terça-feira, 31 de março de 2020

Lendas Escoteiras. Rio Negro, a cidade das sombras!




Lendas Escoteiras.
Rio Negro, a cidade das sombras!

... – Hoje me considerando um Chefe sem memória para criar, enfiei a mão no fundo do baú e tirei esta história que ainda não sei por que escrevi. E um conto sobrenatural, vale a pena contar? Rio Negro a cidade das Sombras escrevi as duas da madrugada. Acordei com a historia na cuca levantei liguei o micro e comecei. Terminei por volta de três da manhã. Bem não vão dizer que é um conto comovente, cheio de amor e vida. Se não gostarem me deem seus nomes. Peço ao Funério para fazer uma visita à meia noite para conversar com vocês e convidar a conhecer Rio Negro. Rarará!

- Um telegrama simples. Dizia: “Gostaríamos de contar com sua presença nas festividades do Grupo Escoteiro Enigma do Santo Sepulcro. Será dia 02 de abril próximo em Rio Negro, a cidade das sombras. Despesas por nossa conta”. - Alguma caçoada? Eu recebia sim muitos convites para palestras e pequenos cursos escoteiros em várias cidades. Mas aquele convite era extraordinário. Onde seria está cidade? Na internet não encontrei. Deve ser alguma graçola pensei. Pitágoras o Comissário sempre fazia isto comigo. Liguei para ele: - Não fui eu! Juro! Ele disse. Dei boas risadas, mas fiquei inquieto, ou melhor, encucado com tudo aquilo.

Não dormi bem. Não tive sonhos e nem pesadelos, mas acordei suando. Parecia que alguém dizia para eu ir à estação Rodoviária comprar a passagem. Liguei para a região Escoteira para me informarem se tinha algum grupo com este nome. Riram na minha cara. Fui até a Rodoviária do Tietê. Nas escadas um homem de paletó roxo, chapéu enterrado até os olhos, descalço, unhas enormes e com uma placa – Passagens para Rio Negro. – Aproximei. Ele levantou o chapéu. Não tinha olhos. Só buracos que não via o fundo. Um nariz comprido e afilado. Uma boca enorme cheia de dentes de ouro. Não tinha orelhas. Nas mãos em cada uma dois dedos.

Tirou do bolso uma passagem. – Mandaram-me entregar. O ônibus parte a meia noite. Terminal dois. O homem desapareceu. Nos guichês perguntei sobre Rio Negro. Ninguém conhecia. Não costumo me esconder de desafios. Iria lá nesta cidade fantasma. Afinal sou um Escoteiro e o Escoteiro não foge dos desafios. À noite com minha mochila e o uniforme social fui para a rodoviária. Por voa das duvidas coloquei minha boina preta tipo Montgomery. Onze e quarenta da noite e vi o morto vivo a minha espera. Disse-me – Siga-me. Seguimos um corredor escuro, um vento húmido e frio. Vi o ônibus. Pequeno. Negro. Na placa Rio Negro. A porta aberta. Entrei. Sentei bem à frente. Só tinha eu. Partimos. Alguém de voz grossa e cavernosa começou a cantar a canção da Despedida. Dormi. Acordei com o dia amanhecendo. Uma bruma cinzenta cobria a cidade. O ônibus parou. Desci. Um Chefe Escoteiro de uniforme roxo me saudou. Usava um lenço negro com uma caveira desenhada atrás. Sempre Alerta Chefe! Sou o Funério, disse. Venha comigo.

Um carro negro fúnebre com um caixão nos esperava. Não vi o defunto. Ninguém nas ruas. Não havia barulho aves cães ou qualquer outro animal. O carro parou. Olhei o motorista. Sempre de costa. Um boné de couro preto. Abri a porta e sai. Estava em frente a um cemitério. Aqui? Perguntei. Ele se virou. O rosto sem pele só ossos. Não se preocupe Chefe. A sede do grupo é linda. Foi toda construída pelos habitantes do lugar. O Senhor vai gostar. Bragg! Comecei a tremer! Onde fui me meter? Ele me pegou pela mão como se eu fosse uma criança. Fui com ele. Não tinha outra saída. Catacumbas e mausoléus enormes. Nomes estranhos. Aqui jaz – Baldassari um rei que perdeu a cabeça, morreu por falta de sangue – Em outro dizia: Aqui jaz, Narkissa, a princesa beijada pelo Vampiro Damien. Meu Deus! O lugar era amedrontador.

                     Fechei os olhos, um medo terrível. Abri. Lá estava a sede. Em letras góticas uma enorme placa: Grupo Escoteiro Enigma do Santo Sepulcro. Enormes caixões com caveiras sentadas em cima enfeitavam o teto da sede. Um belo esquife branco na porta e dentro um Chefe bem velho morto com bigode e cabelos branco uniformizado. A tropa, Alcatéia e os seniores formados na bandeira. Eram bandeiras negras com escritos em grego e latim e desenhos de zumbis e cadáveres. Um Chefe se aproximou. Bem vindo Chefe! Estamos tristes com sua chegada. Mas não estão alegres? Falei espantado. Aqui Chefe é o contrário. Olhei a escoteirada. Todos de uniformes negros e os lobinhos de roxo. Ninguém sorria. Era como estivessem mortos. Vi que nenhum dos jovens tinha olhos. Só um buraco fundo. Putz! Onde fui me meter? Porque aceitei? Não havia volta. Um zumbido e um grito e as bandeiras negras com símbolos vampirescos começaram a ser içadas. Vampiros enormes voavam sobre nossas cabeças. Olhei em uma catacumba mais alta e chacais davam uivos áulicos e lamurientos. Achei que um deles o mais forte poderia ser Duamutef, o filho de Hórus. Abraçaram-se todos os escoteiros e lobinhos e deram o grito do grupo chorando. Acho que todos se lamentavam por haver morrido. Morrido? Eram mortos vivos? Pensei em correr dali.

                     Um Chefe me deu a mão. Levou-me até um mausoléu enorme. Em volta um jazigo cheio de ossos. Em cada catacumba, em cada mausoléu, em cada cova uma mão, uma cabeça e logo uma multidão de mortos zumbis em minha volta. Eram milhares. O Presidente do Grupo me pediu para fazer a palestra. Disse que todos aguardavam ansiosos este momento. Que palestra quer que eu faça? Nada sei de mortos vivos e nunca fui ao Grande Acampamento. A última vez que fui a um enterro faz anos! – Gritei alto, chamem Baden Powell. Ele entende disto melhor que eu!  Não Chefe, nada disto. Todos aqui querem saber como funciona a Escoteiros do Brasil. Querem nomes dos grupos dos chefes para visitarem a meia noite. Que eu explicasse sobre a Assembleia Nacional. Eles teriam candidatos. Deus do céu! Que era aquilo? Ajuda-me Baden Powell! Socorre-me almas escoteiras do outro mundo!

                     Ouvi vozes. Monitores me convidando para jantar. Acordei. Abri os olhos. Obrigado meu Deus. Era apenas um sonho. Um pesadelo. Estava com meus escoteiros num lindo acampamento sentado na beira do Córrego de Águas Correntes. Vi o sol se pondo no horizonte. Bendito sol! Era um lindo regato de águas límpidas que adorava. Vi um peixinho pulando nas corredeiras. Graças a Deus. Graças a Deus. Ainda bem. Levantei-me. Espreguicei. Dei um enorme sorriso de felicidade. Havia cochilado no tempo livre enquanto eles preparavam as refeições. Fui até o córrego lavar o rosto e me refrescar. Cantarolava o Rataplã. Bom demais estar ali. Que dia maravilhoso! Pensei... Levantei peguei a toalha para enxugar. Do outro lado do córrego, lá estava Funério o morto vivo da rodoviária. – Com voz grossa fúnebre e cavernosa me saudou: - Sempre Alerta Chefe, à meia noite venho te buscar!

segunda-feira, 30 de março de 2020

Contos ao redor da fogueira. Nico Fulgêncio e os Anjos Escoteiros.




Contos ao redor da fogueira.
Nico Fulgêncio e os Anjos Escoteiros.

... - Os anjos existem e muitas vezes não possuem asas, então passamos a chamá-los de amigos. Pergunte a Nico Fulgêncio. Ele sabe por quê!

                         - Olha Senhor Nico Fulgêncio, vou ser sincero, o senhor já passou dos setenta anos e isto que o Senhor tem em nossa cidade não podemos fazer nada. Um tumor tomou conta do seu cérebro e se não tratar em uma cidade grande o Senhor não terá mais que um ano de vida! – Nico Fulgêncio olhou para o doutor, franziu a testa e não disse nada. Ele se lembrava quando descansava na Praça Santo Estevão sentiu uma tontura e quase desmaiou. Devia ter caído e o levaram ao hospital próximo. Sorriu para o Doutor e foi embora. Há tempos ele sentia esta tontura. Agora piorou, pois ele caia onde andava. Maria Mercês sua vizinha o olhou com pena. A Ambulância o trouxera até o barraco na Rua B sem número. Ele sorriu para ela e entrou em sua morada.

               Nico Fulgêncio era negro, magro, não sabia ler nem escrever. Trabalhou muitos anos de vigia na Fábrica de Doces até que o mandaram embora. Oito anos desempregado. Não tinha muitos amigos e através deles ainda sobreviveu com a ajuda que lhe davam. Nico pensou em acabar com sua vida, mas porque faria isto? Só porque o médico foi honesto? Nico Fulgêncio tomou uma resolução. Uma sacola e a mochila que Juventino lhe deu colocou lá as roupas que lhe restavam, uma fronha, um cobertor Velho e uma capa azul escura que ganhou quando vigia na empresa. Na despensa quase nada, mas ainda achou um pouco de arroz, feijão, tinha uma carne seca e quatro pães velhos. Embrulhou tudo e colocou na mochila. Andava sempre com chinelo de dedo e tinha uma “alpercata” das antigas. Nem fechou a casa. – Donde vai seu Nico Fulgêncio? – Embora para a cidade grande Dona Maria Mercês. Olhe, o barraco é seu tudo que encontrar lá também. Nunca mais vou voltar!

                  Nico Fulgêncio colocou um boné Velho, e saiu sem se despedir de ninguém. Agora seria um daqueles andarilhos de beira de estrada que sempre encontramos por ai. Ninguém na cidade perguntou aonde ia. A cidade o considerava um eterno desconhecido. Quando partiu era meio dia. Pegou a Estrada para Maceió. Asfaltada. Andou a tarde toda e já noitinha parou embaixo de um pé de Pequi enorme. A barriga doía de fome. Viu que tinha arroz e feijão, mas esqueceu da panela. Comeu um bom pedaço da carne seca e um pão velho e dormiu sob as estrelas. Acordou com o sol nascendo e partiu. Donato um dia lhe disse que de ônibus a São Paulo eram quatro dias. E a pé? Ele riu, não era importante. Tinha tempo muito tempo. Eram quatro da tarde quando avistou uns meninos Escoteiros brincando em volta de umas barracas. Parou e ficou olhando. Gostava do que via. Ele gostava da alegria do sorriso das crianças. Um carro da policia parou ao seu lado. Meteram ele lá dentro e o levaram preso. O acusaram de molestador de menores.

                  Nico Fulgêncio ficou preso oito dias. O delegado resolveu conversar com os Escoteiros da cidade e eles disseram ter visto o andarilho, mas ele não fez mal a ninguém. O soltaram. Pelo menos ele teve duas refeições na cela. Nico Fulgêncio partiu como tinha traçado seu destino. Na saída da cidade novos Escoteiros o procuraram. Deram-lhe um saco de comida. Ele riu. – Preciso de uma pequena panela disse. Um deles em sua bicicleta partiu em alta velocidade. Pouco tempo depois chegou com a panela. Partiram dizendo a ele Sempre Alerta! Lá foi ele estrada a fora. Andou até escurecer. Achou melhor ficar por ali. Nem bem escureceu e surgiu uns Escoteiros maiores. Eram rapazes cantando estrada a fora. Pararam ao lado dele para descansar e lanchar. Foi convidado. A vida estava sendo boa com Nico Fulgêncio. Eles partiram e ele dormiu com a barriga cheia.

                   Foram quatro meses para chegar a Maceió. Aprendeu a ganhar comida nas casas que encontrava a beira do caminho. Aprendeu a viver com o vento e a chuva e teve um dia que achou que sua hora tinha chegado. Desmaiou e acordou em um pequeno hospital. Em volta dele duas meninas e quatro meninos Escoteiros. De novo? Eles sorriram e perguntaram como estava. A enfermeira disse que foram eles que o trouxeram. Dez dias e teve alta. Os meninos Escoteiros o acompanharam até o final da cidade. De Maceió chegou a Recife. Bela cidade. Em uma rua viu a meninada escoteira correndo para sua sede. Ele agora se achava um deles e entrou no pátio, deu Sempre Alerta e todos responderam. Os Chefes ficaram de olho. Ele contou em uma roda cheia de meninos e meninas de onde veio e para onde ia. Contou também dos meninos Escoteiros que encontrou. De novo lhe deram uma mochila cheia de víveres.

                     Um ano depois Nico Fulgêncio chegou a Belo Horizonte. Ele sabia agora que aqueles escoteiros foram sua salvação. Por onde passava sempre encontrava um deles. Parou próximo a Rodoviária e viu muitos esperando a hora do seu ônibus. Apresentou-se contou sua aventura e recebeu abraços e saudações. Nunca fora Escoteiro, mas admirava aqueles meninos que sempre estavam dispostos a ajudar. Pé na estrada e lá foi ele para São Paulo. Oito meses o andarilho gastou na Fernão Dias. Quando chegava a Guarulhos ficou estarrecido. Estava escurecendo e viu um homem enorme atacando uma Escoteira. Ele sabia o que ele ia fazer. Soltou sua mochila e saiu correndo em cima de malfeitor. Levou um tiro nas costas e outro no ombro. Policiais logo chegaram e o socorreram depois que a escoteira explicou tudo que aconteceu.

                      Nico Fulgêncio foi levado ao Hospital de Guarulhos. Assustou quando viu um enorme contingente de meninos e meninas Escoteiras. Todos querendo abraçá-lo, pois sabiam do acontecido. O tiro entrou pelas costas e saiu pela frente. Nico Fulgêncio não correu risco de vida. O médico gentil que se apresentou como Chefe Escoteiro disse para ele que mais doze dias poderia ir embora – Parabéns Senhor Nico Fulgêncio, o senhor está com uma saúde de ferro! Mas Doutor! E o tumor em meu cérebro? – Que tumor senhor Nico, o senhor não tem nada. Lagrimas correram pelos olhos de Nico Fulgêncio. Quando saiu o Chefe Wantuil lhe ofereceu um emprego de vigia no Grupo Escolar onde funcionava a sede. Os meninos e as meninas Escoteiras bateram palmas e agora ele sabia que tinha muitos amigos que eram anjos sem asas. Jovens alegres que lhe deram tudo na sua longa jornada.

A vida de Nico Fulgêncio se transformou para melhor. Ia sempre as reuniões e participava da bandeira. Deram-lhe um uniforme usado e um belo dia fez a promessa. Todos que o conheciam sempre ouviam cantar uma canção do Padre Marcelo: “Tem anjos voando neste lugar. No meio do povo e em cima do altar. Subindo e descendo em todas as direções, Não sei se a igreja subiu ou se o céu desceu só sei que está cheio de anjos de Deus. Porque o próprio Deus está aqui”. Nico Fulgêncio não morreu naquele ano e nem nos que vieram depois. Aquele caminheiro de muitos mil quilômetros de estrada percorrida, teve a felicidade de ver meninos Escoteiros que se tornaram seus filhos e seu salvador. Nico Fulgêncio na sua simplicidade sorriu, e pensou – Os anjos também são Escoteiros! Seja um anjo para alguém, dê asas à sua vida, mostre a ele quer é possível voar!

sábado, 28 de março de 2020

Lendas Escoteiras. Um vira latas de nome Takala.




Lendas Escoteiras.
Um vira latas de nome Takala.

... - “Recolha um cão de rua, dê-lhe de comer e ele não morderá: eis a diferença fundamental entre o cão e o Homem”. - “O Homem tem feito na Terra um inferno para os animais”. - Separei algumas de minhas histórias mais incríveis para postar novamente aos que ainda não conhecem. Takala eu tenho certeza vocês vão adorar.

Ele tentava entender o porquê, mas era um cão, um mísero cão vira lata que achou que tinha um lar para morar. Cão não fala e não pensa dizem. Ele nem raciocinou quando ela o jogou pela porta do carro no meio da rua naquela tarde fria com uma chuvinha intermitente. Pensou ser uma brincadeira apesar de que ela nunca brincou com ele. Batia sim, chutava seu corpo e um dia lhe deu uma surra de vara porque fez xixi na porta que estava fechada. Correu atrás do carro de sua dona, mas já era Velho demais para isto. Logo ela sumiu em uma esquina e ele perdeu o carro de vista. Assustado no meio da rua quase foi atropelado por outros veículos. Alguém lhe deu um chute e ganindo correu para o passeio debaixo de uma marquise. Ele ficou ali por pouco tempo todos que passavam lhe davam um pontapé ou gritava com ele. Molhado ele gania de frio. Não sabia o que fazer. Nunca passou por isto, nunca.

Takala não sabia quando estava feliz ou triste. Era um cão vira lata com mais de doze anos. Quando mais jovem morava em um sitio de um homem pobre e velho e quando o menino da cidade começou a brincar com ele sua vida mudou. Nunca entendeu porque a mãe do menino o levou com ele. Durante meses foi feliz com o menino. Brincavam corriam e Takala se sentia outro. Um dia o menino sumiu. Sua mãe chorava pelos cantos. Ele não sabia o que fazer, afinal era um cão vira lata que não sabia pensar. Quando ela o pegou pelo rabinho e o jogou no carro ele não entendeu nada. Quando ela o jogou porta afora muito menos. O que fazer? A chuva aumentava. Na esquina encontrou um viaduto. Escondeu-se em um buraco onde ninguém poderia bater nele. A fome chegou. Comia pouco, pois a mãe do menino quase não o alimentava. Só o menino que sumiu. O dia clareou e a chuva passou. Precisava encontrar comida e água. Saboreou a água nas poças que encontrou.

Começou a passear entre as arvores e flores que havia embaixo do viaduto. Viu do outro lado da rua um menino o chamando. Sorriu. Será que terei um novo dono? O menino estava vestido de azul com um lenço branco no pescoço. Para Takala a roupa pouco importava ele queria era um dono amigo, que gostasse dele. Correu atrás do menino e ficaram brincando de pega, pega. O menino de azul sorria a mais não poder. Chegaram a um portão. Takala sabia que não o deixariam entrar. Sempre foi assim, cão vira lata sem pedigree não entra em nenhum lugar. O menino de azul entrou e o portão fechou. Takala esperou pensando que o menino lhe daria alguma coisa para comer. Algum tempo depois o portão se abriu e o menino de azul sorrindo o chamou para entrar. O rabinho de Takala nunca balançou tanto. Ao entrar viu muitos meninos de azul, outros de chapéu todos gritando e sorrindo. O menino de azul o levou até uma cobertura. Fez sinal para ele ficar ali.

Muitos meninos e meninas de azul se aproximaram de Takala. Ele sorria nunca pensou ter tantos amigos. Latiu, um latido fraco quase mudo. Logo trouxeram comida para ele. Ele nunca vira tanta comida. Comeu e quando comia levantava a cabeça com medo de um chute ou de um tapa, pois sua dona sempre fazia isto quando comia. Escurecia e os meninos estavam indo embora. O menino de azul veio com uma moça e Takala viu que conversavam muito. O levaram até um galpão coberto e aberto nas laterais. O menino de azul mostrou para ele um pequeno capacho, uma vasilha d’água e muita comida encostada a parede. O pegou no colo e o beijou. Takala viu que seu coração batia. Nunca ninguém o beijara. Ele ficou ali naquele galpão, pois agora era seu novo lar. Sempre a esperar que o menino de azul chegasse.

                           Um dia eles chegaram cedo. O sol acabara de nascer. Takala sorriu Agora no seu novo lar amava os meninos e as meninas de azuis. O seu amigo o pegou no colo e entrou com ele em um ônibus. Takala tremeu, de novo não! Pensou em latir, em morder e só o medo de ser jogado pela porta de novo o fez calar. Fechou os olhos embaixo da poltrona. Ele não sabia rezar, mas seu instinto o alertava para tudo. Durante horas ele ficou no ônibus tremendo de medo. Quando chegaram foi uma algazarra, todos correndo e Takala correndo atrás deles. Nunca Takala o vira latas foi tão mimado, tão cercado de amigos. A noite uivava para a lua como a dizer – Agora eu sou feliz, pois posso amar... No terceiro dia correu atrás do seu amigo de azul que se embrenhou em um bosque. Takala adorava aquela brincadeira. Sentiu seu coração batendo, corpo tremendo, e não queria parar. Correram tanto que uma hora ele deitou. Uma dor incrível no seu coração. Coração velho de vira latas que só sabem amar.

Ao seu lado o menino de azul ria e rolava no capim verde chamando Takala. Ele não aguentava mais. A dor era muito forte. Viu uma serpente enorme se enroscar para dar o bote no menino de azul. Ele sabia o que era uma serpente. Quando jovem seus donos corriam delas no sitio em que morou. Takala fez um esforço enorme. Levantou gemendo, pulou em cima da serpente latindo fraco, respiração ofegante. A serpente o mordeu na sua jugular. O menino de azul saiu correndo chamando a moça que tomava conta. Vieram vários. Não encontram a serpente e nem Takala. Os meninos e as meninas de azuis choravam. Ao voltar para a fazenda viram ao longe uma serpente e um cão lutando. Correram até lá. Tarde demais. Takala estava morto, mas conseguiu matar a serpente. Aquela noite nunca se viu tantos meninos e meninas de azul chorar. Custaram para dormir.

De manhã uma surpresa. O sol brilhava nunca se viu tantos pássaros no céu. Uma revoada acontecia. A moça amiga do menino de azul fez um lindo esquife verde. Ela reconheceu que Takala foi um herói e precisava ser homenageado. Embaixo de um Abacateiro em uma cova simples fizeram uma cerimonia fúnebre cantando uma canção chamada de até logo, breve adeus. Para um simples vira lata Takala teve honras de estilo. Todos choravam quando era enterrado. Takala só no céu ficou sabendo que era a Canção da Despedida. Takala próximo a eles estranhava que ninguém o via. Só o menino de azul que sorria para ele. Viu descendo do céu em uma nuvem branca uma grande Vira Latas cinzenta, sorrindo, focinhos com focinhos ela e ele deixavam as lágrimas de alegria cair. Ela deu um latido leve e correu pela nuvem, Takala correu atrás dela e sumiu no horizonte azul. O menino de azul também chorava e ao chamado da moça todos ficam firmes e fizeram uma saudação que Takala já conhecia. Era o Grande Uivo. Feito em homenagem a Takala, um vira latas que só sabia amar e foi para o céu.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Uma historia para recordar. Livres para amar até na eternidade.




Uma historia para recordar.
Livres para amar até na eternidade.

... - Em cada gesto, olhar, pensamento, cada vez que o coração batia mais forte, as mãos se entrelaçavam, a felicidade tomava conta, aquela necessidade de estar perto sem nenhuma cerimônia florescia entre eles... A cada sorriso, sem palavras, noites em claro, era o amor tão fácil de compreender que não precisa de palavras nem de nome e sobrenome. Saudosas lembranças do Chefe Tonho e Francisca.

- O sepultamento seria às 17 hs no Cemitério Jardim da Colina no Bairro Paulo Afonso. Um recado de um amigo do meu grupo escoteiro. Estive lá uma vez. Sinto-me constrangido quando me obrigo a ir a um enterro qualquer mesmo de um amigo. Tinha que ir e depois contar sua história. Maravilhosa, para mim eterna, pois sabia que o Chefe Tonho e sua Esposa Francisca nunca seriam esquecidos... Jamais! - Era meninote quando soube que iriam se casar. Não a conhecia e nunca tinha ouvido falar. Foi Calango um Sênior da Patrulha Estrela do Oriente quem me contou. – Vado Escoteiro, ela é lelé! Vive sorrindo e não fala! – Não entendi Calango. – É muda Vado, muda! Eu estava vivendo um amor que ia durar para sempre e achava que entendia todas as paixões do mundo. Lembrei-me do Chefe Pestana: - Patrulha! – Geralmente aqueles que sabem pouco falam muito e aqueles que sabem muito falam pouco.

Não era preciso falar para ver a alegria dos dois. Ele a levou em quase todas as reuniões e acampamentos. Fazia um banco de lona ou mesmo um tripé com forro de cipó e ela ficava horas olhando a movimentação das patrulhas. Zé Cristino reclamou com Pai Lilico Chefe do Grupo que aquilo não era certo. Mas perder o Chefe Tonho? Ele não tinha coragem e olhe só de olhar sabia que aquele amor seria eterno. A escoteirada a princípio ficou “matreira”. Muitos achavam que ela podia atrapalhar. Mas era um fogo apagado depois da chuva que ela surgia com seu jeitinho gostoso de agradar e acendia virando logo uma fogueira. E quando o Cozinheiro Tibúrcio em vez de sal meteu açúcar na sopa? Ela tinha um truque de coar e colocar o sal no ponto certo. Um dois três um punhado. A cada nova leva de escoteiros lá estava ela querendo agradar. Não falava apenas às vezes gruía, mas sua expressão era demais.

Eu só fiquei sabendo que ela era portadora do TEA (transtorno do Espectro Autista) muitos anos depois. E não foram os chefes do grupo que me contaram. Foi mamãe amiga de Dona Flor que conhecia a família de Francisca. Sem dinheiro ela quase não pode tratar. Afirmaram-me que alguém autista pode desempenhar as funções rotineiras com atividades definidas e repetitivas. Poderia não se dar bem nas atividades sociais e se interagir com pessoas. Mas o escotismo deu a ela outra vida mesmo não tendo feito sua promessa.

Já rapaz, pensava por que não. Se ela ajudava dentro de suas possibilidades não poderia ser promessada? Bem ela nunca reclamou e nem o Chefe Tonho. Um dia Zequinha vinda dos lobinhos a chamou de Chefe. Gente! Que sorriso! Lindo demais. Juro por tudo que é santo que quando tomaram dela a promessa foi o dia mais feliz ade sua vida. Com as mãos em sinais cantadas em prosa pelo Chefe Tonho ela sorria, seus olhos rasos d’água, mostraram até que ponto aquela promessa valeu. Nas reuniões a gente nem sentia que ela estava ali, mas quando faltava era só pergunta: - Por quê? Chefe Tonho, por favor, onde está Francisca? - Diferente dos apaixonados de hoje não diziam, amor, querido, te amo, te adoro e tantos mais. Só sorriam um para o outro. Andavam sim de mãos dadas, firmes, e todos da Rua do Cinema Palácios e do Clube Ilusão admiravam-se com aquela paixão silenciosa que durou por toda uma vida na terra. Quando o Chefe Tonho fez setenta anos pediu licença e se afastou. Havia outros para assumir no seu lugar. Ela também o acompanhou.

Confesso que fiquei surpreso com a notícia. Calango me telefonou. Vado Escoteiro, Chefe Tonho e Francisca morreram nesta madrugada. Sozinhos foram encontrados na varanda de sua morada. Branca, portas e janelas azuis, bromélias, rosas, antúrios e violetas faziam a volta na casa que vivia sempre florida. Não tiveram filhos. Não sei se o Doutor Ronaldo aconselhou. Por via das dúvidas levei meu clarim. Se a família dela e dele deixasse, eu iria tocar o Silêncio, para mostrar em nome da Tropa Escoteira que tanto os amou quanto seriam lembrados e queridos. Nunca vi tanta gente, tantos escoteiros. Ninguém gritava, falava alto e em cada rosto um sorriso. Ambos em seus esquifes sorriam também. Já deviam estar na eternidade, de mãos dadas e sorrindo... É claro!

Molusco estava com seu clarim, Clodô também. Iriamos tocar não restava a menor dúvida. Quando ambos baixaram sepultura o toque dos três pegou todos de surpresa. Todos deram as mãos e acompanhavam o toque com o corpo prá lá e prá cá... Não sei por que e não entendo. Eles ficaram para sempre no meu coração. Quando faz aniversário de sua passagem para outra vida me dá uma saudade enorme. Pego o Meu Clarim, chamo Clodô e Molusco e embarcamos para o Cemitério Jardim da Colina.

                 Curiango o Coveiro me garantiu que já os viu sentados na grama onde foram enterrados de mãos dadas e sorrindo. Já faz muitos anos que não voltei na Colina. Um cemitério que nunca mais esqueci. Lá está Molusco que também se foi e Clodô nunca mais ouvi falar. Um conto resumido, difícil contar tudo que passou. Para quem acompanhou a história de um grande amor é muito difícil um simples adeus!

terça-feira, 24 de março de 2020

Contos de um sexagenário fugitivo do Corona. Duzentos anos depois.




Contos de um sexagenário fugitivo do Corona.
Duzentos anos depois.

Diário de Tarsila do Amaral... Uma escoteira.
Serra da Canastra, 24 de março de 2220.

- A noite estava linda, o céu de estrelas um espetáculo a parte. Na porta da barraca o Chefe Frederick Russel Burnham olhava com carinho sua tropa de dezoito jovens. Ele preferia ser chamado de Chefe Dakota. Orgulhava de terem dado a ele o nome do seu ancestral nascido a onze de maio de 1861. Era um dos homens que se tornou um explorador militar norte-americano e um grande viajante. Ficou conhecido pelos serviços prestados no exército colonial britânico e por ter ensinado “woodcraft” (escotismo) a Robert Baden-Powell e se tornado um influenciador notável ao fundador do Escotismo. Junto a ele alguns escoteiros e escoteiras cantavam em volta de um pequeno fogo. A noite agradável com temperatura ambiente e relaxante fazia daquele acampamento próximo a nascente do Rio São Francisco mais um marco da Tropa Alpha Centauro. Nabucodonosor Monitor da Camaleão sorria com a beleza do universo. Todos o ouviram dizer a Isaac Newton seu sub... Meu amigo, olhar o céu, as nuvens, a lua e as estrelas realmente eu me sinto calmo e esperançoso. Vejam bem, azul, verde, cinza e branco alvo o céu é de todas as cores! Chefe Dakota sorriu. E eis que Barbara Heliodora, uma escoteira cujo sorriso era sua marca perguntou: - Chefe! Dizem que nesta data ouve uma mudança na humanidade por causa de uma epidemia na terra? Chefe Dakota pensativo deixou sua mente voltar no tempo e começou a contar...

- Quando minha bisavó Tarsila do Amaral ainda vivia, ela contava que houve uma grande epidemia na terra, apelidaram-na de Pandemia Covid-19. Ela não tinha certeza, pois esta história lhe foi contada pelo seu Bisavô e como sabem a cada lembrança vamos mudando o rumo da história. – Chefe! Perguntou Cora Coralina, naquela época os escoteiros acampavam? – Sim disse o Chefe. Mas eram mais elitistas, preferiam os Grandes Acampamentos, os jamborees e os lobos eram levados para grandes atividades que eram desenvolvidos pelos distritos e regiões. Muitos grupos tinham pais para lhe dar todo apoio. Os escoteiros quase nada faziam, não limpavam a sede, o pátio, e até as patrulhas não tinham seu material como hoje vocês tem. Eles gostavam mais de ficar na sede, ir para riachos e praças limpar a sujeira que naquela época os habitantes estavam acostumados a fazer. – Mas Chefe! Perguntou Charles Darwin, um escoteiro da Patrulha Condor. – Quer dizer que eles não faziam nada? Dakota o Chefe sorriu. Não era bem assim, eles faziam muitas atividades, mas eram mais coletivos. Os chefes gostavam de frequentar uma rede social de nome Facebook e ali escreviam, diziam sobre si, suas qualidades e ouve um que se intitulava Velho Chefe Escoteiro que era daqueles que diziam ser o dono da verdade costumava aconselhar, mas ninguém dava atenção. – Todos riram e alguns bateram palmas...

- Um breve silencio, pois um belo jato de luz azul atravessou o céu devagar... Sabiam que era a “Esperança” uma nave espacial que patrulhava a terra para dar noticias e boas novas. William Shakespeare da Patrulha Borboleta lembrou o que sua mãe contava quando se sentia triste: - Filho, quando sinto que estou angustiada, triste e ficando sem saídas, olho para o céu para lembrar que a vida é infinita e grandiosa. – Mas Chefe! Indagou Tomaz Edson, eles não tinham liberdade para ir e vir? – Dakota se lembrou das palavras de seu bisavô: - Era outra época. Muita criminalidade, não se podia confiar aonde iam. Tudo calculado. Ninguém tinha confiança no andar, ir e vir. Pois é Chefe, disse Clarice Lispector, minha avó sempre dizia que enquanto pudermos erguer os olhos para o céu, sem medo, saberemos que temos o coração puro, e isto Chefe significa felicidade! Todos aplaudiram com uma palma marciana. Hã! Lembrou-se dos Escoteiros de Marte.

- Havia naquela época muitos escoteiros simples, humildes que faziam ao seu modo um belo escotismo, continuou o Chefe Dakota. Eles eram pobres e não podiam frequentar os Grandes Acampamentos e nem comprar seus materiais. Tudo muito caro, chamavam “Escotismo dos Ricos”. Aqui mesmo onde estamos muitos deles montaram tendas de folhas e galhos, olharam para o céu e um deles deixou escrito em uma pedra: - Como é bom contemplar o céu, interrogar uma estrela e pensar que ao longe, bem longe, um outro alguém contempla este mesmo céu, essa mesma estrela e murmura para si mesmo... Saudade! – “Céu azul e brilhante é a barraca e o telhado do mundo inteiro”... Comentou Platão, um escoteiro sonhador. O Chefe Dakota continuou: - A tal Pandemia matou muita gente no planeta, aqui no Brasil milhares morreram, mas eles foram mártir de uma época que desconhecia tamanha mortandade. Ensinaram muito. Deixaram um legado de como viver em família, a conversar, a esquecer da modernidade, pois amar é bem melhor que deixar de lado a confraternização e fraternidade. Chiquinha Gonzaga levantou e com sua vozinha tão linda disse bem alto mostrando uma nuvem passando: - Vejam irmãos escoteiros, que paisagem linda, o vento levando as nuvens pelo céu azul! Todos olharam calmamente, apreciando os novos tempos que começavam.
  
- Conta mais Chefe! Disse Voltaire. – Dakota continuou. Eles escoteiros e escoteiras aprenderam a simplicidade, a ouvir mais do que falar, a olhar com mais carinho os jovens e os jovens aprenderam a entender melhor a Lei Escoteira e a amar seus chefes pelo novo exemplo que na terra floresceu. Acabou aquela ilusão de ser melhor, de ter mais que os outros, esqueceram-se de suas promoções, condecorações e passaram a ver vocês os jovens como o motivo principal do escotismo. Procuraram ler o nosso amado fundador Baden-Powell, entender suas palavras e ver que nada é moderno perto deste céu tão lindo. Francis Baicon da Patrulha Urso Panda sorrindo recitou: - Chefe... Para muitos o céu é o limite. Para mim o céu é o meu lar! Leonardo da Vince pegou sua harmônica e começou a tocar Stoldola... Uma canção tão antiga como a frase de Fernando Pessoa... Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido. Todos olharam para a fogueira e em uníssemos cantaram com o som de Leonardo... Brilha a fogueira ao pé do acampamento, para alegria não há melhor momento, velhos amigos não perdem a ocasião de reunidos cantar uma bela canção!

- Um ribombar se ouviu no céu como sempre acontecia quando chovia na Cachoeira Cascata D’Anta... – Olavo Bilac sorriu. Era sempre assim, trineto de um Escoteiro do Ar lembrou-se do que leu em suas memórias: - Não fique triste. Olhe para o céu e veja que o sol também está sozinho, mas nem por isso deixa de brilhar. Sabia que os anos passaram, os velhos tempos ficaram para trás. Mas ali naquela noite de março de 2220 ele tinha certeza que seu coração era escoteiro. Não importa quantos anos mais, Baden-Powell o Criador seria lembrado para sempre. Dakota um sonhador pensou que a felicidade era sua por ter escoteiros e escoteiras como aqueles ao seu redor. Dizia para si que o que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê! E todos foram dormir!

Obrigado por ter me dado à honra da leitura. Comentários são sempre bem vindos! Sempre Alerta e fraternos abraços.

domingo, 22 de março de 2020

Lendas Escoteiras. Era uma vez... Um chapéu Escoteiro para Cimarron.



Lendas Escoteiras.
Era uma vez... Um chapéu Escoteiro para Cimarron.
(Qualquer semelhança com escoteiros vivos ou mortos não é mera coincidência).

- Eu tenho minhas historias preferidas. “Um chapéu Escoteiro para Cimarron” é uma feliz lembrança de historias Escoteiras nunca esquecidas. Vemos na história o verdadeiro Espírito de Patrulha, a Lei Escoteira e a Promessa vivenciada no Espírito Escoteiro. Uma das dez melhores que escrevi. Obrigado.

- A noite chegou e nos pegou de pronto no Pontilhão da Estrada de Ferro Vitória Minas. Passava da meia noite. Só Lilico sabia ver as horas nas noites escuras. Lilico era nosso mestre em orientação, sabia tudo das coordenadas do sol, da lua e das estrelas. Ficamos na entrada do Pontilhão a quem apelidamos de “esfola Escoteiro”. Tocaiávamos a passagem do próximo trem de minério e permanecíamos em vigília. Sabiamos que a qualquer momento o comboio de centenas vagões carregados de pó de minério com suas quatro locomotivas iria passar. O pontilhão era enorme, quase um quilômetro sobre o Rio Doce. Tininho olhou para Noka o Monitor. – Acho que vamos atrasar... – É... Respondeu Noka. Nosso Monitor falava pouco. Mas entendíamos sempre o que ele queria dizer.

Lilico dormitava despreocupado. Era quem nos alertaria sobre a chegada do comboio. Parecia que ao dormir se esquecia de suas obrigações. Não foi a primeira vez que atravessariam o Pontilhão da estrada de ferro. Se estivessem no meio do caminho e a buzina tocasse, adeus. Não tinha como fugir ou escapar do comboio, seria morte certa e para se salvar teríamos que pular nas águas do Rio Doce e perder tudo que tínhamos. Toliar um marreta sinaleiro sorria brincando com seu cabo trançado nas mãos. Sempre a fazer um ou outro nó. Era bom nisto. Diziam que fazia de olhos fechados mais de 50 nós escoteiros e marinheiro. Délio Abelha dormia. Sabiam que teriam de enfrentar muita coisa pela frente. Não era um marinheiro de primeira viagem. Pertencia a uma Patrulha de experimentados escoteiros. Todos sabiam o que fazer.

Lilico de olhos cemi-cerrados e com ouvidos atentos olhava a curva ao longe onde despontaria o comboio cujo barulho iria assustar os mais novos. Ainda bem que ali só tinha bons mateiros. Colocou os ouvidos no trilho. Está chegando gritou! A patrulha se levantou. Cada um pegou sua biscicleta e suas tralhas. Agora era esperar o comboio passar. Não tinham medo. Quem sabe seria Nonô o maquinista ou Zé Traíra que um dia foi sênior da Patrulha Resplendor. Ninguém contava os vagões. Quantas vezes contaram? Parecia quando Délio Abelha ficava em volta do fogo olhando para o céu contando estrelas... Uma duas, três e ele sorria dizendo que eram mais de milhão! Ficaram quase meia hora esperando o comboio passar. Cinco locomotivas a diesel arrastando o comboio de centenas de vagões que visto do alto do Pico do Ibituruna parecia uma serpente correndo na beira do rio. Diziam que era o maior trem do mundo. Quase três quilômetros de extensão. 40.000 toneladas de minério gemendo nos trilhos daquela ferrovia infernal.

Viram o farol forte do comboio jorrando facho de luz até onde estavam quando apareceu na curva do Maribondo. Potente! Iluminava tudo. O maquinista e o seu ajudante sorriram para eles quando puxavam a potente buzina. A patrulha sorriu. Délio Abelha sabia que todos sonhavam um dia estar ali, naquelas máquinas infernais, levando minérios e outros bichos para países do além mar. Quinze minutos até passar as cinco locomotivas acopladas a centenas de vagões. No ultimo uma vagonete com um lampião vermelho a querosene aceso viram Nonô no cangote final acenando para eles.

Atravessaram o pontilhão com calma sem pressa sabiam que antes do trem chegar a Derribadinha nenhum outro trem iria aparecer. Melhor que arriscar prender uma perna entre os dormentes... Um programa de índio. Do outro lado respiraram aliviados. Noka depois de minutos comentou com a Patrulha: - Acho melhor acampar no campinho de futebol do Arraial do Lagarto. Esta hora todos estão dormindo e sairemos cedo para a Serra do Roncador. Chegaremos lá antes das onze e a escoteirada de Conselheiro Pena já devem estar nos esperando! Deu um suspiro montou e lá foram eles. Meia hora e chegaram ao campinho.

Nada como estar de bem com a vida, com as atividades escoteiras tão conhecidas. Vinte minutos e estavam dormindo nas barracas de duas lonas. Deixaram os chapéus em cima da lona da barraca para apanhar a brisa da manhã e não perder a aba reta. O sol já surgia quando acordaram. Levantaram... Estava na hora de partir. Noka viu que o seu chapéu tinha desaparecido. Os demais estavam como os deixaram. Em volta viram uma turma de meninos e alguns adultos olhando. Eram moradores do Arraial. Noka perguntou se ninguém viu seu chapéu. Um menino gritou: - Foi Cimarron quem levou!

Noka perguntou quem era o Capitão da Cidade. Ele sabia que em qualquer arraial sempre tinha um. – Procure o Madrepérola. Ele já deve ter acordado, pois tem quatro vaquinhas leiteiras. Noka montou em sua bicicleta. Os demais o seguiram. A meninada correndo atrás. O centro nada mais era que um descampado sem grama e empoeirado com umas cem casas de taipa em volta. Uma plaquinha dizia – Casa do Capitão. Bateram palmas e a meninada riu. – Vá por trás. Ele está tirando leite da vacada! Os Escoteiros da Morcego não estavam rindo. Sabiam do valor do chapéu Escoteiro e como era difícil adquirir um. Viram o capitão abaixado tirando leite. Noka explicou com poucas palavras. De novo? Respondeu o Capitão. – Cimarron vai aprender. Eu mesmo vou lhe dar uma lição!

Madrepérola foi junto com os Escoteiros a casa de Cimarron. Sua mãe estava à porta com o chapéu de Noka. – Onde ele está dona Efigênia? No quarto Capitão. Não sei mais o que fazer com esse menino, ela disse. – Chame-o! Cimarron apareceu na porta chorando. – Conheço seu choro, disse o Capitão. A meninada gritava: Prende ele Capitão! Tudo para eles era uma festa. No arraial nada acontecia. Noka pegou seu chapéu. Olhou para Cimarron. Nunca tinha visto menino tão magro e de olhos caídos com uma tristeza que fazia dó! – Cimarron chorava. Soluçando disse que sonhava ser um Escoteiro. Viu uma foto na capa do seu caderno Avante!  Sabia que nunca seria um no Arraial. Mal tinha a escola para estudar. Noka se compadeceu. Chamou Délio Abelha e pediu para arvorar a bandeira nacional. Feito pegou na mão de Cimarron. Venha menino. Você vai ser Escoteiro! – Formaram uma ferradura pequena. O povo do arraial apalermado sem saber o que ia acontecer. – A bandeira em saudação! Gritou Noka. Pegou na mão de Cimarron ensinando. Firme! Descansar!

A patrulha ficou de sentido. Noka pediu para Cimarron levantar a mão direita. Ensinou a meia saudação Escoteira. – Repita comigo Cimarron! – Prometo, pela minha honra, fazer o melhor possivel para: - Cumprir meu dever para com Deus e minha Pátria, ajudar o proximo em toda e qualquer ocasião e obedecer à lei do Escoteiro! Sabe Cimarron, um Escoteiro não mente, um Escoteiro é leal, um Escoteiro respeita o que é do próximo. Agora você é um Escoteiro. Noka tirou seu lenço e o colocou em Cimarron. Depois pegou seu chapéu e o colocou em sua cabeça. Cimarron chorava, e como chorava. O povo entusiasmado batia palmas. – Alguém gritou! – Viva Cimarron um Escoteiro do Brasil! – Os patrulheiros o abraçaram. Arriaram a bandeira. Pegaram suas bicicletas e partiram. Muitos meninos ainda correndo atrás.

Pararam na subida da Onça Pintada. Noka desceu da bicicleta e olhou para trás, viu Cimarron na porta de sua casa chorando e gritando para eles: - Obrigado escoteiros! Foi o dia mais lindo da minha vida... E chorava, e chorava... Obrigado. Prometo ser um escoteiro de valor. Prometo que vão se orgulhar de mim. A patrulha montou em suas bicicletas e partiram na estrada que os levaria ao seu destino. Antes da curva da Coruja ainda ouviram ao longe a voz de Cimarron – Voltem um dia escoteiros, somos agora irmãos. Adeus amigos, adeus! Voltem um dia! Vão encontrar um Escoteiro Leal e amante da paz!

                      Ninguém disse mais nada. Cada patrulheiro sabia o Monitor que tinham. Um orgulho em pertencer àquela patrulha. Se Cimarron ia mudar ou não, era sua escolha. Uma boa ação foi feita. A patrulha virou a curva do morro da Coruja. Sumiram na estrada que os levaria ao seu destino. Eles acreditavam que Cimarron cumpriria sua promessa. Sabiam que ele aprendeu a raça, a cortesia, o respeito e a fraternidade de um escoteiro. Na descida da estrada do Cantador, imaginavam que deixaram para trás um Escoteiro sem tropa, sem patrulha, mas com um imenso amor para dar!

quinta-feira, 19 de março de 2020

Lendas da Jângal. Maléfica, a bruxa malvada do lago Cinzento. Uma história para lobinhos.




Lendas da Jângal.
Maléfica, a bruxa malvada do lago Cinzento.
Uma história para lobinhos.

... - E não dizem que é depois que a lua adormece que o sol acontece, e a bruxa aparece? Esta e uma história para divertir lobinhos e lobinhas. Não vá pensar que fiz para você não é Chefe?

                   Tico viu todos na varanda cantando uma canção do Mowgli com a Akelá. Tirou os olhos dela e viu um pequeno quati parado em baixo da castanheira. Ele quieto olhava todos sem se assustar. Tico sorriu. Deu vontade de acariciar o quati. Sem pedir foi sozinho até lá. Ninguém viu e Tico pensou que ele era um lobinho esperto. Tico não sabia que era um Porco-espinho, melhor ele nunca tinha visto um. Ninguém nunca soube como ele foi parar ali. Não tem no Brasil e deve ter fugido de alguma fazenda. O porco-espinho é um roedor coberto de espinhos afiados. Se tocar vai furar sua pele na certa. Tico coitado se achava um Lobo da Jangal. Quantas vezes fez firulas e cambalhotas só para impressionar? Não pediu, não disse a ninguém abaixou e pegou o porco-espinho no colo. Foi um Deus nos acuda, gritou de dor, muitos espinhos furaram seu uniforme e se alojaram em seu peito. Nem Balu que conhecia enfermagem conseguiu ajudar. Tico berrava e gritava sem parar. A Alcateia começou a ficar em pânico. O único veículo saiu para comprar pães e o kaá disse que ia demorar. Ia até a cidade resolver com seu Chefe a dispensa do sábado.

                  A Akelá ficou possessa. Agora que precisava manter a calma ela gritava toda vez que tico berrava de dor. O Balu tentava acalmar, mas ele mesmo estava perdendo a calma. Lambretinha era filho do Caseiro que também não estava em casa. Procurou a Akelá e disse: Leve-o até a Maléfica, era vai curar o lobinho! – Quem é Maléfica? Perguntou a Akelá. – A bruxa do lago cinzento! E onde fica este lago que eu nunca vi? Depois da montanha do Cavalo! E onde é esta montanha do Cavalo? Lambretinha olhou para a Akelá. Mulher que pergunta tudo é linguaruda na certa pensou. Melhor é pegar o lobinho ele mesmo e levar lá. Foi até ao galpão de máquinas e pegou um carrinho de mão. Voltou, pegou Tico e o colocou dentro dele. A Akelá perdida não sabia o que fazer, o Balu disse a ela que ia junto.

                 Era quase onze e meia da noite. Não havia lua e uma lanterna cobria a estradinha de terra que Lambretinha seguia levando Tico. Ele tinha desmaiado. Foi bom, pois a dor era intensa. Pequenina uma lobinha que gostava muito de Tico chorou para ir também. Balu deixou. Quando Matilde e todos da Alcateia viram que Pequenina ia eles berraram para ir também. Muitos lobos quiseram voltar quando ouviram latidos de lobos na floresta. Um frio danado. Balu se arrependeu em deixar toda a Alcateia ir, afinal achou que seria não só uma lição, mas um bom programa para que eles voltassem cansados e dormissem logo. Atravessaram uma estradinha com pedras enormes e avistaram o lago. Porreta primo da matilha marrom gritou engasgado: - Lá está à casa da bruxa! Todos olharam perto do lago uma choupana, com muita fumaça saindo pela chaminé. – É hora que ela esta comentando asas de morcego! Falou. Cidinha começou a chorar, atrás dela também o Matheus, o Valentino e a Noêmia. Uma choradeira infernal. Balu ficou com medo da bruxa.

                     Balu lembrou-se quando pequeno, sua mãe recitava para ele: - Morato, Todos temos um bruxo ou bruxa dentro de nós. Queremos poder transformar momentos ruins em bons. Gostaríamos de ter a varinha mágica que mudaria nossa vida. Ele não tinha a varinha mágica. Chegaram à porta. Uma mulher desgrenhada apareceu. Abriu a boca e só tinha dois dentes. Todos pelavam de medo. Moreninha da Matilha branca lembrou-se do que a professora disse, falou alto para todos ouvirem: Uma bruxa tem uma cara horripilante. Anda com roupas imundas e carrega um saco nas costas ou amarrado na cintura! A bruxa é um ser fantástico do mal, que persegue os outros seres fantásticos, seres humanos e os bichos da floresta! A Alcateia se abraçou. Todos queriam ficar dentro da roda. Tremiam igual vara verde. Até o Balu correu para a roda dos lobinhos também. Lambretinha parecia não ter medo, mas tinha. Sempre teve. Mesmo quando a bruxa o salvou da Onça que quase o comeu.

                           A bruxa pegou Tico nos braços e entrou. Ninguém quis entrar. O Balu perguntou a Lambretinha o que ela estava fazendo: - Um ensopado para Tico. Ela já colocou no caldeirão perna de rã, rabo de cobra, minhoca, unha de macaco, banha de porco-espinho, miúdos de anta, alho, sal grosso e pimenta malagueta! Deus do céu pensou a lobada. Ela vai matar Tico! Mas eis que ele aparece na soleira da porta sorrindo. Olhou para trás e disse: - Obrigado Dona Bruxa. Dona não ela gritou lá de dentro, sou solteira e me chamo Maléfica e moro no lago cinzento! Lambretinha perguntou quanto é e ela respondeu: - Trabalho de Bruxa não tem preço, se um dia tiverem língua de meninos e meninas mal criados, que não respeitam os mais velhos, ou nariz de meninos e meninas traquinas que não estudam na escola, podem trazer para mim, me sentirei bem paga!

                          A Akelá estava na varanda apavorada, quando lhe contaram tudo ela sorriu. Olhou para o Balu como a dizer, melhor não contar que foi uma bruxa quem salvou Tico, mas a lobada sabia que não ia mentir. Todos foram dormir, um canto triste se ouviu nas serras distantes, quem canta? Perguntou a Akelá ao Lambretinha – A bruxa moça, a bruxa. Agora ela foi viver em seu habitat, locais úmidos e escuros, cercada de animais nojentos como baratas, cobras, escorpiões, ratos, morcegos e piolhos. Lá os mosquitos adoram chupar seu sangue! Quer ir lá para ver? Nem morta! Gritou a Akelá! E naquela noite todos dormiram e sonharam sonhos incríveis onde viram Malva, Malvina e Malvona em volta da casa onde dormiam e cansadas de dançar ficaram na varanda fazendo Tricô e lendo histórias de terror!

quarta-feira, 18 de março de 2020

Era uma vez... São Pedro lá do céu! Uma história, uma lenda escoteira.




Era uma vez... São Pedro lá do céu!
Uma história, uma lenda escoteira.

... - Sonhe com aquilo que você quer ser, porque você possui apenas uma vida e nela só tem uma chance de fazer aquilo que quer. Tenha felicidade bastante para fazê-la doce. Dificuldades para fazê-la forte. Tristeza para fazê-la humana. E esperança suficiente para fazê-la feliz!

- Esta é uma história que me marcou muito. Minha memória diz que aconteceu, mas muitos amigos daquela época diziam que não foi bem assim. Menino estudante, Escoteiro, cidade pequena sem nada o que fazer, corria-se com suas possantes bicicletas nas casas dos amigos escoteiros, reuniões de patrulha e pensando no próximo acampamento. Era uma festa quando alguém com peças Escoteiras apareciam na cidade. – De onde? Qual Patrulha? E a luta para levar para sua casa? São coisas do passado, passado gostoso que ficou na memória e nem sei se fatos ainda acontecem neste Brasil imenso. Mas vamos às lembranças. Desculpe se faltar alguma coisa, faz tempo, muito, eu tinha na época somente 12. Recordações fazem bem e eu tenho muitas para lembrar.

Não me lembro do seu nome. Pudera ele nunca disse, pois assim como chegou ele partiu. A gente o apelidou de São Pedro, aquele que mora no céu. Fisionomia igual a que o Padre José nos contava. Uma barba branca que de tão branca ao ficar ao sol se tornava azulada. Magro, e quem o olhasse bem de perto diria que era só pele e osso. Será que não se alimentava? Usava uma roupa simples, calça de brim bem puída e uma camisa caqui com alguns rasgos no ombro e a marca no bolso esquerdo onde pequena marca mostrava que ali poderia ter estado o distintivo de promessa. Usava um cinto. Era o nosso conhecido. Sem sombra de dúvida era um cinto escoteiro. Esquecemos até que em sua cabeça também morava um chapéu de abas largas, mas que agora decaído, velho, carcomido e com pequenos furos era apenas uma sombra do que já tinha sido. No banco que estava sentado havia uma pequena mochila, diferente das que nos conhecíamos. Nunca vimos o que tinha dentro dela. Sua figura chamava a atenção, tinha os dentes perfeitos e quando sorria maravilhava a todos. Falava como se estive declamando poesias tipo aquelas que nosso professor de português declamava sem sorrir e querendo ser o que ele nunca foi. Um poeta.

Não lembro quem o viu pela primeira vez, sentado no banco da Praça da Estação. Praça nova árvores recém-plantadas. Dizem que hoje estão enormes e as palmeiras inigualáveis. Bem não estou aqui para falar da praça e sim do velhinho de barbas brancas azuladas, ou melhor, São Pedro lá do Céu. Quando cheguei outros lá estavam. A notícia correu de boca em boca dos escoteiros e lobinhos da cidade. Gente estranha e com peças Escoteiras era motivo de jubilo por parte de todos nós. O cinto e o chapéu sem dúvida o identificava. Em volta daquele simpático velhinho nós pequeninos Lobinhos e Escoteiros agachados em sua frente de olhinhos arregalados queríamos saber de tudo. Ele tinha um lindo sorriso e de vez em quando seus olhos fechavam parecendo que iria dormir. Sonhador Monitor da Águia chegou correndo. Era e sempre foi nosso porta-voz. As patrulhas confiavam nele. Sabia falar como ninguém, um proseador que não perdia nunca o fio da meada.

Todos nós esperávamos que nosso acólito trouxesse a tona e desvendasse o segredo do Chapéu e do cinto que acintosamente aquele velhinho, ou melhor, São Pedro lá do céu portava. Ao menos a fivela estava limpa. Não brilhava, mas ainda tinha a cor da originalidade quando produzida. O chapéu mesmo limpo não mantinha as abas retas e planas. E a calça e camisa com a promessa? Tinha um semblante que encantava. Sonhador disse que o ouviu falar que estava com fome. Façamos uma vaquinha! Conseguimos doze paus. Perna Seca e Orelhudo foram correndo ao bar do Zé Moreno. Voltaram com duas coxinhas, quatro bolinhos de carne e dois pães. São Pedro lá do Céu comeu com gosto. Educadamente. Mastigava como se estivesse contando cada mordida. Beleleu levou Narigudo até sua casa na bicicleta. Voltaram em dez minutos com um cantil cheio de água e uma garrafinha de groselha. Ele sorria e falava baixinho com Sonhador.

                       Lá pelas tantas discutimos onde ele iria dormir. Velho assim era difícil levar para a casa dos vinte e oito meninos Escoteiros e quinze lobinhos que se amontoaram em sua frente na Praça da Estação. Seus pais poderiam estranhar. Bororó Monitor da Onça Parda sugeriu trazer a barraca de duas lonas da chefia e um cobertor do exército que ganhamos do Batalhão Policial. Na grama atrás do banco a barraca foi armada. Sonhador disse para ele que podia dormir tranquilo. O Guarda Noturno era o Zé Birosca, antigo Escoteiro. Ele estava em casa ele disse. Ficamos lá até por volta das dez da noite. Fui embora pensativo. De onde era? Como chegou? Seria um antigo Escoteiro ou um Chefe? Dormi pensando e no dia seguinte durante todo tempo de escola nem vi o que os professores disseram. Queria que as aulas terminassem para correr até a Praça da Estação.

                             Encontrei Bico Doce e Orelhudo conversando. - Ele se foi me disseram. A barraca estava desarmada e bem dobrada nos moldes Escoteiros. Os espeques limpos e enrolados em um jornal. Se ele dormiu ali levantou cedo. Antes do alvorecer. Zé Birosca o Guarda Noturno disse que não o viu ir embora. Seu Nonô Fogueteiro Chefe da estação disse que o maquinista Zé Be Deu o levou como carona no trem de carga das cinco da matina. Fiquei decepcionado. Se ele fosse um dos nossos quantas novidades para nos contar? Sabíamos que nossa fraternidade era enorme, mas só umas fotos apagadas de uma revista que um viajante nos presenteou e algumas fotos com dizeres inteligíveis da Enciclopédia Britânica foi que vimos Escoteiros de outros países. Será que eles seriam iguais a nós?

                     Na semana seguinte eu e Orelhudo encontramos Zé Be Deu o maquinista. – Desceu em Crenaque. Disse que iria atravessar o Rio Doce em uma jangada que ele guardava na Caverna do Morcego. Falou baixinho que iria rever seu amigo o Cacique Abaeté dos Aimorés do outro lado do rio. Eram amigos há séculos. Séculos? Pensamos no que disse o maquinista. Perguntamos mais e ele não disse mais nada. Olhei para Orelhudo que balançou a cabeça. Imortal? Seria ele realmente São Pedro lá do Céu? Meninos Escoteiros a filosofar. Durante muitos anos nos Fogos de Conselho e em Conversas ao Pé do Fogo levantávamos a história de São Pedro lá do Céu. Falou-se tanto que agora para os novos ele era um Santo Escoteiro. Alguns juravam tê-lo visto nas margens do Rio Vermelho, outros na Montanha da lua e um sênior afirmou que ele corria em cima das águas nas corredeiras do Rio Piaba. Ah! As histórias existem, verdade ou não fiquei sabendo que na Corte de Honra foi votado para ele ser o patrono da tropa. Porque não?

terça-feira, 17 de março de 2020

Lendas Escoteiras. Espalhem minhas cinzas nas águas do Rio Amarelo.




Lendas Escoteiras.
Espalhem minhas cinzas nas águas do Rio Amarelo.

... - Que eu jamais me esqueça de que Deus me ama infinitamente, que um pequeno grão de alegria e esperança dentro de cada um é capaz de mudar e transformar qualquer coisa, pois... A vida é construída nos sonhos e concretizada no amor. Chico Xavier. Uma história comovente, um grande amor, sonhos que não se realizou. Um lindo conto para ler e lembrar.

                  Eu flutuava no ar. Uma sensação diferente. Não tinha ideia do que estava acontecendo. Não me lembrava do passado e tudo estava na maior escuridão. Onde estava? Não ouvia som, luzes nada... Será que estava morto? Nunca acreditei na vida depois da morte. Acreditava que era pó e seria levado pelo ar. Que a terra aproveitasse dos meus últimos pertences. As nuvens escuras começaram a abrir e vi minha cidade. Linda foi a primeira vez que a via do ar. Não sabia como era bonita. O Rio Amarelo serpenteava em sua volta com suas águas cristalinas. Notei na curva do Sonho uma Tropa de escoteiros em ferradura. Estavam saudando alguém que partiu. O que eles estavam fazendo ali? Eu os conhecia um por um. Galáctico o monitor da Coruja, Twister da Lobo, Trocadilho da Onça. Mas não vi MacArthur da Morcego. Voei um pouco mais para perto. E Rosinha? Não estava ali? Ela não viria. Não havia motivos. Alguém de uniforme Escoteiro entrou nas águas límpidas do rio. Era MacArthur. – O que estavam fazendo?

                 Em suas mãos uma pequena caixa de metal. Abriu a tampa e retirou dela cinzas jogando-as no ar! O vento calmo espalhou por toda a margem do rio. Foi então que me lembrei. Fora um pedido meu feito a MacArthur e renovado na Corte de Honra. Os monitores assustados nada disseram. Mas como foi que isto aconteceu? O passado não me deixava lembrar. MacArthur chorava. Vi que gostava muito de mim. Porque chorava? Não fui um bom Chefe? Fui um amigo, um irmão mais velho. Só perdi a calma quando o Pai de Tonhão gritou na frente da tropa: - Borracho! Bêbado! Que exemplo está dando para os escoteiros seu vagabundo! Doeu. Bateu fundo. Voltei no tempo. Sai da sede pensativo naquele mês das flores... Era primavera. Sentia saudades. Estava triste, pensativo, abatido e não sabia o motivo. Falta de ar... Isto sempre acontecia em noite de lua cheia. Passei em frente à Boate de Madame Telminha. Casa de má fama. Não entrei, sempre evitei. A melodia era linda, o som entrou em mim... “Índia seus cabelos nos ombros caído...”. Minha canção preferida. Comecei a cantar baixinho. Entrei, sentei em uma mesinha de canto. Foi então que a avistei. Linda incrivelmente bela... Nunca fui um conquistador. Era um exemplo de Chefe escoteiro. Era puro nos pensamentos, palavras e ações.

               Ela cantava maravilhosamente. Fiquei maravilhado com sua voz. Chorei ao ouvi-la cantar. Pedi uma cerveja, duas, três e perdi a conta de quantas foram.  A Boate fechou às três da manhã. Não queria sair, queria falar com Rosinha. Estava apaixonado. Iria pedi-la em casamento. Um bobo da corte, um idiota, um simplório como eu se apaixonando assim. Tentei. Seguranças me impediram. Forcei e me jogaram para fora da boate. Cai na lama da rua. Senti-me sujo e desmaiei. Acordei com o sol a pino. - Estirado na calçada, vômitos, atrapalhava os transeuntes que me olhavam com nojo. Tentei levantar e não consegui. Uma mão me ajudou e me arrastou até minha casa. Deitou-me na cama e limpou minha sujeira. Forcei a vista para saber quem era. MacArthur! - Cidade pequena o acontecido correu de boca em boca. Minha fleuma escoteira indo para o ralo. Já não era mais um Chefe e sim um bêbado, um escrachado, um cachaceiro. Apenas em um dia e perdi todo respeito que conquistei e construí por anos e anos.

               Antes de ser escoteiro consideravam-me um vagabundo deste que meus pais morreram. Não ia a igreja, não acreditava em Deus. Na cidade fui o único a assumir que era um ateu. Para me inscrever no escotismo não foi fácil. Sempre fui um deles de corpo e alma desde criança. Assumi a loja do meu pai. Trabalhei de sol a sol. Não dependia de ninguém. Conquistei meu lugar na Tropa. Quando saíamos para acampar era uma festa. A cidade aplaudia. Acreditavam agora em mim. Resolvi me manter simples calado e sem afetação. Morava em meu coração uma nova filosofia, uma nova forma de viver. O escotismo era minha vida, minha mãe meu pai meu tudo. À noite acordei assustado. Sonhava com ela. Danação! Rosinha agora fazia parte de mim. Arrumei-me mais ou menos e parti para a Boate de Madame Telminha. Sabia ser um erro, devia ficar, seria o melhor exemplo. Não dizia a lei que o escoteiro é leal com suas convicções? Não deu. Voltei de novo ela me virou as costas, novamente bebi além da conta, novamente me jogaram porta a fora. Desta vez foi pior. Um homem que não conhecia com cara de mau me ameaçou. Ri dele. – Também sou homem eu disse. Chamaram a policia. O delegado me levou para a delegacia. Passou-me um sermão. – Sabia que eu era Escoteiro e devia dar exemplo.

                Tentei explicar que não podia dominar meu coração. Eu só queria ter um minuto com ela, sentir seu perfume, seu hálito, sua voz e seu sorriso. Sabia que nunca teríamos nada, mas não custava tentar. Isto repetiu várias vezes. No Grupo Escoteiro fui convidado a me retirar. Educadamente me disseram que não era mais bem vindo. Ah! MacArthur, um Escoteiro, um monitor e meu anjo da guarda. Com seus treze anos me dava lição, logo eu um homem de 25 anos. Mas eu o obedecia. Ele falava eu fazia. Poucos escoteiros foram a minha casa. Quase todos me viravam as costas. Eles estavam certos. Eu tinha pedido a MacArthur que quando morresse não queria ser enterrado. Deixei um bilhete para ser cremado. Ele me deu sua Palavra de Escoteiro que iria jogar minhas cinzas nas águas do Rio Amarelo. Coloquei em suas mãos uma boa quantia. – Se sobrar, é doação para a Tropa Escoteira.

                   Ele sério não disse nada. Voltei novamente a Boate e ao entrar senti dois estampidos. Não senti mais nada. Apaguei desta vida. Agora vejo a cerimonia que os escoteiros estão fazendo para mim. Meus olhos choram meu coração não existe mais. Eu não era ninguém! Não vi anjos no céu, não havia luz e ninguém de branco a me esperar. Estava morto? Se estava porque eu via tudo? Porque eu sentia que podia tudo? Tentei gritar, mas chorava sem parar. Não queria ficar sozinho naquele espaço de tempo que nunca acreditei ficar. Não sei quanto tempo chorei e só depois de muito tempo um azul finito se abriu no céu. Alguém me deu as mãos. Agora sabia que não estava sozinho, não era um grão de areia, eu era sim um espírito que desejava ardentemente o auxilio de alguém! Foi então que rezei, e rezando almas apareceram para me ajudar. Bendito seja Deus, bendito seja seu santo nome. Obrigado meu Deus!

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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