quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Histórias de Fogo de Conselho. O Formador.




Histórias de Fogo de Conselho.
O Formador.

Nota: - Um conto simples sem muitas pretensões. Real? Deixo para cada um pensar a respeito. Muitas vezes sem conhecer sem conviver temos animosidade com alguém. Isto não significa que não poderíamos conviver em fraternidade. Um passo de cada vez. Uma noite linda e um final de semana cheio de paz e amor.

                     Eu o conhecia de vista. Desculpe por não dizer o seu nome. Eu não sabia. Sou ruim de memória para muitas coisas. Mas sou bom para lembrar minha Promessa e minha Lei. Soube que era um velho formador daqueles das antigas que ainda está na ativa. Não sei se ele me conhecia e até mesmo suspeitava que eu não fosse para ele muito simpático. Por mim eu sei que não era verdade. Muitas vezes cria-se uma barreira entre duas pessoas por motivos abstratos e incompreensíveis que nem imaginamos o porquê de tudo. Seria do nosso passado? Encontros em vida anterior? - Quem sabe o temor, o receio de ser melindrado por outro que poderia não ter o mesmo pensamento a mesma maneira de ver pontos de vista diferentes faziam com que ele não se abrisse para mim.

                     Já o tinha visto em publicações nas redes sociais. Conhecia bem o escotismo de BP. Nunca trocamos palavra e ele vivia sua vida e eu a minha. Muitas vezes pecamos por não dar um sorriso, um aperto de mão e dizer: - Olá! Como vai? Quem sabe só isso abre portas que estavam fechadas. Temos em nosso mundo muito disto. Desconhecemos muitas vezes quem está ao nosso lado. Sei que muitos mais ligados à liderança não me olham com bons olhos. Acho que eles têm razão. Não sou mesmo flor que se cheire e metido a conhecedor do escotismo, por esta razão não sou bem visto por muitos dirigentes. Dias destes fui convidado por um Chefe que também não conhecia para participar de uma atividade em um Grupo Escoteiro que ele fazia realizar anualmente. Precisava me espraiar voltar às origens e ver se ainda tinha aquele espírito escoteiro que sempre acreditei ter. Aceitei.

                     Foi-me apresentado e educadamente nos cumprimentamos como manda a boa fraternidade escoteira. Ficamos eu e ele próximos em um banco ao lado do pateo de reuniões e por minutos não sabíamos o que dizer. Achei que era hora de dizer a ele que éramos do mesmo sangue Badeniano e não poderia haver distâncias em pessoas que acreditam na filosofia escoteira. Ele se levantou e meio constrangido me deu um aperto de mão e calmamente me disse Sempre Alerta. Sorri para ele e lhe dei um abraço. Ficou inibido e ruborizado. – Me apresentei. Meu irmão escoteiro sou o Chefe Vado e quero que saiba que é uma honra conhecer você! Ele se abriu. – Disse seu nome e completou: - A honra é minha! A ponte em cima do fosso se materializou. Com aquelas palavras já nos considerávamos amigos de longa data.

                    Vimos no desenrolar do tête-à-tête que tínhamos muitos pontos em comum. Seu estilo não era agressivo. Fora Sênior e passou uma temporada fora do escotismo. Voltou pelo seu filho. – Velha formula que hoje traz bons frutos. Rapidamente contou-me sua história. Nada de novo no front. Histórias de muitos que foram e desejam voltar de novo à ninhada. Os tempos passados ficam na memória e voltar aos tempos de menino é uma questão de honra para todos nós. Falei de mim com cautela. Não queria me mostrar esnobe e nem vaidoso com o escotismo que fiz. Outra época, outro momento que dificilmente voltará a acontecer. Sem ser pedante me contou que em um curso há anos, dava uma palestra quando um Chefe-aluno perguntou: - Chefe! – Diga uma frase sobre seu pensamento de caráter! – Chefe Vado, ele disse, fui pego de surpresa. Lembrei-me de Rui Barbosa e o imitei: - Meu caro Chefe eu não me importo com o que os outros pensam sobre o que eu faço, mas eu me importo muito com o que eu penso sobre o que eu faço. Isso é caráter! Ele ficou cismado e aproveitei para completar: - O caráter é como uma árvore e a reputação como sua sombra. A sombra é o que nós pensamos dela, a árvore é a coisa real...

                   O olhei com respeito. Sabia que ali estava um homem de bem e conhecedor da metodologia Badeniana. Muitas vezes precisamos estar próximo, ouvir muito, sentir a respiração e seu amor à causa. Sabemos por experiência própria que quando estamos juntos em um acampamento o conhecimento e a amizade aparece com rapidez. Eu poderia ter completado que o caráter de uma pessoa é ver como ela trata os que podem não lhe trazer benefício algum. Falamos de banalidades, de cortesia, de ética e vi que ele fazia questão de ser um Chefe com dignidade. Não me convidou para uma visita a seu grupo. Não precisava. Sabia que ele me mostrou que tinha seu coração aberto e se o fechava não era pela pessoa e sim pelo que os outros poderiam dizer. Voltei para casa satisfeito. Ele era um formador dos bons. Eu sempre soube que o talento educa-se na calma e o caráter no tumulto da vida. A gente nunca perde a capacidade de se surpreender. A vida se renova em velocidade muito rápida e, por mais que você ache que já viu de tudo, ela sempre terá algo novo pra te mostrar. Nós escoteiros e chefes ou mesmo dirigentes e formadores não podemos ficar presos em um casulo. Nosso líder Baden-Powell fazia questão de sorrir e de cumprimentar a todos em seu redor.

                   Marcamos nos encontrar novamente. Eu e ele sabíamos que teríamos muita coisa para comentar e aprender mutuamente. Muitas vezes é no até logo que há um verdadeiro encontro. É na distancia que podemos nos aproximar mais. Infelizmente não aconteceu. Soube meses depois que ele tinha partido para o Grande Acampamento no Céu!


quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Contos ao redor do fogo. Antônio.


Contos ao redor do fogo.
Antônio.

... - Nunca deixe ninguém dizer que você não pode fazer alguma coisa. Se você tem um sonho, tem que correr atrás dele. As pessoas não conseguem vencer e dizem que você também não vai vencer. Se quiser alguma coisa, corre atrás. 

Rio da Prata, outubro de 2019.
Prezado Chefe Manuel.

Faz tempo que queria escrever esta carta. Sempre adiando para amanhã e foi Naninha minha esposa que me encorajou a pegar na caneta e começar. Em principio pensei em mandar um e-mail, mas acreditei que gostaria mais de uma carta com cheiro de tinta, letra pequena papel de linho, para lembrar o passado que o senhor ajudou a construir em minha vida. Sabe Chefe, eu sempre amei meu pai e minha mãe, eles me deram tudo que eu poderia ter em vida. Deram-me amor, tranquilidade e sabedoria. Mas o senhor foi meu segundo pai. O que me ensinou eu não aprenderia em nenhum lugar do mundo. Ajudou-me a ser amigo, a ser leal, a ser Cortez e antes de tudo a ter honra que naquela época nem sabíamos o que era tal palavra. Foi o senhor quem me disse o que era caráter e eu o levei a sério. Pois é Chefe, nunca esqueço o que me dizia sempre: Escoteiro alguns escolhem seus amigos que julgam perfeitos, meu conselho é escolher aqueles que te fazem bem.

Quantos anos nos vimos pela última vez? Cinquenta e dois? Mais? Não me lembro, mas não esqueço. Quantas vezes o senhor nos mostrou o caminho a evitar? Quantas vezes nos alertou do perigo e das estradas falsas, trilhas espúrias que devíamos contornar? Quantas vezes me chamou altas horas da noite para me incentivar a sorrir e aprender que a vida vale a pena e que devemos respeitar o mundo do outro. Lembra aquela noite no Pico do Condor? - Nunca esqueci - Escoteiro nunca implore carinho, atenção e amor. Se não for dado livremente, não vale a pena ter. Chefe o senhor tudo fez para que tivéssemos a união perfeita na patrulha e na Tropa. Sempre dizia que todas as riquezas do mundo não valem um bom amigo. Quantas e quantas vezes nos incentivava a fazer fazendo, dizendo que os calos e o sangue que brotava nas mãos ao construir uma mesa, não era mais que um aprendizado para o futuro? Explicava que nem tudo são rosas e devíamos evitar seus espinhos para entender o seu encanto.

Foi o senhor Chefe quem me despertou para a simetria a harmonia e a imponência da natureza. Mostrou-me a força das estrelas e do universo, me fez sentir o cheiro da terra nas matas que passamos me fez ouvir com perfeição o canto dos pássaros, me ensinou a ouvir o som do vento a soprar na imensidão das campinas como ondas verdes do mar. Lembra Chefe quando eu avistei uma nascente de águas cristalinas na subida da serra, uma sede atroz e o senhor sorriu. Cantou baixinho uma canção e disse: Escoteiro, tudo na vida tem sua hora e seu lugar. Desanimar não é o que precisamos para vencer. Quando você acredita que uma coisa é impossível, você a tornará impossível. E foi então que naquele momento sublime o senhor sussurrou baixinho: Sorria Escoteiro! Deus acaba de ter dar um novo dia e coisas extraordinárias podem acontecer, se você crer!

Chefe, eu teria muitas coisas para lembrar e dizer o quanto sou grato ao senhor. Eu sempre agradeço a Deus por iluminar o meu caminho e colocar o senhor no leme da minha jornada. Depois que o conheci e que fui Escoteiro, minha vida tem sido marcada por realizações diárias, que às vezes não dou o devido valor, mas eu sei que graças a Deus e ao Senhor eu agradeço muito por tudo que fez por mim. Saiba Chefe que está sempre em todos os momentos da minha vida. Não sei se ainda está aqui ou nas graças de uma estrela brilhante no céu. Hoje fazendo minhas horas extras de uma existência, nunca esqueço quando me ensinou que a dor me faz mais forte, o medo mais corajoso e a paciência um sábio. Pois é Chefe, se não fosse o Senhor não seria nada do que acredito ser.
Obrigado Chefe.
Antônio. 


terça-feira, 29 de outubro de 2019

Vale a pena ler de novo. E a vida continua...




Vale a pena ler de novo.
E a vida continua...

... Eu sei que a vida continua. Tudo que acontece tem uma explicação. Para mim ela sempre foi uma grande amiga. Apaixonou-se por alguém que nunca achei que pudesse apaixonar. Diziam nas patrulhas que eu seria seu grande amor, mas não fui. O tempo não explica nossos sonhos de menino. O final foi triste e doloroso, mas a vida é assim, a vida continua para quem precisa viver!

                  - Você a conheceu? Olhei para Liz, fechei os olhos e minha mente passeou no tempo. – Foi minha melhor amiga. Nunca esqueci seu sorriso. Ainda a vejo naquele sábado chegando à sede escoteira, com sua mãe a puxando, pois ela chorava sem parar. – Não quero! Não quero! – Ela usava um vestidinho comprido rosa, cabelos presos em um rabo de cavalo e pensei comigo: - Outra chorona? Apresentaram-me despretensiosamente. Esta é Ruth, vai ser Lobinha, será da sua matilha. – Olhei para ela, tinha parado de chorar. Olhava-me espantada e sem perceber me deu sua mão e um sorriso. Sorri também. Ali nasceu uma grande e bela amizade. – Liz perguntou novamente: - E você ficou sabendo de tudo que aconteceu? – Não respondi de imediato. Era um tema que me doía muito. O que aconteceu para mim foi um golpe do destino. Somente balancei a cabeça para Liz, pois os meus pensamentos não eram mais meus, eram do meu passado.

                      Ruth confiava em mim. Na matilha sempre me procurava para pedir ajuda. Nos jogos ficava ao meu lado, nos acantonamentos não saia de perto de mim. Não sei se a Akelá e o Balu viam tudo aquilo com bons olhos. Pelo menos nunca me disseram nada. Ruth cresceu. Eu também. Muitos disseram que um dia seriamos um do outro. Não era verdade. Amava Ruth como uma grande amiga. Parecia mais uma irmã que nunca tive. Fiz a passagem para a Tropa primeiro que ela. Como chorou. – Gritava e dizia: - Não vá! Não sei viver sem você! Se for não serei mais Lobinha. Na minha Patrulha Tico Tico voltei até a Alcatéia. A abracei tentei consolá-la, mas não adiantou. O tempo ajuda tudo. O tempo faz esquecer, mas o tempo algumas vezes é cruel. Um ano depois ela sorrindo me disse: – Vou fazer a trilha, breve estaremos juntos outra vez. Sorri, tinha aprendido a ficar longe, mas sentia uma falta enorme da minha amiga Ruth.

                       Muitos me criticaram pela proteção que dei a ela na Patrulha Onça Parda. Não era a minha. Tentei falar com o Chefe, mas ele não me deu ouvidos. Hoje acho que foi até bom. Ruth cresceu internamente e externamente. Ficou uma moça bonita, todos se aproximavam dela. Claro que sentia ciúmes, mas não de um namorado, pois eu já há tinha no meu coração e sabia que ela ficaria ali para sempre. Brincamos, acampamos, éramos amigos escoteiros na sede e fora dela. A levei ao cinema ao Shopping, fomos passear de trem e como era linda quando sorria olhando pela janela seus cabelos soltos ao vento e o trem voando como se tivesse asas. Fui para os Seniores. Não sei como conseguiu ir também antes de fazer quinze anos. – Olhei para Liz. Meus olhos encheram-se de lágrimas. Era cruel lembrar-se de tudo dos detalhes dos acontecimentos e saber que do destino marca a vida de todos nós.  

                        Dois anos depois ela me procurou depois da reunião. – Meu amigo estou indo embora. – Embora? Para onde? Sua família vai mudar? – Os olhos dela se encheram de lágrimas. – Conheci alguém. Apaixonei-me perdidamente. Os pais dele não aceitam minha mãe acha que sou nova para isto, mas você sabe que sei o que faço que sou bastante madura nos meus dezessete anos. Considero-me madura para dizer que encontrei um grande amor. – Não perguntei quem era, seria desagradável perguntar. Achei que ela iria me dizer quem. Não disse. – Me abraçou me deu um beijo na face, segurou minha mão esquerda com a dela, apertou e disse: - Adeus! E partiu sem ao menos dizer o porquê, e a quem iria dar seu coração.

                         - Deus Liz, foi demais. Parecia que o amor abandonado era eu. Nunca disse que a amava para mim eu era seu melhor amigo, seu irmão que ela nunca teve. Um ano depois fiquei sabendo quem foi que conquistou seu coração. Rodney Sacramento. – Impossível pensei. Ele tinha vinte e oito anos e ela dezessete. Sua mãe foi quem me contou. Foi embora com a roupa do corpo. Disse-me que agora era um adeus para sempre. – Nunca mais voltarei meu amigo. Quando insisti para ele ficar me disse: Amigo eu amo Rodney, ninguém acredita, dizem que ele não é homem para mim, é mais velho e nem conheço sua vida. Mas como mandar no meu coração? Eu o amo demais. E partiu. – Fiquei transtornado. Chorava sem parar. Logo eu um homem de dezoito anos. Desisti de ser pioneiro. Ela? Para dizer a verdade nunca a esqueci.

                           Foi na semana passada Liz que eu soube que ela tinha voltado. Pense bem, nunca deixei de ser Escoteiro. Como Chefe conheci você e a amo demais. È a mulher da minha vida. Nossos filhos são tudo que um homem pode desejar. Mas você soube da história, nunca me perguntou e eu achei que não deveria contar. Eu a procurei sim, vi que ela precisava de ajuda. Sua mãe a internou no Sanatório Santa Maria. Ao vê-la chorei... Estava em pandarecos. Magérrima, olhos escamoteados, o rosto marcado e cheio de rugas. Liz! Ela não tinha nem vinte e seis anos. Quem a maltratou deste jeito? O médico me disse que tinha uma tuberculose avançada. Não sabia se podia curá-la. Deixou-me vê-la em seu quarto que repartia com mais seis outras mulheres. Ela tinha os olhos fechados. Não abriu. Tentou sorrir, mas não era mais o sorriso de outrora. Só falou baixinho – Eu sei que é você!

                            Ficamos ali calados, eu nunca iria perguntar a ela o que aconteceu. Nunca iria dizer que eu sabia do seu erro de sua aventura que não ia dar certo. Mas quem é dono da verdade? Eu? Não sou. Perguntei-me em pensamento se não erraria também. Não tive um amor assim, amava sim você Liz, amava e amo demais. Você me deu tudo que eu tenho e sou reconhecido por isto. Hoje soube que ela morreu. Não deixou testamento. Não contou a ninguém sua história. Fui lá na sua campa. Não havia ninguém. Tornou-se uma desconhecida, sem amigos, sem pais sem ninguém. Eu não poderia abandoná-la nestas horas. Sentei na grama de sua sepultura e chorei. Precisava chorar. Rezei sim, pedi ao Pai que desse a ela a alegria de novo, daquela Lobinha que conheci e que sorriu para mim pela primeira vez na matilha Cinzenta. Tempos que se foram destino traçado, ruídos da noite que marcaram uma vida.

                            As coisas tem que passar, os dias têm que mudar, os ares têm de ser novos e a vida é assim... Nada pode mudar o destino. Todos sonham em ser feliz. Alcançar a felicidade é fugir das dificuldades que encontramos sempre em nossa frente. Ganhando ou perdendo, sorrindo e chorando, construímos nossa história em momentos fragmentados no dia a dia, detalhes perpetuados na memória e registros que só o coração é capaz de guardar... Vivemos em um mundo louco e cada dia mais acelerado, vivemos emoções variadas de segundos em segundos, nos perdemos em deslizes que são necessários para nosso amadurecimento... Procuramos desculpas no passado para alimentar melhoras futuras e nos esquecemos que o momento de se viver é agora, no presente, com todas as emoções e situações possíveis...

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Contos em volta da fogueira. Era uma vez... Uma inspeção de Gilwell!




Contos em volta da fogueira.
Era uma vez... Uma inspeção de Gilwell!

“Senhor, ensina-me a ser obediente às regras do jogo. Ensina-me a não proferir nem receber elogio imerecido. Ensina-me a ganhar, se me for possível. Mas se eu não puder, acima de tudo, ensina-me a perder”! – (Inscrições encontradas nas paredes da Biblioteca Real do Palácio de Buckingham).

... - Todos formados na entrada do campo ao lado do pórtico. Havia uma placa pendurada com os seguintes dizeres: - Campo da Pantera - Lema “Verdade e amor”. Cantavam... “Acampei lá na montanha, de manhã fiz meu café”! Esperavam o Chefe que exigia pontualidade. - Nove em ponto! – Desta vez não iriam falhar... Uniformes lavados, sapatos engraxados. Todos estavam de posse do seu lenço de bolso e pente. As facas e canivetes devidamente limpas e talqueadas. Os materiais individuais postados dentro dos padrões de Gilwell na frente da barraca. Estavam preparados. Poderiam perder, mas se acontecesse seria com honra!

Jovialto sorria... Não brincava com suas responsabilidades. Desde que nomeado Intendente/Almoxarife que ele se sentia prestigiado. Sua lista de materiais de Patrulha ele conhecia de cor. Não deixou para o dia da inspeção para fazer alguma limpeza. Sempre trazia tudo limpo e oleado. Na barraca de intendência tudo bem guardado e limpo. Panelas, frigideira, colher de pau, Coador de pano, facão, machadinha, escavadeira, enxada, chibanca... Sabia quem usou e quando não entregava cobrava. Sorria ao lembrar-se dos pequenos acampamentos eram menos materiais. Sua intendência estava pronta. Tudo limpo e arrumado. Não iria falhar quando o Chefe o chamasse para a inspeção.  

Marcha Ré era o xodó da patrulha. O Cozinheiro da Patrulha passava horas com sua mãe e sua avó aprendendo os quitutes para fazer no acampamento. Olhou pela ultima vez sua cozinha. Um toldo bem esticado, um fogão de barro firme e com amarras perfeitas na mesa em forma de L. Exigia de todos tudo limpo e bem cuidado. Votaram a favor de deixar os utensílios de refeição em uma pioneira própria, mas ele fazia questão de inspecionar. Seu lenheiro bem cuidado e pronto para se defender da chuva. Seu aguadeiro com tampa de grama verde nunca deixou nada sem ter uma boa porção de água. Que o Chefe viesse, ele estava pronto!

Cafundó tinha as pernas tortas, mas era o mais veloz da Patrulha. Sonhava um dia ser o cozinheiro, mas por enquanto se contentava como auxiliar de cozinha e aguadeiro. Sempre ao lado de Marcha Ré não deixava nada faltar. Sabia que todos gostavam dele e nunca deixou a “peteca” cair. Tinha grande facilidade em escolher uma água boa para beber e outra má. Aprendeu com o Monitor Tiago. Ajudava na limpeza e era exímio em barrear as panelas para que o não ficasse grude ou carvão. Sorria quando cantava: - “No acampamento, o nosso tormento é ter que usar... Panelas”!

Calango tinha um ano e seis meses de na patrulha. Esperava um cargo melhor, mas ninguém saia e ele se esforçava como Lenhador. Para ajudar fez um curso nos bombeiros como Socorrista e era conhecido como o escoteiro Cura-Cura. Sempre deixava uma boa pitada de madeira no lenheiro. Tudo separado... Gravetos, galhos secos, achas de pequeno e maior tamanho. Quando levantava em poucos minutos deixava o fogão aceso. Orgulhava-se do seu ofício. Na formatura olhava para Manfredo e sorria.

Manfredo era o mais novo. Seis meses de Patrulha. O chamavam de Pata-Tenra e ele não se incomodava. Ajudava Jovialto a afiar e olear as ferramentas de corte. Colocava nos canecos a identificação dos alimentos. Tinha orgulho em ser um Escriba e Tesoureiro. Fazia questão de anotar tudo no Livro da Patrulha. Sonhava o dia que eles receberiam a Insígnia de Campo. Contaram que no ano anterior a Patrulha tirou nota máxima e conseguiu. Olhou para Tiago o Sub e fez o sinal de ok!

Tiago no mês anterior fez quatorze anos. Sabia que Palafita em breve iria passar para os seniores. Seria seu substituto na monitoria. Sempre foi um Sub Monitor dedicado. Ajudava em tudo e combinou com seu anjo da guarda fazer tudo para conseguirem neste acampamento a Insígnia de Campo. Estava sonhando acordado e rezava. Tinha orgulho da Pantera. Desde quando saiu dos lobos ele nunca duvidou da amizade da fraternidade de todos na Patrulha. Foi um dos últimos a dormir no dia anterior. Checou tudo. Com sua lanterna olhou todo o campo a procura de objetos estranhos ao campo. Fez o sinal de ok para Palafita. Que o Chefe viesse. Desta vez não iriam perder!

Palafita sorria. Já havia inspecionado os nós, as amarras, os estiques e espeques das barracas e mesas. Tinha um enorme orgulho de sua Patrulha. Fazia questão de um abraço, de um aperto de mão seja no escotismo ou fora dele. Dizia ao pé do ouvido de cada um “Obrigado por ser meu amigo, tenho orgulho de você”! Havia dois anos que assumiu a monitoria substituindo Peixe D’água. Hoje nos seniores preparando para ser pioneiro. Eram amigos até hoje. Sempre dizia a todos que o importante é competir com honra, vencer é uma questão de oportunidade. Lembrou-se da reunião do dia anterior ideia de Manfredo o Pata-Tenra. Deram as mãos e disseram: - Desta vez vamos conseguir! Olhou na trilha da Chefia, viu o Chefe Tornado chegando.

Tornado se orgulhava de sua tropa. Fazia questão de ser amigo e irmão e nunca um Chefe no bom sentido da palavra. Conhecia um por um. Visitou a casa de cada um e tornou-se amigo dos seus pais. Diziam que era um bom aconselhador. Conselhos? E quem os quer? Hoje estava sozinho na inspeção. Os monitores iriam ajudara. Exceto a Patrulha inspecionada os demais participariam. Explicou as normas apesar de conhecida de outros acampamentos. Ele sabia do valor de uma inspeção, de como era motivo para o crescimento da tropa, da Patrulha e do jovem escoteiro. Não havia primeiro lugar, o importante era alcançar a nota estipulada em Corte de Honra. Torcia para que todos alcançassem, mas sabia que nem sempre isso acontecia.

Nove horas... Um vento calmo soprava nos campos de Patrulha. As canções evoluíram para os Gritos de Patrulha. Sempre Alerta Chefe! Patrulha Pantera pronta para a inspeção! Tornado sorriu com orgulho de seus meninos escoteiros. Logo a apresentação da Elefante, da Jaguar, da Coruja... Ali existia a fraternidade. Cada um sonhava com a Insígnia de Campo. Esqueciam até do Grande Jogo de Aventuras do dia. Seria na Serra do Sol. Sabia que a noite nas conversas ao pé do fogo, a travessia do Rio Vermelho e a classificação seriam as lembranças do dia. Quatro dias... Dias de alegria e dias de vitória, não importava quem vencesse, pois o importante era participar!

domingo, 27 de outubro de 2019

Contos ao redor da fogueira. Otávio.




Contos ao redor da fogueira.
Otávio.

... - Você ganha forças, coragem e confiança a cada experiência em que você enfrenta o medo. Por isso tem que fazer exatamente aquilo que acha que não consegue. Fortes são aqueles que transformam lágrimas em sorrisos.

                  - Tentei declamar uma frase e não consegui. Apenas dei a ele uma saudação escoteira para mostrar a falta que ele iria fazer. Eu sei que a morte nada mais é do que uma despedida inesperada que não temos o poder de contestar ou evitar. Em pé tirei meu chapéu e fiz um breve aceno com a cabeça. As lembranças bateram forte na minha mente e uma dor esquecida machucava meu coração. – Olhei para ele no seu ataúde e falei baixinho: - Você vai fazer muita falta... Seria verdade? Afinal fomos da mesma patrulha, tínhamos os mesmos sonhos, andamos por lugares nunca antes imaginados e o destino deixou na porta da esperança uma partida brusca de alguém que sempre morou no meu coração.

- Dava vontade de gritar de chorar e dizer que toda despedida é um encontro que ficou pra depois. Mas quando? Lembrar-se do seu sorriso, do seu canto, dos seus cabelos soltos ao vento na subida do monte Pantaneiro com seu grito de guerra de uma patrulha que não sabia o que era medo. - Ele dizia que despedir não é dizer adeus, é apoiar e desejar sucesso para nova jornada que está apenas começando. – Meu irmão Escoteiro - Ele me sussurrou na entrada da Gruta do Ouro como se fosse contar uma história: - Não fique triste com a despedida. Ela é necessária para que possamos nos encontrar mais uma vez. – Onde? Pensei... Na eternidade?

                  - Os soluços não paravam. O Chefe passou o braço em meu ombro. – Monitor, na melancolia da despedida a esperança do reencontro nos dá força para suportar a saudade. – Não prestei atenção no que ele dizia. Precisava rezar acreditar que tudo passa, pois até agora eu não sabia se a vida iria passar. – Deus! Se um dia eu estiver prestes a perder as esperanças como agora, me ajude a lembrar de que os teus planos são maiores que os meus sonhos e minhas amizades.  A cada despedida eu morro por dentro. A cada reencontro sinto que estou indo para o céu! - A hora chegou. Aquela meninada escoteira triste me ajudou a caminhar ao lado Dele até sua última morada. Eu sabia que não haveria volta. Eu sabia que tinha de aceitar, pois meu Chefe sempre disse que eu devia seguir firme na direção das minhas metas. Lembrei-me das palavras de um Sênior amigo: - Escoteiro, saiba que o pensamento cria, o desejo atrai e a fé realiza. Acredite, amanhã será um dia melhor! – E ele? Onde estaria agora? Ali no campo santo a ver seus amigos com coração partido sem rumo e sem saber aonde ir? – Eu chorava copiosamente.  

                 - Não cantei a despedida. Nem fiz uma saudação. Eu estava morrendo por dentro. Senti alguém por a mão em meu ombro. Ela uma jovem noviça sorriu como a adivinhar que eu precisava ser consolado. Olhei para ela com os olhos rasos d’água. Afinal eu era o Escoteiro e ela uma novata. – Com um doce sorriso disse para mim que nunca é tarde para pegar uma velha história de amizade e escrever um novo final. – Que o azedume alheio não iria me impedir de espalhar doçuras por aí. Meu irmão Escoteiro tempestades não duram para sempre! Ah! Quanto tempo ele se foi? Parece que foi ontem. Não tenho mais patrulha, agora sou um Escoteiro do mundo. Minha vida mudou e Otávio nunca saiu dela. Eu sabia que o destino une e separa. Mas nenhuma força é grande o suficiente para fazer esquecer pessoas que por algum motivo um dia nos fizeram felizes. Nas águas cristalinas do riacho onde estava parece que o vi no remanso sorrindo e dizendo: - Meu amigo vou indo. Quando eu voltar, estarei de volta!


Negócio de ocasião. A venda um coração Escoteiro!




Negócio de ocasião.
A venda um coração Escoteiro!

Uma explicação: - Quando fiz esse artigo estava (e ainda estou) desiludido com os rumos do escotismo atual segundo minha visão do programa de Baden-Powell (nem sempre correta). Meu coração balança, mas não vou me abdicar do que acredito. Nasci escoteiro e morrerei escoteiro. Não sou e nunca serei um aluno de Platão, de Sócrates, Aristóteles e Baden-Powell. Sou apenas um aprendiz. Uso e abuso da máxima, “Uma vez Escoteiro”... Sempre Escoteiro! Sempre Alerta!  

- A todos que interessarem estou colando a venda com muita dor no coração um canivete Suíço, usado por muitos anos e que serviu para limpar peixes que pesquei nas centenas de acampamentos que fiz. Vai junto uma mochila verde musgo, que ganhei de um Capitão do Exercito lá pelos idos de 1951 em ótimo estado de conservação. Ela viajou em meus costados por longas jornadas me levou a lugares incríveis, serras e montanhas nunca imaginadas. A venda também um colchão feito de dois sacos de estopa, vazios, que se transformam em um colchão quando cheio de capim ou folha seca quando forem acampar. Vendo uma marmita seminova limpa sem carvão, que ganhei de um fazendeiro de Mantena em Minas Gerais e nem sei se ele se arrependeu em me dar. Vai junto um garfo e uma colher de pau que fiz quando tirei minha segunda classe lá pelos anos de 1952. A caneca eu não tenho mais. Usava folhas de bananeira ou de taioba que me serviram sem reclamar.

- Está à venda e com muita tristeza um lenço verde amarelo, quadrado, pois assim era usado na época da minha promessa ainda em perfeito estado de uso. Anexo uma faca mundial simples, com o fio perfeito e com bainha em excelente estado de conservação talqueada para não enferrujar. Vendo uma machadinha de Escoteiro, perfeita, cabo de madeira de aroeira, envernizada, limpa, bem afiada e segue junto uma pedra de amolar que meu pai me deu e usei por muitos e muitos e muitos anos. Vendo um par de sapatos Vulcabrás, usados, mas ainda pronto para percorrer léguas e léguas nas estradas de terra do meu Brasil. A venda minha bússola Silva, que usei quando fiz minha jornada de Primeira Classe no vale do Cipó ainda em perfeito estado, sem quebras ou riscos e junto vai uma bússola Prismática, presente da Minha Tia da capital.

- Quase chorando coloco a venda meu bastão Escoteiro, duas polegadas de diâmetro, um metro e sessenta com ponteira de aço, com diversas marcas a fogo dos acampamentos que fiz. Em cima uma representação do meu Cordão Verde e amarelo, o dourado e a Correia de Mateiro que conquistei. Quem comprar recebe junto os cordões que conquistei. No topo tem várias especialidades não tanto como hoje, mas me orgulho da de Sinaleiro, Construtor de Pioneirías, Cozinheiro, acampador e Socorrista. Tem uma bandeirola que ganhei de um guarda campo da policia rural quando acampei na Serra do Caparaó em uma atividade no Pico da Bandeira. Com lágrimas nos olhos vendo meu cantil francês, que um Escoteiro do Rio ganhou em um Jamboree no Canada e me presenteou. Está limpo, sua capa bem adornada sem manchas. Vendo cinco meiões já gastos, alguns puídos, pois viajaram por tantos lugares e que guardam ainda belas recordações. Vendo um chapelão Escoteiro, de três pontas conservado e com as abas retas sem tortura. Tive três deles, mas só um posso vender, os outros valem uma vida escoteira que não posso perder minhas recordações.

Com amargura vendo também minhas estrelas de atividade. Algumas com cinco dez ou quinze anos e outras somente de um ano. Usei até receber minhas poucas medalhas de Bons Serviços. Estão em perfeito estado, pois meu Chefe fazia questão delas brilharem. Vendo cinco cadernos de aventuras, onde anotei minhas mais de setecentas noites de acampamentos, com histórias e contos dos fogos de conselhos, jogos noturnos, travessias em rios e balsas incríveis que hoje não existem mais. Vendo um sonho de menino que se realizou como escoteiro e dele nunca esqueceu. Não posso vender minha honra escoteira. Dela não abro mão. Meu caráter seguirá comigo para a estrela que for me receber. Ainda guardo na mente minha única palavra, minha honra e ética escoteira, minha lealdade e meu cavalheirismo aliado à cortesia que nunca abandonei. Ficam também sem oferta meus setenta e dois anos escoteirando e minha fé em Deus, pois sei que ele nunca vai me abandonar.

Pensei em vender as estrelas brilhantes no céu por onde acampei e que levei comigo devidamente guardadas no meu bornal amarelo por este mundão sem fim. As canções do passado que cantei e outras que eu mesmo fiz não é tão fácil de vender. Inegociável o sol meu amigo que não me pertence assim como a lua espetada no céu. Desculpe não oferecer os milhares de cometas que passaram por mim em velocidades incríveis sem dizer adeus e nem me lembro de quantos pedidos eu fiz. Ah! Ia esquecendo, A coruja buraqueira minha amiga do Pico do Ibituruna não me autorizou vender. O pardal o bem ti vi e a rolinha que me beijou nas margens do lago dos cisnes onde fiz meus amados acampamentos também não posso dispor. O Lobo Guará, um amigo da Serra da Piedade, Desconfiado sorriu e me disse: - Nem pensar Vado Escoteiro, nem pensar... Não estou à venda!

Quem quiser comprar, me encontre em Capella, uma estrela distante onde irei morar quando partir deste mundo. Estará tudo lá, pois levarei tudo comigo amarrados no cabo trançado que aprendi a fazer com um vaqueiro amigo calejado do Guaçuí. Sempre levava um deles bem apertado no meu cinto escoteiro que nunca troquei. E se quiserem histórias, venham sentar comigo em minha estrela que contarei a viva voz e de graça os dias felizes que escoteirando viajei nos meus sonhos e os transformei em realidades mil. Preço? Quanto valem? Não sei calcular. Venha se assente, esquente um cafezinho que está na brasa. Faça uma oferta, pois na minha Conversa ao pé do fogo você é sempre bem vindo. Espero você lá no céu amigo onde irei habitar.

sábado, 26 de outubro de 2019

Contos ao redor da fogueira. Camélia.




Contos ao redor da fogueira.
Camélia.

... - Camélia, Saudade do seu jeito, do seu abraço, do seu sorriso, da sua voz, do seu cheiro, saudade de você. Eu sei que o destino une e separa. Mas nenhuma força é grande o suficiente para fazer esquecer pessoas que por algum motivo um dia nos fizeram felizes. Durante todo este tempo se eu tivesse o direito de fazer um pedido, queria ver você de novo e ter você aqui comigo!

                   Olhei para ela e não acreditei no que via. Era ela disto tinha certeza. Mas estava tão diferente, mais velha, magra com manchas no rosto e seu sorriso de tanta magia nem era sombras do passado. Pensei em abordá-la, cumprimentá-la e quem sabe abraçá-la para dizer que era eu, seu monitor. Quem sabe dar a ela um sorriso e dizer àquela palavra que ela amava e gostava de dizer: - Oi! Sou eu! Escoteira Camélia das campinas, não me reconheceu? – Ela nem me olhou passou direto com andar vacilante, como se estivesse perdida errante caminhando por uma trilha que nunca passou. Porque isto? Porque o destino desconhece o que pensamos ser? Pois é, me lembrei que um dia ela me disse: Mano Monitor, o que for teu desejo, assim será tua vontade. O que for tua vontade, assim serão meus atos. O que forem teus atos, assim será o teu e o meu destino...

                  Quando ela chegou na Patrulha não houve festa, mas todos a receberam com alegria, transformaram uma reunião comum em uma reunião especial. Ninguem tirava os olhos dela, sabia que era admirada e mesmo assim não se tornou pedante nem esnobe era a fina flor colhida em um dia de verão que chegou para nos fazer felizes. Aprendemos a tirar o chapéu em sua homenagem. Aprendemos a cantar “Amigos para Sempre”, pois ela irradiava seu interior de maneira inteligente e menos farsesca, pois era como chegar no fim de uma jornada, beber água da fonte e sentir o frescor de uma tarde, mormente enluarada. Nunca vi sua mãe seu pai e quer saber? Nem sabia onde morava. Torcia para chegar os sábados, para revê-la, ouvir sua voz suas palavras...

                  Enquanto ela esteve na patrulha não atrasava, todos querendo ser os primeiros a chegar. Ela com seu sorriso maroto nos acampamentos dizia: - Escoteirada, deixa que eu me sirva, deixe em fazer também. Não sou princesa nem rainha e mesmo sabendo que me querem bem, preciso caminhar para aprender a não cair. Não era um peso morto, mesmo com sua beleza e formosura. Ficávamos tristonhos por ver suas mãos macias em bolhas de sangue ao usar o facão e deixar marcas caludas e enormes. E ela? Sorrindo dizia para nós: Marcas de um trabalho honesto. Disse-me certa vez que queria ser Lis de Ouro e iria fazer tudo para conseguir. Destino incerto e não sabido. Eu sabia que da vida mesmo sonhando nem sempre se consegue o que quer. Ela teve tudo que almejou, mas seu Liz de Ouro ficou perdido em um sonho que não se realizou. Pensei que aquela conquista nunca a faria feliz.

                  Um dia não apareceu. Ficamos surpresos porque não dizer perplexos e eu atônito não sabia o que dizer ou fazer. Parecia que a patrulha tinha perdido seu rumo seu caminho, sua trilha e não sabia mais aonde ir ou chegar. Apoite teu barco monitor, se não vai ficar a deriva no mar traiçoeiro... E eu fiquei. Um mês dois três e ela nunca mais voltou. Aos poucos a patrulha foi voltando ao normal. Mesmo assim as lembranças eram doídas demais. Patrulheiros mercantes a zumbir suas barracas nos montes errantes em acampamentos tristes que o cantar, o som de uma viola não existia mais. E eis que cinco anos depois, já Pioneiro, avante Escoteiro de outras eras a vejo sair de um ambulatório perdido em um bairro tristonho e ela passa por mim sem ao menos dizer olá! Quando me dei conta tomei a decisão de abordá-la, ela sumiu nas curvas da Rua dos Perdidos e não há vi nunca mais...

                  Menina escoteira onde escondeste tua formosura e personalidade? Eu quero morar na sua rua, me diga o número de sua morada, pois você deixou saudades... Mudei de rumo e segui o meu destino. Cada um tem o seu. Camélia era agora uma sombra do passado. Fui para casa tentando arrumar as lembranças para que ficassem somente às boas e as ruins deixei guardadas em um canto da mente. Eu aprendi que quando sentir saudades de alguém que já partiu e nunca mais voltará, não devemos nos revoltar. Apenas recordar os bons momentos que ficou preso no passado e fazer dele uma lembrança gostosa... Apenas para recordar...

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Contos ao redor da fogueira. Pirilampo, um Beija Flor no verde Vale de Nagoya.




Contos ao redor da fogueira.
Pirilampo, um Beija Flor no verde Vale de Nagoya.

... - No vale de Nagoya não tem mais flores, não tem mais beija-flores. O riacho secou. As árvores não tem mais folhas. Um dia, ao olhar para trás o homem verá o rastro de destruição que ele deixou na natureza. E nesse dia, haverá apenas a dor da sua própria consciência...

        Não faz muito tempo quem sabe uns trinta ou quarenta anos. Já não era mocinho e meus anos ultrapassavam as trinta primaveras. Éramos mais de doze e menos de quinze. A quantidade não me lembro bem. Foi um acampamento gostoso, só de chefes. Tinhamos feitos outros e não pertencíamos ao mesmo grupo e isto nada significava para a fraternidade e irmandade que existia entre nós. Programa? Duas patrulhas, dois campos, trabalhando e se divertindo como se fossemos patrulheiros. Eu era um Guanambi, e quando me disseram o que era fiquei perplexo – Chefe, Guanambi é um beija-flor! Tudo bem, eu admirava os pequenos voadores a procura de seu néctar nas flores. Eles entre os pássaros poderiam ser considerados príncipes ou quem sabe Reis? Sabia que tinham todas as cores e nunca parei para observar melhor. Onde estávamos acampados uma calma enorme se fazia acontecer no campo. Uma gostosa passarada a cantar seus cantos maravilhosos, o som intermitente de uma pequena cascata, grilos que anunciavam tempo bom e formigas indo e vindo sem pressa com suas cargas enormes.

           As noites eram belas, não havia pressa para nada, que o jantar ficasse pronto quando estivesse pronto. O banho da tarde no pequeno remanso refrescava o corpo de tanto sol que pegamos. Ficamos horas tentando se aproximar de um esquilo. Não dava para mexer e o suor corria naquele sol escaldante da tarde. Um jantar supimpa e aos poucos os chefes iam chegando na Pedra do Conselho, nome pomposo que dávamos a conversa ao pé do fogo. Um nome roubado dos lobos, mas que seria devolvido tão logo o acampamento terminasse. O nosso mágico, o cantor deram o ar da graça. Terra do Belo Olmeiro. Linda canção dos caçadores de pele dos lagos canadenses. – ¶Terra do belo olmeiro, lar do castor, lá onde o alce airoso é o senhor... Uma letra de tirar o folego. Alguém contou uma piada. Uma piada Escoteira. Ali a pureza nos pensamentos palavras e ações tinham primazia sobre palavras não condizentes com chefes escoteiros.

           O bule de café e outro de chá a beira do fogo aos poucos iam se esvaziando. Todos nós esperávamos que Cabelos Vermelhos se levantasse para contar um história. Alto, forte nós sabíamos que ele sempre tinha uma bela história para contar. – Ficou em pé, olhou para o céu, sentou novamente e com uma voz clara começou mais uma bela história para nosso deleite. - Era uma vez... Há muito tempo, eu era menino de calças curtas e recém-admitido na tropa. – Cada um de nós nos refestelamos no banco tosco e nenhum som mais se ouviu a não ser o crepitar do fogo e ver as pequenas fagulhas dengosas a subir aos céus. A voz de Cabelos Vermelhos era sonhadora, ele era um mestre contador de histórias. A principio sentado, mas a gente já sabia que ele ia ficar em pé, ia gesticular pular e cantar. Era seu dom. Sorrindo olhou para o céu e começou... - Naquela tempo, dizia Cabelos Vermelhos a nossa inocência, o nosso amor e a fraternidade nos dava oportunidade de conviver com os animais com os pássaros e até os repteis eram nossos amigos.

                  Preparamo-nos para mais um acampamento de verão. Dizem que no verão as chuvas caem com mais vigor, mas nós não nos importávamos. Que importa que tudo passa, a chuva passa, tempestades passam. Até furacão passa difícil é saber aonde ele vai. Sabem meus amigos chefes, nos amávamos a chuva. Dizíamos para nós mesmos que não importa a chuva que cai... Queira ou não após as tempestades o sol ou a lua vão de novo aparecer. Nossos preparativos foram rapidamente realizados. Em uma bela manhã partimos rumo ao verde Vale de Nagoya. Era um dos vales mais lindos que conhecíamos. Era lá que o sol quando nascia nos cumprimentava com um sorriso e quando se ponha deixava escrito no céu dizendo: - Amanhã eu vou voltar! Que a lua e as estrelas cuidem de vocês como eu cuidei. Não choveu a não ser uma pequena garoa no terceiro dia. O nosso programa nos dava tempo para belas construções e explorações de grutas de tirar o fôlego.

                   Naquela tarde bolorenta, daquelas que dá vontade de cochilar e não acordar que vimos um Beija Flor em cima da mesa do refeitório. Semblante triste asa caída nos olhou choroso e disse – Olá Escoteiros, foi bom ver vocês. Estou partindo do Vale de Nagoya aqui nunca mais voltarei. – Olhamos espantados para o Beija Flor e ele continuou. Chamam-me Pirilampo. No passado diziam que eu tinha luzes que piscavam que eu levava o sorriso aos meus irmãos. Hoje Escoteiro, hoje não sou nada aqui neste vale que um dia foi florido e hoje não é mais. Vou às escarpas, voo rasante pelas cascatas no vale, tento subir mais alto para descobrir flores que agora não existem mais. Como vocês amamos a natureza. Voamos para frente e atrás, podemos até permanecer imóveis no ar. Voamos a velocidade do som e que adianta tudo isto?

                   Olhamos o Pirilampo e não dissemos nada. A patrulha já tinha observado que o Vale de Nagoya já não era mais o mesmo. As flores desapareceram com as queimadas, O bosque e a nascente cristalina desapareceram. As árvores são vendidas pelo melhor preço para servirem de carvão nas usinas siderúrgicas que produzem ferro e o aço para as máquinas infernais. Vi nos olhos de Pirilampo pequenas gotas de lágrimas que caiam. – Pois é Escoteiros, muitos acreditam que nós somos anjos, que podemos voar em suas terras, que nosso néctar nunca ia se acabar. Eles mesmos inventaram o meio de nos dar água com açúcar como isto fosse substituir nosso néctar. Eles não sabem que quando o sol fermenta a água açucarada e ela tem nos feito tanto mal que alguns de nós morremos em poucos dias.

              Tenho de partir, meus irmãos já foram. Eu sou o último beija flor do Vale de Nagoya. Não sei se aqui voltarei, pois acredito que o Vale se foi para sempre. Não queria ir sem me despedir de vocês. A vida aqui no vale me ensinou a dizer adeus às pessoas que amo e vocês ficarão para sempre em meu coração. Adeus Escoteiros, que as gotas de chuva de hoje possam lavar os pensamentos ruins e alegrar os olhos de vocês para sonhar com um futuro, um Vale de Nagoya florido, cheio de Beijas Flores no céu. Pirilampo levantou voo e se foi. Não deu uma revoada em cima do nosso campo de patrulha. Partiu como se quisesse esquecer aquele vale de agora e lembrar sempre como foi em um passado distante.

                 Cabelos Vermelhos se calou. Todos nós estávamos calados. Não havia o que dizer. Alguém com os olhos vermelhos perguntou – E aí Cabelos Vermelhos, como é hoje o Vale de Nagoya? – Aquele Chefe contador de histórias nos olhou, fechou os olhos e disse: - O homem destrói a natureza na justificativa de sobreviver, a natureza luta para sobreviver, para garantir a sobrevivência do homem! E onde ela está?

- “Da minha janela vejo passar as borboletas, que voam para o jardim à procura de violetas. E eu assisto ao espetáculo da minha janela. Sol, borboletas, flores, mais uma primavera. As borboletas coloridas trazendo sua beleza o campo, o jardim, perfeita natureza! E eu contemplo tudo em oração, pois é do ano a mais bela estação! Do jardim, eu sinto o perfume e da minha janela, o costume de apreciar a paisagem. As borboletas que passam agora e o vento que sopra lá fora assobiando de passagem”.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Contos ao redor da fogueira. Sustenidos e bemóis, coisas de pardais no ar.




Contos ao redor da fogueira.
                                      Sustenidos e bemóis, coisas de pardais no ar.

... - Gosto quando me falas de ti... e vou te percorrendo e vou descortinando a tua vida na paisagem sem nuvens, cenário de meus desejos tranquilos. Gosto quando me falas de ti... e então percebo que antes mesmo de chegar, me adivinhavas que ninguém te tocou, senão o vento que não deixa vestígios, e se vai desfeito em carícias vãs... (J.G. de Araújo Jorge).

                    A peregrinação me fazia repensar o porquê elevando ao quadrado um sonho abstrato em matemática era como se dirigir ao meu coração que batia calmamente obedecendo às normas surreais de um passeio não programado. Não corria, trilhava o asfalto quente sem eira somente. Pisante macio era como se naquela tarde eu velejava em mar aberto em um céu de brigadeiro. O sol no seu batente, sem reclamar se dirigia ao poente. Eu não o via. Estava escondido naquela selva de pedra onde se sobressaiam os arranha-céus que queriam tocar as nuvens, mas elas se desmanchavam na poeira do vento amigo. Mente deletéria imaginava como seria fácil ir de encontro ao impossível coisa que não acreditava que pudesse fazer. Sons de veículos passantes, buzinas estridentes, passadas de gente no chão corrente tentando voltar ao lar. Uma gota pequenina de suor correu de mansinho em minha testa e se esparramou borrachuda no chão pedregoso. Pensei no homem que faz trabalho penoso, vive do suor do povo. Mentira? Mas não dizem que é fruto de uma jornada, o suor no rosto é custa de muito esforço e grandes penosos sacrifícios?

                  Parei... Eis que sintomaticamente avistei um pequeno parque surgido do nada como se o Mágico Houdini me revelasse que ali era meu lugar. Bonito, resplandecente agora sim eu ia parquear. Escondido entre as avenidas asfálticas, prédios gigantescos parece que agora encontrei o meu lar. Banco de madeira convidativo, lugar sedutor. Sombra cativante árvores atraentes e áreas esplendidamente vazias. Sentei, me acomodei corporalmente nas curvas gostosas do banco acolhedor. Pensei em voltar meu rosto na direção do sol, e então, as sombras lentamente foram ficando para trás. Amigo, meu objeto direto do desejo de admirar o belo perdido entre as sombras, me alertava que o campo dos sonhos não é onde estamos. Só lá sombras verdadeiras de arvoredo dão as sombras que precisamos. Deixei me levar pelos sonhos. Lembrei-me de Michelle que nunca foi escoteira quando escreveu: - Fechei os olhos e me comprometi a sonhar com você. Disse ao sono: venha logo, para que eu possa vê-lo, para que eu possa senti-lo, para que eu possa ter um pouco mais do pedacinho do céu. Logo adormeci. De repente o sol poente estava sumindo.

                            Foi então que me dei conta que era ela que me fazia sonhar. Linda Arvore enorme, verde que te quero verde, uma sombra que se espalhava ao redor do meu mundo que encontrei perdida naquela praça desaparecida entre o os prédios daquela cidade de pedra. Olhei para ela, como era bela, era como se eu tivesse dito sem dizer, “eu sei que já faz tempo, mas ainda amo você desde o último acampamento”! Sombra enorme, vivente, escondida do sol poente braços enormes, me voltei no tempo. Fechei os olhos, olhei para ele e me vi de Camisa de Escoteiro subindo como anarquista, explorador, batedor ou pioneiro a descobrir ate aonde ia e onde podia chegar. Elas as árvores que me acolheram sorriam sem me condenar. Venha! Suba você não é um agitador ou um anarquista, aproveite dos meus galhos faça de mim o que quiser... E lá eu ia na correia de mateiro, como bom e valente Escoteiro a explorar as alturas do Jequitibá, da Peroba Rosa, do Pau Brasil e de tantas que se alegraram em me abraçar...

                          Absorto naquele lugar encantado, pensativo e concentrado olhava a árvore como se ela sempre fizesse parte do meu passado e do presente. A tarde foi se aconchegando no horizonte. Eu me sentia abraçado, amado, e por ela adotado tinha certeza que éramos um só. Eu e a árvore da Praça escondida em gigantescos prédios do arredor. Um bordel de sons começou a se formar. Ventania de revoada, como se fossem trovões tocados ao longe por uma mão invisível naquele céu escuro do alvorecer. Olhei para o céu e espantado vi que a hora tinha chegado. Milhões deles e delas... Já iam se recolher. Como se fosse uma sinfonia com sustenidos e bemóis vi que eram coisas de pardais no ar. Nada de novo no front para um Velho que tinha a natureza na alma e viveu tantas sinfonias de rádios de pássaros errantes tocadas em plena floresta do Pica Pau e do Bem ti Vi. Eles foram alcançando os mais altos galhos, os grasnados foram escasseando. Aos poucos o silencio retornou com a brisa fresca do ar. Os pardais dormiam. Hora de partir, levantei tropegamente.

                            Uma partida silenciosa. Não iria acordar a orquestra sinfônica que resolveu se acomodar na mais bela árvore do lugar. Uma duas três passadas trêmulas. Parei. Voltei o rosto para a praça. Tudo quieto, tranquilo, calmo e sossegado. Os pardais dormiam sobre a proteção da árvore da vida. Árvore tão querida que os passantes do dia não sabiam o tesouro que tinham ali intocável, mas que todos podiam usufruir ou desfrutar. Mudei de pensar, sorri ao andar, pensei que nada seria como hoje para mim dora em diante. Pião de madeira... Carrinho de ferro... Tudo era tão solido... Ah! Vida tão cheia de vida, mas que um dia vai acabar...

“Senhor ajudai-nos a construir a nossa casa Com janelas de aurora e árvores no quintal - Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores E ao crepúsculo fiquem cinzentas como a roupa dos pescadores”.

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Maneco Cozinheiro azarado e trapalhão. Uma história, uma lenda escoteira.




Maneco Cozinheiro azarado e trapalhão.
Uma história, uma lenda escoteira.

         Era uma vez... Uma Patrulha que não sabia mais o que fazer. Maneco tinha um sorriso encantador, mas era um perfeito azarado e porque não dizer desastrado. Lilico o Monitor tentou e tentou e nada. Deu conselhos, ficou ao lado dele, mas parecia que o azar o perseguia. - Chefe! Não dá mais. Se ele continuar na patrulha não ganhamos uma. Ontem mesmo quando o senhor deixou que o chamássemos para o cerimonial ele deu um belo sorriso e depois aprontou aquela. “Aquela” foi um “pum” que de tão alto fez todos gargalharem na ferradura. O Chefe Luiz pensou e pensou. Não era a primeira vez. Maneco cozinheiro além de aprontar sem querer era mesmo um azarado. A patrulha quando ele entrou se divertia com ele. No primeiro acampamento lá foi ele para o “Miguel” e em vez de ter folhas preparadas pegou logo um punhado de urtigas. Deus do céu! Ele gritou feito um louco e por toda a noite não dormiu e não deixou ninguém dormir.

        Aos poucos Maneco cozinheiro foi se integrando a patrulha, mas sempre aprontando. Por sorte ou azar o colocaram como bombeiro/aguador e ele se achava o máximo. Contava para todos que seria o futuro Cozinheiro, pois seu cargo atual na escala hierárquica o próximo seria ele. Todos sabiam que se isto acontece à patrulha ia para o brejo. Maneco Cozinheiro nem sorte tinha. Sua mochila nas marchas de estrada mesmo levando quase nada quebrava sempre as alças. Lá estavam todos para ajudar a costurar. Quando o Comissário Fugi Moto compareceu em um acampamento aceitou o convite de sua patrulha para almoçar. Todos assustados sabiam que Maneco ia aprontar e não deu outra. Todos sentaram nos bancos em volta de mesa e quando ele foi sentar apoiou na mesa e ela veio abaixo. Os pratos esparramados com o almoço pelo chão. Não havia repetição e as demais patrulhas dividiram com eles. Fazer o que? O próprio comissário Fugi Moto riu a valer e achou que isto acontece com todo mundo. Ele não conhecia Maneco Cozinheiro.

                  Pintassilgo era o cozinheiro mor da patrulha. Batuta, um grande cara e um excelente cozinheiro. Fazia milagres com pouca coisa. Saia pelos campos e voltava com um bornal cheio. Sorria e dizia – Comida para dois dias! Ele salvava a patrulha no campo. Podiam perder jogos, inspeção, podiam perder em tudo, mas na cozinha Pintassilgo dava show. Um dia chegou chorando na sede. – Turma, minha mãe vai para a capital, ela quer achar meu pai que sumiu! Careca o sub não acreditou. Perder Pintassilgo e ganhar Maneco Cozinheiro? Que bela troca! Mas não teve jeito, uma semana depois Pintassilgo despediu de todos e foi embora. Jurou que um dia voltaria. Deste que Pintassilgo deu a notícia que Maneco Cozinheiro sorria de orelha em orelha. Fizeram um Conselho de Patrulha. Ele tinha de participar também. Discutiram, discutiram e não teve jeito, Maneco Cozinheiro foi empossado. O mundo desabou em cima dos Corujas. Agora estavam perdendo em tudo.

                No primeiro acampamento os patrulheiros choraram. O arroz queimado. O feijão duro, o bife sem tostar e sangrando. Batatas fritas? Só na terra dele. Perna Curta o Monitor procurou o Chefe – Não dá Chefe, ou mude ele de patrulha ou a nossa não vai ficar ninguém. Chefe Pascoal não sabia o que fazer. Já sabia das aventuras de Maneco cozinheiro e suas trapalhadas. Sempre achou que o tempo iria ajudar e ele ia se incorporar a patrulha. No final de acampamento todos viraram as costas para Maneco Cozinheiro. Ele foi para a casa chorando. Sabia que fez tudo errado, devia ter pedido a sua mãe para ensiná-lo e não fez isto. Achou que olhando Pintassilgo bastava. Pensou em sair do escotismo, quem sabe seria melhor para todos?

                 No sábado seguinte voltou à sede e na bandeira pediu a palavra - Chorando disse que estava saindo do escotismo. A patrulha sorriu os demais disseram baixinho – Graças a Deus. E não é que o Chefe Pascoal tomou as dores dele e não o deixou sair? Devia ter deixado, pois o mastro da bandeira se partiu e caiu na cabeça do Chefe! Bem feito disseram todos. Todos sabiam que ele o Maneco Cozinheiro era mais azarado que Chico Feliz. O danado não era Escoteiro, fez um jogo na sena ganhou e cadê o jogo? Sumiu! Todos seus amigos sabiam dos números que ele jogava, mas não adiantou. A Caixa não pagou. O Chefe Pascoal chamou os monitores. Explicou sua atitude que mesmo razoável não convenceu. Maneco Cozinheiro sabia que todos eram contra ele. Sabia que eles estavam certos. Foi para a casa e passou cinco dias trancado no seu quarto pensando.

                  Mandou um recado para a patrulha e o Chefe. – Preciso de uma licença de sessenta dias! Todos aceitaram pulando de alegria menos o Chefe. No tempo determinado Maneco Cozinheiro retornou. Quem o visse não acreditava. Cabelos longos presos por um elástico tipo rabo de cavalo. Porte de atleta, muito bem uniformizado e sempre sério, quase não sorria. A patrulha sentiu força nele. No acampamento deu o maior show. Fez um arroz de forno (o forno ele mesmo construiu) um feijão tropeiro e as batatinhas fritas eram demais. As demais patrulhas ficaram estupefatas. À noite na conversa ao pé do fogo o Monitor Perna Curta insistiu com ele que contasse o que aconteceu. Maneco Cozinheiro sorriu. – Meu Monitor um milagre. Como ele aconteceu fica somente entre Deus e eu. – Todos riram e bateram palmas para Maneco cozinheiro. A Patrulha Coruja nunca mais foi à mesma. Ganhava tudo, era a melhor sempre. E a comida? Nota dez!

                  Maneco Cozinheiro nunca contou que procurou o Professor Sabe Tudo. Abriu-se com ele. Ele sorriu. Ficaram juntos por dois meses e ele ensinou tudo que sabia sobre como conquistar as pessoas. Fez questão que seu Filho um famoso cozinheiro que fez curso na França lhe desse umas aulas. O resto sua mãe terminou. Em casa desenhou fogões, fornos, tipos de fogos e ficou bamba treinando no seu quintal. São coisas que só aqueles que acreditam em mudar acontecem. Ninguém é só aquilo que outros veem. Em cada um de nós existe outro eu. Maneco descobriu o seu. Há cinco anos folheando uma revista enquanto esperava minha vez no dentista, vi uma foto que me chamou atenção. Era Maneco Cozinheiro em um concurso de cozinha em Paris. Tirou o primeiro lugar. De um cozinheiro Escoteiro para um cozinheiro internacional. Como dizem por ai? – Pois é... São coisas de Escoteiros! 

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....