistava escoteiros em ônibus, estradas, shoppings e me batia uma saudade enorme. Pensei em me apresentar, mas tinha vergonha do que fiz ao deixar minha patrulha ao léu. Um dia conheci Maria Bonita, casei, dois anos depois fugiu com um bancário e nunca mais voltou. Clinicava dia e noite. Muitas vezes sem cobrar. Fiz milhares de amigos. Os anos foram passando e resolvi voltar. A saudade de Ana Luzia era demais. Quem inventou a distância nunca sofreu a dor de uma saudade. Teria este direito? Ainda teria amigos? Amigos da clinica choraram quando parti. Eu sabia que não haveria volta. Um vulto sentou ao meu lado no banco da praça. Barbas brancas enormes. Cabelos grisalhos. Um boné amarelo um sorriso que me lembrou alguém. Olá Juvenal ele disse. Olhei para ele. Meus olhos piscaram, era Zezito meu Sub Monitor.

              Incrível este reencontro! Choramos abraçados. Contei para ele minha vida, ele contou a sua. – Vai para minha casa até achar um lugar para morar. - E o escotismo? Perguntei. – Até hoje mora no meu coração. Mas desde que você partiu, ele não foi o mesmo. – Me convida a visitar? Perguntei. Ele sorriu. Bem vindo Doutor. Primeiro matar as saudades. Tenho a chave da sede. Vai ver que nada mudou. Queria perguntar, mas não sabia como. Não sei se ele iria entender. – Ele me olhou. Abaixou a cabeça e disse – Sei o que está pensando. Sim Ana Luzia voltou cinco anos depois que você partiu. Nunca perguntou por você. Nunca perguntou por ninguém. Ela hoje vive na Casa de Repouso Dom Martinho. Lugar simples, doente dos pulmões não se lembra de ninguém. Pedi a ele que me levasse lá. Ele sorriu novamente. O passado não perdoa. Olhei para ele e nada disse. Bons amigos não fazem perguntas.

               Um novo momento um novo recomeço iria dar forma em minha vida. Não foi por isto que voltei? Não sei se o futuro seria melhor e nem pensava nisto. Meu pensamento era só ela. Um grande amor ressurgiu das sombras para o meu presente que sempre sonhei. O sol estava se pondo no Morro dos Vaqueiros. O mesmo sol de antigamente. Quem sabe um novo sol em minha vida? O futuro? Só Deus para dizer. A distância pode impedir um beijo, um toque, um abraço. Mas não pode impedir um sentimento. Eu queria ser feliz e tinha este direito!

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....