segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Lendas Escoteiras. As aparências enganam. (baseado em fatos reais)




Lendas Escoteiras.
As aparências enganam.
(baseado em fatos reais)

Era uma vez... - Tive a honra de conhecer milhares de chefes em minha vida. Todos eles tiveram sempre alguma coisa para me ensinar. Em tempo algum nos desentendemos. Um respeito existia e nunca fora quebrado. Jiparanã foi um amigo que nunca esqueci. Saudades muitas saudades dele.

                Surgiu como um fantasma em nosso Grupo Escoteiro. 1960? Pode ser. Ele não falava, gritava. Achava que todos naquela sala eram seus empregados. Deixei o que estava fazendo e olhei para ele. – Gritou: - Quem é o Chefe aqui? Meus amigos da diretoria olharam para mim preocupados. Melhor dizer que era eu. – Sou eu disse! – Ele me olhou enviesado. Era forte, alto com uma enorme cicatriz da orelha aos lábios. Briga na certa pensei. Cortado por faca! – Este é meu filho! Vai ser Escoteiro. Não o trate bem, Ele precisa aprender a ser homem. Exigem dele tudo, pois não gosto de meninos fracotes e chorões. Não vou vir buscá-lo. Ele tem de aprender a chegar em casa sozinho. Aqui vocês são responsáveis por ele! – Deu meia volta e sumiu pela porta da sede do Grupo Escoteiro. Fiquei pasmado, os amigos da diretoria também.

                 Olhei para o menino na porta. Onze anos? Por aí. Raquítico, cabelos negros encaracolados. Não sorria. Olhava para mim como se eu fosse mais um desafio em sua vida. E agora? Não era assim a matricula em nosso grupo Escoteiro. Mandar o menino embora? Era o que devia ter feito e não o fiz. Mandei o garoto sentar. Conversei calmamente com ele. – Seu pai é assim? Ele respondeu – Meu pai é o que é e eu sou o que sou. Quando começo? - Pensei com meus botões. Por hoje sim. Amanhã não sei. Chamei o Chefe dos escoteiros e expliquei da melhor maneira possível. Ele me olhou sorrindo e disse: - Está com medo Chefe? – Sem resposta. Não iria mostrar o que sentia. Olhando o menino que estava em posição de sentido olhando para mim, muito circunspecto achei que teria que ser mais sensato. Só completei ao Chefe Escoteiro: O pai dele vai aparecer. Vamos ver no que vai dar.

                    No final da reunião Dinho (apelido do menino) foi embora sozinho. Antes de ir chegou próximo a mim, fez pose militar e me deu um Sempre Alerta bem postado e falado. Espantei-me com ele no seu primeiro dia. Fui para casa tentando controlar os nervos. Fui a pé e pensando. Cheguei à conclusão que não haveria uma segunda vez. Respeito é bom e eu gosto. Mal virei à esquina e o vi no bar do Chico. Mesas e cadeiras espalhadas debaixo de uma castanheira antiga, onde sempre me reunia com amigos. Ele bebericava uma cerveja. Levantou-se e fez sinal para aproximar. Ora, ora! Fala-se no tinhoso e ali estava ele. - Se não desse bola seria mal educado, se desse atenção poderia ouvir o que não queria. Enfim entre o sim e entre o não me aproximei. Ficamos conversando por horas. Ele me contou causos e causos. Já estava ficando “borracho” e precisava ir para casa. Saí dali impressionado com que ouvi e vi. Jiparanã se tornou um grande amigo do qual jamais esqueci. 

                     Um dia chegou à sede, aproximou de mim e perguntou: Quando posso fazer meu uniforme e onde compro o chapéu e os distintivos? Tentei explicar para ele as normas. Ele teria de passar por elas. – Bolas para as normas – disse. E na semana seguinte apareceu de uniforme surpreendendo a todos nós.  Resolvi relevar, daria tempo ao tempo. Pensei que breve ele iria submergir. Isto não aconteceu. Por duas vezes sem avisar se inscreveu em cursos na capital e os fez com seu rompante habitual. Todos nós do grupo passamos a gostar dele, era um excelente escotista. Dedicado, organizado e prestativo. Logo assumiu a Tropa Sênior e os jovens o adoravam. Muitos jovens ficavam horas no seu estabelecimento comercial (açougue) conversando e aprendendo com ele.

               Surpreendeu-me nas atividades ao ar livre e nos grandes acampamentos. Era um excelente mateiro. Os seniores o admiravam devido ao seu estilo e os conhecimentos de sobrevivência na selva. Isto fez dele um herói e garanto que não me senti ofendido. Eu sabia que breve iria embora daquela cidade. Seria ótimo contar com ele para me substituir. Seu gênio foi aos poucos sendo contido. Um dia alguém gritou para ele que suas pernas eram lindas. Usava a calça curta. Ele se voltou e disse: - Você acha bonita? Deve ser igual a da sua mãe! Porque não vem aqui olhar? – Ninguém respondeu. Um silêncio sepulcral. Sua cicatriz, seu bigode, sua altura, sua força não era para ser arrostada. Meses depois fui embora. Dois anos depois recebi um telegrama. - Chefe Jiparanã foi preso e condenado a quinze anos de prisão. Não pestanejei, pedi licença na minha empresa por cinco dias, peguei o trem noturno e voltei a minha antiga cidade.

                      O meu amigo Capitão Marlon me contou a história. Jiparanã estava em seu açougue e chegaram dois bêbados rindo e debochando, falando que ele um autêntico bicha e homossexual. Riram e completaram: seus escoteiros aprendem com você a fazer assim? Você pode imaginar o que aconteceu. Jiparanã deu uma tremenda surra nos dois. Foram parar no hospital. A história poderia ter terminado ali, mas os dois borrachos em uma noite o atacaram em uma esquina, e mesmo ferido a faca em diversos lugares, matou um deles torcendo seu pescoço. Claro que foi legítima defesa. Mas o que foi morto era de uma família rica e contratou um advogado famoso para assessorar o promotor. O juiz não levou em consideração o passado de Jiparanã. Ele sabia que ele era Escoteiro. Deu-lhe quinze anos com possibilidade de sair em cinco por bom comportamento. Fui visitá-lo na penitenciária. Sorridente, alegre me recebeu com regozijo, me abraçando e apresentando aos amigos da prisão.

                   Senti-me ali um forasteiro. Conversamos por horas. Antes de partir o visitei outra vez e ele me disse que recebera uma carta da Direção Nacional, o excluindo do movimento escoteiro. Eles fizeram um inquérito e acharam melhor que não vestisse mais o uniforme e participar de atividades com os jovens. O Chefe do Grupo me mandou uma correspondência, um ano depois, comentando o caso de Jiparanã. Saiu da cadeia, e não voltou mais ao escotismo. A Direção Nacional não o absolveu, e manteve sua expulsão. Os seniores estavam com nova chefia, mas apesar da proibição, Jiparanã ainda fazia atividades com eles, sem uniforme. Sua arrogância foi esquecida. Agora cativante era outro Chefe. Seu filho passou para os seniores e depois Pioneiro. Cuidava do açougue do pai.

                 Não tive mais notícias. Minha vida mudou muito. Jiparanã deixou saudades. Foi para mim um caso especial. Onde estiver e se ainda estiver vivo (deve estar com mais de 80 anos) espero que tenha alcançado a felicidade que sempre mereceu. Fico com saudades sempre que me lembro dele, Jiparanã, um saudoso valente cujo espirito Escoteiro era verdadeiro e amava a seu modo o escotismo. Nem sempre conhecemos os bons e os maus em profundidade. Se merecerem fazemos referências se são amigos contamos histórias.

domingo, 29 de setembro de 2019

Histórias de Fogo de Conselho. Pequenas historias em noites de acampamento.




Histórias de Fogo de Conselho.
Pequenas historias em noites de acampamento.

... Brilha a fogueira... Uma tropa pensando bem poderia ser uma alcateia... Em um acantonamento/acampamento, dia de fraternidade de fogo de flor vermelha de se divertir. Melhor Possível, Sempre Alerta, e Servir! Belisco na face e sorrio ao lembrar... Lá está a Tropa ou a alcateia numa clareira, sorrindo brincando, cantando e vivendo belas místicas que fazem do escotismo uma grande Fraternidade.

                    Oiá! Se achegue, se jogue em qualquer banco, foi a Patrulha quem fez. Pioneiría da boa com amarras e cipós dos bons retirados de uma aroeira na beira do rio. Ali do lado tem duas cadeiras mateiras feita do legítimo Bambu Chinês. O foguito tá crepitando e se quiser se sirva de um bom café no bule. Zé Patu cozinheiro colocou na brasa agora. Tem bananas e batatas doces tostando no doce costado do fogo. E olhe, se você é lá dos pampas, pois tô vendo seu barbicacho e seu rebenque se sirva de um bom chimarrão. Vamos apertar um mate, tchê? Use e abuse da chaleira perto da fogueira. E se você meu amigo for lá do norte, não me esqueci de você. Tem rapadura no pedaço, cozinhando uma boa carne seca, portanto se sacode, vai se sentando, pois depois da cantoria vou contar para vocês pequenas historias e sei que vocês vão gostar. Sei que aqui ninguém conheceu a Ana, lá das terras capixabas, escoteira das boas sempre tirando o primeiro lugar. Pôncio seu Chefe um dia se assustou quando ela o procurou: - Chefe, eu gostaria de ser uma grande escoteira, quero aprender tudo e tirar centenas de especialidades e o Lis de Ouro. Só assim eu me sentiria melhor que os outros.

                   - O Chefe Pôncio um homem curado e cheio de sabedoria respondeu sorrindo para ela: - Ana minha cara escoteira, se alguém vai para o campo e começa a correr atrás de duas raposas ao mesmo tempo, vai chegar um momento em que cada uma correrá para um lado. Ele ficará indeciso sobre qual continuará perseguindo. Enquanto ficou a decidir, ambas fugiram... Ana olhou espantada para ele. - Lembre-se sempre que em sua jornada escoteira você terá de escolher sempre uma opção de cada vez. Se dedicar e fizer o melhor possível exatamente naquela que optou primeiro você irá obter sucesso. Ana sorriu meio cabisbaixa e agora sabia que devia fazer uma coisa de cada vez. Todos de olhos abertos sorrisos largos ouvindo o Chefe Contador de Histórias. O fogo estava gostoso, o céu estrelado, a mata sorria levando alegria por todo lado. Escondido atrás do tronco, Zelito um Lobo Cinzento olhava assustado aquela malta de gente alegre. - Já ouviram falar no Escoteiro Juvenal? Foi bem recebido na Patrulha do Condor. Sexto escoteiro foi escolhido para Almoxarife. Ele sonhava em ser um Sub Monitor e um dia Monitor. Ele tinha letra bonita era inteligente e quando lhe disseram do acampamento que ia se realizar ele vibrou. Sorria pensando no Campo da Patrulha, comida mateira, pioneiras e jogos que duravam o dia inteiro. Sonhava com o Fogo do Conselho.

                     - Tomou coragem e pediu ao monitor para fazer o Pórtico da Patrulha. O Monitor educado disse que sim. Ele acreditava que para aprender tem de fazer. Juvenal não se fez de rogado. Pesquisou desenhou, aprendeu com dois pedaços de eucaliptos as famosas amarras escoteiras. Ficou bom na quadrada na Diagonal na paralela e no Tripé. Juntou vários gravetos e aprendeu dois tipos de costura de arremate. Ensinaram-lhe a usar luva para dar as amarras e não encher as mãos de calos. “Melhor duas, pensou”, pois irá usar a pá, e se a patrulha tivesse uma picareta dobrável iria precisar. Levou também um Sacho duas pontas do seu pai e na Patrulha só tinha uma cavadeira articulada. Tudo bem, melhor que nada. - Planos a pleno vapor. Passava horas fazendo croquis de como seria. No dia do acampamento seu pai disse que a família ia para a Fazenda do seu Avó em Xapuri. Ele lembrou quando esteve lá na ultima vez. Belas viagens de barco no Rio Acre, lembrava-se dos grandes felinos que viu na foz do rio Grande, das onças, dos lobos, da Águia que morava na Serra do Roncador. Lembrou-se dos Búfalos que seu Avô criava. Lembrou-se do Apaiari e do Cachara que pescou com Seu Leonel o Administrador. Lembrou-se do Cavalo Andarilho amigo por todo o tempo que esteve lá. Da busca da Jiboia uma cobra gigante que ele viu na Margem do Rio Acurauá. O que fazer? Aonde ir? No Acampamento ou voltar na Fazenda do meu Avô?

                    - Acampamento está no sangue. Ninguém consegue escapar. No dia marcado mochila no costado lá chegou Juvenal sorrindo e abraçando seus companheiros. Dizem que ele fez um Pórtico que ficou na história. Quase seis metros de altura, dava para toda a Patrulha assistir o por do sol que se escondia lá prús lado do Morro da Formiga. São coisas né meus amigos que só os escoteiros sabem explicar. Mas ai vai a ultima história da noite, depois vamos cantar dançar a dança do macaco, pular sobre a fogueira gritando “Anuê” e lembrar-se dos velhos tempos. - T.Burcio pioneiro era um pandego para ninguém botar defeito. Com suas metáforas divertidas divertia a todos nós: - Chefe ele dizia com aquela cara de besta: - Não basta ser pobre. Tem que abaixar o volume da TV para escutar quanto tem briga de vizinho! Rsrsrs. Em princípio ninguém entendia, mas seu sorriso sua maneira de dizer atraia demais. E ele não parava: – Espelho, espelho meu... Por que as pessoas se preocupam mais com a minha vida do que eu? Eita T.Burcio. – Vez ou outra me olhava nos olhos e dizia: Chefe sabia que o final de semana deveria levar uma multa por excesso de velocidade? Pois é Chefe, me disseram que quem ama cuida, muita gente deveria me amar. O que tem de pessoas cuidando da minha vida não está no gibi Chefe! – E Chefe, sabe que o único final feliz que eu conheço é o final da semana?

                    - Parei, amarrei minha égua aporrinhada no cabresto da portilha, convidei todos para abrir o Corote, cada um pega um Coité e deixa o chá quente rolar goela abaixo por que é hora de dormir. Qualquer dias desses se Deus quiser eu conto mais! A você Chefe amigo, seja lá na tropa ou na Alcatéia, não se apoquente, faça sua fogueira acontecer cheio de paz amor e fraternidade. Boa reunião bom acampamento!

sábado, 28 de setembro de 2019

Lendas Escoteiras. O semeador de ilusões.




Lendas Escoteiras.
O semeador de ilusões.

Nota: - A história de Joselito pode ser fictícia. Mas é um grande exemplo para aqueles que reclamam e não andam com suas próprias pernas. Sempre esperando que outros façam por ele. O escotismo não pode ser assim. Todo jovem deve aprender que viver é lutar pelos seus sonhos. Boa leitura!

                    Joselito nasceu em Sol Nascente e um dia resolveu ser escoteiro. Tinha onze anos e dificuldade enorme para andar. Os músculos da perna com uma distrofia muscular não ajudava. Sua mãe Dona Ana sofria do mesmo problema. As comadres diziam que era herança de sua mãe. Dona Ana quase não saia de casa. Ficava mais em sua cadeira de rodas. Nela passava roupa para a vizinhança para ganhar uns trocados. Joselito tinha um temperamento de adulto e desde os nove ajudava sua mãe. Ganhou umas taboas, pediu emprestado um serrote ao Senhor Tote, ajuntou uns pregos enferrujados e construiu sua primeira caixa de engraxate.

                   Quando terminava sua escola comia um pequeno lanche e corria para a Rua do Ouvidor gritando a quem passava se não queria dar uma graxa lustrosa no seu sapato. Ele fazia limpeza de quintais, lavava carros, recolhia bugigangas e as que não vendia jogava no lixão próximo a Fazenda do Macedônio. Caladão quase não sorria. Muitos o viram várias vezes nas tardes sentado no Beiral da Ponte sobre o Rio Jordão, de olhos fixos na Montanha do Pardal esperando o por do sol. Ao escurecer procurava o caminho de sua casa. Não saia a noite. Um dia Moscafe da quarta série apareceu de uniforme escoteiro na escola. Chamou atenção de todo mundo e também de Joselito. A noite contou para sua mãe e ela nada disse. Nos olhos do filho sabia o que ele pretendia fazer. Chefe Tumbir viu quando um menino magro, cabelos castanhos, com um suspensório preso de um lado só em seu calção e uma camisa velha sem gola chegou ao portão da sede. Foi ao seu encontro mancando de uma perna. Ficou surpreso quando ele lhe deu a mão e disse que queria ser escoteiro. Chefe Tumbir sorriu. - Olhe meu jovem não há vagas, me deixa seu endereço e quando surgir lhe telefono! – Joselito não arredou pé. - Moço, eu não tenho telefone, minha mãe anda em cadeira de rodas, nunca pensei em vir aqui, mas ontem sonhei com vocês. Desculpe, mas não posso esperar que um dia vá me chamar!

                Parecia que a sorte estava do lado. Brioso o Monitor da Coruja veio avisar que Aluísio ia sair da Patrulha. Seus pais iam para a capital. – Joselito sorriu e falou para Brioso que ele seria o próximo Coruja. Pegou na mão de Brioso e disse: - Vamos! – Chefe Tumbir estava estupefato. Muitos na tropa contam sua história até hoje. Ninguém nunca disse que ele aprendeu a andar com suas próprias pernas no escotismo, mas ele mostrou que quando se quer se consegue. Conseguiu a admiração não só dos Corujas, mas também das demais patrulhas. Joselito nunca pediu nada a ninguém. Trabalhou dobrado para comprar seu uniforme. Não se deu por vencido e só fez a promessa quando tudo ficou pronto. Comprou o chapéu seu cantil sua mochila e sua faca do mato. A perna aos poucos ia encurtando. A dificuldade para andar era enorme. Em um sábado de reunião ele se dirigiu ao centro da ferradura e disse: - Meus irmãos, minha mãe morreu hoje pela manhã. Tenho que ir ao seu enterro, peço desculpas por faltar à reunião. Era demais. Chefe Tumbir foi até ele e lhe deu um aperto de mão se solidarizando com lágrimas nos olhos.

                  O Padre Joel durante a missa perguntou se alguém para dar abrigo a Joselito. Ninguém se ofereceu. Chefe Tumbir sabia que sua esposa não ia aceitar. Ela era contra ele participar do escotismo. Joselito não pediu nada a ninguém. Sozinho voltou para sua casa e continuou sua vida. Nunca pediu favores e sim oportunidade de trabalho. Joselito foi crescendo e um dia teve de usar uma muleta para andar. Aos dezesseis anos alugou um salãozinho na Rua Esmeralda, fez duas caixas de engraxar. Ninguém nunca o viu reclamar de usar uma muleta. Na sua loja vendia jornais, revistas e livros que ganhava quando executava algum serviço no bairro. Joselito conseguiu tudo no escotismo menos a primeira classe. Sabia que nunca conseguiria fazer a prova de jornada. O Chefe Tumbir disse que ele poderia fazer de outro modo e ele não aceitou. Ficou conhecido na cidade pela sua tenacidade. Um exemplo a ser seguido. Nunca olhava para baixo e encarava a todos que o procuravam. Aos vinte anos alguém disse a ele que na capital poderia colocar uma perna mecânica. Ele agradeceu e continuou com sua muleta como se nada tivesse acontecido. Um dia Chefe Tumbir foi para o céu. Uma tristeza enorme. Quem seria o novo chefe?  

                  Convidaram-no para ser o Chefe. As mães e pais dos outros escoteiros foram contra. Joselito agradeceu o convite. Não iria se indispor com ninguém. Aos vinte e quatro anos Joselito morreu. Morte simples, sentado em uma cadeira na hora do cerimonial de bandeira. Não gritou, não pediu ajuda simplesmente morreu. Seu nome passou a ser comentado por toda cidade. Sua tenacidade e seus feitos também. Souberam o quanto ele ajudava outros meninos de rua e muitos deles ele levou para o grupo escoteiro. Ensinou a eles a persistir e não desistir para conseguir tudo com seu próprio trabalho sem depender de ninguém. Joselito foi um exemplo em Sol Nascente. Poucos hoje se lembram dele. O Grupo Escoteiro continuou por anos a funcionar. Quarenta anos depois alguém resolveu fazer uma estátua para Joselito. Se ela foi feita eu não sei. A única coisa que sei é que quando se quer alguma coisa tem de lutar para conseguir. Nada é impossível, basta querer!

                  Alguns podem e não tem, outros tem e não podem, sim ou não Joselito mostrou que não importa a idade para aprender a andar com suas próprias pernas. Reclamar e cruzar os braços não faz parte dos escoteiros. Quando se quer se consegue. Quando me lembro da história de Joselito me vem à memória o poeta Patativa do Assaré que escreveu: - “Eu sou de uma terra que o povo padece, mas não esmorece e procura vencer. Da terra querida, que a linda cabocla de riso na boca zomba no sofrer. Não nego meu sangue, não nego meu nome olho para a fome, pergunto o que há? Eu sou brasileiro, filho do Nordeste, Sou cabra da Peste, sou do Ceará”.

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Crônicas de um Chefe Escoteiro. As flores da primavera.




Crônicas de um Chefe Escoteiro.
As flores da primavera.

Era uma vez... - “Na mesma pedra se encontram, conforme o povo traduz, Quando se nasce - uma estrela, quando se morre - uma cruz. Mas quantos que aqui repousam hão de emendar-nos assim: “Ponham-me a cruz no princípio”... E a luz da estrela no fim!”. Mario Quintana

- Naquela pequena clareira a fogueira estava apagada. Nem brasas havia mais. A lua esquecera-se que ele estava ali e se escondeu em uma montanha distante. As estrelas no céu desistiram de tentar alegrá-lo e ficaram paradas no céu sem brilhar. Ele não tinha forças para ao menos colocar um galho seco, soprar e quem sabe o calor do fogo poderia ajudar na sua imensa dor. Uma dor cruel, uma perda que machucava seu coração. Chorar? Ele chorou muito. Chorou quando soube, pensou em se matar, sentiu a vida se esvair nos meses que ficou só sem ter ela sorrindo ao seu lado como sempre fazia. Os amigos escoteiros tentaram consolar, palavras bonitas surgiram e ele sabia que seu coração estava morto. Não ligava. Porque falar do artigo da lei? O que sabem da dor de uma perda de alguém que nunca mais vai voltar? Sorrir? Para que sorrir se nunca mais ela estará junto dele? Preferia estar morto e não se matou por que acreditava em Deus.

- O vento soprava de leve e a brisa da noite começou a cair. Ele não sentia frio e nem calor, seu corpo embruteceu-se nas suas necessidades mais simples. Tentava, chorava e por dentro gritava para si que precisava esquecer se não ficaria louco. Os tempos das alegrias se fora. Há tempos não acampava mais com a tropa. Não tinha motivos mesmo porque parou de frequentar as reuniões. Seus Escoteiros o procuraram, mas só viam lágrimas nos seus olhos. Sentia-se bem acampando sozinho. Sem vozes, sem alguém com sua piedade que não o satisfazia. A dor vinha mais forte ele sabia, mas pelo menos a natureza poderia lhe trazer a calma que ele precisava. Fazia outra Pioneiría para passar o tempo. Não tinha fome, quase não comia. Pescara sim bons peixes que apodreceram na mesa rustica da cozinha que construiu. Ele gostava das noites sombrias. Nem ligava para a lua, para as estrelas e esquecera completamente o encanto do nascer e do por do sol.

- Nunca esqueceu o dia quando a viu pela primeira vez. A chuva caia torrencial e ela brincava na chuva cantando e dançando com uma alegria tal que o encantou para sempre. Quem era ela? Não importava ele sabia que foi assim do nada que surgiu um grande amor. Ele sempre acreditou que os Escoteiros são fortes, sabem pular uma dificuldade e sabem sorrir. Suas reuniões eram simples e rápidas. Queria terminar para ir se encontrar com ela. Rosamaria, seu nome era Rosa rainha das flores e Maria mãe de Jesus que diziam ter uma beleza sem igual. Passeavam de mãos dadas, viviam sorrindo um para o outro, iam a mil lugares e ele nunca a tocou a não ser roçar seus lábios vermelhos molhados como o néctar das flores. Ele gostava do cheiro dela. Gostava do seu modo de sorrir de olhar e de sua voz de anjo.

- Seu casamento foi inesquecível. O melhor dia de sua vida. A escoteirada sorrindo, brincando com seus bastões sobre suas cabeças, cantando o Rataplã e palmas escoteiras repaginando as folhas do livro da história que nunca existiu. Quando ficaram a sós ele não sabia o que fazer. Ela estava linda em uma camisola branca como sua pele e sorria envergonhada. Amaram-se sobre a proteção de Deus. Foram os dias mais felizes de sua vida. A escoteirada sentia sua força e sua nova forma de viver. Seu Chefe agora era outro. As atividades eram feitas com alegria tal que todos vibravam querendo mais. A pequena cidade ovacionava aquele casal maravilhoso e quando ela fez sua promessa foi uma apoteose. Parecia que o tempo reverenciava aquela moça dos olhos negros com seu sorriso enorme e sua vontade de amar para sempre o jovem Chefe Escoteiro que jurou fidelidade para toda a eternidade. 

- Ninguém soube realmente o que aconteceu. Ela começou a definhar e morreu em poucos meses. O tempo parou no espaço infinito. Ele definhava a olhos vistos. – Meu filho dizia o pároco sofrer pelos outros é caridade, sofrer voluntariamente por motivo próprio é egoísmo! Meu Deus, não deixe que ela morra, ele dizia. Mas ela estava morta. Ele se transformou em um zumbi que não comia não dormia e queria morrer. O que para uns é uma coisa terrível, para outros é apenas um pequeno choque; o que para certas pessoas é uma verdadeira tragédia, para outras não passa de um golpe contornável, mas para ele era como se fosse uma faca transpassando a cada minuto seu coração que ele dera para ela. - Naquele ultimo dia ele fez a fogueira como se fosse uma máquina que não pensava. Era seu ultimo dia, pois ele precisava voltar. Precisava trabalhar já que suas pequenas economias estavam no fim. As chamas subiram aos céus e juntas as fagulhas faziam seu espetáculo que ele adorava, mas hoje não tinha a beleza dos tempos de outrora. Havia um bule de café fumegante, e ele sabia que quando o fogo terminasse o café estaria frio e ele chorando iria esperar o amanhecer. Veio um soluço forte. Estava engasgado de emoção. Um barulho de um galho quebrado lhe chamou a atenção. Em uma trilha que levava ao Lago cinzento ele viu se aproximado um Velho Escoteiro, Barbas brancas, cabelos brancos e trazia na mão um Velho e tosco chapéu escoteiro. Ele olhou com espanto. Aquela figura que não lhe era desconhecida.

- O Velho Escoteiro o saudou carinhosamente e sentou em uma pequena tora de madeira que há anos estava ali. Ele não disse nada. Sorria, um sorriso cativante como se sua vida fosse um mar de rosas. Ele olhou para o fogo que rejuvenesceu. As chamas aumentaram. Olhou para o céu e ele nunca viu um céu tão brilhante onde as estrelas davam seu espetáculo sem cobrar. Os cometas cruzavam o céu brilhante como nunca. A lua saiu de trás das montanhas e uma brisa suave começou a roçar seu rosto trazendo o perfume das flores silvestres. Ninguém disse nada. Ele não sabia o que dizer. Começou a sentir uma paz que nunca sentiu antes. – Mas as lembranças não eram esquecidas. Rosamaria não podia ser esquecida. Lembrou-se das palavras de um poeta: O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher. Lagrimas começaram a cair, mas diferente das lágrimas doidas de antes. O Velho Escoteiro estava em pé. Sorria para ele da mesma maneira que chegou. Foi até onde ele estava. Colocou a mão em seu coração e no dele. Somos irmãos de sangue, tu e eu! Ele disse e partiu. Ele o viu andando sobre o Lago cinzento e desaparecer nas sombras da noite. Nesta noite ele dormiu. Sonhou com ela. Ela sorria e dizia que o nosso amor era eterno. Estava escrito nas estrelas que seria assim. Ele acordou rejuvenescido. Nunca esqueceu Rosamaria e sabia que eles se encontrariam em muitas vidas que Deus lhe reservou.

- Quando ele chegou naquela tarde ao Grupo Escoteiro ninguém perguntou, ninguém tentou mudar a rotina que sempre teve. Ele se incorporou a ela. O mundo não para e todos nós seguimos o passo do mundo. Ele sabia que ia lembrar-se dela para sempre, mas como uma alegria que iria continuar na eternidade. Ao sair do portão para retornar a sua casa ele viu em uma esquina o Velho Escoteiro. Ele estava sorrindo e lhe fazendo o sinal Escoteiro. Ele retribuiu. O Velho Escoteiro partiu subindo até uma nuvem banca e ele nem perguntou quem era de onde veio e para onde ia. Ele só sabia que sua vida mudou para sempre! 

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Crônicas de um Chefe Escoteiro. Molécula, Um Escoteiro amado e odiado.



Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Molécula, Um Escoteiro amado e odiado.

“Viver é acalentar sonhos e esperanças, fazendo da fé a nossa inspiração maior. É buscar nas pequenas coisas, um grande motivo para ser feliz!” Mário Quintana.

            Já dizia Confúcio que para conhecermos os amigos é necessário passar pelo sucesso e pela desgraça. No sucesso, verificamos a quantidade e, na desgraça, a qualidade. Não era o caso de Molécula, ou melhor, Nando Orinoco da patrulha Águia. Você olhava para ele e não sustentava o olhar. Ele era firme, como a inquirir tudo que sabia e não contava para ninguém. Sua maneira franca com o passar dos anos lhe trouxe muitos amigos, mas um número enorme de inimigos. Molécula não era de esconder as verdades. Se ele pensava a seu respeito mesmo que não agradasse ele dizia. Todos nós sempre pedimos para nos dizerem a verdade e quando ela é dita dependendo da maneira com quem foi dita não gostamos. Molécula era franco. Franco demais. Ele comentava com alguns que a verdade é tão preciosa que precisa de tantas mentiras para não ser reveladas. Isto ele nunca iria fazer.

           Quando foi lobinho Molécula ouviu mais do que falou e quando falava sai de perto. Os chefes da Alcateia não gostavam dele. Só porque dizia o que pensava. A Akelá por várias vezes tentou dizer a ele que a vida não é assim, não podemos sair por aí a dizer o que pensamos das pessoas. – Mentir então Akelá? Não posso dizer que a senhora é chata? Que o Balu não usa desodorante? Que a Bagheera só fica abraçado ao filho dela? Responder o que? No confessionário quando o Padre dizia que seus pecados estavam perdoados em nome de Deus ele dizia – Padre, o senhor fala com Deus? O padre sem jeito dizia que Deus falava com ele através da oração – Pode me apresentar a ele? Tenho algumas reclamações e sugestões a fazer! Dizem que a amizade é uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente ciosos da felicidade um do outro. Mas quem disse que Molécula fazia os outros felizes? – Passou para a tropa e a Alcateia pela primeira vez sorriu de verdade. Na passagem foi uma verdadeira salva de palmas. Disseram que ficar livre de Molécula era uma benção.

        Até que na Patrulha Águia todos aceitavam como ele era. Coitado de alguém da patrulha que quisesse “morcegar” no acampamento. Ele dizia tudo que pensava e mais ainda. Chegava a dizer que o melhor era não vir mais ao acampamento. – Aqui patrulheiro é um por todos e todos por um! Se você não procede como tal se manda! Claro que o patrulheiro reclamava com o Monitor que comentava com o Chefe e que discutiam em Corte de Honra. Mas falar o que de Molécula? Afinal não devemos falar sempre a verdade? Todos nós sabemos quão difíceis é falar à verdade o que sentimos. Pode ser a nossa verdade e não a verdade do outro. Sempre achamos que pouco importa o julgamento que fazem da gente. Temos sempre em mente que devemos ser autêntico e verdadeiro. Mas você é assim? - Chefe – quando falar fale mais distante, o senhor fica só cuspindo em mim! - Norival, você não tem namorada, isto é uma deslavada mentira! – Gegê, por favor, não é porque você colocou o lenço na roupa civil que está uniformizado. Não está não. Lenço é para ser usado com uniforme!

       Molécula cresceu e passou para a tropa Sênior. Foi bem na hora que as meninas chegaram. Foi à conta. Molécula quando viu Patávio namorando a Lucília não deixou de barato. – Aqui fazemos escotismo. Namorar é na casa de vocês ou em outro lugar. Afinal ficamos aqui duas horas e meia e vêm vocês com esta? E assim Molécula começou a ter problemas com os Seniores e Guias. Chefe Gilmar o chamou e disse que ele não devia ficar falando tudo que pensasse. - As pessoas não gostam Molécula! Bem Chefe Gilmar ouviu o que não queria. A verdade dói? - Chefe, isto aqui não é uma tropa sênior, virou bagunça! – Chefe Gilmar ficou vermelho. Molécula ainda completou – O senhor viu no acampamento. Qualquer tempo livre eles e elas ficam se abraçando, beijando e o senhor não fala nada? Será que o senhor é um voyeur? – Chefe Gilmar o mandou para casa. Volte em dois meses!

          Molécula não reclamou. Ficou os dois meses em casa. Chamou seu pai e sua mãe e explicou o porquê o suspenderam. Eles quiseram tirar satisfação com o Chefe, afinal quando ele foi inscrito disseram que quem estava entrando eram os pais, o filho fazia parte da família – Agora o suspendem sem ao menos um recado, um telefone? Molécula pediu aos pais que não. Ou ele resolvia ao seu modo ou era melhor nunca mais voltar aos escoteiros. Voltou após os dois meses. Levou uma carta escrita a mão e tirou cinco cópias Xerox. Mandou uma para o distrital, uma para o regional e uma para a nacional. Ele enviou outra copia para a WOSM (World Organization of the Scout Movement) todas com firma reconhecida em cartório. Na carta explicava tudo que acontecia em seu grupo, sua suspensão, o namoro, a falta do sistema de patrulhas, pois nos grandes acampamentos regionais e nacionais cada um ia sem a sua patrulha e muitas vezes com outras finalidades que não o escotismo. Foi um Deus nos acuda.

         Até hoje se comenta o que Molécula fez. A UEB teve de se explicar com a WOSM, a região teve que se explicar com a UEB, o distrito teve que se explicar com a região e o grupo teve de se explicar com o distrito. Fizeram de tudo para expulsar Molécula, mas quem disse que conseguiram? Eu mesmo quando voltei a visitar o Grupo Escoteiro onde Molécula cresceu me olharam desafiadoramente como a dizer – Deixe que o danado fique no seu lugar, ele saiu do grupo com dezoito anos e foi servir o exército. Fiquei pensando e rindo comigo – Coitado dos soldados, do Sargento, do Capitão e do General! Bem pelo menos lá ele não teria folga. Ou era expulso ou pegava uns dias de xadrez. Não sei se Molécula conhecia a celebre frase – “quem fala demais, dá bom dia a cavalo”. Mas vamos lá, será que ele não tem razão? Ops! Esqueci-me de dizer, um dia vi molécula na entrada da prefeitura, portava um uniforme de Capitão e precisavam ver sua pose!

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Conversa ao pé do fogo. Um monitor a beira de um ataque dos nervos.




Conversa ao pé do fogo.
Um monitor a beira de um ataque dos nervos.

Era uma vez... - É sempre gostoso contar histórias de escoteiros. Histórias como do Monitor Visconde e do Escoteiro Anthony Lambert existem milhares por aí. Se acheguem, imaginem que estão em volta do fogo, comendo uma banana assada deliciosa. E vamos viajar nas asas do tempo e da imaginação...

                Pois é Chefe, foi isto mesmo que aconteceu. Se para outros monitores fosse normal para mim faltou pouco para desistir de ser Escoteiro. Quer saber? Se não fosse minha promessa e minha lei deixaria o cargo de Monitor para outro. Bem, eu tinha treze anos e nenhuma experiência de liderança a não ser aquela vivenciada na Patrulha. Não era um pata-tenra como monitor isto não, assumira no ano passado quando Nonô foi embora com seus pais. Como ele chorou Chefe. Marcou-me muito sua saída. Todos nós tínhamos por ele uma enorme amizade e o considerávamos um irmão. Por ser muito emotivo não fui à estação despedir dele, depois mandei uma cartinha que contribuiu durante anos para uma troca de cartas mensalmente.

               A patrulha me recebeu bem. Não esperava ser escolhido. Jairo o Submonitor seria a escolha certa. Mas ele mesmo me indicou e disse que não gostaria de ser monitor. Nem sempre éramos os primeiros, mas também nunca fomos os últimos. Saímos bem em qualquer acampamento. Quando assumi no acampamento de julho no Vale dos Sinos ficamos dois dias em primeiro lugar. Um orgulho danado Chefe. Mas tudo que é bom dura pouco. Com a saída de Nonô a patrulha ficou com seis. Abriu-se uma vaga e o Chefe Djalma me chamou na sala da chefia. - Visconde outros estão na lista de esperava, mas resolvemos dar preferência ao menino Anthony Lambert, filho do meu Chefe na fábrica que trabalho. Pediu-me a vaga. Eu não podia negar. No próximo sábado será apresentado à patrulha. Preciso de você para conversar com a patrulha e explicar o motivo da escolha. Diga a verdade. Não sei o que vai acontecer, mas abri uma exceção e não pretendo abrir outra.

                 Não disse nada, afinal a escolha era do Chefe. Fiz minha parte e a patrulha ficou ansiosa para conhecer o novo membro. Pois é Chefe ninguém estava preparado nem eu. O menino era um chato, exigente, pensava ser o dono da patrulha. No primeiro dia pegou o bastão da monitoria e disse que seria dele a partir daí. Tomei dele educadamente e saiu chorando procurando o Chefe. Era sempre assim. Se sentisse tolhido corria chorando para o Chefe. Um mês depois a patrulha se reuniu e pediu a saída dele. E agora? O que fazer? Mas eis que ele chegou naquele sábado com uma pasta cheia de papéis. – Monitor! No próximo acampamento quero fazer estas pioneiras. Tirou da pasta um amontoado de desenhos que nem sei se foi ele quem desenhou. Não disse nada. Já pensava como aguentar o dito cujo por três dias na Fazenda Aconcágua de Dona Iraci.

                 Chefe não sei se o senhor passou por isto, mas eu passei e não quero passar de novo. Falei para o Chefe Djalma para prevenir seus pais sobre o que seria. Mas sabe o que ele me disse? – Seu pai deu ordens para ele ir. Colocou a caminhonete da empresa a disposição. Caso ele não goste ou se sinta mal, eu devia trazê-lo de volta! Ele tem de aprender a ser homem! – Chefe! O senhor aceitou? – Fui obrigado. Vamos dar um crédito. Afinal quem sabe tudo acaba bem? No dia da partida lá estava sua mãe com uma lista enorme. – Chefe Djalma dizia ela – Ele deve tomar tais e tais remédios. Ele deve comer quatro vezes por dias nos horários certos. Ele não gosta disto e daquilo. Se tomar sopa ele vomita tudo. Gosta de dormir tarde e levantar depois das dez... Fiquei pensando no que ouvia. Por mim não vai ter folga. Ou come o que comermos ou passa fome. E tem mais vai levantar as seis em ponto!

                  Quando chegamos ele todo serelepe queria escolher o campo da patrulha. Ameaçou pegar um berreiro se não fosse com os monitores. Pela primeira vez vi o Chefe Djalma perder a paciência. Ele correu e se escondeu atrás das árvores. Preveni o Jairo para não dar folga. No primeiro dia foi bem. Ajudou nas pioneiras, fez sozinho as fossas de liquido e detrito que se abriam a um simples toque de pé ou mão. Mas nem bem escureceu me procurou. – Monitor, quero ir embora, a comida do almoço foi uma droga. Aqui tem muito mosquito. Vou e volto amanhã, chame o Chefe para me levar! Chefe Djalma gritou: - Você come aqui, dorme aqui, vai fazer tudo que os outros fazem e se chorar amarro você naquela árvore e vai dormir ali toda noite.

                  É... O Chefe estava arriscando seu emprego. Podia ser demitido. Seria ruim, pois teria de mudar de cidade para arrumar outro. Mas Anthony Lambert nem aí. Gritou, esperneou, chorou tanto que muitos acreditaram nele. Lá pelas nove da noite me pediu um pouco de comida. Flávio o cozinheiro tinha guardado para ele. Ficou manso, sentou-se a mesa de patrulha e comeu com gosto. Tinha de comer, fiz questão de limpar sua mochila dos doces chocolates e biscoitos que sua mãe colocou lá. Chefe, Anthony Lambert mudou e como mudou. Na chegada sua mãe veio correndo abraçar o seu filhinho. Ele disse: Mãe espere tenho de ajudar a patrulha a descarregar o material e guardar. – Seu pai gritou: - Que o Chefe Djalma o faça você vai pra casa! Ele respondeu para o pai: - Aqui sou Escoteiro, vá gritar com seus empregados. Só vou quando terminar e saiu de perto carregando uma barraca!

                   Olhe Chefe, nunca vi uma mudança tão rápida. Precisava ver o novo Escoteiro Anthony Lambert. Eu mesmo não acreditava no que via. O melhor é que ficamos amigos. Ele ia a minha casa e eu na dele. A patrulha fazia muitas reuniões em sua casa. Sua mãe era ótima nas guloseimas e fazia questão de fazer no lugar de Lourdinha a cozinheira. Quando passei para os seniores ele me disse: - Visconde me espere, breve estarei lá com você! E o tempo passou, cresci estudei e hoje sou o Gerente na Fabrica de Anthony Lambert! – Olhei para Visconde. Estava eu ele JF e Juliano sentando em volta de um fogo amigo, na montanha do Grilo. Passava da meia noite. Todos os escoteiros já tinham ido dormir. Visconde! Perguntei, e onde anda Anthony Lambert? Chefe! Oh Chefe! Ele hoje mora em Paris. Casou com a Duquesa de Windsor, vive bem, tem mais cinco fábricas na Europa. Fez questão de me fazer sócio e depois me vendeu sua parte! Olhe me garantiu que viria aqui fazer uma visita. Saiu de Paris as três e deve estar chegando no seu jatinho particular.

                 Um farol iluminou a estrada dos Afonsos. O carro não podia prosseguir, pois não havia mais estradas. Meia hora depois ele chegou respirando fundo. Em carne e osso Anthony Lambert. Gordo, barrigudo, mas com um sorriso encantador – Preciso voltar ao escotismo disse: - Deu um abraço apertado em cada um. Sentou na beira do fogo, pegou uma banana assada, no caneco tomou um cafezinho. - E então? Vamos continuar a prosa?


domingo, 22 de setembro de 2019

Lendas Escoteiras. A sombra do medo.




Lendas Escoteiras.
A sombra do medo.

... Era uma vez... Sem paz, sem amor, sem teto, caminho pela vida afora. Tudo aquilo em que ponho afeto fica mais rico e me devora. Onde me aninharei amanhã? Pois hoje não tenho nada nem um teto para morar... Um conto, uma história que mostra que os “lobitos” têm a mente pura e o coração de ouro. Vocês são meus convidados.

-Ninguém viu quando ele chegou. Sorrateiramente se arranchou na porta do Cemitério do Corcunda. Juntou uns galhos de árvores, conseguiu umas caixas de papelão e construiu seu lar. Lar? Dizem que cada um tem o que merece. Os passantes pela manhã estranharam. – Quem era? De onde veio? O delegado foi chamado. Foi arrastado por dois praças até a delegacia. Não ficou lá muito tempo. Fedia, um mau cheiro de espantar até os dragões da independência. Santo Ângelo sem perceber adotou um sem teto. Nunca tiveram um. Durante o dia ele se escondia na sua morada infernal. Ninguém teve dó quando chovia, quando o frio apertava. Só dona Joana que levava comida e água para ele alguns dias na semana. Deixava na porta de seu barraco de folhas de papelão e no dia seguinte as vasilhas estavam lá vazias e limpas. Não era uma figura boa de ver. Barbudo, Cabelo desgrenhado a roupa imunda, unhas grandes, dentes cariados lhe davam um aspecto aterrador. O prefeito foi informado, Doutor Rosaldo o Juiz também. Nem o Padre Tomaz foi lá para ajudar.

-O chamaram-no de tudo. Filho do Diabo, Capeta sem mãe, Lúcifer e demônio da meia noite. Mas ficou conhecido mesmo como Satanás. Porque isto se ele nunca fez mal a ninguém? E quem se importava com ele? Deixe que Satanás more aí desde que não prejudique a cidade e não se ache dono do lugar. Muitas vezes o avistaram a noite, zanzando pelo cemitério. – As comadres diziam que ele era o Chefe da capetada. Por isto deviam manter distância. O Padre Tomaz procurou Dona Joana do Centro Espírita para aconselhar. – Se continuar alimentando é como alimentar o diabo. O demônio sempre se fingiu de boa praça.  Fique longe, quem sabe vai embora e vai nos deixar em paz? Dona Joana ria, no seu coração iluminado sabia que ele não foi e nunca seria um filho das trevas. Era uma pobre alma de Deus e ela sempre o ajudaria. Pequenos furtos começaram a acontecer. – Foi ele! Disseram. Foi Satanás! Antes de ele chegar isto nunca aconteceu! O delegado relutou em prender. O homem era podre, fedia mais que privada de boteco de beira de estrada.

-Pegaram Tomaldino com a boca na botija. Ele não precisava disto. Preso confessou que queria que todos pensassem que o culpado era Satanás. A cidade não se perdoou. Queria ele longe e ninguém fazia nada. Juntaram uma turma valente e a noite bem tarde com ele passeando no cemitério botaram fogo na sua morada. Ele veio correndo e não pode fazer nada. – Alguém teve pena dele – Vejam! Ele chora, seus olhos estão cheios de lágrimas! Dó? Ninguém tinha dó. Pedras choveram e ele correu para dentro do cemitério onde depois da meia noite ninguém se arriscava a entrar. No dia seguinte ele estava no mesmo lugar. Agora sem casa, sem nada e um frio de lascar. Ele se enroscava nas suas roupas sebentas e Dona Joana levou para ele um enorme cobertor azul e branco onde ele se enroscou. Olhou para ela agradecido e fez uma mesura que só homens educados faziam. Ninguem tem pena, ninguém ajudou ninguém se mostrou benemérito, mas esqueceram-se de Conchita, a menininha Lobinha, filha de Dona Lavínia.

- Foi no sábado que ela puxada pela mão por sua mãe viu Satanás sentado à beira do muro, levantou a mão como um pedinte, falou baixinho para ela: - Me dê um tostão! Para eu comprar um pão! – Só um! Minha fome está demais. Conchita tinha dois reais, deu a ele se soltando da mão de sua mãe. Ela assustada correu a pegar Conchita e correu com ela do lugar onde morava Satanás. Não adiantou. Toda vez que Conchita sumia ela sabia que estava lá, na casa de Satanás. Pediu ao Padre Tomás que a ajudasse, falou com delegado com o prefeito e o juiz. Ninguém queria se meter. - O homem fede demais dona Lavínia. A cadeia vai explodir se eu o colocar aqui. Uma amizade impossível nasceu. Satanás e a lobinha Conchita. Não adiantava prender e ela fugia pela janela, pela porta por qualquer lugar. Levava comida, levava amor, levava amizade a alguém que ela não tinha piedade, pois achava que encontrou um irmão daqueles fugidos da Jângal.

- Dona Joana tomou uma decisão, a Satanás deu a mão e o levou para seu lar. A cidade veio abaixo. Impossível! O que ela acha que está fazendo? O tempo passa não para. O ontem se foi e o hoje chegou sem avisar. Os amigos de Conchita, da Matilha Rosa bonita, visitavam todo sábado o lar de Dona Joana. Satanás tomou banho, fez a barba se transformou. Ninguem diria que era aquele da beira do cemitério, que fedia a mais não poder, que visitava amigos depois da meia noite nas catacumbas do Corcunda. Daniela moça formosa estranhou. Na biblioteca um jovem lindo, que não era da cidade. Por ele se assanhou e quando soube que tinha sido Satanás dali se mandou. A fama de Satanás se espalhou. A matilha Rosa Bonita deu ao Chefe um ultimato. Aceite ele aqui, se não vamos embora e não voltamos nunca mais... Chefe Coqueiro sorriu. Conversou com Satanás. – Meu jovem conquistou corações dos lobinhos quem sabe conquista o meu? Tente lembrar o seu nome, faça uma forcinha pequena, Satanás não é seu nome deve ser outro qualquer.

                 Marco Rocco as suas ordens, da cidade de Bom Despacho. Perdi a memoria e nem lembrava, quem sabe depois que ela foi embora, Maria Flor de Maio, minha noiva do lugar. Eu estava apaixonado e queria com ela me casar. Chorei noites seguidas, tentei até confessar e não adiantou. Vi-me perdido no mundo, sai com a roupa do corpo sem destino sem onde parar. Agora me lembro de tudo. Era professor do lugar, dizem que era poeta, que cantava canções de amor. A amizade tão bonita destas meninas formosas me trouxeram novo alento. Aceita minha colaboração? Quem sabe posso ajudar? Faço a limpeza de tudo, e saindo daqui pretendo me empregar. A história aconteceu. Marco Rocco não era mais um demônio, um satanás. Era um professor e assim começou a lecionar. A cidade se apaixonou por ele, o Grupo Escoteiro fez dele um irmão de sangue, hoje é Chefe de uma sessão.

                     Os lobos o adotaram, Dona Joana sorria, ele morava com ela, ajudava em tudo com seus parcos recebimentos. Tornou-se famoso professor, as moçoilas o procuravam para cantar prosas, versos bonitos e quem sabe ele um dia teria sua família e iria viver feliz naquele lugar? Como disse Clarice Lispector: - "Não sei perder minha vida" Não sei qual a minha culpa, mas peço perdão. A luz do farol revelou-os tão rapidamente que não puderam ver. Peço perdão por não ser uma "estrela" ou o "mar" ou por não ser alegre, mas coisa que se dá. Peço perdão por não saber me dá nem a mim mesmo, para me dar desse modo a minha vida se fosse preciso, mas, peço de novo perdão não sei perder minha vida.

sábado, 21 de setembro de 2019

Lendas da Jângal. O livro da selva (cães vermelhos).




Lendas da Jângal.
O livro da selva (cães vermelhos).

Era uma vez... – Das histórias da Jângal esta é uma das minhas preferidas. Os Cães Vermelhos. Considerado obra prima das histórias da Jangal todo chefe atuante em alcateia deve fazer o máximo para lê-lo no seu integral. Alguns dizem que é o ápice da História da Jângal.

                     Após a invasão da Jângal, inicia um período agradável na vida de Mowgly. Após inúmeras aventuras e feitos, Mowgly detinha o respeito dos animais da Jângal devido à sua coragem esperteza e astúcia. Pai lobo e mãe loba haviam morrido e Baloo estava tão velho que mal conseguia andar. Mesmo Bagheera com seus músculos de aço já andava cansada. Akelá já apresentava a pelagem branca de tão velho e Mowgly tinha que dividir sua caça com ele. A alcateia neste tempo era conhecida como povo de Mowgly, mesmo este não tendo assumido a liderança do grupo, para a qual foi escolhido Fao, filho de Faona.

                  Certo fim de tarde, Mowgly e seus irmãos ouviram gritos, era o fial, um uivo aterrador. Lobo Gris logo percebeu que se tratava de uma caçada. Juntos com a alcateia eles perceberam a chegada de um lobo, um Won-tolla (lobo sem alcateia). Ofegante e cansado ele explicou a alcateia que havia lutado contra os dholes, os cães vermelhos do Decão, os quais haviam matado sua companheira e seus três filhotes. O lobo forasteiro avisou que os cães eram muitos e estavam invadindo o território dos lobos em busca de alimentos. O grupo era composto por caçadores vermelhos, dispostos a matar. Akelá percebendo que não havia outra saída e que teriam que enfrentar os cães vermelhos pela própria vida, sugeriu que Mowgly se escondesse nas terras do norte e aguardasse a passagem dos dholes. Mas Mowgly retrucou dizendo que lutaria junto com o seu povo contra os dholes.

                    Ao sair para espionar os dholes e verificar seu número, Mowgly acabou tropeçando em Kaa, a grande cobra píton. Conversaram muito os dois e acabaram juntos montando uma estratégia astuta para vencer os destemidos e numerosos dholes. Kaa mostrou a Mowgly o povo Miúdo (as abelhas dos rochedos) e as corredeiras formadas pelo rio Waingunga junto aos rochedos. Se Mowgly conseguisse enfurecer os dholes, estes ficariam cegos de raiva e o seguiriam até os rochedos, onde seriam mortalmente atacados pelas abelhas, aqueles que sobrevivessem as abelhas teriam seu fim trágico ao caírem dos rochedos nas corredeiras do rio Waingunga, e aqueles que sobrevivessem a tudo isso, teriam a alcateia esperando logo abaixo para uma luta mortal.

               Então Mowgly se pôs a encontrar os cães vermelhos, ao avistá-los percebeu que eram em grande número, acima de duzentos. Trepado em uma árvore, Mowgly começa a insultar os dholes, que ficaram furiosos e o tentaram pegar a todo custo. Os insultos de Mowgly levaram os dholes do silêncio aos grunhidos, e dos grunhidos aos uivos e, finalmente, a raiva desenfreada, tal como desejada por Mowgly. O cão líder saltou no intuito de morder Mowgly, mas este, mais rápido, pegou o cão pelo pescoço e cortou seu rabo. Todo o grupo dos cães enfurecidos aguardava sob a árvore onde Mowgly se protegia, sabendo que uma hora ele teria que descer ou morreria de fome. Mowgly subiu até um galho mais alto e dormiu até o anoitecer, quando o povo miúdo finalizaria seu trabalho e retornaria as colmeias dos rochedos. Então, pulando de árvore em árvore, Mowgly tentava atrair os dholes para a armadilha das abelhas dos rochedos. Ao chegar à última árvore ele passou alho em todo o seu corpo (as abelhas odeiam o cheiro do alho), e lançou-se a toda velocidade em direção aos rochedos das abelhas. A alcateia de cães vermelhos o seguiu furiosamente.

                      Ao perceber as vibrações da corrida de Mowgly e dos cães, as abelhas se colocaram em prontidão. Mowgly correu tão rápido que conseguiu saltar dos rochedos no rio Waingunga antes de receber qualquer picada. Mowgly já havia combinado com Kaa para lhe aparar a queda no rio, evitando que se chocasse com as pedras nas corredeiras. Os dholes foram atacados brutalmente pelas abelhas, muitos foram mortos pelas picadas, outros ao caírem sobre as pedras do rio. Os poucos que sobraram foram forçados a se lançarem no rio para evitar a morte pelas picadas, e foram recebidos pela alcateia do povo livre logo abaixo em um remanso formado no rio. Uma luta pelo território e pelas suas vidas fora travada na beira do rio Waingunga. Mowgly, lobo Gris, Akelá, Fao e Won-tolla, juntamente com os outros lobos da alcateia de Seeonee, lutaram bravamente até acabar com todos os cães vermelhos. Nada resistia aos dholes assassinos, mas neste episódio eles foram aniquilados graças à estratégia bolada pelo Mowgly e pela Kaa.

                  Akelá fora gravemente ferido e antes de morrer pede para passar junto ao lado de seu amigo Mowgly. Akelá diz que logo Mowgly partirá para junto dos homens, mas Mowgly diz que faz parte do povo livre e não quer partir. Mas Akelá sabiamente alerta Mowgly que logo ele mesmo tomará esta decisão. Ao morrer, Akelá é saudado por toda a alcateia que por muito tempo liderou.

Melhor Possível lobos de Seeonee, boa caçada!

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Lendas Escoteiras. Uma ponte longe demais...




Lendas Escoteiras.
Uma ponte longe demais...

Era uma vez... - Não havia ponte entre os mundos que os separavam. Haviam viajado para longe demais um do outro e não havia retorno. “Não havia agora, nunca haveria”. O horizonte está nos olhos e não na realidade. Esta é a história de uma ponte, que não levava a lugar algum e que era longe demais.

                 Era uma vez... Uma ponte, simples de madeira com dois vãos, pequena, mas que acalentava os caminheiros que por ali passavam. Dizem que era longe demais, que não ligava a lugar nenhum. Pode até ser. Não era uma ponte qualquer, pois para mim ela tinha vida, ela tinha alma. Cansado de uma longa jornada eu sentei naquela ponte muitas vezes. Gostava de ficar ali, olhando um rio que passava sobre meus pés. Meus olhos acostumaram com aquelas ondas que brincavam de zig zag nas corredeiras que iam para o mar. Nem via o tempo passar, hipnotizado não queria voltar ao meu percurso. A ponte agora me dava vida, queria que eu e ela fossemos um só. Os incrédulos diziam que ela não ia dar a lugar nenhum. Eu sorria quando diziam isto. Uma doce mentira de caminheiros que não viram o brilho daquela ponte. Ela me levava aos Campos da Felicidade.

                  Quando surgia a primavera eu corria para chamar meus amigos Escoteiros e eles sorriam como eu quando dizia que íamos acampar no Campo da Felicidade. Todos sabiam que íamos atravessar a ponte, que todos diziam ser longe demais... E diziam que ela não levava a lugar nenhum... Era longe sim, a ponte era longe demais e isto nos fazia voltar sempre... Ver a ponte de madeira rústica, olhar o rio com suas águas borbulhantes a correrem para o mar... Na várzea das Borboletas azuis, em uma pequena trilha cheia de flores silvestres, avistávamos a ponte. A ponte que diziam ser longe demais... A ponte que não levava a lugar nenhum... Mas nos levava ao Campo da Felicidade.

                    Um dia, um dia, ah! Dia que nunca mais esquecerei, um dia que ficou marcado em meu coração para sempre, a ponte não estava lá... A ponte que nos levava ao Campo da Felicidade tinha partido... A ponte longe demais agora não mais existia. A ponte que não levava a lugar nenhum agora era uma réstia de uma lembrança de um passado que se foi... Ficamos ali, cabisbaixos, deixando o sol nos queimar, nossas mochilas às costas pesando e nossa preocupação era uma só.

                    A ponte longe demais partiu sem dizer adeus... Não era um empecilho para atravessar o rio, o rio que serpenteava suas águas e corria para o mar. A ponte que diziam não ligar a lugar nenhum agora era uma sombra, um arremedo de sonhos, uma alegoria de um carnaval que passou. Nunca mais voltamos ao Campo da Felicidade. Ele e ela, a ponte longe demais se completavam. Um não tinha serventia sem o outro. Algumas vezes volto meu pensamento nos tempos se foram. Lembro-me daquela ponte, uma ponte longe demais... Uma ponte que não ligava a lugar nenhum, mas sem ela nunca mais poderíamos voltar ao campo da Felicidade. Não choro lágrimas doídas, não verto águas que os olhos deixam cair... Meu coração bate forte quando em minha mente eu vejo a ponte, a ponte longe demais...

                A ponte que diziam não levar a lugar nenhum. Vejo-me sentado, olhando o rio que serpentava naqueles campos que seguia seu rumo para o mar. Sei que não terei mais aquela visão que me marcou profundamente. Mas enquanto ela existiu me trouxe a beleza da vida, o sonho da natureza, me ligou de um ponto ao outro mesmo dizendo que ela era longe demais... Que não ligava a lugar nenhum!

domingo, 15 de setembro de 2019

Lendas Escoteiras. “Tocata” – Heitor Villa-Lobos.




Lendas Escoteiras.
“Tocata” – Heitor Villa-Lobos.

Era uma vez... – Hoje alguém compartilhou um conto meu. Conto que amo, que me tocou profundamente. Por quê? Ontem à noite, eu ouvia Villa-Lobos Bachianas Brasileiras, Número 2 – IV Tocata – “O trenzinho do Caipira” e me veio na memoria uma história que um dia ouvi nas margens do Rio das Velhas próximo a Barra do Guaçuí de uma mulher que morrera por amor. Porque morrer de amor? Pego na pena, digito e escrevi esta história. Não sei se vão gostar, eu como sempre embevecido com o que escrevi amei!

                Maria Quitéria nos seus quinze anos se apaixonou. Perdidamente. Sentiu as pernas tremerem, seu coração bateu forte algum brotou na sua alma e seu pensamento marcou para sempre João Bento como seu único amor. Lavava a roupa dela e de sua Avó no Açude Baité, bem no centro do Sertão Central do Ceará no Maciço do Baturité. Levantou cedo, pretendia ir até a vendinha do Seu Moscoso, comprar açúcar e sal e se desse umas bolachas que ela adorava. De cócoras próxima a bacia de alumínio ouviu um cantarolar diferente. Nada que conhecia. Seu radinho de pilha só pegava a Estação do arraial de Itapiúna e quando Zé do Prado tocava Luar do Sertão com Pena Branca e Xavantinho ela fechava os olhos e sonhava um dia conhecer Fortaleza, suas praias suas avenidas... “Juntos caminhemos a montanha altiva, juntos escalemos o seu pico azul”! Que musica era essa? De onde vinha?

              Levantou e viu ao longe uns meninos junto a um homem vindo na estrada do Boi Galego. Parecia que iam em direção ao Vale do Porema. Ficou cismada. Nunca viu ninguém ir para lá com meninos. Foi então que ela olhou melhor e viu João Bento pela primeira vez. Meu Deus! Era lindo demais. Cabelos grandes, escondidos por um chapéu de abas largas, uma roupa caqui, uma meia comprida, calção curto e quando passou por ela e deu um sorriso, Maria Quitéria achou que ia morrer! Já virando a curva do Sarduá Maria Quitéria largou o que fazia e foi atrás. Ela precisava, ela não ia deixar seu amor partir assim. Eles pararam na nascente do Córrego das Dores e ela viu quando João Bento tirou o chapéu e seus cabelos esvoaçaram com os ventos da Lagoa, tirou o lenço à camisa e sorrindo e cantando ajudou os meninos a montar barraca, fazer barro, cozinhar e tantas coisas que Maria Quitéria ficou deslumbrada. Nunca viu coisa e tal, nunca!

             Voltou para casa correndo preocupada com sua Avó Cacilda. Passou da hora dela se alimentar. Pediu desculpas, fez uma sopa de mingau de couve, um pedaço de pão feito no dia anterior. Contou as novidades. Vó Cacilda apenas sorria. Nunca falava, mas naquele dia disse: Quitéria, cuidado com seu coração, quando ele bater esquisito é sinal que algo de bom ou ruim pode acontecer! Escurecia e ela pé ante pé chegou bem perto de onde eles estavam. Sentados em uma mesa de madeira que construíram, jantavam e contavam causos. Foi lá que ela ouviu um menino chamar João Bento. Disse Chefe João Bento. Amou o nome. Amou João apaixonou-se pelo Bento. Só foi embora lá pelas tantas, depois do fogo que fizeram das canções do boa noite: - Boa noite Touros! Boa noite Touros! Agora eu vou dormir! Lindo demais!

              Ficaram três dias. Três dias que Maria Quitéria se aboletou na pedra rala amando, olhando e vendo tudo que fazia os escoteiros e o seu príncipe o Chefe João Bento. Tudo tem seu tempo, sua hora seu lugar. Maria Quitéria viu quando partiram. Queria correr atrás, abraçar seu amado, dizer que sem ele ela não poderia viver. Ao chegar na Estrada Asfaltada rumo a Fortaleza, eles embarcaram em um ônibus e sumiram para sempre na estrada do adeus. Durante dias, meses e anos Maria Quitéria chorou. Um dia parou de chorar e nunca mais sorriu. Fechou seu coração e pedia a Deus que a levasse desse mundo. Sua Avó Cacilda morrera antes das águas de março chegarem. As luas viraram no céu e a cada tantos dias apareciam cantante com seu esplendor. Maria Quitéria envelheceu. Os cabelos embranquecendo, olheira nos olhos pele gelatinosa. Nunca foi bonita e nem catita para conquistar um novo amor.

               Nunca esqueceu os dias e os anos que amou João Bento. A ele entregou seu coração e mesmo vinte anos depois que apareceu Luvercino na sua Mula Caçamba, ela mal deu um sorriso pela primeira vez. Deu a ele água e um pouco do seu feijão com torresmo, mas seu amor seu corpo e sua vontade ela não deu. Nunca soube o que eram escoteiros, nunca mais viu uma barraca armada, mesa de tronco de pique em pé com eles em volta cantando e sorrindo.

                Nas noites escuras sem lua, Maria Quitéria sentava na porta de sua choupana, de pau a pique, barro entre bambus, sozinha cantava o que não entendia. Um dia ouviu e amou uma melodia de um tal Villa-Lobos que Zé do Prado da Rádio de Itapiúna tocou. Demais. Zé do Prado devia estar bêbado para tocar uma tal de Tocata, Trenzinho Caipira, Bachianas Brasileiras número 5 de um tal Villa Lobos. Naquela noite Maria Quitéria chorou... De saudades... Muitas de João Bento seu único amor...

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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