AS LEGENDÁRIAS LENDAS ESCOTEIRAS
(Quinzenalmente ou mensalmente, iremos publicar contos na linha do imaginário. o titulo acima servirá para mostrar que o acontecimento é obra de ficção, mas não avalizo que possa ter alguma veracidade. Você decide)
"O maravilhoso da fantasia é nossa capacidade de torná-la
realidade.”
Anônimo
Lito tinha 9 anos. Ia fazer 10 no mês seguinte. Tinha um aspecto alegre, bonachão, contador de piadas, e apesar do seu aspecto nissei, seu pai nascera neste pais assim como sua mãe. Na alcatéia ninguém prestava atenção nisto. Eram como se fossem irmãos. Ali acho que pela idade e pela fraternidade, não havia discriminação de raça, cor ou credo.
Estava no grupo a mais de um ano. Bom lobinho participava de tudo e seus pais davam o maior apoio. Sua matilha era muito unida. Ainda não era primo e nem segundo. Não tenho certeza, mas acho que sua família seguia a religião Budista. Não andava sem motorista e guarda costa.
Quando seu pai ou sua mãe aparecia, era sempre acompanhada de dois ou mais seguranças. Eu não estava acostumado com estes acontecimentos, pois novo no grupo, ia conhecendo aqui e ali seus pormenores. Nada contra. A vida de cada um tem sua razão de ser e deve ser respeitada.
Um dia, eu e alguns outros escotistas quando num final de reunião, fomos tomar um chopinho, o que nada nos desmerecia claro, desde que não ultrapassemos a cota do bom senso, e nem estivemos com crianças presentes. Conversa vai, conversa vem, entramos no assunto de alguns pais, sem a intenção de censuras, mas somente ver as vantagens do escotismo para todas as famílias do Grupo, sem distinção.
Um dos chefes foi bastante franco quando se referiu ao pai de Lito. – Olhem, não tenho a menor dúvida. Acho que ele pertence à máfia chinesa. Uma vez o vi em uma praia, todo tatuado como são os membros da yakuza. Ficamos amatutados com tal observação. Víamos algumas vezes comentários na imprensa, mas sem definir quem, quando e onde.
Num acantonamento, já no fim da tarde, duas assistentes dos lobinhos saíram do sítio, a procura de um bosque para montar um jogo. Quando andaram menos de 150 metros, avistaram um carro preto, encostado na estrada, cuja vista escondia toda a entrada.
Sentados embaixo de uma árvore, dois indivíduos trajando terno preto e ambos de óculos escuros percorriam com os olhos toda a jornada feito por elas. Bem abaixo, perto de uma pequena elevação, outros dois. Claro, não havia a menor dúvida. Eram seguranças do Lito a mando do seu pai. Todo o cuidado era pouco.
O medo do seqüestro era grande. Quando soube vi com certeza que ou ele era um mafioso ou um grande industrial, mas sua maneira arrogante no trato com os seguranças, sua autoridade quando falava ou olhava para alguém dizia que não era qualquer um. No grupo conversava pouco, mas era presente nas reuniões de pais e Conselho de Grupo.
Lito pouco ligava. Para ele a vida era para brincar, estudar e ser lobinho. Não sabia como era em casa, mas acredito que cercado de cuidados devia não gostar muito. Como lobinho tinha muita liberdade, muitos amigos, muitas brincadeiras e a conquista de estrelas era para ele um objetivo de que não abria mão.
Em um sábado de agosto, ele não apareceu. Para todos na alcatéia foi surpresa. Desde que foi admitido nunca faltou à reunião. Não era norma perguntar aos pais ou telefonar. Claro sabiam que um impedimento qualquer devia ter acontecido. Mas no sábado seguinte também não veio. Nenhum contato dos pais.
No terceiro sábado começamos a ficar preocupados. Se os pais quisessem sua saída da alcatéia não teriam agido deste modo. Calados, sem comunicação e sem contato. Não era estilo deles. Nunca foram ausentes e tenho certeza tinham investigado a vida de cada assistente, de cada escotista. Por suas maneiras de agir sem sombras de dúvida que confiavam e muito no Grupo Escoteiro.
O Chefe do Grupo resolveu ir à casa de Lito na manhã de um domingo. Foi barrado na porta por um segurança. Identificou-se e mesmo assim não foi recebido. Ficou magoado com o tratamento. Não acreditava que os pais agissem daquela forma.
Quando ia saindo, viu dois carros da policia adentrando na mansão. Como um mais um são dois, é claro que houve alguma coisa para ter aquele aparado policial. Ele sabia da posição do pai, junto à sociedade local. Era benquisto, mas a “boca pequena” corria o boato de sua atuação mafiosa e onde a fogo todo mundo sabe o que acontece.
Era melhor não perguntar e se possível nada dizer aos escotistas do Grupo. Calar agora seria o melhor remédio. Seu silencio, no entanto não foi estendido muito tempo. A pressão da Akelá para uma resposta ou mesmo uma explicação era sempre presente.
Ele pediu cautela e prudência nos seus relatos, pois caso contrário poderiam sofrer represálias e comparativamente não tinham nenhuma defesa ou mesmo autoridade para adentrar na vida de alguém tão influente.
Mas o tempo não dá trégua. A voz também não. Corria o boato que Lito tinha sido seqüestrado. Por não ter os meios de comunicação anunciado ou mesmo comentado, poderia ser verdade. Sempre nestes casos se pede silencio.
Um mês, nenhuma notícia de Lito. Após 45 dias, nossa preocupação estava agora sobre controle e no inicio da reunião apareceu sorrindo e brincando nada mais nada menos do que o Lobinho Lito. Acompanhado de seus pais e em cada ponto do pátio um segurança.
Não havia o que dizer, pois a alegria substituiu todo o medo e o receio do que pudesse acontecer daí para frente. O pai pediu desculpas, não entrou nos detalhes e explicou que em todas as reuniões pelo menos até o final do ano ele tinha que manter os seguranças dentro e fora do pátio. Que não nos preocupássemos. Nada de mal aconteceria a ninguém.
Ali era dizer não e Lito não voltar ao Grupo ou concordar e manter Lito no Grupo. A segunda opção foi aceita. Aos pais foi dado uma explicação simples de como era a família de Lito e que isto poderia proteger também os seus filhos. Alguns não concordaram e retiraram seus filhos.
Antes do desfecho final da reunião, vi Lito em pé e em volta vários lobinhos, escoteiros, escoteiras seniores e guias, enfim um bom número de jovens ouvindo as histórias de Lito, comentando seu seqüestro. Seu pai tinha pedido para nada dizer, mas ele sempre aberto franco, contou o que aconteceu.
Na saída da escola muitos bandidos renderam os dois seguranças e o levaram. Colocaram uma venda e ele não viu nada. Só tiraram quando ficou em um pequeno quartinho, sem TV sem nada. Chorou muito, mas não adiantou. Aos poucos foi se acostumando com a penumbra e suas refeições era um marmitex cujo menu além de ruim ele nunca tinha comido.
Tinha muita fome e aprendeu a comer de tudo. Em poucos dias parou de chorar. Lembrava de Mowgli, que não tinha medo de Shere Khan e ele como lobinho também podia enfrentar. Lembrou da lei do lobinho e viu que tinha de manter os olhos e os ouvidos abertos. Assim adormeceu e sempre adormecia quando a tristeza invadia e lembrava-se de seus pais e seus amigos lobinhos.
Não tinha mais noção do tempo. Não sabia se era noite ou dia. Quando dava sono dormia se não ficava sentado em um colchonete e quando dava cantava algumas canções que a alcatéia tão bem cantava. Era assim que vivia aquele momento tão incerto.
Foi em um dia que acordou sorrindo. Seu sonho tinha sido maravilhoso. Um chefe Escoteiro já velho, uniformizado e com barbas brancas, sorrindo como se fosse seu avô, lhe deu o Melhor Possível e ele prontamente respondeu. Disse o Chefe que ele não se preocupasse, pois o Cavalo Dourado iria no dia seguinte libertá-lo, e ele iria ao encontro dos Chefes que vivem no Grande Acampamento das Nuvens Brancas.
Ele não sabia o que era aquilo. Mas acreditou no Chefe. Logo que acordou viu junto a ele um grande e belo cavalo. Todo dourado, brilhante com faíscas em diversas partes, como se fossem milhões de vagalumes em suas volta.
Sorriu e montou no cavalo. Logo se viu correndo pelas campinas, voou para o céu e em poucos minutos se encontrava em um local lindo, cheio de escoteiros, lobinhos, chefes, um jardim, muitas barracas, jovens correndo daqui para ali, e não paravam de sorrir e cantar canções escoteiras.
Viu então próximo a uma pedra branca como leite, sentado a moda índia, o chefe que havia o visitado no seu sonho. Sorridente, levantou e cumprimentou Lito, dizendo para ele que era muito bem vindo, mas não podia demorar, pois seus pais estavam muito preocupados. Iria levá-lo até um local na terra, onde ele poderia telefonar e seus pais iriam buscá-lo com presteza.
Sentiu os olhos chamejantes e quando esfregou e os abriu, estava em um posto de gasolina. Correndo pediu a um homem que telefonasse para seus pais. Deu o numero e em pouco tempo o posto de gasolina estava cheio de carros da policia e seus pais também chegaram.
Muitos abraços, à volta para casa, à lembrança do Cavalo Dourado, do Chefe Escoteiro do Acampamento das Nuvens Brancas. Seus pais sorriam, fingiam acreditar, mas sabiam que aquilo era um sonho de Lito. A realidade devia ser outra.
Eu também não acreditava. A maioria dos jovens ficaram fascinados com a história de Lito. Ali mesmo ele foi aclamado como herói e todos queriam saber como encontrar o Cavalo Dourado e o Grande Acampamento. Ele não soube explicar.
Meses se passaram. Ficamos sabendo que dois membros da quadrilha de seqüestradores foram presos. Outros seis não tiveram a mesma sorte. Morreram de maneira cruel, como se fosse uma vingança e melhor não especificar como. Um dos presos contou que Lito sumiu em um dia mesmo com a porta trancada. Ela não fora aberta. Continuava trancada. Não sabiam como ele tinha escapado, pois onde estava não tinha janelas, só a porta.
Eu também fiquei encafifado, mas acreditar na tal historia do Cavalo Dourado seria impraticável. O que aconteceu realmente não sei. Ninguém soube explicar. Mas Lito continuou por muitos e muitos anos ainda no Grupo Escoteiro. Mesmo na tropa, contava a mesma história e soube por amigos que agora como sênior mantêm sem mudar uma vírgula, a história do Cavalo Dourado...
E quem quiser que conte outra...
Não permita que a dificuldade lhe abra porta ao desânimo porque a dificuldade é o meio de que a vida se vale para melhorar-nos em habilitação e resistência.
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