quinta-feira, 27 de junho de 2019

Lendas Escoteiras. Jesus de Nazaré.




Lendas Escoteiras.
Jesus de Nazaré.

Prólogo: - Era um Negro velho, cabelos crespos esbranquiçados e dizia se chamar Jesus de Nazaré. Vivia em um asilo pobre, um albergue daqueles que a gente pensa duas vezes antes de entrar. Contaram-me que era um Maravilhoso Contador de Histórias. Fui ver se era verdade. Era sim um santo homem, que transmitiu para mim a humildade de alguém que sofreu e aprendeu e que a vida é maravilhosa se não tem medo dela. São meus convidados. Bem vindos à vida de Jesus Nazaré!

                        Um asilo de periferia. Paredes descascadas, sem jardins, sem flores; Utensílios simples sem sofisticação. Quartos com três beliches um pequeno refeitório e uma TV preto e branco. Na rua o lixo acumulava. Contaram-me sobre Jesus de Nazaré um Velho negro que diziam ter sido escoteiro. Disseram que era um exímio contador de histórias. Senti-me deslocado naquele ambiente desleixado. Ali os idosos não teriam muito tempo de vida. A recepcionista relutou em me deixar entrar. Vendo-me de uniforme Escoteiro abriu um precedente e me levou até um quarto onde mais dois idosos dormiam ou estavam dopados com alguma substância que eu desconhecia. Jesus de Nazaré estava acordado limpo e bem asseado. Recebeu-me com um sorriso.

                          Boa tarde disse. Sentei no beiral de sua cama. Olhou-me sorridente. Um olhar comovente e vi que era alguém com alma e coração escoteiro. Senti que ele era um homem feliz. Cabelos crespos esbranquiçados olhos negros que me fitaram bondosamente. –Me surpreendeu dizendo: - Sempre Alerta Chefe! Um alerta que jamais alguém me disse como ele. Tocou-me demais. Sabe Chefe, há tempos que não vejo um escoteiro. Tenho grande admiração por vocês. Falava compassadamente, parecia que me contava histórias em uma fogueira perdida em uma floresta do mundo: - Sei que amam a natureza. Gostam de uma noite de luar. Admiram as estrelas e os ventos que sopram nos baixios dos vales perdidos entre montanhas e picos mais altos. – Olhei para ele surpreendido pela maneira com que conduzia seu monólogo. O modo como contava poderia ser um de nós.

                         – Piscou os olhos sorriu e continuou: - Eu sempre quis ser um. Dizem que fui e não me lembro, pois muitos são e não sabem que são. Meu Senhor da Fazenda nunca deixou. Seu filho meu amigo era. Contou-me as maravilhas de uma vida escoteira. Disse-me que nunca esqueceu. Percebi suas qualidades de Contador de Histórias. Em poucas palavras prendia minha atenção. Eu sabia que para ser um teria de ter sensibilidade e empolgação, saber esticar sonhos em forma de ponte para juntar o mundo da fantasia e do imaginário. Ele deu outro sorriso. Parecia ler minha mente. Sorrindo me disse que tinha mais de 110 anos. Se tivesse sido escoteiro seria um dos mais velhos que o Brasil conheceu.

                            Não era conhecido. Um negro perdido em um asilo de beira de estrada. Nunca foi famoso. Alguns tiveram a sorte de ouvir seu vozear. Imaginei quantas histórias contou nos píncaros mais altos ou na bruma escura de uma floresta e quantos devem ter se extasiado. Penso que os Contadores de Histórias são uma raça em extinção. Seu sorriso viçoso era cheio de amor e paz. Mesmo ali em um albergue imundo se sentia feliz. Se teve amores não demonstrou. Apertou-me a mão como se fossemos irmãos de sangue. Jesus de Nazaré era diferente, alegre, gentil e educado. Um antigo Contador de Histórias disse que ser bom é ter conhecimento antecipado do texto. Dos elementos que o compõe, das emoções escritas e familiarizando com suas personagens. Seria isto? E aqueles que contavam as histórias da imaginação? Não sabiam como seria o meio e o fim.

                         – Me olhava com olhar sutil e sincero e confesso que entreguei a ele meu coração. - Chefe... Nunca fui Escoteiro, nunca pude pegar a lua e guardar nos parcos pertences que tenho. As estrelas que vocês contam eu nunca pude contar, não sei ler nem escrever. Respirei sim o ar da floresta, senti no rosto a brisa da manhã. Com minhas mãos construí cidades, fui amigo de cobras e animais que muitas vezes se mostraram mais verdadeiros que os homens. – Aprendi com o filho do meu patrão a Lei do Escoteiro. Deus deu a Moisés as primeiras Leis no mundo. Pouco comentadas e muitos não levam a sério. Mas a de vocês é simples e direta. Ela não diz faça ela diz tente para compreender. Ter uma só palavra, ser leal belo demais. São dez artigos da lei, não? Fiquei ouvindo extasiado. - Sabe o que mais gosto de vocês? A promessa. Não diz que é obrigado diz que fazer o melhor possível é melhor que prometer. Estava estupefato com aquele Velho negro Contador de Histórias. Como sabia tanto de nós? Verdade é que palavras bonitas ditas com sinceridade me emocionam. Sempre admirei sorrisos sinceros e me encantam as atitudes de um homem honesto.

                       – Me fitava sorridente... Não se assuste como o ambiente. As palavras ásperas que me dirigem não me magoam mais. As agressões não me ferem e muitas maldades não mais me assustam. Olhei para ele e me senti pequeno diante da sua grande verdade. O Velho Contador de História marcou em minha vida uma existência que desconhecia. Francamente eu não conhecia sorrisos honestos, espontâneos e a aceitação da adversidade com um simples estalar de um olhar. Vi que era especial. Nunca imaginei que pudesse me modificar e aceitar um local como aquele para morar. Via agora o Asilo como se fosse um Edem que ele fazia questão de apregoar. Parecia estar respirando o ar das montanhas em dia de sol. Quantos pensamentos e lembranças ele deixou em mim. Fiquei calado, já não me sentia o Contador de Histórias que tantos me apregoavam. Se pudesse ficaria dias com, pois seu olhar me rejuvenescia. Quando a enfermeira disse que o tempo acabou lhe dei um abraço. O beijei na face como se fosse o meu pai. Dei-lhe a mão esquerda e me senti realizado.

                         Na porta do Asilo ela me disse: - Tenho pouco tempo de vida, vou partir em breve. Meu coração não vai aguentar outras luas que irão nascer. – Chorei. Fui para casa rezando e pedindo a Deus que no fim da minha vida me desse à força daquele Velho Contador de Historias. Nunca o esqueci. Pessoas como Jesus de Nazaré ensinam sem palavras só com sorrisos. Até hoje sinto saudades daquele negro velho contador de historias. Sorridente mostrou que a realidade uns machuca e outros encanta.

                         Voltei lá outras vezes. Um dia me disseram que ele morreu. Para mim não morreu, partiu em busca do seu verdadeiro caminho. Queria estar lá para dizer Adeus. Mas ainda me divirto quando ia saindo e ele sorrindo me disse: Chefe entrou por uma perna de pato, saiu por uma perna de pinto, quem quiser que conte cinco! Amei aquele velho que ficou para sempre morando em meu coração.

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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